Importações nos deixam mais ricos. Então por que somos contra?
By Carlos Pio @carlosrpio · On Mercado Popular, 13/10/2015
Os brasileiros adoram produtos importados, mas não aceitam a ideia de que todo mundo deve ter a liberdade para importar o que bem entender. Adoram viajar para o exterior — e sempre que retornam ao país trazem as malas abarrotadas de roupas e calçados, aparelhos eletroeletrônicos, bebidas e guloseimas as mais diversas, perfumes, batons e maquiagens.
Em Miami,compram tudo o que encontram pela frente, por preço e qualidade mais vantajosos do que está disponível no mercado brasileiro. Os brasileiros também consomem importados dentro do país — nos supermercados, adegas, restaurantes, petshops, farmácias, shopping centers, feiras populares. Se o importado for melhor ou mais barato que o produto feito no Brasil, os turistas brasileiros compram.
Da mesma forma que o consumidor comum, empresários brasileiros de todos os ramos também importam aquilo que podem para modernizar ou baratear a produção. Do agricultor ao industrial, passando pelos profissionais liberais e pelos fornecedores de todo e qualquer serviço, empresários usam importados para atender melhor (e mais em conta) as exigências dos clientes. Sabem, na prática, que os importados geram economias e ganhos de qualidade fundamentais para ganharem da concorrência.
Não existe “produto nacional”
Definir um produto como nacional é, sem sombra de dúvida, uma arbitrariedade. Na complexa economia em que vivemos, é também cada vez mais difícil definir se um produto ou serviço é “nacional” ou “importado”. Quase nada é inteiramente produzido num único país, sem qualquer uso de matéria-prima ou tecnologia feitas no exterior.
Por que um avião da Embraer (empresa brasileira de construção de aviões) é considerado nacional, se o uso de componentes importados chega a 80% do custo de cada aeronave produzida? E o que dizer de um serviço que, mesmo produzido no país, é realizado por um trabalhador estrangeiro, com insumos importados e numa empresa multinacional?
Se não existem bens ou serviços exclusivamente nacionais, não seria contraditória a disposição de proteger os empresários brasileiros? Algumas importações permitem que praticamente toda e qualquer empresa, dos mais diferentes setores, passe a produzir mais e melhores produtos/serviços com um custo menor. Não seria arbitrário proibir esse tipo de importação? Infelizmente, os obstáculos ao comércio internacional são ainda a regra no Brasil, um dos países com economia mais fechada do planeta.
Voltemos ao paradoxo destacado no início do artigo. Perguntássemos aos compradores de bens e produtos importados se eles seriam favoráveis a uma profunda abertura da economia brasileira às importações, muitos provavelmente expressarão desconfianças e temores, quiçá certezas, de que a abertura da economia não faria sentido algum, seria nociva aos interesses e à soberania nacionais, provocaria desemprego e quebradeira geral de empresas, levaria o país a uma crise em função da sua inundação por produtos importados mais baratos e de melhor qualidade que aqueles produzidos localmente. Muitos assentariam sua defesa da proteção comercial no alegado “fato” de que não há país que não recorra à proteção de sua indústria nacional, de setores estratégicos ou dos empregos. “Olhe para os Estados Unidos”, diriam muitos, “nem eles que são liberais e que têm a economia mais eficiente do mundo praticam uma política dessa natureza.”
O que se perde fechando a porta para as importações?
Há sérios problemas nos argumentos de quem defende a proteção de produtores locais contra importações de insumos, tecnologias e componentes mais baratos e de melhor qualidade. No que se segue, discutirei os mais graves dentre eles.
- Importar mais é fundamental para que empresas locais e consumidores economizem recursos preciosos e possam consumir mais (o que aumenta o bem-estar das pessoas) e investir ou lucrar mais (favorecendo crescimento econômico). Em contraste, obrigar os consumidores e produtores locais a comprarem apenas os bens e serviços de fornecedores locais, mais caros e/ou de pior qualidade que os importados, é antieconômico, provocando queda do bem-estar e do investimento;
- Quanto importamos tecnologia a custo mais baixo do que seria possível encontrar no mercado local, a importação aumenta a produtividade das firmas – ou seja, será possível produzir mais riqueza gastando menos recursos. Maior produtividade leva a aumentos na renda, produção, qualidade do produto e salários dos trabalhadores, além de forçar os preços para baixo;
- Maior liberdade para importar — menores impostos, fim das proibições e maior simplicidade burocrática — é requisito essencial para a inserção de empresas localizadas no país em cadeias transnacionais de comércio — viabilizando a produção em escalas muito maiores. A maior parte dos produtos manufaturados dependem dos fornecedores de componentes, tecnologias e matérias-primas localizados em diversos países. Não importa se o bem é mais complexo, como aviões, automóveis ou eletroeletrônicos, ou mais simples (pen drives, utilidades domésticas, eletroportáteis, brinquedos, etc). O que importa é a liberdade de cada fornecedor para importar todos os insumos que quiser, de onde quer que eles venham. Sem tal liberdade, será quase impossível garantir que as empresas brasileiras tenham preço e qualidade competitivos internacionalmente;
- Importados pressionam produtores locais a manter preços competitivos, contribuindo assim tanto para o combate à inflação (sem a necessidade de aumentar juros) quanto para a modernização das firmas, para que possam reduzir custos e preços;
- Acesso a amplo leque de importados mais baratos e de melhor qualidade do que o produto local promove o investimento e o emprego em setores e regiões brasileiras onde é menos custoso e mais lucrativo produzi-los, desconcentrando geograficamente a produção. Além disso, promove mais negócios em todas as partes em função dos menores custos;
- Mais importação não leva à crise cambial, o protecionismo é que gera a escassez de divisas. Tudo o mais igual, quanto maior a demanda por importados, mais cara será a moeda estrangeira. Num regime de câmbio flutuante como o atual, a depreciação do real naturalmente desestimula importações, que ficam mais caras na moeda local. Comércio mais livre pressiona o governo na direção de uma política econômica de melhor qualidade, sem manipulação de preços e com equilíbrio fiscal. Todas as crises cambiais vividas no Brasil ocorreram em função de péssima gestão macroeconômica em contexto de forte protecionismo comercial.
Países que impõem tarifas mais altas sobre as importações tendem a participar menos do comercio internacional (veja no gráfico abaixo). Com isso, eles perdem o que economistas chamam de “ganhos do comércio”, isto é, a capacidade de garantir maior bem-estar à sua população e mais eficiência às firmas nele instaladas por meio da ampliação da liberdade de comprar importados e vender para o exterior.
Sem que todos os cidadãos e empresas tenham total liberdade para importar o que bem entendam, com alíquotas módicas e sem burocracia, a economia nacional se torna cada vez menos produtiva. Os custos de produção ficam mais altos do que os dos concorrentes estrangeiros, diminuindo a competitividade dos produtores locais tanto na economia global, quanto na própria economia nacional, e reduzindo ganhos potenciais de escala; o atraso tecnológico se generaliza e prejudica a qualidade do que se produz localmente; a concorrência cai e os preços sobem, difundindo maiores custos, em cascata, para todas as empresas locais que são obrigadas a comprar de produtores nacionais; por fim, a pressão política por proteção se generaliza e mesmo produtores eficientes acabam por demandar proteção contra importados.
Dinamicamente, numa espiral destrutiva, o protecionismo afunda todo o país (firmas e famílias) num mar de incompetência e privilégios. No entanto, as menores empresas, as famílias mais pobres e as regiões menos avançadas são as que sofrem mais.
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