Declaração de voto:
um manifesto pessoal
Paulo
Roberto de Almeida
Dez pequenas regras eleitorais
Não! Contrariamente ao que diz o título, não
vou declarar o meu voto nas próximas eleições, para qualquer candidato que seja
dentre a dezena de pretendentes ao cargo supremo na nação. Não é esse o
objetivo a que aspira este texto, cuja única intenção é a de fixar alguns
parâmetros pelos quais eu vou decidir o meu voto, independente de qual seja
ele. Não vou definir quais são meus candidatos preferenciais, nem pretendo
influenciar os leitores ou lhes sugerir um nome ou outro dentre os candidatos
em liça. Trata-se apenas e tão somente de uma declaração de cunho moral.
Os que me leem habitualmente, neste espaço ou
em outro qualquer, e os que por acaso passarem por aqui ou vierem a tomar
conhecimento deste ensaio, podem ficar seguros de que não faço, nunca fiz, jamais
farei propaganda para alguém, para qualquer candidato, de qualquer partido, tanto
porque nunca pertenci a qualquer um deles, jamais pretendo ingressar em algum,
nem milito por alguma causa política institucional. Meus poucos objetivos na
vida cívica são: os de querer a política da verdade e o simples respeito à
lógica; de manter um compromisso intransigente com a honestidade – acima de
tudo intelectual, mas também política –, metas que podem ser complementadas
pelo engajamento na causa das liberdades democráticas e pela luta sem qualificativos
pelos direitos humanos, sem qualquer concessão a ditaduras, ou a ditadores,
caudilhos, líderes populistas, aos embromadores políticos habituais e outros
patifes eleitorais. Pode parecer antiquado, mas é o que me basta.
Sendo assim – certo de que o que vai acima
ficou muito claro – devo talvez começar por dizer, não exatamente quais são os
meus parâmetros de escolha eleitoral (pois existem muitas variáveis envolvidas),
mas quais são os padrões concretos e quais são as situações políticas que rejeito absolutamente,
pois esses elementos já fornecem uma base de julgamento sobre o quê,
exatamente, vai determinar o meu voto e as minhas escolhas eleitorais no próximo
escrutínio. A rejeição de certos “pecados” políticos já representa um começo razoável
para o estabelecimento ulterior de uma plataforma de acolhimento do que eu chamaria
de “boas virtudes” na vida cívica.
Pretendo, portanto, oferecer uma lista negativa
do que entendo serem os critérios que me guiam na recusa de vários candidatos e
na escolha de um, preferencialmente a todos os demais, numa espécie de coleção
de reflexões de ordem geral sobre o que me parece importante no jogo eleitoral.
Sabendo exatamente o que eu não desejo que continue na política brasileira
posso assim descartar o que me parece inconveniente desse ponto de vista. Que
fique claro que estou sendo o mais realista possível. Partilho, como muitos de
meus leitores, ou com todas as pessoas de minha condição – ou seja, classe
média bem informada, incluída digitalmente – o sentimento de rejeição a tudo o
que vemos de errado na política brasileira. Mas não sou ingênuo, ou
desinformado, a ponto de acreditar que o meu voto de protesto contra isso que
vemos se expressaria melhor por uma das três formas de “negatividade” que
muitas pessoas tendem a escolher: a abstenção, ou ausência do processo
eleitoral, ou o voto nulo ou branco.
Esse tipo de atitude só consegue fortalecer o péssimo
sistema já existente, ao ser um protesto absolutamente inconsistente. A abstenção
ou os votos nulos ou brancos podem favorecer quem já está na frente – que é
usualmente quem detém o poder e pode assim distribuir favores – e o “protestatário”
acaba elegendo quem ele menos pretendia que continuasse, pela diminuição do
quociente eleitoral. A minha negatividade, expressa nas regras que agora
exponho, se destina a uma boa escolha eleitoral, não a uma omissão do processo
político.
1. Sou contra os simplismos eleitorais
Muitos políticos pensam que os eleitores são,
de modo geral, idiotas, ou então ingênuos. Embora muitos possam sê-lo, em
virtude do baixo nível educacional da maioria de nossa população, em particular
de uma débil educação política, que nada mais é do que o reflexo da primeira,
os brasileiros costumam ser espertos, capazes de captar de modo relativamente
rápido se alguém é sincero ou não. Acontece que a grande massa dos cidadãos
eleitores carece de informações fiáveis e suficientes, de modo a poder formar
uma opinião fundamentada sobre as origens dos problemas sociais – e todo mundo
sabe que eles abundam – e sobre os meios para resolvê-los.
A prática habitual dos candidatos, em época de
eleição, é prometer desenvolver ações contra isso e mais aquilo, e a favor de
todos os brasileiros, dizendo que vão criar programas para isso e mais aquilo,
eventualmente através de um novo órgão estatal ou ministério. Nunca vi um
político dizendo claramente: “para resolver o problema ‘x’ são necessários ‘y’
de recursos; examinando-se o orçamento brasileiro constata-se que não há mais
espaço para aumentos da tributação; cumpriria portanto diminuir os gastos com a
rubrica ‘z’ para liberar recursos para esse programa”. Ou então, dizer
simplesmente: “não creio que cabe ao governo resolver esse problema, que pode
ficar a cargo da própria sociedade, por meio da iniciativa privada; para isso,
vamos eliminar essa tributação absurda que pesa sobre os empresários, e abrir
espaço para o investimento privado, o único capaz de criar renda e riqueza para
a sociedade”.
Invariavelmente, todos prometem aumentar a
oferta de empregos, embora poucos o fazem de verdade. Nunca vi nenhum deles
reclamar da alta carga que pesa sobre os salários no Brasil – sobre os lucros
também – ou dizer que a legislação laboral (e sindical) é anacrônica, e que com
elas vamos continuar exibindo baixas taxas de emprego formal e altas taxas de desemprego
aberto e disfarçado; jamais algum deles vai dizer que a rigidez do salário
mínimo simplesmente impede o emprego de milhões de trabalhadores de baixa
qualificação técnico-profissional.
De modo geral, a simplificação do debate
político no Brasil é extrema e os candidatos continuam se esforçando para
torná-lo ainda mais simplista e enganador. Talvez seja por recomendação dos
responsáveis da campanha, que tendem a nivelar por baixo; mas o fato é que os
discursos e as propostas estão sendo veiculadas como se destinassem a crianças
da quarta série, ou a pessoas incapazes de compreender o modo de funcionamento
de uma economia moderna. As campanhas eleitorais deveriam justamente servir
para educar o eleitorado, não para idiotizá-lo ainda mais.
2. Sou contrário aos reducionismos políticos
O que leva um político a responsabilizar a
falta de ação do Estado, a ausência de “vontade política” ou o descaso dos
antecessores pela existência de um problema qualquer em determinada área?
Provavelmente essa mesma atitude que estava presente no comportamento indicado
no item anterior: a tendência ao simplismo, que caminha de mão dada com o
reducionismo, ou seja, a atribuição de um problema qualquer a uma causa única,
geralmente equivocada, mas que passa a servir de motivo presumido para a
falência em questão.
O desemprego, por exemplo, já mencionado acima,
costuma ser atribuído à ausência de investimentos. O que faz então o político
candidato? Ele promete a criação de um programa qualquer, no âmbito do
ministério setorial, para “estimular” a criação de empregos, com algum anúncio
de apelo popular. Tal foi o caso, por exemplo, do programa “Primeiro Emprego”,
lançado pelo governo Lula desde o primeiro ano de seu governo: definhou até que
ninguém mais mencionasse sequer a sua existência. Por que falham esses
programas voluntaristas? Porque justamente tendem a atribuir a uma causa
simples a inexistência de empregos, deixando de focar no conjunto de condições
do mercado de trabalho que simplesmente desestimulam os empresários a empregar
mais jovens: ausência de educação profissional e capacitação técnica, excesso
de tributação e de regulamentação sobre o mercado de trabalho, rigidez das
normas trabalhistas e tendência da “justiça trabalhista” – uma excrescência
brasileira que nem deveria existir – a sempre dar ganho de causa ao
trabalhador, penalizando a cada vez o empregador.
Não me lembro de ter ouvido qualquer candidato,
em qualquer época, discutir esse conjunto de problemas que afeta milhões de
brasileiros e impede o crescimento do emprego e, portanto, da renda. O mesmo
tipo de reducionismo figura em várias outras questões da mesma espécie:
candidatos preferem encontrar uma causa simples, geralmente equivocada, em
lugar de se munir de análises técnicas isentas, e baseadas em dados fiáveis,
para expor o problema em toda a sua complexidade.
3. Sou contra populismos e demagogias
“Soluções” de grande apelo popular são comuns
em épocas eleitorais, geralmente com a transferência dos custos para o conjunto
da sociedade, mais diretamente contra os empresários. Um exemplo típico, aliás,
já em curso de utilização no Brasil, é essa tendência de prometer algum
benefício social para categorias específicas, jovens ou velhos, por exemplo. A
multiplicação dos benefícios para idosos – como passagem reduzida nos ônibus
interurbanos ou gratuita em ônibus urbanos – ou para estudantes – com a
disseminação de meias entradas, inclusive para professores, nos ingressos de
espetáculos – apenas transfere para o conjunto da sociedade os custos de uma medida
demagógica que os políticos querem empurrar para os empresários e os trabalhadores,
de modo geral.
No mesmo sentido vai a redução da jornada de trabalho
sem redução de salário, o aumento da licença-maternidade para trabalhadoras
grávidas, ou a promessa de transporte gratuito para mulheres no transporte
coletivo: o único resultado só pode ser a diminuição da empregabilidade para o
conjunto de trabalhadores, em especial para as mulheres em idade reprodutiva. Ocorre,
também, o aumento preventivo – e a corrupção, como é previsível – no sistema de
transporte coletivo em zonas urbanas, o qual, aliás, já funciona em condições
inaceitáveis de cartelização e de deformação dos regimes de concorrência e de concessão
(o mesmo parece acontecer no caso da coleta de lixo).
Os maiores abusos dos candidatos se prendem
geralmente a promessas de aumento do salário mínimo, de construção de escolas e
hospitais, de ampliação dos serviços públicos e compromissos do mesmo gênero. Não
existe, obviamente, qualquer correspondência dessas promessas com a existência
de estudos técnicos vinculados aos anúncios efetuados, em típicas atitudes de
palanque.
4. Sou contra os exercícios de mistificação
política
A mistificação política, muito associada à
mentira, ocorre quando o candidato deforma as políticas dos adversários, se
atribui feitos que não lhe são de direito (ou seja, se torna um usurpador), se
arvora em criador de todas as coisas e patrono de todas as bondades a serem
promovidas pelo Estado (ou seja, com o dinheiro de todos nós). Mistificação
política ocorre quando o candidato divide a sociedade em “membros da elite”, de
um lado – à qual ele diz, obviamente, que não pertence, mesmo sendo
manifestamente parte da tropa, qualquer que seja o seu nível de renda – e, de
outro, essa categoria mítica que se chama “povo”, que são todos os que votam,
de preferência em favor do candidato. Mistificação existe sempre e quando o
candidato pretende encarnar todas as virtudes e seus opositores possuiriam
todos os defeitos. Mais ainda: apenas ele e suas políticas têm o poder de
satisfazer os desejos e as necessidades do “povo”, sendo que os adversários –
ou “inimigos” políticos, como esse tipo de personagem vê seus concorrentes
eleitorais – trabalhariam em favor das “elites”. O bom mistificador vem de uma
longa carreira de enganação, inclusive no sentido de se iludir a si mesmo e
seus companheiros de luta política, tendo construído uma carreira quase toda na
base da embromação e da enganação. Ele começa por apropriar-se de tudo o que
lhe parece conveniente, mesmo de propostas e realizações de seus adversários, aos
quais e às quais antes criticava e se opunha, mas que se apressa em adotar na
nova conjuntura, por puro oportunismo político.
5. Sou contra os imitadores e falsificadores de
todo tipo
Imitar é um recurso de quem se inicia numa nova
atividade, sendo muito comum nos processos de industrialização e de
modernização tecnológica. Ou seja, está muito afeto ao mundo empresarial, à
concorrência entre ofertantes de produtos no mercado. Pode ser que o jogo
político também seja regido pelas leis da oferta e da procura, onde tem sucesso
quem consegue entregar aos “clientes”, ou eleitores, aquilo que eles demandam
como “bens ou serviços”: obras, segurança, empregos, maior renda, perspectivas
de um futuro melhor, etc. De fato, o jogo eleitoral se dá geralmente numa arena
aberta, com poucas barreiras à entrada, embora algumas sejam necessárias, como
a lei da “ficha limpa”, por exemplo, que equivaleria a cassar o registro da
empresa que frauda sobre a sanidade dos produtos ofertados ou pratica mentira
deliberada sobre suas qualidades intrínsecas.
No jogo político, como na vida empresarial, é
inevitável alguma imitação do que faz sucesso, embora eu seja contrário a esse
tipo de apropriação indébita. Ruim mesmo é a falsificação de qualidades que
pertencem manifestamente a outrem em benefício próprio, o que se aproximaria de
roubo consciente. Pior ainda quando o candidato se utiliza do legítimo sucesso
conquistado em outra esfera da vida pública – um radialista muito escutado, por
exemplo, um artista muito admirado de novelas ou do cinema, um cantor campeão
de vendas – para tentar vender a imagem de que também seria estupendo no
parlamento ou em algum cargo executivo. É muito frequente a imprensa consultar
um prêmio Nobel qualquer – geralmente das ciências ou da literatura – para
saber sua opinião sobre um aspecto qualquer da vida política ou social: o
resultado costuma ser um completo desastre, com raras exceções. Se até prêmios
Nobel em economia costumam abusar de sua condição para oferecer “soluções”
arrevesadas aos problemas econômicos de um país distante ou para dar a sua
“receita” para “acabar com a crise”, por que personalidades públicas de outras
esferas que não a política não poderiam tentar sua sorte nessa arriscadíssima
profissão? O resultado costuma ser medíocre, o que justifica minha oposição a
esses imitadores e falsificadores de uma nova espécie. Mas atenção: eles também
existem, e em abundancia, no próprio meio que lhes é costumeiro, dai meu alerta
para se ficar vigilante.
6. Sou contra a lei dos benefícios imediatos,
sem pesar os custos no futuro
Um dos efeitos mais tenebrosos da atividade
política está justamente no conceito central desta frase: as consequências que
essa atividade provoca como resultado de ações pensadas no plano imediato,
tendentes a produzir resultados eleitorais em dois ou três anos apenas. Candidatos
sempre prometem mais do que podem cumprir, mas algo da plataforma eleitoral
eles têm de atender, sob risco de descrédito nas próximas eleições: geralmente
são obras vistosas, aumento de salário mínimo ou de pensões e aposentadorias,
construção disso e mais aquilo, enfim, tudo o que for mais visível e
propriamente físico, como são costumeiramente as obras de infraestrutura.
O problema desse tipo de imediatismo eleitoral
e político é duplo: por um lado ele compromete o equilíbrio das contas
públicas, caso a soma das promessas seja superior às disponibilidades
orçamentárias (e ela sempre é, por definição); por outro, ele atua sobre o
visível e imediato, justamente, em detrimento do que é menos vistoso ou de
longo prazo. Exemplificando o segundo aspecto: não existe dúvida de que políticos
oportunistas adoram inaugurar obras – em alguns casos exagerados, se “inaugura”
até pedra fundamental ou anúncio de um novo programa – deixando de lado obras
menos visíveis como saneamento básico ou a melhoria da qualidade da educação,
que é uma tarefa de longo prazo e notoriamente difícil de ser realizada (por
envolver categorias corporativas como podem ser os sindicatos de professores,
sempre atentos ao nível de seus salários nominais, mas bem menos em relação à
qualificação de seus associados, ou à sua produtividade).
No primeiro aspecto, também é notório o
crescimento da dívida pública e da carga tributária, sem falar dos juros
nominais, elementos vinculados entre si, quando não provocadores de uma quarta
consequência que é a erosão do poder de compra da moeda, caso o governo decida
incorrer no pecado emissionista. Exemplificando com o caso brasileiro, a carga
tributária vem aumentando continuamente, desde a promulgação da Constituição de
1988 – pela esquizofrenia garantista de direitos que perpassam quase todos os
seus artigos -- e de forma consistente desde 2003, em termos reais, ou seja,
acima da inflação e acima do crescimento do PIB, e isso independentemente dos níveis
de déficit fiscal (primário ou nominal, isto é, final) e do tamanho da dívida
interna. Não se pode dizer, por outro lado, que os juros brasileiros, sendo em
média o dobro ou o triplo dos níveis mundiais, tenham sido reduzidos
significativamente, devendo ocorrer justamente o contrário, a partir da elevação
da dívida bruta total. Estas são as “heranças malditas” a serem deixadas ao
próximo governo, qualquer que seja ele.
7. Sou contra a embromação, a mentira, a propaganda
enganosa
Toda propaganda é, por definição, enganosa,
destacando as qualidades de um produto qualquer, escondendo aspectos eventualmente
menos interessantes. Governos não deveriam fazer propaganda, apenas prover
informações; e mesmo assim não por meios próprios e, sim, utilizando-se dos
canais habituais do mercado. Em épocas eleitorais, a propaganda fica ainda mais
enganosa, chegando ao nível da desfaçatez. Governos desprovidos de valores
democráticos consistentes abusam da sua capacidade financeira em encomendar e fazer
suas própria propaganda, tanto quanto candidatos sustentados por fortes
interesses econômicos. Exageros são esperados em campanhas eleitorais, até as
mentiras habituais. Mas existem, obviamente, diferenças de grau.
A combinação de candidaturas oficiais com
governos sem princípios oferece a oportunidade para a exacerbação da propaganda
maciça, feita de recursos públicos, com a utilização descarada da máquina
pública para a consecução do objetivo principal. Uma legislação eleitoral mais consistente
e a circunstância de juízes eleitorais atentos poderiam representar algum
constrangimento; mas, como sempre, a justiça eleitoral é tarda e falha: ela não
age por motivação própria, apenas quando provocada. Na ausência, portanto, de
fortes contrapesos institucionais ou de freios morais – o que, contudo, pode
ser raro em personalidades megalomaníacas
–, todas as características indicadas no título desta seção podem ser
levadas ao seu ponto máximo de abuso continuado. A rigor, elas poderiam ser hipóteses
meramente plausíveis da presente conjuntura política; inexistindo, porém, os
contrapesos institucionais, elas se tornam não apenas possíveis, como
inevitáveis.
8. Sou contra paternalismos e pretensas
familiaridades
Sistemas políticos pouco evoluídos podem
apresentar essa característica de suposta familiaridade entre os candidatos e
seus eleitores, com mensagens de cunho pessoal sendo veiculadas pelos
candidatos e líderes políticos. Nessa visão, os eleitores são tratados, não
como cidadãos dotados de direitos e deveres correspondentes aos dispositivos
constitucionais, mas como seres dependentes de favores públicos, num esquema
primitivo de vínculos afetivos que mascara o sentido republicano do
relacionamento político. Numa versão exagerada dessas falsas intimidades, o
candidato diz pretender ser um “pai”, ou uma “mãe” para todos os “filhos” do
país, e tratá-los com todo o “carinho” que um pai ou uma mãe dispensaria aos
seus próprios filhos. Trata-se, obviamente, da mais pura hipocrisia política,
ou então reflexo, mais uma vez, de personalidades megalomaníacas, que pretendem
ser donos dos desejos e vontades dos cidadãos e eleitores do país. O que se
espera de um candidato não são gestos hipócritas de quem pretende afagar a
cabeça de eleitores ingênuos, com palavras mentirosas denotando essa falsa
aproximação e intimidade, mas a exposição clara de quais são suas propostas de
governo e como pretende implementá-las. Adotar a atitude paternalística
significa infantilizar todo um povo.
9. Sou contra políticos de duas faces e que
praticam ambiguidades
Atitudes muito comuns, também, em candidatos
camaleões: como o eleitorado de uma sociedade complexa, multicultural e
religiosamente diversa, é feito de diferentes estratos sociais, com
comportamentos opostos e até conflitantes, candidatos “espertos” pretendem
ficar bem com todas essas correntes de opinião, adotando a atitude que mais lhes
convém para ser aceito por um grupo específico de opinião. Não é raro um
candidato ateu, ou simplesmente descrente, fazer profissão de fé e até cortejar
adeptos de uma dada religião que, por acaso, possui certa expressão política no
parlamento; as bancadas “confessionais”, aliás, apresentam tendência à expansão
no cenário político, como a própria “indústria religiosa” que lhes serve de
motor e de alavanca eleitoral. A mesma hipocrisia se revela, com os tons da ambiguidade,
em relação a assuntos controversos como podem ser o aborto ou o casamento gay.
Mesmo em assuntos estritamente políticos,
candidatos camaleões pretendem conservar apoios regionais ou setoriais,
mantendo um discurso para cada público, ou fingindo “raízes” ou “influências”
sabe se lá de que vertente cultural popular ou regional, ou desta ou daquela
categoria profissional. Muitas vezes, essas tentativas são apenas patéticas,
mas também podem se aproximar do ridículo, quando não da desonestidade
política, pura e simples. Em outras ocasiões, a dupla face tem uma dimensão
diacrônica, que é representada por alianças correntes que eram consideradas
impróprias ou imorais, em épocas anteriores; ou então pela defesa atual de
posições que o candidato atacou ou abominou no passado, ou vice-versa, não
importa: não existe a mínima preocupação em se explicar ou se escusar, basta seguir
em frente.
10. Sou contra a utilização de símbolos
populares para fins de exploração política, inclusive a religião, supostos
artistas populares, figuras do passado, etc.
Pode ser apenas oportunismo político, esperteza
conveniente, ou ainda cálculo utilitário, mas é muito frequente essa
“promiscuidade” com figuras, símbolos, imagens dotados de certo apelo popular,
não importando muito a trajetória anterior do candidato. Procissões, dias
consagrados, templos e memoriais, falsas amizades, tudo serve para tentar
contabilizar mais alguns votos a favor. Ar compungido, sorriso amarelo, falso
interesse naquele “milagreiro” criado pelas crendices locais, todos os
trejeitos são esperados do candidato convertido oportunamente ao primitivismo
das tradições populares para fins imediatistas. Muitas vezes é preciso deixar o
cérebro descansando enquanto se frequenta o novo (e desconhecido) ambiente, já
que dificilmente o candidato possui a familiaridade com o tal “ícone popular”
que sua propaganda mentirosa diz que ele tem.
Voilà, já alinhei as minhas rejeições ou objeções de
natureza política (na verdade, bem mais de ordem moral) quanto aos perfis ou
condutas que possam ser adotados pelos candidatos, e que me fazem rejeitá-los
por princípio. Não preciso, portanto, declarar minhas preferências eleitorais. Qualquer
cidadão medianamente educado politicamente pode fazer suas escolhas em total
autonomia de pensamento.
Paulo Roberto de
Almeida
Hartford,
9/08/2014