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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sábado, 11 de abril de 2015

A Alca, as hienas, os vira-latas e os intelectuais progressistas - Celso Amorim, Paulo Roberto de Almeida

Abaixo um artigo de duvidosa qualidade, assinado por um dos principais arquitetos da política externa do lulo-petismo. Antes, contudo, minhas observações sobre ele.
Desculpo-me pela extensão de meus próprios comentários, mas como o ex-ministro faz um apelo a um vibrante debate que os intelectuais progressistas devem levar contra os "liberais de todos os matizes" (sic), que suponho sejam as hienas e os vira-latas, eu, como não me identifico com nenhum desses grupos, sendo apenas um anarco-pensador, um escrevinhador libertário, resolvi questionar alguns dos argumentos do ex-ministro.

A Alca, as hienas, os vira-latas e os intelectuais progressistas - a propósito de um artigo de Celso Amorim, por Paulo Roberto de Almeida 


O ex-ministro das relações exteriores (nos dois mandatos de Lula) e ex-ministro da Defesa (no primeiro mandato de Dilma Rousseff) assina um artigo no mais conhecido órgão aliado do partido hegemônico no Brasil, sob o título pouco transparente, e certamente pouco positivo, de “hienas e vira-latas” (sem dizer quem são, exatamente, mas se supõe quem sejam, pelo teor do artigo), no qual deblatera contra supostos inimigos das políticas progressistas dos governos lulo-petistas, que pretenderiam, segundo ele, trazer a Alca de volta ( (Carta Maior, 7/04/2015; http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/As-Hienas-e-os-Vira-Latas/4/33212). Ele então instiga os “intelectuais progressistas” a se prepararem para o debate em torno de questões importantes de política econômica, em especial de política comercial externa. Os supostos inimigos seriam os “liberais de todos os matizes” (sic), o que deve ser um exército impressionante de inimigos do atual governo, todos eles empenhados em derrotar teses “progressistas” e fazer o país regredir no caminho de seus avanços econômicos e sociais.

Não me considero intelectual, sequer liberal, muito menos regressista, mas como o ex-duplo-ministro toca em questões que fazem parte do meu universo habitual de pesquisa e de debates econômicos, justamente, seja em meu blog, em artigos ou em palestras e seminários, senti-me motivado a comentar o artigo em questão.
Em primeiro lugar, todo mundo tem o direito de chamar seu artigo como quiser, mas este título é particularmente impactante, para quem pretende chocar, e chamar a atenção dos ditos intelectuais progressistas para um debate necessários, e até mesmo para um combate prático. Com efeito, ele termina seu artigo por estas palavras:
“Ele [o debate] vai ser duro e não se dará somente nos salões acadêmicos ou nos corredores palacianos. Terá que ir às ruas, às praças e às portas de fábrica.”

Bem, então vamos a ele.
Quem, exatamente, quer aproveitar-se do momento de fraqueza do Brasil – mais exatamente de “vulnerabilidade política e econômica do nosso país” – para realizar este triplo crime?
1) O Brasil “deveria abandonar a sua preferência pelo sistema multilateral” e partir para acordos bilaterais, e para isso o Brasil deveria “buscar a ‘flexibilização’ do Mercosul, privando-o de sua característica essencial de uma união aduaneira”.
2) “O segundo pilar do tripé, que está sendo gestado em gabinetes de peritos desprovidos de visão estratégica, consiste em tornar o Brasil membro pleno da OCDE...”, e isto teria apenas um curto efeito de marketing (melhoria de rating), mas teria um “custo real, representado pela perda de latitude de escolha de nossas políticas (industrial, ambiental, de saúde, etc.)”.
3) “Finalmente – e esse é o aspecto mais recente da ofensiva pós-neoliberal – há quem já fale em ressuscitar a Área de Livre Comércio das Américas”, que “previa não apenas uma ampla abertura comercial em matéria de bens e serviços, de efeitos danosos para nosso parque industrial, mas também regras muito mais estritas e desfavoráveis aos nossos interesses do que as que haviam sido negociadas multilateralmente”, tudo isso patrocinado pela maior potência hemisférica e do mundo, e constituiriam “mudanças estruturais, que, caso adotadas, alterariam profundamente o caminho de desenvolvimento que, com maior ou menor ênfase, sucessivos governos escolheram trilhar.”

Então vejamos.
Quem vem propondo a flexibilização do Mercosul são os industriais da FIESP, que acham que estão perdendo oportunidades de acessar mercados mais amplos nessa união com a Argentina, que tem cerceado o acesso de seus mercados aos produtos brasileiros, e acham que conseguiriam melhores condições de acesso em acordos bilaterais com os EUA e com a UE. Seria isso verdade? Não sei, mas tudo é uma questão de negociação e de cálculos de competividade, o que não é difícil fazer.
O ministro não diz exatamente por que essa via seria perigosa para os interesses do país, mas argumenta isto:
“Sem perceber que a motivação principal da integração é política — já que a Paz é o maior bem a ser preservado — os arautos da liberalização, sob o pretexto de aumentar nossa autonomia em relação aos nossos vizinhos, facilitando a abertura do mercado brasileiro, na verdade empurrarão os sócios menores (não em importância, mas em tamanho) para os braços das grandes potências. É de esperar que não venham a reclamar quando bases militares estrangeiras surgirem próximo das nossas fronteiras.”
Uau, que perigo: sócios menores empurrados para os braços de grandes potencias. Mas esse não é um argumento de natureza econômica, e sim política.
Imagino o que o Paraguai e o Uruguai pensarão disso, eles que vêm pedindo liberdade justamente para negociar externamente, já que encontram o Mercosul bloqueado por medidas de cerceamento interno, e não de grandes potências.
Imagino que países maiores, que negociaram acordos de livre comércio com essa terrível grande potência – depois que a Alca foi implodida por Amorim e companheiros --- estejam hoje se lamentando por terem sido jogados nos braços desse sócio poderoso. Com efeito, Chile, primeiro, depois do México, mais o Peru e a Colômbia, negociaram e obtiveram acordos de livre comércio com o império. Eles estão reclamando, se sentem diminuídos, tiveram suas indústrias destruídas, perderam capacidade de formular e implementar políticas de desenvolvimento? Seria interessante examinar.

Quanto à OCDE, parece haver um certo exagero do ex-ministro, e as pessoas que pretendem aprofundar o relacionamento com esse clube de países ricos pensam justamente em aperfeiçoar a qualidade das políticas econômicas – macro e setoriais – do Brasil, provavelmente não no sentido da “Nova Matriz Econômica” dos companheiros, que nos levou justamente a esta situação atual de “vulnerabilidade”, o que o próprio ex-ministro reconhece. Suponho que sejam políticas mais próximas da Alemanha, do que da Grécia, não lhes parecem? E o que a Alemanha e a Grécia têm a nos oferecer atualmente? Seria o padrão OCDE mais próximo de uma ou de outra? Com a palavra o ex-ministro.

E, finalmente, quanto à possibilidade de renascimento da Alca, existe igualmente um notório exagero nas palavras do ex-ministro. Não consigo vislumbrar quem anda proclamando esse objetivo, mas talvez ele possa nos dar indicações mais precisas. Ao que parece, nem o próprio império está mais interessado nesse tipo de coisa, uma vez que já tem acordos comerciais com a maior parte do hemisfério, só faltando, justamente, esses grandiosos e gloriosos renitentes que são o Brasil, a Argentina e a Venezuela (além dos dois sócios menores do Mercosul e mais dois pequenos bolivarianos). Será que estes últimos países estão tão bem assim em termos de comércio exterior, libertos das amarras de algum acordo imperialista, ou de concessões amplas à UE?

Para o ex-ministro, esse tipo de concessão representaria uma ameaça à própria democracia brasileira. Será? Acho que ele está exagerando mais uma vez, mas apreciaria ler um novo artigo no qual ele nos explicasse exatamente em que acordos comerciais constituem uma ameaça à democracia. Aparentemente, todos esses potenciais parceiros – UE, EUA, asiáticos, outros latino-americanos – estão colocando suas democracias em perigo ao negociar esses acordos, bilaterais, plurilaterais, regionais, e até multilaterais. E o que dizer da China, que nem democracia é, mas que negocia avidamente novos acordos comerciais em sua região e fora dela?
Será que nossa democracia é tão frágil assim que não aguenta sequer acordos comerciais? Não acredito, mas com a palavra o ex-ministro.

Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 11 de abril de 2015


As Hienas e os Vira-Latas
Celso Amorim
Carta Maior, 10 de abril de 2015

Em ofensiva, hienas e vira-latas pregam até mesmo a volta da ALCA
publicado em  às 10:52

ALCA_MISERIA.2

07/04/2015 – Copyleft

Intelectuais progressistas, preparai-vos para o debate: os liberais de todos os matizes estão de volta, propondo até mesmo uma nova ALCA.

por Celso Amorim, na Carta Maior

Aproveitando o momento de vulnerabilidade política e econômica do nosso país, os defensores de uma integração dependente do Brasil na economia internacional estão lançando uma nova ofensiva, facilitada pelas agruras do ajuste fiscal, com queda nos investimentos governamentais e o descrédito – convenientemente estimulado – das empresas estatais, na esteira do escândalo da Petrobrás.

Em vez de atacar a raiz desses ilícitos, que é o financiamento empresarial das campanhas eleitorais (o que não diminui a responsabilidade dos transgressores da lei), os pós-neoliberais preferem investir contra os poucos instrumentos de política industrial que o Estado brasileiro ainda detém.

A estratégia é ampla e não se limita a aspectos internos da economia. Incide diretamente sobre a forma pela qual o Brasil se insere na economia mundial.

Três linhas de ação têm sido perseguidas.

Uma já faz parte do antigo receituário de boa parte dos comentaristas em matéria econômica: o Brasil deveria abandonar a sua preferência pelo sistema multilateral (representado pela Organização Mundial do Comércio) e dar mais atenção a acordos bilaterais com economias desenvolvidas, seja com a União Europeia, seja com os Estados Unidos da América.

O refinamento, não totalmente novo, é o de que, para chegar a esses acordos, o Brasil deve buscar a “flexibilização” do Mercosul, privando-o de sua característica essencial de uma união aduaneira. Sem perceber que a motivação principal da integração é política — já que a Paz é o maior bem a ser preservado — os arautos da liberalização, sob o pretexto de aumentar nossa autonomia em relação aos nossos vizinhos, facilitando a abertura do mercado brasileiro, na verdade empurrarão os sócios menores (não em importância, mas em tamanho) para os braços das grandes potências. É de esperar que não venham a reclamar quando bases militares estrangeiras surgirem próximo das nossas fronteiras.

O segundo pilar do tripé, que está sendo gestado em gabinetes de peritos desprovidos de visão estratégica, consiste em tornar o Brasil membro pleno da OCDE, a organização que congrega primordialmente economias desenvolvidas. Essa atitude contraria a posição de aproximação cautelosa seguida até aqui e que nos tem permitido participar de vários grupos, sem tolher nossa liberdade de ação.

A lógica para a busca ansiosa pelo status de membro pleno residiria na melhoria do nosso rating junto às agências de risco, decorrente do nosso compromisso com políticas de investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual (entre outras) estranhas ao modelo de crescimento defendido por sucessivos governos brasileiros, independentemente de partidos ou de ideologias. O ganho no curto prazo se limitaria, se tanto, a um aspecto de marketing, e seria muito pequeno quando comparado com o custo real, representado pela perda de latitude de escolha de nossas políticas (industrial, ambiental, de saúde, etc.)

Finalmente – e esse é o aspecto mais recente da ofensiva pós-neoliberal – há quem já fale em ressuscitar a Área de Livre Comércio das Américas, cujas negociações chegaram a um impasse entre 2003 e 2004, quando ficou claro que os EUA não abandonariam suas exigências em patentes farmacêuticas (inclusive no que tange ao método para a solução de controvérsias) e pouco ou nada nos ofereceriam em agricultura.

A Alca, tal como proposta, previa não apenas uma ampla abertura comercial em matéria de bens e serviços, de efeitos danosos para nosso parque industrial, mas também regras muito mais estritas e desfavoráveis aos nossos interesses do que as que haviam sido negociadas multilateralmente (i.e., no sistema GATT/OMC), inclusive por governos que antecederam ao do Presidente Lula. Tudo isso, sob a hegemonia da maior potência econômica do continente americano (e, por enquanto pelo menos, do mundo).

Medidas desse tipo não constituem ajustes passageiros.

São mudanças estruturais, que, caso adotadas, alterariam profundamente o caminho de desenvolvimento que, com maior ou menor ênfase, sucessivos governos escolheram trilhar.

Os que propugnam por esse redirecionamento de nossa inserção no mundo parecem ignorar que mudanças desse porte, sem um mandato popular expresso nas urnas, seriam não só prejudiciais economicamente, mas constituiriam uma violência contra a democracia.

Evidentemente nosso governo não se deixará levar por pressões midiáticas, mas até alguns ardorosos defensores de um Brasil independente e soberano podem não ser de todo infensos a influencias de intelectuais que granjearam alguma respeitabilidade pela obra passada.

Daí a necessidade do alerta: “intelectuais progressistas, preparai-vos para o debate”.

Ele vai ser duro e não se dará somente nos salões acadêmicos ou nos corredores palacianos. Terá que ir às ruas, às praças e às portas de fábrica.