O processo de Impeachment está instalado.
E agora?
Eiiti Sato
Por
55 votos contra 22, o processo de impeachment
da Presidente está formalmente instalado no Senado Federal e a pergunta
inevitável é o que virá em seguida. A maioria dos analistas tem se dedicado a
discutir as possibilidades de o governo Temer reduzir efetivamente os gastos
públicos, as perspectivas de implementar mudanças na política econômica capazes
de retirar o País da recessão e, naturalmente, a composição do Ministério Temer
e como assegurar uma base política que lhe dê a sustentação necessária.
Raramente se faz referência ao fato de que a Presidente Dilma Rousseff continua
presidente (ou presidenta, como gosta de ser chamada) e que, neste momento, o
processo de impeachment foi apenas
instalado. Em seis meses muita coisa pode acontecer.
Um presidencialismo medieval
A
Professora Raquel Patrício, da Universidade Técnica de Lisboa, em entrevista
recente concedida a um órgão de imprensa do Brasil afirmava “o Presidencialismo brasileiro é um sistema
muito complicado...”. A professora fez seu doutorado na Universidade de
Brasília e, assim, não apenas teve que estudar a história política brasileira,
como também observar de perto as idas e vindas dos processos de tomada de decisão,
as eleições e a interação entre as instituições políticas. Quando se referia às
“complicações” do presidencialismo brasileiro estava se referindo ao fato de
que na Europa parlamentarista a retirada de um governo que se torna indesejável
é algo muito mais simples, bastando apenas um “voto de desconfiança” (também
chamado de “moção de censura”) aprovado no Parlamento. Pode haver a convocação
de novas eleições gerais, que podem mudar a composição do Parlamento, mas o
fato mais importante é que muda-se o governo sem que o argumento da
“democracia”, da “legitimidade”, seja
sequer lembrado.
No
caso do Brasil, pelo contrário, o processo de abertura de processo contra a
Presidente tem sido taxado de “golpe”, isto é, de rompimento da ordem
democrática e de falta de legitimidade, apenas porque foi eleita para um novo
mandato de quatro anos em 2014, ainda que por uma margem bem pequena na votação
em relação ao seu oponente. Na Idade Média, a base da legitimidade era o
direito de hereditariedade. O filho de um rei deveria ser rei, independente de
suas aptidões físicas, intelectuais e morais, e não podia ser destituído de sua
condição, mesmo que cometesse graves injúrias contra toda a nação. O
comportamento da Presidente, e daqueles que a apoiam, indica que apostam no
resgate desse entendimento medieval, isto é, independente do mal governo ou de
ilegalidades cometidas por seu governo, ela tem o “direito” de continuar
Presidente até o fim dos quatro anos de mandato. Qualquer ação legal, ainda que
prevista na Constituição e nas leis do País, deixam de ter validade diante do
fato de que teria sido eleita com pouco mais de 50% dos votos válidos em 2014
em relação a seu concorrente.
Ernest
Hambloch, um brazilianista, ainda nos
tempos da Primeira República, escreveu um livro interpretando o tipo de
república que foi implantada no Brasil com a destituição de D. Pedro II. O
título de seu livro revela sua visão um tanto irônica do presidencialismo
brasileiro: His Majesty the President of
Brazil. A Study of Constitutional Brazil.
[A obra foi publicada
em 1936 pela Editora E. F. Dutton & Co. de N. York e foi traduzida para o
português por Leda Boechat Rodrigues e publicada em várias edições com o título
Sua Majestade o Presidente do Brasil.] O livro foi publicado em 1936 e considerado ofensivo e, em consequência, seu autor
foi severamente repreendido pelo governo brasileiro, como interferência
indevida de um estrangeiro. Atualmente, o processo judicial e político de
destituição da Presidente que está em curso e, principalmente, as alegações de
“golpe”, apenas confirmam esse entendimento. Se o termo voto for substituído por hereditariedade,
trata-se de um príncipe medieval – neste caso, uma rainha medieval – defendendo
seus direitos. Esse entendimento poderia ser tratado apenas como objeto de
consideração e de análise pelos cientistas políticos se não trouxesse
consequências graves para a nação.
Os desgastes e o custo para livrar-se de um mal governo
Enquanto
na maioria das modernas repúblicas a substituição de governantes é feita sem
grandes desgastes para a nação, o País está vivendo o enorme desgaste a que toda
a nação brasileira está sendo submetida há quase um ano. Há seis meses o governo
praticamente deixou de governar. Para a nação é totalmente irrelevante saber se
a culpa de o governo ter deixado de governar tem por origem a sua própria
incapacidade ou se foi devido a partidos políticos irresponsáveis, a imprensa
sem ética ou a ação das cortes judiciais que, deliberadamente, a impedem de
governar. Para a nação, o fato objetivo e relevante é que um governo quando
perde a capacidade de governar, muitos dos serviços essenciais que só o Estado
pode prover, deixam de existir ou passam a ser oferecidos de forma precária e,
como conseqüência mais imediata e visível, a atividade econômica se contrai e o
desemprego aumenta e se dissemina por toda a economia. No entendimento de que o
impeachment é um “golpe” esse fato
não tem qualquer importância, a preocupação mais importante é proteger e assegurar
o “direito” da Presidente e de seu partido de desfrutar do cargo de Presidente
da República.
Chega
a ser sombria a perspectiva de o julgamento do impeachment pelo Senado Federal arrastar-se por seis meses. As
perdas, que já são enormes, só irão aumentar e, muito provavelmente, esse
aumento não será linear, mas volumétrico. Tanto a Presidente quanto seu mentor,
o ex-presidente Lula, já declararam de forma inequívoca, que irão promover todo
tipo de ação para desestabilizar o governo de Michel Temer pois, nesse quadro,
o fracasso de Temer (isto é, do País) emerge como um verdadeiro requisito para
uma eventual volta de Dilma Rousseff ao poder.
A
história mostra como, em várias ocasiões, reis depostos, mesmo que presos ou exilados,
eram fontes de instabilidade. Não apenas o próprio rei destronado passava a
conspirar com seus aliados pertencentes a outros reinos, vizinhos ou distantes,
mas também seus seguidores continuavam a agir no sentido de criar dificuldades
para o novo governo. Não era incomum que condes, barões e altos prelados da
Igreja que, geralmente por parentesco, defendiam o príncipe destronado,
formassem alianças contra o novo governante. Naqueles tempos, o reino era uma
espécie de propriedade. Nesse sentido, vale recordar a história de Eduardo II,
da Inglaterra, destronado por sua mulher e seu filho Eduardo III no século XIV.
Depois de destronado, Eduardo II permaneceu preso por vários meses em um
castelo longe de tudo e severamente vigiado. Apesar de isolado, a sua simples
existência era uma ameaça à estabilidade do novo governo. Alegando princípios,
direitos e interesses afetados, dentro e fora da Inglaterra, conspiradores de
todo tipo se reuniam em torno da perspectiva de volta de Eduardo II. Assim, após
meses de encarceramento sua execução teria sido ordenada por meio de uma carta
de sentido ambíguo. [A história é relatada por Maurice Druon em “ Os Reis Malditos” referindo-se a Felipe, o Belo, e sua descendência.
Felipe (1268-1314) teria acabado com a Ordem dos Templários e, em 1314, fez
executar na fogueira o superior dos Templários, Jacques de Molay que, no momento de seu suplício, teria amaldiçoado o rei, seus descendentes e o papa. O
destino trágico de Eduardo II é narrado no volume 5 (La Louve de France), que se refere a Isabel, a única mulher entre
os quatro filhos de Felipe o Belo, dada em casamento a Eduardo II.]
Em outras palavras, mesmo isolado e mesmo declarando sua fidelidade ao novo
rei, que era seu filho, continuava sendo uma ameaça à ordem estabelecida.
Os custos políticos e econômicos de um julgamento de 6 meses
Como
será o caso de uma “rainha-presidente” não destronada, apenas afastada de suas
funções oficiais, mas dispondo de todas as prerrogativas presidenciais, em um
mundo de “internet” e de redes sociais? Quanto custará à nação um período de
seis meses no qual um verdadeiro exército de dezenas de milhares de ativistas
dispostos a promover ações e atos com o propósito de dificultar as ações do
novo governo e até mesmo de forçar o governo a cometer erros e atos que tornem
um governo como o de Temer impopular, na verdade já fadado a ser impopular em
razão da situação difícil em que se encontra a economia e as contas públicas?
Em várias ocasiões a presidente e seu mentor já deixaram claro que irão
comandar esse exército de militantes. Quanto vai custar ao País continuar por
mais seis meses dentro desse ambiente?
Nos
tempos medievais os reis destronados buscavam apoio em outros reis e barões e
sobretudo na Igreja de Roma para quem levavam relatos de perseguições e de atrocidades
nem sempre verdadeiros. Nos dias atuais, governos bolivarianos, a imprensa
internacional e entidades internacionais já, há tempos, estão sendo procurados
avidamente com o propósito de não reconhecer e pressionar o novo governo. Os
mais exaltados já chegaram a falar até em pedir sanções contra a nação
brasileira. Como serão e, mais importante, quanto custarão esses seis meses de
julgamento durante os quais a Presidente mantém todas as suas prerrogativas
presidenciais? Além do mais, quanto custará à nação uma eventual volta da
Presidente e de seu partido ao poder? Se não houvesse essa possibilidade, todo
o julgamento que se inicia no Senado deveria ser considerado uma farsa. Trata-se
de um presidencialismo não apenas muito complicado, mas também muito
dispendioso.
Brasília, Maio/2016