As Leis Fundamentais da Estupidez Humana, 1
Paulo Roberto de Almeida
Brasília,
12 abril 2006
Com esse título, o
famoso historiador econômico e medievista italiano Carlo Maria Cipolla compôs,
em algum momento dos anos 1980, um pequeno ensaio, humorístico-irônico, que foi
transformado em peça de teatro alguns anos depois. Em 1995, eu assisti a essa peça
em Paris e, absolutamente fascinado pelo espírito irreverente do texto
“ceboliano”, comprei imediatamente, no próprio teatro, o livro no qual ela
tinha sido baseada, nesta edição: Allegro
ma non troppo: Les
lois fondamentales de la stupidité humaine (Paris: Balland 1992). O
livrinho continha outros
ensaios da mesma verve, como este outro: “Do papel
dos condimentos (e da pimenta em particular) no desenvolvimento econômico da
Idade Média”, menos brilhante que aquele sobre a estupidez, mas também divertido.
Pois bem, onze anos depois, encontrando-me
agora absolutamente fascinado pela quantidade de erros, equívocos e outros
“desvios” (palavra neutra, de cunho humorístico-irônico) de comportamento deste
nosso “governo” – que só posso atribuir, por um lado, à sua fenomenal estupidez
e, por outro lado, a uma igualmente fenomenal capacidade de mentir, de cometer
perjúrio, enfim, de afundar na hipocrisia e na desfaçatez –, lembrei-me desse
livrinho e fui buscá-lo em minhas estantes. Para minha frustração – e que isso
me sirva de lição por não arrumar a biblioteca como deveria – não o encontrei,
o que me deixou bastante ressabiado. Não seja por isso, saquei do computador –
inatacável para esse gênero de recuperação – as poucas notas de leitura, que
transcrevo abaixo, de trechos selecionados do ensaio de Cipolla, às quais
acrescento agora comentários que acredito serem o mais à propos possíveis para estes tempos impagáveis que estamos
vivendo.
Caberia, em primeiro lugar, definir o que
é uma pessoa estúpida. Segundo Carlo Maria Cipolla, “os seres humanos
incluem-se numa das quatro categorias fundamentais: os crédulos, os
inteligentes, os bandidos e os estúpidos”. Não me lembro agora se Carlo Cipolla
considera estas quatro categorias exclusivas e excludentes, mas eu tenho a
nítida impressão de que alguns dos nossos atuais governantes são, ao mesmo
tempo, estúpidos e bandidos, ao passo que alguns dos seus eleitores são, ao
mesmo tempo (ou talvez de forma subseqüente), ingênuos, isto é, crédulos, e
estúpidos. Isso acontece. Tem também aquela categoria de militante que é, se
ouso dizer, um “crédulo profissional”, ou seja, um ser profundamente religioso,
imbuído de uma verdade que transcende a razão.
Cipolla define a pessoa estúpida da
seguinte maneira: “uma pessoa estúpida é alguém que causa um dano a outra
pessoa ou a um grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para si,
ou podendo até vir a sofrer um prejuízo”. Considerando a enorme capacidade que
parecem ostentar certos dirigentes de causarem problemas para si mesmos, ao
tentarem atacar seus adversários, eu considero que a definição se encaixa
perfeitamente no figurino. Nunca, ninguém, em 500 anos de história do Brasil,
abusou tanto da faculdade de se ridicularizar a si próprio como certos
comediantes profissionais que pensam que estão num picadeiro quando na verdade
ocupam altos cargos políticos. Se reconhecermos, então, a extrema habilidade
que eles exibem de atirarem no próprio pé, ao pretenderem fazer alguma
“armação” contra um adversário político, seria preciso considerar, nesse caso,
a introdução de alguma categoria de prêmio do gênero: “Prêmio (ig)nobel de
autoflagelação política”.
O historiador italiano nos alerta contra o
perigo de confundir uma pessoa estúpida com uma pessoa crédula ou ingênua (isto
é, pessoa que causa dano a si mesma, causando benefícios a outras) ou com um
bandido (pessoa que cuida dos seus interesses e causa danos aos outros). Acho
que o leitor deste espaço não corre esse risco, mas isso não elimina a
possibilidade de que essas duas ou três categorias se encontrem ocasionalmente
(ou de forma regular) confundidas numa única e mesma pessoa. Mas não é, longe
disso, a “santíssima trindade”. No Brasil, corre-se esse risco, concretamente:
existem bandidos que são estúpidos, assim como existem estúpidos que são
ingênuos, embora, a julgar pela maior parte dos políticos que se encaixam no
molde, seja mais difícil encontrar bandidos políticos que sejam ingênuos (mas
alguns são, sobretudo de certo partido).
Ele também acha que é nitidamente impossível
confundir a pessoa estúpida com a inteligente (aquela que busca benefícios para
si mesma e para os demais), embora eu não tenho certeza de que esse princípio
se aplique igualmente ao Brasil. Aqui, como reza um velho ditado, a esperteza
pode ser “tanta que cresce e engole o dono”. Pois é isso que parece ter
ocorrido nesses momentosos meses que precederam o escândalo do mensalão. Os
“espertos” de certos meios políticos se julgavam expertos em patifarias,
inteligentes em mil maneiras de burlar a lei e de enganar os incautos e
ingênuos – que seríamos todos nós – mas eles parecem ter ido longe demais. Se
achavam tão inteligentes como ninguém que foram estúpidos ao ponto de chegarem
a fazer acordos de “cavalheiros” (com perdão da expressão) com gente ainda mais
bandida do que eles. Deu no que deu: o bandidão se julgou lesado pelos
“inteligentes” e botou a boca no trombone. Santa ingenuidade...
Das cinco leis
fundamentais da estupidez humana de Carlos Maria Cipolla (só cinco?),
transcrevo agora apenas duas, a primeira e a última: “Sempre, e
inevitavelmente, cada um de nós subestima a quantidade de indivíduos estúpidos
em circulação” – o que pode ser, digo eu, um perigo para a segurança do tráfego
– e “os indivíduos estúpidos são as pessoas mais perigosas que possam existir”
(eu não dizia?). Sim, elas são perigosas, para si mesmas e para todos os
demais, sobretudo quando imbuídas de alguma missão salvadora e transcendental,
do tipo querer tudo transformar, para dizer depois que “nunca antes, na
história deste país, patati-patatá...”
Como diria um desses
brokers ingleses (que não me levem a mal): “nunca antes na história deste país
alguém deixou de ganhar dinheiro ao apostar na estupidez humana”. Ou seja,
sempre haverá, em algum lugar incerto e não sabido, alguma pessoa estúpida o
suficiente para lhe permitir ganhar tranquilamente a sua aposta. Pena que essa
instituição do “brokerage” – tão comum nas terras britânicas, onde se aposta
até sobre a sexualidade da família real – não seja mais disseminada neste nosso
país tropical, pois poderíamos ter inúmeras oportunidades para novos ganhos
(que poderiam inclusive ser taxados com uma nova contribuição ou taxa para a
resolução de um enorme problema social). Ou seja, seria uma grande contribuição
para o aumento do PIB (não confundir com o outro PIB, este aqui é o da Produção
Interna de Bobagens...).
Com sua abordagem científico-humorística,
Carlo Cipolla demonstra que a distribuição da estupidez se dá ao acaso e é
independente da religião, do gênero, da cor da pele, da ideologia política,
enfim, ela não tem nada de cultural. Se existisse um gene da estupidez, ele
seria certamente distribuído completamente por acaso, e talvez de maneira
uniforme na população, com algumas particularidades. Nossos políticos, por
exemplo, não são, na média, mais estúpidos que os cidadãos comuns, mas em
contrapartida, eles podem ser muito mais bandidos, e de fato o são. OK, não
vamos generalizar, existem muitos políticos que não são bandidos, mas acho que
para ser político é preciso ter, de toda forma, uma dose de hipocrisia acima do
normal...
Finalmente, termino com
esta duas considerações de Carlo Maria Cipolla sobre a manutenção
do nível geral de estupidez, em condições normais de pressão atmosférica e de
temperatura democrática: “Num sistema democrático, as eleições gerais são um
instrumento de grande eficácia para assegurar a estabilidade de estúpidos entre
os poderosos”. E, aos estúpidos, “as eleições oferecem-lhes uma magnífica
ocasião para prejudicar todos os outros, sem obter qualquer ganho com as suas
ações”. Acho que ele tem razão, mas poderemos fazer um teste prático de suas
teorias, normalmente ambientadas num cenário italiano – que tampouco pode ser
classificado como ao abrigo da estupidez –, em nossa própria terra, dentro de
mais alguns meses.
Sim, antes que me esqueça, prometo
procurar o livrinho nas minhas estantes para aqui transcrever, num próximo
ensaio, a totalidade das cinco leis fundamentais de Carlo Maria Cipolla sobre a
estupidez humana, quem sabe até introduzindo mais algumas de contrabando?
(continua...)