Uma ova: mercantilismo e protecionismo em seu estado mais puro, apenas que temperado por uma abertura reduzida e uma liberalização a conta-gotas, apenas para não perder a face, e passar vergonha, depois de mais de 20 anos de "sopra e solta", ou fingimentos de negociações.
A coisa começou a derrapar quando os companheiros implodiram ideologicamente a Alca, um projeto americano meio maroto, mas que garantiria acesso de alguns poucos produtos (exatamente como agora) ao maior mercado do mundo, achando que os europeus se precipitariam avidamente nos braços mercosulianos para nos ensinar como construir um bom e sólido mercado comum.
Totalmente enganados os companheiros: sem a pressão do acordo americano, eles largaram totalmente de mão, e só voltaram agora por causa das loucuras trumpianas sob a forma de guerra comercial contra a China, que ameaça jogar o mundo na recessão.
Alguém fez as contas quando eu falei 20 anos (o que remeteria a 1999, em pleno governo FHC), para tentar me desqualificar, mas esquecendo que os companheiros, desde o início, ainda nos anos 1980, se opunham ao livre comércio, aos acordos de investimentos dos anos 1990, ao pagamento da dívida externa (e até da interna), ao projeto da Alca (QUE FOI ASSINADO POR CELSO AMORIM), firmado em Miami, em dezembro de 1994 (após o que os europeus propuseram um outro acordo), e a todas as demais iniciativas liberalizadoras tomadas na sequência.
Malucos como são: os companheiros sugeriram acordo de livre comércio com a China, à qual seria concedido status de economia de mercado e com a qual seria negociado uso de moedas locais no comércio bilateral, algo inacreditável como espírito regressista.
Voltando a hoje: se não fosse a pequena abertura liberal de Paulo Guedes, nunca teria saído esse acordo mercantilista, que ainda que eivado de dispositivos protecionistas, é melhor do que nada...
Paulo Roberto de Almeida
Conversas de corredor destravaram acordo entre Mercosul e UE
'Os dois lados piscaram ao mesmo tempo', diz negociador ao relatar concessões para a conclusão de acordo
Os dois lados estavam esperançosos desde maio —quando ocorreu a última rodada de conversas, em Buenos Aires— de que havia uma janela de oportunidade para concluir o histórico acordo UE-Mercosul, mas ao longo dos dias iniciais na Comissão Europeia nenhuma das partes parecia disposta a mostrar as cartas.
Se havia esperança de que o acordo sairia depois de 20 anos de impasse, a lentidão com que as conversas preparatórias se arrastavam desde 24 junho gerava ansiedade.
O temor era que o número de pendências por resolver fosse tão grande a ponto de tornar insuficientes os dois últimos dias da rodada de conversas na capital belga, quando sentariam à mesa os ministros do Mercosul e os comissários da UE.
Foi esse o cenário que os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Tereza Cristina (Agricultura) e o secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, encontraram nos dias 27 e 28.
Os europeus, por sua vez, pediam regras mais vantajosas para seus vinhos e queijos e para os itens protegidos pelas chamadas indicações geográficas (regra pela qual, por exemplo, no futuro só poderá ser vendido com o rótulo de prosecco um tipo específico de vinho italiano).
O que se viu foi uma maratona de conversas de corredor dos ministros do Mercosul com os dois principais negociadores europeus, Phil Hogan (comissário para Agricultura e Desenvolvimento Rural) e Cecilia Malmström (comissária do Comércio).
Eram diferentes formatos de reuniões. Cafés da manhã da delegação brasileira; reuniões de coordenação entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e conversas bilaterais de cada um dos países sul-americanos com a UE.
A solução de impasses específicos do Brasil, pelo seu tamanho em relação aos demais sócios, foi vital para viabilizar a última rodada de conversas na sexta (29), quando os termos finais foram confirmados.
Foi num desses papos de corredor entre Hogan, Malmström, Tereza Cristina, Araújo e Troyjo que os europeus aceitaram as regras de transição para a derrubada de tarifas sobre o vinho europeu.
Nos últimos meses, produtores do Sul fizeram forte pressão sobre o governo e reclamaram da entrada de bebidas europeias semelhantes a preços reduzidos no Brasil.
O resultado das conversas em Bruxelas é que não terão seus impostos reduzidos, por exemplo, vinhos a granel, mostos e sucos de uva. Espumantes com preço acima de US$ 8 por litro também só terão as barreiras derrubadas após 12 anos.
Outro diplomata destaca que itens como as cotas de exportação de açúcar, carnes e etanol foram destravados a partir de conversas privadas entre Hogan e Tereza Cristina —a ministra, aliás, teve uma reunião prévia com o comissário europeu para Agricultura um dia antes do início dos contatos ministeriais.
A barganha foi definida a partir de concessões brasileiras aos setores de alho, vinhos, espumantes e conhaques.
Também foram tensas as ofertas e contraofertas sobre um dispositivo que tradicionalmente era tratado como uma “linha vermelha” pelo Itamaraty e pela Agricultura.
A Europa sempre condicionou a assinatura de qualquer acordo comercial ao chamado “princípio da precaução”, artigo pelo qual um país pode interromper importações por receios de danos ao ambiente ou à saúde laboral.
Diplomatas brasileiros sempre temeram que essa cláusula fosse usada de forma abusiva pela Europa.
Quando lhe foi questionado quem fez a primeira concessão em Bruxelas que desamarrou os últimos detalhes do acordo, um negociador do Brasil assegura que os dois lados “piscaram ao mesmo tempo”.
Para além dos temas econômicos, a percepção de brasileiros é que a UE (confrontada pelo brexit e pelo nacionalismo de Donald Trump) viu no tratado com o Mercosul uma oportunidade de demonstrar vigor no tabuleiro global.
Para um interlocutor do governo brasileiro, a UE se deu conta de sua perda de influência na escala global e entendeu que precisava ser mais “pragmática do que messiânica”.
O cenário no Brasil também foi fundamental para a abertura da janela de oportunidade.
Não por acaso, a chegada de Jair Bolsonaro ao poder foi apontada por Malmström como o gatilho da aceleração do diálogo neste ano.
A avaliação de que o presidente impulsionou as tratativas que já haviam sidoressuscitadas por Michel Temer é unânime entre diplomatas, mas os primeiros sinais do novo governo foram recebidos com preocupação.
Logo após a eleição de Bolsonaro, a declaração do então futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o Mercosul não ser prioridade para a nova administração fez os europeus temerem um novo fracasso nas conversas.
No entanto, os sinais subsequentes fizeram com que a UE identificasse uma forte disposição de liberalização.
O principal símbolo da guinada liberal foi a extinção do antigo Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços). Mesmo em governos anteriores de orientação menos protecionista, o Mdic era reticente às mudanças de regras para o setor automotivo.