O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

domingo, 7 de julho de 2019

Acordo Mercosul-UE: cenas explícitas de mercantilismo e de comércio administrado

E ainda falam de "acordo de livre-comércio"?
Uma ova: mercantilismo e protecionismo em seu estado mais puro, apenas que temperado por uma abertura reduzida e uma liberalização a conta-gotas, apenas para não perder a face, e passar vergonha, depois de mais de 20 anos de "sopra e solta", ou fingimentos de negociações.
A coisa começou a derrapar quando os companheiros implodiram ideologicamente a Alca, um projeto americano meio maroto, mas que garantiria acesso de alguns poucos produtos (exatamente como agora) ao maior mercado do mundo, achando que os europeus se precipitariam avidamente nos braços mercosulianos para nos ensinar como construir um bom e sólido mercado comum.
Totalmente enganados os companheiros: sem a pressão do acordo americano, eles largaram totalmente de mão, e só voltaram agora por causa das loucuras trumpianas sob a forma de guerra comercial contra a China, que ameaça jogar o mundo na recessão.
Alguém fez as contas quando eu falei 20 anos (o que remeteria a 1999, em pleno governo FHC), para tentar me desqualificar, mas esquecendo que os companheiros, desde o início, ainda nos anos 1980, se opunham ao livre comércio, aos acordos de investimentos dos anos 1990, ao pagamento da dívida externa (e até da interna), ao projeto da Alca (QUE FOI ASSINADO POR CELSO AMORIM), firmado em Miami, em dezembro de 1994 (após o que os europeus propuseram um outro acordo), e a todas as demais iniciativas liberalizadoras tomadas na sequência.
Malucos como são: os companheiros sugeriram acordo de livre comércio com a China, à qual seria concedido status de economia de mercado e com a qual seria negociado uso de moedas locais no comércio bilateral, algo inacreditável como espírito regressista.
Voltando a hoje: se não fosse a pequena abertura liberal de Paulo Guedes, nunca teria saído esse acordo mercantilista, que ainda que eivado de dispositivos protecionistas, é melhor do que nada...
Paulo Roberto de Almeida

Conversas de corredor destravaram acordo entre Mercosul e UE

'Os dois lados piscaram ao mesmo tempo', diz negociador ao relatar concessões para a conclusão de acordo

As delegações do Brasil e da União Europeia permaneceram nos primeiros dias de negociação em Bruxelas numa espécie de jogo de “quem pisca primeiro”.

Os dois lados estavam esperançosos desde maio —quando ocorreu a última rodada de conversas, em Buenos Aires— de que havia uma janela de oportunidade para concluir o histórico acordo UE-Mercosul, mas ao longo dos dias iniciais na Comissão Europeia nenhuma das partes parecia disposta a mostrar as cartas.

Se havia esperança de que o acordo sairia depois de 20 anos de impasse, a lentidão com que as conversas preparatórias se arrastavam desde 24 junho gerava ansiedade.

O temor era que o número de pendências por resolver fosse tão grande a ponto de tornar insuficientes os dois últimos dias da rodada de conversas na capital belga, quando sentariam à mesa os ministros do Mercosul e os comissários da UE.

Foi esse o cenário que os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Tereza Cristina (Agricultura) e o secretário especial de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Marcos Troyjo, encontraram nos dias 27 e 28.
Havia pouco tempo e uma extensa lista de temas em aberto, principalmente os agrícolas. Os membros do Mercosul lutavam para conseguir cotas maiores para a carne, etanol e açúcar, que, com o acordo, poderão entrar na Europa com tarifas reduzidas.

Os europeus, por sua vez, pediam regras mais vantajosas para seus vinhos e queijos e para os itens protegidos pelas chamadas indicações geográficas (regra pela qual, por exemplo, no futuro só poderá ser vendido com o rótulo de prosecco um tipo específico de vinho italiano).

O que se viu foi uma maratona de conversas de corredor dos ministros do Mercosul com os dois principais negociadores europeus, Phil Hogan (comissário para Agricultura e Desenvolvimento Rural) e Cecilia Malmström (comissária do Comércio).

Eram diferentes formatos de reuniões. Cafés da manhã da delegação brasileira; reuniões de coordenação entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai e conversas bilaterais de cada um dos países sul-americanos com a UE.

A solução de impasses específicos do Brasil, pelo seu tamanho em relação aos demais sócios, foi vital para viabilizar a última rodada de conversas na sexta (29), quando os termos finais foram confirmados.

Foi num desses papos de corredor entre Hogan, Malmström, Tereza Cristina, Araújo e Troyjo que os europeus aceitaram as regras de transição para a derrubada de tarifas sobre o vinho europeu.

Nos últimos meses, produtores do Sul fizeram forte pressão sobre o governo e reclamaram da entrada de bebidas europeias semelhantes a preços reduzidos no Brasil.

O resultado das conversas em Bruxelas é que não terão seus impostos reduzidos, por exemplo, vinhos a granel, mostos e sucos de uva. Espumantes com preço acima de US$ 8 por litro também só terão as barreiras derrubadas após 12 anos.
Um negociador brasileiro diz que foi essa abertura europeia que lhe fez ter certeza de que o tratado seria concluído.

Outro diplomata destaca que itens como as cotas de exportação de açúcar, carnes e etanol foram destravados a partir de conversas privadas entre Hogan e Tereza Cristina —a ministra, aliás, teve uma reunião prévia com o comissário europeu para Agricultura um dia antes do início dos contatos ministeriais.

A barganha foi definida a partir de concessões brasileiras aos setores de alho, vinhos, espumantes e conhaques.

Também foram tensas as ofertas e contraofertas sobre um dispositivo que tradicionalmente era tratado como uma “linha vermelha” pelo Itamaraty e pela Agricultura.

A Europa sempre condicionou a assinatura de qualquer acordo comercial ao chamado “princípio da precaução”, artigo pelo qual um país pode interromper importações por receios de danos ao ambiente ou à saúde laboral.

Diplomatas brasileiros sempre temeram que essa cláusula fosse usada de forma abusiva pela Europa.
Quando ficou claro que não haveria acordo sem esse princípio, o Mercosul cedeu, mas incluiu travas que, segundo seus membros, impedem a aplicação abusiva e injustificada do mecanismo.

Quando lhe foi questionado quem fez a primeira concessão em Bruxelas que desamarrou os últimos detalhes do acordo, um negociador do Brasil assegura que os dois lados “piscaram ao mesmo tempo”.

Para além dos temas econômicos, a percepção de brasileiros é que a UE (confrontada pelo brexit e pelo nacionalismo de Donald Trump) viu no tratado com o Mercosul uma oportunidade de demonstrar vigor no tabuleiro global.

Para um interlocutor do governo brasileiro, a UE se deu conta de sua perda de influência na escala global e entendeu que precisava ser mais “pragmática do que messiânica”.

O cenário no Brasil também foi fundamental para a abertura da janela de oportunidade.

Não por acaso, a chegada de Jair Bolsonaro ao poder foi apontada por Malmström como o gatilho da aceleração do diálogo neste ano.

A avaliação de que o presidente impulsionou as tratativas que já haviam sidoressuscitadas por Michel Temer é unânime entre diplomatas, mas os primeiros sinais do novo governo foram recebidos com preocupação.

Logo após a eleição de Bolsonaro, a declaração do então futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o Mercosul não ser prioridade para a nova administração fez os europeus temerem um novo fracasso nas conversas.

No entanto, os sinais subsequentes fizeram com que a UE identificasse uma forte disposição de liberalização.

O principal símbolo da guinada liberal foi a extinção do antigo Mdic (Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços). Mesmo em governos anteriores de orientação menos protecionista, o Mdic era reticente às mudanças de regras para o setor automotivo.

Leituras do verão (setentrional) da New Yorker: sempre uma boa companhia...

Para os que gostam de viajar sentados, como eu e Carmen Lícia, de carro, de trem, de navio, por vezes de avião, mas aí se perde a paisagem, as pessoas, as interações que trazem conhecimento...
Como os viajantes da New Yorker, selecionados por seu genial editor, David Remnick...
Paulo Roberto de Almeida



Outras Palavras: o último reduto dos socialistas utópicos? - leituras edificantes

Em meio a tantas bobagens dos derradeiros defensores do socialismo em nossa imprensa alternativa, o que nos faz sorrir de ver quanto tanta tinta e papel (como aos tempos de Marx), ou quantos bits and bytes, em nossa época, se continua a verter em defesa de causas indefensáveis, pode-se sempre ter boas surpresas, como as "chinesices" brasileiras, trazidas pelos Portugueses que também tinham um enclave no gigante asiático, aliás por 500 anos, e que ainda vai perdurar numa autonomia ilusória até 2049, ainda que Macau nunca tenha tido, como Hong Kong, uma verdadeira autonomia em relação aos desejos da corte em Beijing.
Também tem um artigo que faria corar de vergonha qualquer militante da UNE, sobre a submissão de Paulo Guedes aos "mercados", esse demônio eterno dos anti-mercadistas, socialistas ou não, keynesianos ou cepalianos radicais, como é o caso do meu colega Samuel Pinheiro Guimarães. Poucas vezes li coisas de um simplismo tão vulgar, e de um maniqueísmo tão atroz.
No mais, é a cantilena habitual contra os mercados, os acordos "globalistas", como essa entre a União Europeia e o Mercosul, que os socialistas esperam ardentemente que os ecologistas cumpram suas promessas de destruição, e várias outras bobagens de tamanho família ou em volume reduzido.
Como digo sempre, eu leio de tudo, da extrema esquerda à extrema direita, com muitas bobagens pelo caminho. Sempre procurando aprender, mesmo por vias traversas ou equivocadas como a maior parte dos textos aqui presentes.
Quem não tiver nada a fazer num domingo de inverno, pode se divertir, criticamente, com a leitura de alguns textos aqui apresentados a partir do boletim de Outras Palavras...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de julho de 2019

Europa-Mercosul: o acordo de Recolonização
Nada assegura que o pré-compromisso de “livre” comércio assinado em 28/6 torne-se realidade um dia. Se assim for, haverá retrocesso secular. Felizmente, já se anuncia resistência — e não apenas na América do Sul
Por Antonio Martins
Socialismo, utopia inviável?
Paradoxo: há pós-capitalismo latente no Big Datae na Inteligência Artificial. Agora, tornou-se possível superar o mercado e planejar a produção de modo democrático, sem o peso da burocracia estatal. Desta brecha surgirá uma das disputas centrais no século XXI
Por Eleutério F. S. Prado
A esquerda volta a pensar além do capital
Surpresa: nos EUA e Inglaterra, uma nova geração de economistas rejeita a ideia de adaptar-se ao sistema e formula projetos opostos à ditadura das corporações e das finanças. Quem são eles? Que ambiente político favorece esta ousadia?
Por Andy Beckett
O (humaníssimo) Direito ao Reparo
Contra a alienação e a obsolescência programada surge uma reivindicação prosaica, mas cheia de sentido. É preciso recobrar o poder de consertar os aparatos que se danificam -- ao invés de descartá-los e afundar no consumismo
Por Valerie Vande Panne
Sanções, arma brutal de um império em apuros
Enfraquecidos diplomaticamente, EUA apelam a sua supremacia financeira e naval para submeter países “desobedientes”. Lista, pouco conhecida, inclui Irã, Venezuela e mais 18. Ilegal, ação mata dezenas de milhares -- mas é cada vez mais ineficaz
Por Medea Benjamin e Nicolas J. S. Davies
Um “liberal” à moda Pinochet
Paulo Guedes é o ministro do ataque à Previdência, da destruição da indústria e da submissão aos EUA. Mas é também o ex-assessor da ditadura chilena que aprendeu a esconder este projeto por trás de gritos em defesa da família, da moral e dos costumes
Um ensaio de Samuel Pinheiro Guimarães
O crime hediondo de Moro, Dallagnol & Companhia
Em parábola do país contemporâneo, papagaio da Disney encontra um Rio diferente do que apresentou ao mundo e aos próprios brasileiros. Há ufanismo e malandros românticos -- mas também a desigualdade brutal que a idealização oculta
Uma crônica de Gabriel Bayarri
Uma resposta popular à gentrificação
Nos EUA, uma cooperativa de trabalhadores, ameaçada pela alta dos alugueis, enfrenta a especulação de forma instigante. Em rede, e por meio de fundo solidário, conseguiu comprar um prédio e transformá-lo em moradias e comércios populares
Por Oscar Perry Abello
“Chinesices”, traço oculto de nossa história colonial
Em pelo menos 30 cidades brasileiras há influência da China na arte e arquitetura. Trazidas pelo portugueses, obras vão além do exotismo, comungam sagrado e profano e inspiraram escritores como Guimarães Rosa e Cora Coralina
Por Sílvio Reis
Previdência, o retrato de um país desigual -- e cruel
84% dos aposentados e pensionistas recebem menos de 2 salários -- os grandes privilegiados, para Paulo Guedes. Enquanto isso, governo dá tratamento VIP a bancos: vista grossa com sonegação, perdão de dívidas e isenção fiscal em seus lucros obscenos
Por Paulo Kliass