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quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O Mercosul vai deixar de existir pela animosidade entre os presidentes da Argentina e do Brasil?


Liderança presidencial no Mercosul: desentendimentos Brasil-Argentina

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: respostas a consulta de jornalista; finalidade: Infobae-Argentina]
  
Consulta recebida de jornalista argentino me leva a discutir novamente a questão do bloco, para atender a demandas específicas sobre o relacionamento presidencial no processo de integração do Mercosul. Reproduzo as perguntas e coloco minhas respostas em português.

1) Por primera vez desde la creación del Mercosur habrá en Argentina y Brasil presidentes con orientaciones políticas y económicas totalmente opuestas. ¿Cuáles pueden ser las consecuencias de este cambio sobre el futuro del bloque?

PRA: As consequências podem ser extraordinariamente danosas. Por características próprias dos processos de integração bilateral Brasil-Argentina, e quadrilateral no âmbito do Mercosul, as negociações e avanços – ou retrocessos – sempre guardaram uma grande dependência do bom entendimento entre os mandatários dos países nas iniciativas tomadas desde a redemocratização de meados dos anos 1980. O processo de integração bilateral entre o Brasil e a Argentina tem início ainda na primeira metade dos anos 1980, quando o presidente argentino Raul Alfonsin convidou o Brasil, ainda vivendo sob o regime militar, a iniciar uma aproximação econômica. O processo começou de verdade imediatamente após a retomada democrática no Brasil, com o presidente José Sarney, em 1985, com visitas recíprocas e a assinatura, no ano seguinte, do PICE, o processo de integração e cooperação econômica, ainda bilateral, mas já avançando para um Tratado de Integração, em 1988, prevendo a constituição de um mercado comum bilateral em dez anos, já chamado de Mercosul. Isso era ainda feito em bases estritamente de reciprocidade, formalizado em protocolos setoriais – num modelo dirigista e mercantilista – prevendo uma integração gradual, equilibrada, estritamente regulada pelos respectivos governos.
O processo deu um salto a partir dos presidentes Carlos Saul Menem e Fernando Collor, quando se decide adotar um processo automático – rebaixa calendarizada das tarifas aduaneiras, prevendo chegar a zero em quatro anos – e generalizado a todos os setores da economia, não mais dirigista ou limitado. Ou seja, se decidia, pela Ata de Buenos Aires – julho de 1990 –, chegar ao Mercosul na metade do tempo previsto no tratado de 1988. Os presidente dos países vizinhos demandaram adesão ao processo e, com exceção do Chile – que já estava mais avançado nos processos de abertura econômica e liberalização comercial –, se chega ao Tratado de Assunção, de março de 1991, que nada mais é do que a Ata de Buenos Aires do ano anterior, mas quadrilateralizada ao Paraguai e ao Uruguai. O empenho dos presidentes foi fundamental para sucesso do empreendimento.
O Mercosul avançou bastante bem na fase de integração e até na confirmação, em 1994, pelo Protocolo de Ouro Preto, de sua estrutura institucional, que contava com a presença dos presidentes a cada reunião do Conselho do bloco, a cada seis meses. Mesmo quando a Argentina começou a enfrentar problemas com a Lei de Conversibilidade (Plano Cavallo, de 1991), o bom relacionamento entre os presidentes Menem e Fernando Henrique Cardoso permitiu superar temporariamente as dificuldades, mediante a criação de um Grupo de Trabalho sobre a Coordenação de Políticas Macroeconômicas, uma tentativa de criação de um “mini-Maastricht” no Mercosul. A despeito da derrocada do regime cambial argentino, e a crise que o país enfrentou entre os anos 2001 e 2002, o Brasil sempre procurou ajudar nos processos de ajuste e de acordos junto ao FMI.
Depois de mudanças importantes nos dois países, com Lula no Brasil e Nestor Kirchner na Argentina, a partir de 2003, se podia supor que a adoção de políticas econômicas relativamente similares nos dois países – flexibilidade cambial, responsabilidade fiscal – poderia representar, para o Mercosul, o ingresso numa fase de coordenação real de políticas macroeconômicas e setoriais, em direção da eliminação de entraves ainda existentes, seja na zona de livre comércio, seja na própria união aduaneira, e a grande abertura que se necessitava fazer em busca de novos acordos no processo de interdependência global. Em razão, precisamente, de desentendimentos entre os dois presidentes, que pareciam competir pelo prestígio na região, os dois países tomaram caminhos totalmente diferentes: Lula preferiu politizar indevidamente o Mercosul – criando novos organismos que não tinham nada a ver com a vocação original do acordo comercial de integração –, e Kirchner embarcou numa nova onda nacionalista e protecionista, visando industrializar novamente a Argentina, mesmo à custa dos compromissos adotados no âmbito do Mercosul: introduziu assim salvaguardas abusivas no comércio intrarregional, medidas que contrariavam não só o espírito e a letra do Tratado de Assunção e das regras existentes no bloco, mas também o próprio acordo de salvaguardas no âmbito do Gatt-OMC. O bloco deixou assim de servir ao seu objetivo maior de ser uma plataforma para a inserção mundial das economias dos países membros no capitalismo global e se tornou um mercado autocentrado, quase um avestruz.
Com o advento de dois presidentes, Fernández e Bolsonaro, que parecem se situar nas antípodas do pensamento político, e do posicionamento partidário, não existem condições para um diálogo direto entre os dois presidentes sobre os problemas bilaterais – inclusive de cooperação em terrenos não necessariamente econômico-comerciais – e sobre os desafios que o Mercosul deve enfrentar para se qualificar como um bloco confiável em novos acordos externos, que possam representar compromissos promissores em termos de investimentos e criação de novas cadeias de valor.
A liderança dos presidentes é algo imprescindível num bloco cuja institucionalidade é bastante precária, não só pela ausência de qualquer supranacionalidade, mas também porque mesmo os regulamentos decididos no plano intergovernamental carecem muitas vezes de internalização e aplicação prática em cada um dos países membros.

2) El gobierno de Bolsonaro viene insistiendo en la necesidad de abrir el Mercosur y firmar tratados de libre comercio, mirados con mucha desconfianza por el futuro gobierno argentino. ¿Es posible que Brasil decida abandonar el Mercosur? Sin llegar a ese extremo, ¿qué decisiones podría tomar para debilitarlo?

PRA: Vejo como muito difícil alguma decisão do Brasil abandonar o Mercosul, apenas por que alguns dirigentes políticos, como o ministro da Economia, e mesmo o seu presidente, possam ter prevenções contra o bloco. O grau de interpenetração das duas economias, junto com as dos dois países menores, já avançou bastante, e para ser derrubada por um simples gesto de antipatia pessoal. O Mercosul, atualmente, pode não ser estrategicamente relevante para o Brasil no plano macroeconômico, mas ele segue sendo extremamente relevante, no plano microeconômico, para dezenas, centenas, milhares de empresas de todos os portes, dimensões e especializações, assim como para o agronegócio de maneira geral, uma vez que gera alguns bilhões de dólares de comércio intrarregional e é responsável por centenas de milhares de empregos em todas as cadeias produtivas.
O primeiro teste para ambos os países é, obviamente, honrar os compromissos firmados com os europeus no âmbito do acordo birregional com a EU, e depois partir para negociar com outros países ou blocos de países, como a Aliança do Pacífico, por exemplo. Assim, uma decisão de paralisar o Mercosul, ou mesmo de retrocedê-lo a uma simples zona de livre comércio, pode ser desastrosa para uma enorme diversidade de interesses nacionais, em todo o espaço econômico intra e extra-regional. Em outros termos, o Mercosul tem uma agenda de tarefas inconclusas, muitas delas afetando grandes interesses em cada um dos países membros, o que inevitavelmente depende não só de uma grande capacidade de liderança interna dos presidentes respectivos, pois muita coisa depende de reformas nas respectivas legislações nacionais, mas igualmente de uma visão de estadista, que cada um deles possa ter, ao desafiar lobbies poderosos com tendências protecionistas, e ao desenhar, juntos com seus ministros e seus contrapartes, em cada um dos países sócios, as reformas do bloco e sua futura conformação institucional.
Se ambos presidentes ouvirem seus diplomatas, seus conselheiros econômicos mais sensatos, logo desistirão da insana ideia de enfraquecer um projeto de grande aliança econômica entre as grandes parceiros do Cone Sul latino-americano, e passarão a encontrar maneiras de renovar o diálogo bilateral, mesmo que seja apenas restrito ao terreno econômico-comercial. As empresas, os trabalhadores dos dois países precisam de um bom entendimento Brasil-Argentina. Retornando a Roca: nada nos separa, tudo nos une.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4 de dezembro de 2019

A grande ilusão da aliança trumpista da diplomacia bolsonarista, um fracasso completo

Caiu a ficha e é hora de repensar relacionamento com os EUA, defendem assessores de Bolsonaro

Valdo Cruz, comentarista de política da GloboNews
4/12/2019

Apesar de não externarem publicamente, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe já avaliam que o relacionamento com os Estados Unidos precisa ser repensado, porque a qualidade da parceria com o presidente Donald Trump não está sendo nada boa para o Brasil. Nas palavras de um assessor presidencial, “caiu a ficha” e a hora é de ser pragmático com o governo norte-americano. 
Desde o início do governo, o presidente Bolsonaro adotou uma política deliberada de alinhamento com os Estados Unidos. Fez diversas concessões ao governo norte-americano, mas até agora só recebeu promessas em alguns setores e ameaças de retaliação em outros. Por isso, a avaliação agora, feita pela equipe presidencial, é que “a qualidade da parceria não está sendo boa para o Brasil”. 
Isso não significa que o governo brasileiro irá praticar de imediato algum tipo de retaliação contra os Estados Unidos. Adotar esse caminho de cara, argumentam assessores da equipe econômica, seria ir contra a linha do governo atual, que é pela abertura da nossa economia, e não pela adoção de medidas protecionistas. 
'Acredito que chegaremos a um bom termo', diz Bolsonaro sobre impasse com EUA 
Por enquanto, a ordem interna é apostar nas negociações para reverter a decisão de Trump, que anunciou a adoção de sobretaxa de 25% sobre a importação de aço brasileiro e de 10% sobre o alumínio. Negociadores brasileiros conversaram com funcionários da Casa Branca e ouviram deles o reconhecimento de que Trump pode ter errado ao incluir o Brasil no aumento de tarifas de importação. 
Primeiro, porque, ao contrário de outros países, a maior parte do aço brasileiro exportado para os Estados Unidos é utilizada como insumo pelas siderúrgicas norte-americanas. Com isso, se a tarifa de importação sobe, o custo delas também sobe e acaba prejudicando a própria economia americana. 
Segundo, os funcionários norte-americanos concordam que o Brasil não estava adotando nenhuma medida artificial de desvalorização cambial, como havia acusado Trump. 
Agora, a expectativa é que, nas conversas com o presidente americano, ele possa voltar atrás. Ou que a medida fique apenas na ameaça e não entre em vigor. 
Por isso, o governo brasileiro está optando por evitar declarações críticas públicas contra Donald Trump. O Brasil não afasta, porém, a possibilidade de uma reação caso a sobretaxa seja realmente adotada nas próximas semanas. 
Trump quer retomar as sobretaxas para exportações de aço e alumínio do Brasil e Argentina
Trump quer retomar as sobretaxas para exportações de aço e alumínio do Brasil e Argentina

Inadimplência na ONU pode levar a perda de direito de voto para o Brasil (Nasdaq)

Brazil is in danger of losing its vote at the cash-strapped United Nations if it does not pay some of the $400 million it owes, U.N. and Brazilian officials said. 
From Nasdaq.com 
https://www.nasdaq.com/articles/brazil-could-lose-its-u.n.-vote-due-to-debt-2019-12-04

Brazil could lose its U.N. vote due to debt


General Santa Rosa sobre Bolsonaro: "Governar não é ação entre amigos"

General Santa Rosa sobre Bolsonaro: "Governar não é ação entre amigos"

Chico Alves, UOL, 4/12/2019

Um presidente inacessível a seus colaboradores mais qualificados, por causa da intervenção de jovens que filtram o acesso a ele; o planejamento estratégico do país deixado de lado por falta de apoio do Ministério da Economia; a principal autoridade da República cada vez mais isolada pela coleção de amigos que se tornaram inimigos.
Esse é o cenário descrito pelo general da reserva Maynard Santa Rosa, que demitiu-se da Secretaria de Assuntos Estratégicos do governo Bolsonaro no início de novembro. Um dos nomes mais respeitados pelos oficiais superiores das Forças Armadas, ele concedeu à coluna a primeira entrevista desde que deixou a SAE.
Na conversa, expôs o descaso com que o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, tratou o planejamento que traçou. "Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso", prevê.
O plano de sete prioridades que apresentou em janeiro ao presidente acabou não indo a frente, apesar do "ok" de Bolsonaro no documento. "Ele assinou sem entender bem o que estava assinando", acredita Santa Rosa.
O general diz que a forma como ele e o general Santos Cruz deixaram o governo não fará com que a cúpula das Forças Armadas deixe de apoiar a gestão atual, mas acredita que "enfraquece um pouco aquela esperança do estamento militar na recuperação do país".

UOL - Por qual motivo o sr. decidiu deixar a Secretaria de Assuntos Estratégicos?
Maynard Santa Rosa - Isso foi o resultado de um processo relativamente longo. Porque, quando chegou esse ministro novo, o doutor Jorge Oliveira, na Secretaria-Geral, ele trocou todos os quadros mas não mexeu na minha Secretaria de assuntos estratégicos. Em compensação, passou a estrangular a secretaria. Por exemplo, os nossos trabalhos não tinham sequência, ele não dava prosseguimento. Nós ficamos impedidos de ter acesso ao presidente, porque não havia oportunidade.
Depois, começou um processo lateral de cooptação dos nossos talentos, alguns civis de muito boa qualidade técnica foram sendo cooptados para cargos melhores no governo, no próprio palácio, quase todos. E não foram substituídos. Os nossos processos propondo substitutos não prosseguiram.

O sr. reclamou com o ministro Jorge Oliveira?
Eu pedi para falar com o ministro. Inicialmente, ele levou quase 30 dias para fazer uma primeira reunião. Depois dessa reunião, que não teve agenda, eu pedi para conversar com ele e a secretária marcou para dez dias depois. Disse para o ministro, na nossa conversa, que isso significava que ele tinha uma agenda muito atarefada e eu não ia mais atrapalhá-lo, não ia buscar contato com ele, ia mandar tudo por escrito. E assim foi feito.
Até que por último ele resolveu fazer uma reunião comigo e em sequência com os meus subordinados, que eram chefes de secretarias, mas sem me avisar. Quando aconteceu isso, na minha entrevista com ele disse que agradecia a oportunidade que me deram de ver o país de cima, uma oportunidade muito boa para estudar as questões do país, mas eu considerava que dadas as circunstâncias não contava mais com a confiança do governo. Sendo assim, não tinha mais o que fazer, que ele podia agradecer ao presidente por mim, e disse: "Tô fora". E saí.
Ele assustou-se, porque não imaginava que fosse acontecer isso. Daí a meia hora, quando fez a reunião com esses quatro companheiros subordinados, eles pediram para sair também. Ele foi de uma grande inabilidade. É muito educado, mas tem uma personalidade enigmática. A gente não sabe se ele está gostando ou não do que estamos falando. Como ele se interpôs como intermediário entre nós e o presidente. Queria controlar a minha agenda e vi que ficar enxugando gelo não adiantava. Creio que ele fez isso devidamente avalizado pelo presidente. Então, nessas circunstâncias, eu saí.

O sr. não teve acesso direto ao presidente Bolsonaro?
No início, sim. Depois foi ficando mais difícil, porque o presidente se cercou de um grupo de garotos que têm entre 25 e 32 anos que fazem uma espécie de cordão magnético em torno e filtram o acesso. Então, começou a ficar difícil. Mas como o ministro Jorge é do círculo próximo ao presidente, imaginamos que seria facilitado o nosso trabalho, porque por meio dele faríamos a interlocução. O que não aconteceu.
Quem são os "garotos" que filtram o acesso?
É o Filipe Martins (Filipe G. Martins, assessor especial da Presidência da República) e essa turminha que controla as redes sociais. Tem mais outros. Eles não alegam nada, simplesmente protegem e não chega na agenda do presidente.
Como avalia a contribuição de Filipe G. Martins para o governo?
Ele tem capacidade, tem potencial, mas não tem experiência. Não era ele que deveria dirigir a política de Relações Exteriores do Brasil. Deveria ser o Ministério de Relações Exteriores. Mas, infelizmente, é isso que está acontecendo. Isso faz com que o presidente não tenha uma visão do cenário condizente com a necessidade estratégica do país.

Quais as atribuições da Secretaria de Assuntos Estratégicos e em que estágio o país está nesse campo?
A nossa Secretaria tem por finalidade uma função de Estado, foi criada para isso. É pensar o futuro do país, estabelecer as metas sinérgicas e de efeito estratégico para propor ao presidente. Quando o ministro chegou, dentro desse contexto de estrangulamento da SAE, ele conseguiu um decreto que alterou a destinação legal da secretaria. Deixou de ser uma assessoria do presidente e passou a ser uma assessoria dele. Mas como a redação foi ambígua, porque preservou a destinação original, então nós ignoramos isso e continuamos trabalhando para o Estado e não para o governo. Finalmente, ele resolveu controlar a minha agenda e aí não foi possível.

Quais as propostas que em janeiro o sr. levou ao presidente Bolsonaro e foram aprovadas?
Levantamos aquilo que estava em atraso que precisava ser atualizado e vinha sendo postergado. Por exemplo, o Brasil tem o melhor sistema do mundo de processamento de urânio enriquecido, desenvolvido por cientistas da Marinha. No entanto, nós continuamos importando urânio enriquecido para as usinas e os fármacos que são radiativos nós importamos todos, mesmo tendo a melhor tecnologia do mundo. Colocamos como meta industrializar esse processo já existente.
Outra meta estratégica: quando a Argentina lançou no ano passado o nano satélite com foguete argentino e botou em órbita, nós, que sempre estivemos dez anos à frente da Argentina, passamos para trás. Estabelecemos a uma meta de ainda no governo Bolsonaro colocarmos um satélite em órbita com foguete nacional.
Vimos também o descaso que se tem com as moléstias tropicais, porque os laboratórios do Primeiro Mundo não investem porque eles não têm necessidade. Quem tem é o Hemisfério Sul. Temos capital intelectual, recursos técnicos e não é muito caro. Colocamos isso como parte da agenda estratégica.
Também vimos que nosso sistema de prospecção mineral no Brasil é uma caixa preta, que dá ensejo a alguns espertalhões, tipo Eike Batista, de ficarem ricos e um tesouro incomensurável que nós temos, que tem potencial para resolver a questão da dívida e até contribuir para o fundo atuarial da Previdência pública e não é trabalhado. Colocamos como meta um plano nacional de mineração. Verificamos que o Brasil só mapeou 30% do território. Mesmo assim, somos o sexto produtor mundial de urânio, o segundo de cobre e por aí vai É um trabalho barato de fazer. é apenas questão de foco e investimento. Colocamos isso como uma meta.
Tratamos também de defesa de ataques cibernéticos e formas de indução de um mercado interno na Amazônia.

Qual entrave impediu que esses projetos fossem em frente?
Passamos a enfrentar resistência do Ministério da Economia, do Ministério da Infraestrutura, não tivemos apoio. Queríamos incluir esses programas no Plano Plurianual, para poder garantir a implementação, que mesmo que houvesse atrasos. Foi feita, então, uma manobra postergatória de modo que quando terminou o prazo para o PPA nenhum desses projetos foi inserido.

O sr. falou com o ministro Paulo Guedes sobre isso?
Não tive oportunidade de falar diretamente com o ministro Paulo Guedes, porque existe uma inversão. O sistema de planejamento estratégico do Brasil infelizmente foi perdido. Em 20 anos, que o Brasil deu o salto de 37ª economia para 7ª economia por causa do planejamento integrado. Quando veio o processo de democratização, os governos foram perdendo o planejamento "top-down" (de cima para baixo), foram descentralizando. O xeque-mate foi o Fernando Henrique criar o Ministério do Planejamento. A antiga Secretaria de Planejamento da Presidência desapareceu e o presidente hoje tem menos poder do que o ministro da Economia. Então, quando se precisa de algum cargo, tem-se que ir de pires na mão pedir ao ministro da Economia. Quando precisa de recursos, a mesma coisa. Há uma inversão. Esse sistema que existe hoje "bottom-up" (de baixo para cima) teria que ser invertido. Isso foi uma das causas da resistência lá no governo. Ninguém quer perder o poder.

Houve resistência também do ministro Jorge Oliveira?
Não é só o ministro. No caso dele é uma questão de alcance e percepção. Ele não entendeu direito o papel da SAE. Mas ele não foi o maior problema. O problema foram as resistências de alguns outros ministros, como o da Infraestrutura, e a falta de apoio do centro de governo. Então, nós vamos continuar na mediocridade, o PIB aumentando muito pouco, quando temos potencial de crescer até 4%.

Por quais motivos o plano não foi à frente, mesmo depois da assinatura do presidente Bolsonaro?
Ele assinou sem entender bem o que estava assinando. Ele tem boa intenção, é um idealista, mas não tem uma consistência estratégica. Ele precisa ouvir quem tem. Não está havendo essa possibilidade.

A saída do governo em situações adversas do sr. e do general Santos Cruz pode fazer com que os militares deixem de apoiar o governo?
Não creio que tenha influência direta, não. Isso apenas enfraquece um pouco aquela esperança do estamento militar na recuperação do país e na decolagem que estava se imaginando. O Santos Cruz, devido às operações que ele fez no Haiti e depois no Congo, tornou-se um cara muito respeitado no mundo, tanto que de vez em quando o secretário-geral da ONU liga para ele para pedir opiniões. Ele não é conhecido no Brasil, mas no mundo é.
Ele saiu por razões pequenas, que nada tinham a ver com assuntos de Estado. Simplesmente porque queria controlar as verbas da Secom e o Carlos Bolsonaro queria direcioná-las. Ele não aceitou e terminou se indispondo.
O presidente é honesto, é idealista. Falta um pouco de consistência. Ele vai ter que entender mais para a frente que governar é muito mais que uma ação entre amigos. Isso, infelizmente, ele vai entender a duras penas. os amigos se transformam em inimigos e os inimigos se mantêm ativados. Então, vai crescendo a polarização contrária e ele vai ficando isolado. Como ele é inteligente, pode ser que ele acorde e passe a direcionar a coisa como devem ser.

O que achou da fala do ministro Paulo Guedes sobre a volta do AI-5?
Foram arroubos. O Chile foi apanhado de surpresa pela campanha terrorista que foi feita. O que foi comentado tem a ver com esse cenário. O que aconteceu no Chile é um ensaio para a grande ação que está sendo programada para o Brasil. Começou no Chile, mas houve na Bolívia e Colômbia. Imagino que o ministro Paulo Guedes tenha externado preocupação em relação a esse cenário caótico, uma conflagração.

Mas ele falou claramente em adoção do Ai-5...
Acredito que o ato institucional foi citado como símbolo. AI-5 não existe mais.

Como o sr. acha que vai ser a influência de Lula, agora em liberdade, nas eleições municipais do ano que vem?
O que a gente tem observado é que nos redutos eleitorais do PT, como é o caso da Bahia, ele está tendo decepções. Ele é uma liderança que passou. Não creio que vá afetar em nada. Eu, particularmente, considero que essa decisão do Supremo é inaceitável, consagra a impunidade e contraria frontalmente 90% da opinião pública. Foi um ato irresponsável.

O sr. não acha que se o Judiciário se guiar somente pela opinião pública corre o risco de fazer justiçamento em vez de justiça?
O que a opinião pública quer é que o criminoso cumpra a sua pena Veja: em alguns redutos, como no interior da Bahia, partiu-se para o justiçamento, que é uma aberração, por falta de credibilidade no processo de Justiça. Tem acontecido linchamentos quando pegam bandidos, por uma questão de se consagrar a impunidade.

Não acha que algumas falas mais agressivas do presidente Bolsonaro influenciam em casos assim?
Acho que é mais arroubo, não creio que tenha consistência para isso.

Qual a sua expectativa para a continuação do governo?
Torço para que o governo dê certo, mas se acontecer vai ser por acaso. Não há uma integração, uma ação planejada. Poderá dar certo pela qualidade dos ministros, pelo empenho do pessoal que está focado em suas áreas específicas. Não por uma questão de planejamento.

O que poderia levar o governo a retomar o planejamento?
Está previsto que o Brasil vai entrar na OCDE, é uma intenção do governo. Se isso acontecer, uma das cláusulas essenciais da OCDE é que ative o centro de governo, integração dos ministérios com a visualização do cenário que se quer construir e a implementação de programas para atingir essas metas de longo prazo. Aí vai ter que existir um planejamento estratégico. Isso vai obrigar os burocratas a despertarem para essa necessidade. Por um canal transverso vamos fazer o que tem que ser feito.

O sr. ficou magoado com sua passagem pela SAE, acha que faltou consideração?
Não houve uma consideração. Mas é direito de uma pessoa não ter consideração. Assim como tenho direito de não atender o telefonema do secretário dele. Não quer dizer que eu esteja revoltado. Uma coisa é a sua conveniência. Outra coisa é o interesse do país.