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sexta-feira, 21 de junho de 2024

Um futuro pior que o passado? Reflexões na antevéspera do bicentenário da independência - Rubens Ricupero (palestra na ABL)

 Um futuro pior que o passado? Reflexões na antevéspera do bicentenário da independência

Rubens Ricupero

Ciclo: O que falta ao Brasil?

Academia Brasileira de Letras, 29 de agosto de 2019.

 

Ao Brasil falta muito, quase tudo, para ser o sonho intenso de que fala o nosso hino. Uma lista exaustiva das carências nos aproximaria do infinito. O problema maior, no entanto, não é a ausência de muitas coisas desejáveis. O pior é que nos privamos da única condição indispensável para um dia conquistar o que nos falta. Perdemos a esperança, isto é, a confiança de que o futuro nos trará remédio às agruras do presente, da mesma forma que antes o presente costumava superar problemas do passado. Vivemos um déficit agudo de esperança. E sem esperança, não existe possibilidade de construir o futuro.

O sentimento tem precedentes, geralmente em momentos de profunda desestabilização das instituições e das pessoas, como na súbita derrubada da monarquia. Joaquim Nabuco temia até o desmembramento do país ou a perda da noção de liberdade. O visconde de Taunay chegava a sentir “intensa vergonha de não ter morrido!” Silveira Martins comparava o Brasil ao que Diderot escrevera da civilização russa: “um fruto que apodrecera antes de amadurecer”. 

O regime de Pedro II que esses brasileiros confundiam com o melhor Brasil possível possuía aspectos respeitáveis. Era, contudo, um país de pouco mais de 14 milhões de habitantes, a maioria analfabeta, com expectativa de vida inferior a 30 anos, muitos recém-saídos da escravidão e abandonados à própria sorte. 

Houve depois outras fases de abatimento, mas a versão mais grave data de poucos anos atrás, de 2015/16, o instante em que começou a desfazer-se a ilusão de que o país tinha dado certo. Guardadas as proporções, o naufrágio da hegemonia do PT cumpre na história brasileira função análoga ao do colapso do comunismo no mundo. Para melhor explicar a afirmação, peço licença para transcrever na íntegra uma observação de Emmanuel Levinas sobre o sentido do fim do comunismo.

O jornal La Stampa lhe havia perguntado, pouco antes de sua morte em 1995, se pensava que esse acontecimento havia sido uma grande vitória para a democracia e o filósofo respondeu:

  “Não, penso que as democracias perderam e muito. Apesar de todos seus horrores, seus excessos, o comunismo havia sempre representado a esperança [...]de uma ordem social mais equitativa. Não é que os comunistas tivessem uma solução ou estivessem preparando uma, ao contrário. Existia, no entanto, a ideia de que a História possuía um sentido, uma direção e que viver não era insensato, absurdo. [...]. Não creio que haver perdido essa ideia para sempre seja uma grande conquista espiritual.[...]. Acreditávamos saber para onde ia a História e que valor dar ao tempo. Agora caminhamos sem rumo, perguntando-nos a cada instante: ‘que horas são?’ De maneira fatalista, um pouco como se faz o tempo todo na Rússia: ‘que horas são?’ Ninguém sabe a resposta.” 

Se trocarmos a palavra “comunismo” por “petismo”, impressiona como o trecho parece retratar o que sucedeu no Brasil. Excessos à parte, o PT também expressava a esperança de uma sociedade mais justa. Obviamente, além do PT, muitos brasileiros partilhavam a mesma aspiração. Foi o PT, porém, que teve a oportunidade de tentar em mais de 13 anos de governo aplicar inúmeras políticas públicas para reduzir a desigualdade, outra semelhança com o comunismo “real” e seus mais de 70 anos no poder.

Lula dava a sensação de encarnar uma notável transformação da sociedade. As medidas de transferência de renda, as quotas raciais, o acesso dos pobres ao ensino superior, prometiam um futuro de superação da desigualdade extrema herdada do passado. Sem base financeira adequada, as fórmulas petistas se tornaram insustentáveis. Algumas concorreram poderosamente para desencadear, primeiro a crise fiscal, em seguida o gravíssimo colapso que prostrou a economia até este momento.

A associação que se estabeleceu entre a ruína das contas públicas e o combate às injustiças sociais abalou as fundações da crença de que somos capazes de superar a desigualdade. Após os sucessos do Plano Real, do crescimento do governo Lula, da conquista do grau de investimento, a debacle da economia trouxe de volta aos brasileiros o efeito psicológico desmoralizante do fracasso. 

A isso se somou o trauma do impeachment de Dilma, da condenação e prisão de Lula, de seu alijamento da campanha eleitoral de 2018, gerando contestações sobre a legitimidade democrática do poder. O pouco que sobrava do prestígio das instituições políticas se viu, ao longo de três intermináveis anos, estremecido pelas revelações quase diárias de escândalos pela Lava Jato, ela mesmo ora em vias de desmoralização devido a excessos e erros próprios, assim como à reação defensiva de setores políticos. 

O Brasil jamais tinha passado por retrocesso tão destrutivo na vida das pessoas por meio do desemprego, do aumento da pobreza, do desalento. Nem experimentara nada equiparável ao profundo impacto depressivo dos escândalos de corrupção que destruíram a autoestima de todo um povo. Em conjunto, essas desgraças simultâneas produziram efeito equivalente ao da guerra sobre uma sociedade até então poupada de catástrofes históricas como derrotas e ocupações estrangeiras. 

Tenho usado os verbos no passado a fim de situar no tempo o momento em que ocorreram as causas da situação que vivemos. Esse nosso passado próximo, contudo, não acabou de passar, é ainda o nosso presente. Neste mesmo instante, ele continua a nos fazer sofrer na persistência da estagnação econômica, do desemprego, do retrocesso social, da barbárie das prisões, da corrupção, da destruição da Amazônia, da degradação dos homens que nos desgovernam. A mais angustiante crise de nossa História se prolonga como obra de demolição em pleno andamento, como um work in progress. Agravada pelo advento de um governo retrógrado cujo único programa reside na demolição sistemática do passado.  

Se a analogia com o contexto externo for correta, deve-se esperar, também por aqui, uma transição dolorosamente longa até que desponte período histórico diferente. No mundo, o sonho de uma sociedade mais justa acabou antes que no Brasil. Uma de suas primeiras expressões foi o ensaio do pensador e jornalista norte-americano William Pfaff por volta de 1995/1996, que partia da pergunta: “E se não houvesse nenhuma razão de pensar que o futuro será melhor que o presente, ou, pior ainda, melhor que o passado?”

Desde o Iluminismo, acreditava-se que a História se encaminhava a um futuro que, retrospectivamente, daria sentido ao passado. Essa bela confiança tinha se evaporado. 

  Profético, o ensaio de Pfaff antecedeu as calamidades que se sucederiam nos anos seguintes. A lista é interminável: o genocídio de Ruanda, os massacres da Bósnia, os atentados do Onze de Setembro, a eterna guerra do Afeganistão, a invasão do Iraque, a proliferação do terrorismo, a guerra civil da Síria, a anarquia na Líbia, as massas desesperadas de refugiados, a devastadora crise financeira de 2008, o aumento da  desigualdade, a conquista do poder nos EUA  pelo mais reacionário dos populismos. 

A passagem para um novo milênio se cumpriu sob o signo da tragédia que voltou a pautar a História. Ubíqua, a crise da democracia liberal se manifesta por todo lado. Cobrem já boa parte da população mundial os regimes antiliberais, anticientíficos, negadores da mudança climática, hostis às elites intelectuais, à tolerância da diversidade, ao respeito do outro em matéria sexual ou cultural. 

Dos quatro centros do poder mundial, três – os EUA de Trump, a China do presidente vitalício Xi, a Rússia do czar Putin – colocam o egoísmo nacional acima de uma ordem internacional baseada em leis, movida pela busca do consenso. O quarto, a União Europeia, último reduto da democracia liberal, do bem-estar social, da defesa do ambiente, sofre da desunião, do Brexit, do populismo de direita na Itália, Hungria, Polônia.

Os regimes atuais, quer o capitalismo ocidental, quer a versão estatizante chinesa, são incapazes de resolver os três maiores problemas humanos: o aquecimento global, o aumento da desigualdade, o desemprego estrutural agravado pelos robôs e a inteligência artificial. A possibilidade de que a mudança climática se torne irreversível traz de volta a ansiedade pela sobrevivência individual que se sentia no final da Antiguidade. 

Coroando tudo, os ocidentais perdem a confiança na própria cultura, atacada com prepotência pelos adversários do liberalismo e da democracia. Batidos pelos chineses na expansão rápida da economia, amanhã, quem sabe, na vanguarda das tecnologias de ponta, americanos, europeus, temem a emergência, pela primeira vez em quinhentos anos, de uma superpotência não-ocidental. 

Como será o mundo do futuro? Que valores refletirá a partir da influência do poder chinês? Até que ponto a ordem mundial continuará a se inspirar no Iluminismo, na Declaração dos Direitos do Homem, na democracia? É possível confiar na evolução de um regime como o chinês que confina centenas de milhares de uigures em campos de lavagem cerebral, que não tolera a diversidade de Hong Kong? 

É nesse nevoeiro espesso de incertezas que se esconde o horizonte do futuro. Não foi muito diferente, cem anos atrás, quando o Brasil se aproximava do primeiro centenário. O mundo saia da Grande Guerra destroçado nas estruturas e nas almas. Em 1919, negociava-se o Tratado de Versalhes, Paul Valéry escrevia “nós civilizações sabemos agora que somos mortais [...] sentimos que uma civilização tem a mesma fragilidade que uma vida”.  

Os tempos não eram melhores que os de hoje. Basta lembrar que o ano do centenário da independência coincidiu com a marcha de Mussolini sobre Roma, a primeira conquista de um país pelo fascismo. A década de 1920 se encerraria com o colapso da Bolsa de Nova York e a Grande Depressão. A seguinte assistiria ao sinistro triunfo do nazismo, ao estalinismo, ao estalar da Segunda Guerra Mundial com o cortejo de horrores que se seguiu: o Holocausto, os campos de extermínio, as bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki. 

Nada disso impediu o Brasil de avançar. Ao completar cem anos de vida independente, a sociedade brasileira deu balanço no passado, espantando-se com o déficit. No sugestivo estudo que dedicou ao centenário, A nação faz cem anos, a Professora Marly Silva da Motta mencionava o severo juízo de Capistrano de Abreu, ao concluir em 1907 seus Capítulos de história colonial. O legado de três séculos de colônia teria sido a pobreza intelectual, moral e material, a inexistência de vida social, a incapacidade organizativa. A monarquia escravocrata não havia sido capaz de superar tal herança em 67 anos de crescimento modorrento.

O debate intelectual, jornalístico, antes e depois do centenário, produziria, em 1924, a coletânea À margem da história da República. Seu organizador, Vicente Licínio Cardoso, afirmava que o desafio de sua geração consistia em empreender “nova Obra de construção, ou seja, fixar [...] o Pensamento e a Consciência da Nacionalidade Brasileira”, tudo com maiúsculas. Nas palavras de Marly Motta, “ser moderna, eis a aspiração da sociedade brasileira às vésperas do Centenário da Independência”, embora a autora advirta que os diferentes atores tinham concepções diferentes da modernidade.

A diversidade marca, de fato, as manifestações do centenário, que se inauguram, em fevereiro, com a Semana de Arte Moderna de São Paulo, seguindo-se a fundação do Partido Comunista do Brasil, a do Centro Dom Vital, núcleo do pensamento católico conservador, por Jackson de Figueiredo, o sacrifício heroico dos 18 do Forte de Copacabana, primeira manifestação pública do Tenentismo, a Exposição Internacional de setembro, e a instituição, no último dia do ano, do imposto de renda!

O carcomido sistema político da República Velha não soube captar os sinais de que a sociedade ansiava por mudanças profundas: a greve geral de 1917, a pulsação dos movimentos artísticos, a inconformidade das baixas patentes do Exército com as fraudes eleitorais. Mostrou-se assim incapaz de deter o processo de autodestruição que culminaria na Revolução de 30. 

 Nascido com a Primeira República em 1889, Vicente Licínio Cardoso manifestava a decepção dos contemporâneos com os 35 anos do regime em palavras que parecem expressar os nossos sentimentos em relação aos 34 anos da Nova República: “A grande e triste surpresa de nossa geração foi sentir que o Brasil retrogradou. Chegamos quase à maturidade na certeza de que já tínhamos vencido certas etapas [...]resolv(ido) de vez certos problemas essenciais. E a desilusão, a tragédia [...] foi sentir quanto de falso havia nessas suposições”  

  Apesar do igual desapontamento, há uma evidente diferença entre a efervescência de 1922 e a desesperança de hoje. O contraste talvez se deva à crueldade do choque recente por haver sido precedido da ilusão de que o Brasil era “a maior história de sucesso da América Latina”, como afirmou a revista Economist na edição da fatídica capa do Cristo Redentor decolando, em novembro de 2009. Sem a mesma frustração de um tempo melhor, os brasileiros de 22 só viam, ao olhar para trás, um passado de atraso, ignorância, insucesso. A própria crise do sistema político vinha de longe, tornara-se crônica. O governo de Epitácio, que terminava em 22, até se comparava com vantagem aos anteriores, embora a situação não tardasse em se agravar com o advento de Artur Bernardes.  

O confronto entre o primeiro e o segundo centenário põe em evidência o inédito da experiência corrente: a de que, em alguns aspectos importantes, nosso presente é pior que nosso passado. Não se trata do vulgar sentimento de que “a nuestro parescer, cualquier tiempo pasado fue mejor”, como dizia Jorge Manrique nas Coplas por la muerte de su padre.       

Quem negaria, por exemplo, que os tempos atuais são piores que os da modernização do Estado e industrialização dos anos 1930 a 1950, aos “50 anos em 5” de JK, aos da Política Externa Independente de Jânio e San Tiago Dantas, aos 16 anos de estabilidade, crescimento, conquistas sociais de FHC e Lula? Se essa avaliação for julgada subjetiva, existe um critério mensurável indiscutível: o do crescimento econômico. 

Segundo o professor Rogério Furquim Werneck, entre 1940 e 1980, a economia apresentou taxa média de crescimento de 7% ao ano, expansão rápida e estável, pois, em 40 anos, apenas em um, (1942), registrou-se queda do produto. O longo período de crescimento, comparável aos asiáticos, permitiu multiplicar o PIB real por quinze. Apesar da população haver triplicado no período, o produto por habitante cresceu mais de cinco vezes!

Compare-se agora com as quatro décadas seguintes, de acordo com os dados do estudo da Goldman Sachs (maio de 2019) intitulado: Brasil: duas décadas perdidas em 40 anos. Poderia o país perder meio século? Afirma o estudo que “nas quatro décadas entre 1981 e 2020, o crescimento real do PIB per capita quase certamente ficará em menos de 0,8% ao ano na média; nesse passo, levará 87 anos para dobrar a renda per capita [...] em duas das últimas quatro décadas, o Brasil experimentou declínio de crescimento real do PIB per capita: a de 1980 e provavelmente a de 2010 [...] a próxima década poderia também ser perdida, nesse caso, o Brasil teria perdido meio século”. 

Esta última frase parece ecoar as palavras do barão de Cotegipe ao barão de Penedo sobre a guerra do Paraguai: “Maldita guerra, atrasa-nos meio século!” Um fracasso de 50 anos é assustador! É preciso martelar esses dados a fim de combater a complacência e reconhecer que estamos diante do maior desastre de desempenho coletivo de nossa história recente! 

Temos de admitir que o nosso presente é, sob esses aspectos, muito pior do que certas fases do nosso passado. Existem, claro, luzes que se contrapõem às sombras. Estes 40 anos de altos e baixos coincidem com a consolidação da democracia. Sem arbítrio nem poderes especiais, a democracia encontrou soluções a problemas criados ou agravados pelos militares: a crise da dívida externa, a inflação explosiva, a destruição dos direitos humanos, a ruina do Estado de direito. 

Nesse período, em especial nos 20 anos entre 1995 e 2015, alcançou-se a maior redução relativa da pobreza e da indigência de nossa História. O plano Real criou uma moeda estável, institui-se o ministério da Defesa para subordinar os militares ao poder civil, atingiu-se a universalização do ensino fundamental, os estudantes das classes CDE no ensino superior saltaram de 87 mil a 2,1 milhões, lançaram-se as bases de um serviço de saúde universal. 

Os progressos são reais, o problema é que, depois de gerar tais resultados, o sistema político-econômico mostra sinais de esgotamento, produzindo rendimentos decrescentes. Ora, se a estagnação se perpetuar, muitas conquistas se revelarão insustentáveis a longo prazo. Foi o que sucedeu na Argentina, onde os progressos educacionais e sociais vêm sendo gradualmente erodidos pela crise quase permanente. O bicentenário da independência argentina em 2016 encontrou a nação pior do que cem anos antes, no primeiro centenário, quando era a quinta maior economia do mundo. O decadentismo, o declínio secular, que nos habituamos a atribuir a nossos vizinhos do rio da Prata é, na verdade, doença contagiosa que já transpôs nossas fronteiras. 

A exemplo de cem anos atrás, a aproximação do segundo centenário fornece estímulo para reagir à doença antes que se torne crônica. Em 22, esse papel pioneiro correspondeu, em primeiro lugar, à Semana de Arte Moderna. Um século depois, ultrapassado o debate de 22 sobre a modernidade e a questão da identidade nacional, o que nos cabe é identificar razões para confiar que o futuro será melhor que o presente e superior aos melhores momentos do passado. Precisamos de razões plausíveis para recuperar o que perdemos devido aos sucessivos fracassos: a confiança em nossa capacidade de influenciar o futuro, de dar-lhe um sentido humano. 

O ponto de partida terá de ser a renovação da cultura, da filosofia, da literatura, das artes, como na Semana de Arte Moderna, na geração espanhola de 1898 e na experiência de outros povos. De 1922, o que ficou na memória coletiva foi a Semana de Arte Moderna. É por referência a Mário de Andrade, a Oswald, a Bandeira, a Drummond, a Villa Lobos, aos que vieram depois, que nos definimos na consciência de uma identidade bem diferente da que prevalecia anteriormente.

No campo das ideias, os sinais não são encorajadores. A novidade, se é que cabe tal palavra, é a versão brasileira requentada de fenômeno mundial, a seita de extrema-direita que mistura ideólogos pós-fascistas com iluminados, astrólogos, apocalípticos e lunáticos de todo o gênero. Em política, a polarização e radicalização da sociedade se aproximam dos níveis da véspera do golpe militar de 64. Consolida-se um quadro perverso que lembra o italiano no período em que o Partido Comunista se mantinha como primeira força de oposição, atingia um terço do eleitorado, mas não lograva romper esse teto. Dizia-se então que a Itália não era um país normal como os demais da Europa Ocidental pois não existia possibilidade de uma alternância democrática, que equivaleria à chegada do comunismo ao poder.

    A eleição brasileira de 2018 ajusta-se a essa descrição. O padrão se reproduzirá por muito tempo se não se romper a polarização entre extrema direita e PT, com o medo empurrando os segmentos médios na direção da direita. Superar o medo requer algo parecido ao compromisso histórico que se frustrou na Itália, isto é, a aliança entre o centro socialmente progressista e a esquerda democraticamente renovada. 

A eficácia econômica, a responsabilidade financeira, que tomaram o lugar da luta contra a miséria depois do colapso da era Dilma não bastarão se não forem acompanhadas de vida melhor para os marginalizados. A paixão capaz de galvanizar a sociedade brasileira só pode vir da busca da maior igualdade possível. Uma população dividida por profunda desigualdade de condições jamais se empolgará por ideais liberais de competição, eficácia, meritocracia, produtividade. Necessárias para tornar sustentável a economia, essas qualidades precisam ser conciliadas com forte redistribuição da propriedade e da renda.   

Nos anos 20, o vácuo criado no debate público pelo fim do abolicionismo começava apenas a ser ocupado pela “questão social”, sob impacto das greves operárias, dos primeiros sindicatos, da agitação dos jornais e elementos anarco-sindicalistas. Dos 17,5 milhões de habitantes de 1900, rurais e analfabetos na sua maioria, a população atingiria cerca de 31 milhões no ano do centenário. A partir de então acelera-se a dupla explosão demográfica e urbana, hoje em grande parte concluída, até chegar aos atuais 209 milhões, 86% vivendo em cidades. 

O crescimento concentrou-se maciçamente nos pobres. Deu nascimento às favelas, às gigantescas periferias que circundam as cidades, mesmo as pequenas do interior. Nelas se desenvolve um ator social novo, de cultura original até na religiosidade carismática e na expressão política. Esse ator novo exige um lugar ao sol na vida política, na economia, na cultura. A história dos últimos cem anos se confunde com o esforço de integração da periferia, das resistências aos avanços, dos políticos e partidos que tentaram canalizar a luta ou se beneficiar dela, Vargas, PTB, Lula, PT.

Ninguém se iluda, o aparecimento de um novo ator social e político tem sempre efeito desestabilizador. Assim sucedeu na Europa da Revolução Industrial, com as revoluções de 1830, 1848, da Comuna de 1871. Entre nós e no resto da América Latina não será diferente: não haverá paz, estabilidade, retomada do desenvolvimento sem a integração progressiva do novo ator como cidadão, produtor, consumidor, agente de cultura. 

Urge por isso dobrar a página desta anomalia monstruosa produzida pelo medo na última eleição, reabrindo o caminho para devolver a esperança a todos os brasileiros, em especial aos que mais carecem dela. Depois desta hora do poder das trevas, impõe-se dar sentido à História, recuperar o sentimento de que a vida humana no Brasil não é absurda e insensata. 

Nesse esforço cabem à renovação da cultura e aos intelectuais um papel insubstituível. Trata-se, com efeito, como escrevia Marcuse em O Homem Unidimensional, de fazer com que os extremos se encontrem, isto é, que a consciência humana mais evoluída se ponha a serviço da força humana mais explorada. 

Não está escrito nas estrelas que o nosso futuro será melhor ou pior que o presente e o passado. Sem o consolo das certezas ilusórias, depende apenas de nós, de nossa ação consciente, que os próximos cem anos revertam o declínio, garantindo-nos um futuro melhor que o presente e superior ao passado. Devemos devolver ao Brasil não uma esperança qualquer, mas aquela de que afirmava Walter Benjamin: “É apenas por causa dos que não têm esperança que a esperança nos foi dada”. 

                                      São Paulo, 17 de agosto de 2019. 

O modelo econômico da China mantém um fascínio perigoso - The Economist, Paulo Roberto de Almeida

 Existe algum modelo chinês de desenvolvimento?

Pode ser que sim, mas ele não serve para NENHUM outro país.

Meu amigo Mauricio David me perguntou o que eu acho do artigo abaixo.

Leiam, e depois vejam o que eu respondi a ele.

Paulo Roberto de Almeida

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The Economist

 

O modelo econômico da China mantém um fascínio perigoso

Apesar das dificuldades atuais do país, os autocratas de outros lugares têm muito a admirar

Por The Economist

09/06/2024 | 17h00

Há vinte anos, Joshua Cooper Ramo, um consultor, escreveu pela primeira vez sobre o “consenso de Pequim”. O consenso de Washington sobre liberalização financeira, moedas flutuantes e abertura ao capital estrangeiro era, segundo ele, coisa do passado. A China estava sendo pioneira em sua própria abordagem de desenvolvimento baseada em princípios de igualdade, inovação e um foco incansável na soberania e na segurança nacional. Isso atrairia muitos países em desenvolvimento.

Nos anos que se seguiram, os líderes chineses, em sua maioria, negaram qualquer ambição de exportar um modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado. Mas, às vezes, eles são mais descarados. No ano passado, por exemplo, Xi Jinping argumentou em um discurso para autoridades do Partido Comunista que o modelo econômico do país “quebra o mito de que modernização é igual à ocidentalização” e que seu crescimento estava expandindo as “opções para os países em desenvolvimento”.

Líderes do passado e do presente no mundo em desenvolvimento, desde Imran Khan, do Paquistão, e Mahathir Mohamad, da Malásia, até Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul, expuseram os benefícios de pelo menos alguns aspectos do modelo. E desde que Cooper Ramo escreveu pela primeira vez sobre o consenso de Pequim, a economia chinesa quadruplicou de tamanho em termos reais em dólares, aumentando a influência diplomática e militar do país.

Mais recentemente, no entanto, a economia da China sofreu um revés. Sua recuperação da covid-19 tem sido fraca, limitada por uma crise imobiliária, que fez com que o investimento no setor caísse quase um quarto em termos nominais desde 2021. Os esforços para impulsionar a manufatura geraram confrontos com as potências ocidentais, cujos líderes acusam a China de praticar dumping de produtos com preços baixos.

Dado esse contexto sombrio, certamente a demanda pelo modelo chinês está caindo? Não é bem assim. Como disse Kristalina Georgieva, diretora do FMI, em uma entrevista recente à televisão estatal chinesa: “Eu viajo pelo mundo e vejo modelos de desenvolvimento que saíram da China replicados em outros lugares”.

Para analisar até que ponto isso é verdade, produzimos um índice que mede a semelhança de outras economias com a da China. Em grande parte, ele confirma sua conclusão. Além disso, há motivos para acreditar que a influência da China continuará a crescer.

O que é exatamente o modelo chinês? Algumas de suas características mais conhecidas também podem ser encontradas em outras histórias de sucesso do Leste Asiático, incluindo Japão, Coreia do Sul e Taiwan. As economias dos quatro países são orientadas para a exportação e o investimento. Por sua vez, a China tem tido um superávit na conta-corrente há três décadas.

Sua formação bruta de capital fixo, uma medida de investimento, chega a 42% do PIB, uma das maiores participações do mundo. Uma conta de capital amplamente fechada impede que os cidadãos movimentem dinheiro no exterior. A repressão financeira, a prática de manter as taxas de juros artificialmente baixas, garante financiamento bancário barato para os setores favorecidos pelo Estado.

Mas há outros elementos mais claramente chineses. A Coreia do Sul e Taiwan passaram de um regime autocrático para um regime democrático, embora fossem mais pobres do que a China hoje. Em Pequim, não houve liberalização política, e o poder econômico do Estado é utilizado com entusiasmo para fins políticos, inclusive por meio do uso de empresas estatais. Isso é particularmente verdadeiro no setor financeiro. Apesar do crescimento da iniciativa privada desde a década de 1980, as autoridades mantiveram um controle rígido sobre o sistema bancário, com mais de 50% dos ativos bancários ainda detidos por credores estatais.

O desenvolvimento do país também dependeu do uso de zonas econômicas especiais (Sezs), áreas que oferecem a empresas e indivíduos regras mais liberais de impostos e investimentos. Essas zonas não se originaram na China, mas as mais bem-sucedidas, como as vastas zonas em Shenzhen e na Ilha de Hainan, serviram de inspiração para imitadores em todo o mundo. O número de Sezs explodiu. Hoje, somente as Filipinas abrigam mais Sezs do que havia em todo o mundo em 1995.


Os criadores de tendências de Pequim

Usando essas sete medidas - o saldo da conta-corrente de um país, a abertura de sua conta de capital, a escala de seu investimento, a parcela das exportações que são bens manufaturados, o tamanho do sistema bancário estatal, seu nível de democracia e o número de grandes Sezs por pessoa - calculamos o quanto outras economias têm em comum com a China.

O mais semelhante de todos é o Vietnã, que tem uma economia de exportação e manufatura intensiva governada por seu próprio Partido Comunista. A Austrália e o Reino Unido, nenhuma das quais é governada por comunistas, estão entre as que estão na parte inferior da classificação. A economia da Grécia é a menos parecida com a da China.

As posições de outros países talvez sejam mais surpreendentes. Embora o desenvolvimento inicial da Coreia do Sul seja frequentemente comparado ao da China, os dois países já divergiram. De fato, a China agora tem mais em comum com Bangladesh e Turquia, ambos países que visam promover as exportações, mas que têm políticas mais democráticas.

A Índia e a Etiópia também se assemelham à China, em parte devido a seus sistemas bancários estatais. Enquanto isso, a conta de capital fechada de Angola faz com que o país suba na classificação. Todos esses países também têm Sezs.

Em vez de um modelo econômico padronizado, o que a China oferece aos líderes dos países em desenvolvimento é a garantia de que eles não precisam se tornar mais democráticos para crescer. Como diz Charles Robertson, da Fim Partners, uma empresa de investimentos em mercados emergentes e de fronteira: “Para uma grande parte do sul global, o sucesso da China é imensamente atraente porque mostra que os ocidentais brancos não têm todas as respostas”.

Mesmo que o crescimento oferecido agora pareça menos certo do que antes, a barganha ainda parece boa para muitos autocratas. Países como Angola, Etiópia e Tanzânia são liderados por partidos dominantes que surgiram de movimentos de libertação nacional e há muito tempo gostam da intervenção do Estado, da gestão rigorosa do comércio e do controle político do crédito. A China oferece a eles menos um modelo e mais uma desculpa, diz Ricardo Soares de Oliveira, da Universidade de Oxford.

Além disso, a promoção de seu modelo pela China aumentou a velocidade nos últimos anos. Elizabeth Economy, da Hoover Institution da Universidade de Stanford, argumenta que essa atividade reflete um desejo maior de promover as empresas chinesas no exterior. O Departamento de Ligação Internacional do Partido Comunista promoveu laços com as elites do mundo em desenvolvimento.

Sua primeira escola de treinamento no exterior para burocratas estrangeiros, na Tanzânia, começou a aceitar alunos em 2022. Mesmo que as dificuldades econômicas da China tenham se tornado mais óbvias no último ano, os elogios ao seu modelo de desenvolvimento continuaram a ser feitos por líderes estrangeiros, incluindo Shavkat Mirziyoyev, do Uzbequistão, Vladimir Putin, da Rússia, e Yoweri Museveni, de Uganda.

Ao contrário do consenso de Washington, apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial, o consenso de Pequim não conta com o apoio de nenhuma instituição internacional. Os empréstimos da China também vêm com menos condições políticas. Mas é amplo e concentrado em setores típicos do modelo chinês. Entre 2019 e 2023, cerca de 76% dos desembolsos da China no exterior e da atividade de construção, no valor de US$ 541 bilhões (R$ 2,88 trilhões), foram em apenas quatro setores: energia, metais, propriedade e transporte.

Da mesma forma, Yu Zhang e seus colegas da Universidade de Aviação Civil da China identificaram 103 zonas fora da China administradas pelo Ministério do Comércio da China, com investimentos facilitados por essas zonas com foco em setores associados ao modelo chinês. Como resultado, os países anfitriões podem perceber que suas economias estão se tornando mais chinesas.

A adoção do consenso de Pequim é uma boa ideia? Embora o Vietnã, Bangladesh e a Etiópia tenham introduzido políticas semelhantes às da China, eles ficaram muito aquém do crescimento chinês. Enquanto isso, países como a Geórgia e a Polônia demonstraram que o crescimento rápido é possível em sistemas menos autoritários. Yasheng Huang, do Massachusetts Institute of Technology, observa que as economias em desenvolvimento poderiam aprender muito mais com a experiência de liberalização econômica da China logo após o início das reformas de Deng Xiaoping em 1978 do que com seu desempenho mais recente.

Durante a década que se seguiu, a renda pessoal dos chineses aumentou mais rapidamente do que o PIB, o empreendedorismo rural cresceu e o país oscilou entre um superávit e um déficit na conta-corrente. “A China não tinha um modelo de crescimento mercantilista na década de 1980″, diz Huang.

Os países que priorizam a expansão do Estado, da infraestrutura, das exportações e da indústria pesada podem se deparar com dificuldades. Huang cita o Paquistão como um exemplo. Sua taxa de alfabetização ainda está abaixo de 60%, mas o governo está concentrando investimentos em energia, ferrovias e no Corredor Econômico China-Paquistão, uma rede de projetos de infraestrutura que cruzam a fronteira entre os dois países. Em outros lugares, também, a economia chinesa ainda é vista com admiração, principalmente pelas elites que têm pouca intenção de liberalizar. Apesar das dificuldades da China, o consenso de Pequim continua firme.

 

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Agora eu PRA: 

Caro Mauricio,

Não existem modelos de desenvolvimento tipo exportação; cada um é único e original.
Existem coisas que NÃO DEVEM se fazer, como fechamento, estatização, protecionismo exacerbado, desrespeito aos contratos e à propriedade, intervenção desmesurada, desprezo pela qualidade da mão de obra, da infraestrutura, solução de controvérsias inexistente, lenta ou cara, etc., etc., etc.
O que deve ser feito por outro lado, não é exclusivo da China e deveria ser pura sensatez ou senso-comum em matéria de políticas econômicas: estabilidade das políticas macroeconômicas, de preferência orientadas pelos mercados, sem muita interferência estatal (equilíbrio nas contas públicas, comedimento fiscal, baixo endividamento, alto investimento, juros e câmbio mais próximos da dinâmica dos mercados do que das preferências governamentais), políticas setoriais antimonopólicas, alta competição interna e externa, justiça expedita e efetiva, alta qualidade dos recursos humanos e abertura a comércio exterior e aos investimentos estrangeiros.
NADA DISSO foi inventado pela China ou é exclusivo de seu processo de desenvolvimento exitoso dos últimos 50 anos. Ela apenas se libertou do maoísmo demencial, abriu sua economia interna e externamente, reconheceu direitos de propriedade, fez os investimentos em infraestrutura e manteve as políticas que alinhei no parágrafo anterior.
Ou seja, a China CORRIGIU o que era errado e fez o certo, o que QUALQUER PAÍS deveria fazer.
O que ditadores, populistas e autoritários ao redor do mundo admiram na China é o despotismo governamental, mas esquecendo que a China tem um exército de mandarins, tecnocratas altamente capacitados, que não estão nem um pouco preocupados com o disse Marx ou até mesmo Keynes ou Prebisch: eles fazem o que recomendam os bons manuais de administração, à la Peter Drucker, O QUE QUALQUER UM PODE FAZER.
REPITO: o que a China fez é IRREPETIVEL por qualquer outro país, a não ser que queiram repetir a ditadura que arrasou economicamente a China nos tempos do socialismo esquizofrênico de Mao.
A China é a MAIOR ECONOMIA DE MERCADO DO MUNDO, no seu capitalismo com características chinesas, o que é IRREPETÍVEL em qualquer outro contexto.
Mas se quiserem ditadura de um partido leninista, como o PCC, pode até ser, mas tem de fazer como fizeram os mandarins do PCC: administrar uma economia de mercado aberta como fez a China. O que há de estatismo na China está concentrado nos setores que qualquer país democrático pode fazer e faz: estabilidade econômica, competição, abertura, produtividade do capital humano, boa infraestrutura.
Quem achar que pode repetir o que a China fez vai falhar miseravelmente. Basta fazer o que é certo, o que a China também fez. Mas a OCDE ensina direitinho em condições de liberdade política e respeito aos direitos humanos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/06/2024

No livro Memórias, o embaixador Rubens Ricupero relembra sua rica trajetória na diplomacia brasileira - Luiz Roberto Serrano (Jornal da USP)

Estou lendo, mas já conheço largos trechos... 

Da implantação do Plano Real até o envolvimento em importantes questões ao redor do mundo

No livro Memórias, o embaixador Rubens Ricupero relembra sua rica trajetória na diplomacia brasileira

Luiz Roberto Serrano

Jornal da USP, 21/06/2024

https://jornal.usp.br/cultura/da-implantacao-do-plano-real-ate-o-envolvimento-em-importantes-questoes-ao-redor-do-mundo/ 

“Cheguei perto, assim, de realizar a essência da vocação diplomática, que consiste na paixão pela diversidade das culturas e na compaixão pelos sofrimentos dos pobres e fracos. Encontrei na ONU e na UNCTAD maneira de viver o lema que tomei emprestado do poeta árabe Gibran, “A Terra é minha pátria, a humanidade é minha família”
(Memórias, do embaixador Rubens Ricupero, página 612).

O embaixador Rubens Ricupero costuma fazer palestras no lançamento de seus livros. Foi assim, mais uma vez, no lançamento de seu novo livro, Memórias, um cartapácio de 710 páginas, em que conta e reflete sobre sua longa vida pessoal e profissional. A palestra e o lançamento, no dia 15 de junho, lotaram um dos auditórios da Japan House, na Avenida Paulista, em São Paulo, e a fila de autógrafos, ao fim de sua fala, dava voltas na sala.

Na obra, Ricupero relembra, aos 87 anos, seus antepassados italianos, fala de seus familiares, comenta a política brasileira desde a sua juventude, relata as vastas andanças pelo mundo em função de sua carreira diplomática e dedica cinco capítulos à função pública de maior visibilidade que desempenhou, a de ministro da Fazenda no lançamento e meses iniciais do Plano Real, que gerou a moeda, o real, que desde 1994 goza de uma estabilidade rara na economia brasileira.

O Plano Real

Quando ministro do Meio Ambiente no governo Itamar Franco, tratando de uma questão que começava a ganhar espaço no mundo, Ricupero, segundo seu relato, ouvia referências de que poderia substituir Fernando Henrique Cardoso na pasta da Fazenda, pois este se candidataria à Presidência da República. Eis seu relato sobre a volta de um compromisso sobre meio ambiente no Rio de Janeiro: “Eu me preparava para voltar a Brasília, Miriam Leitão, minha amiga desde os tempos em que cobria o Itamaraty na década de 1970, pediu para me acompanhar no trajeto até o Galeão. Na conversa, confirmou que Fernando Henrique Cardoso finalmente tomara a decisão de se candidatar à Presidência nas eleições de outubro daquele ano. Ela não tinha dúvida que eu o sucederia. Tive de admitir que ela sabia muito mais do que eu.”

Itamar Franco e Ricupero, no lançamento do Plano Real – Foto extraida do livro: Rubens Ricupero, Memórias

Em quatro capítulos do extenso e prolífico livro, da página 473 à 545, Ricupero relata seu duro e desafiante desempenho no cargo de ministro da Fazenda naquele momento crucial da economia brasileira, durante o qual realizou um esforço hercúleo, inclusive físico, para explicar à população brasileira os méritos e os objetivos do Plano Real, tarefa excepcionalmente bem sucedida, até que… deu-se o escorregão.

No intervalo de uma entrevista para um jornal da TV Globo, conduzida pelo jornalista Carlos Monforte, comentando sobre sua performance, Ricupero, até então irreparável na função, disse: “Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”. Apesar da entrevista estar fora do ar, a transmissão, presumivelmente só transmitida para os estúdios da emissora no Rio de Janeiro, foi captada por antenas parabólicas no interior do País. Explodiu na imprensa, levando à demissão de Ricupero, substituído pelo ex-governador do Ceará, Ciro Gomes.

No longo relato que faz no livro sobre o episódio, Ricupero diz, à certa altura: “O que me faz sofrer é que I made a fool of myself, isto é, fiz papel de tolo, ao me deixar levar pela presunção e pela vaidade. Fui, sim, culpado do pecado de hubris, a desmesura, o esquecimento das limitações pessoais, a pretensão de ser mais do que era. Como no Poema em linha reta de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, todos querem ser príncipes na vida, ninguém quer ser ridículo, e foi isso que fui ao longo da conversa. Gostaria de apagar de minha vida aqueles dezenove minutos, mas nunca atribuí a ninguém a responsabilidade pelo que sucedeu a não ser a mim mesmo.”

É uma dura reflexão por parte dele, mas o fato é que a colaboração de Ricupero para o sucesso do lançamento do Real foi inestimável.

Guimarães Rosa

No livro, Ricupero relata suas vacilações sobre que formação universitária deveria buscar, até que decidiu cursar a Faculdade de Direito da USP, na qual teve mais decepções do que encantos, destacando-se entre os encantos os professores Goffredo da Silva Telles Júnior, em Introdução ao Direito, Basileu Garcia, em Direito Penal, e Miguel Reale, em Filosofia do Direito. Mas foi decisivo em seu destino o amigo do primeiro ano de Direito, Arrhenuis Fábio Machado de Freitas, que depois do segundo ano da escola prestou concurso no Itamaraty. Informado pelo amigo sobre a nova carreira, decidiu-se finalmente por prestar exames na casa da diplomacia brasileira, nos quais foi bem-sucedido. Corria 1958.

Num livro de 710 páginas, em que relata uma extensa e bem-sucedida carreira diplomática, além de fatos da vida pessoal, é preciso escolher o que destacar em uma resenha. Pois aqui vai uma observação de Ricupero sobre um diplomata histórico, mas mais conhecido como romancista, o consagrado Guimarães Rosa. Nosso autor transcreve nota escrita por Guimarães Rosa, então chefe da Divisão de Fronteiras do Itamaraty, ao seu tradutor italiano Edoardo Bizzari. Dizia Rosa, na nota: “Pois você sabe que sou aqui Chefe do Serviço de Demarcação de Fronteiras e deve ter acompanhado nos jornais o palpitante caso de divergência com o Paraguai, o assunto de Sete Quedas […]”, relatou. “Foi uma absurda e terrível época […] fora e longe de tudo o mais, nem me lembrava que era Guimarães Rosa, não respondi às cartas das editoras estrangeiras, perdi dinheiro, sacrifiquei importantes oportunidades, adoeci mais, soterrei-me.” O comentário de Ricupero sobre o teor da nota: “Apesar de haver realizado a tarefa com impecável consciência, no fundo (Rosa) a considerou um estorvo ao seu trabalho de escritor”.

Santiago Dantas

“Sem reconciliação em torno de um programa mínimo para fazer o parlamentarismo funcionar e preservar o que sobrou da Constituição fragilizada, sem controle da inflação para impedir a exacerbação dos conflitos distributivos, a sociedade vai se fragmentar em grupos polarizados e violentos . Nessa hora, os militares intervirão. Não será, como no passado, uma pausa para convocar eleições. Desta vez, as Forças Armadas se prepararam para permanecer no poder por muito, muito tempo! Será uma experiência inédita, que o Brasil jamais conheceu até agora.”

São palavras do ministro das Relações Exteriores, Santiago Dantas, citadas por Ricupero. Corria o governo parlamentarista de João Goulart, em que o mineiro Tancredo Neves foi o primeiro ministro, entre setembro de 1961 e julho de 1962. Infelizmente proféticas àquela altura, ainda antes do golpe militar de 1964. No livro, Ricupero derrama-se em elogios a Santiago Dantas e revela seu fascínio no primeiro encontro com o então chanceler: 

Santiago Dantas, chanceler admirado por um Ricupero no seu começo de carreira - Foto: Autor Desconhecido - Arquivo Nacional - wikipedia - Domínio público

“Foi a impressão mais forte que recebi em toda a minha vida do poder da palavra como pensamento vivo e concreto, da força do verbo que organiza e explica o mundo e a história por meio da razão e da inteligência.” Infelizmente, quando o conciliador Tancredo Neves e seu ministério parlamentarista pediram demissão para candidatar-se às eleições de 1962, Santiago Dantas foi recusado pelo Congresso para sucedê-lo…

As referências a Guimarães Rosa e Santiago Dantas, dois grandes nomes ligados ao Itamaraty, são rápidas citações da extensa e importante caminhada de Ricupero pela diplomacia e pelo governo brasileiros. Os cargos mais visíveis ao grande público foram o de ministro da Fazenda, no decisivo momento do Plano Real e, anteriormente, o de ministro do Meio Ambiente, quando o tema começava a ganhar maior relevância no Brasil e no mundo. Mas ele ocupou postos importantes da diplomacia brasileira, como a Embaixada do Brasil nos EUA e na Itália, bem como em entidades internacionais como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), por nove anos e, simultaneamente, sub-secretário geral da Organização das Nações Unidas e presidente do Comitê de Comércio e Desenvolvimento do Acordo Geral de Tarifas e Comércio. Uma carreira nacional e internacional de extrema relevância diplomática, envolvendo sempre temas políticos e econômicos, com significativas nuances culturais e viagens pelo mundo. Essa longa vivência está expressa, em detalhes, em Memórias. Vale transcrever o parágrafo que está no capítulo Livros que escrevi, batalhas políticas de que participei, através do qual expressa sua linha de pensamento:

Fala-se muito na superação da dicotomia direita versus esquerda. Pode ser verdade e desejável do ponto de vista da libertação das ideologias absolutistas que tantas ruínas deixaram no século 20. Mas é preciso ter em mente o que dizia Norberto Bobbio: a divisão crucial em política continua a opor dois campos. De um lado, os que julgam impossível reduzir a desigualdade. Do outro, os que acreditam na capacidade dos seres humanos de aperfeiçoar a sociedade, a fim de diminuir a desigualdade tanto quanto possível. Enquanto nosso país estiver na lista dos mais desiguais, seremos obrigados a repetir com Giacomo Leopardi: “Se queremos algum dia despertar e retomar o espírito da Nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha”.

Memórias é um excelente roteiro profissional – e também de vida – para os diplomatas brasileiros de hoje e de amanhã. Além de uma instrutiva leitura para quem deseja entender os desafios embutidos nas relações do Brasil com o mundo.

Ricupero entrega ao então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, um estandarte oferecido pela escola de samba Mangueira - Foto extraida do livro : Rubens Ricupero Mémórias

Política de uso 
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The Evolution of Empire - John Andrews (Project Syndicate)

 Acabo de escrever um trabalho, destinado a ser publicado, justamente sobre a resiliência dos impérios em todos os tempos e ainda atualmente.

Paulo Roberto de Almeida

The Evolution of Empire

The trite answer to the question of why empires fall is that they become victims of their own success, growing too large, too corrupt, and too exhausted to fend off energetic newcomers. Whether this will be America's fate has become an urgent issue in today's increasingly unstable, multipolar world.

BRIGHTON & HOVE – With the just-concluded G7 summit exposing the group’s diminished status, it is appropriate to ask where power lies in today’s world. The United Nations has 193 member states (the most recent, which joined in 2011, is benighted South Sudan), all of which are, as Secretary-General António Guterres put it in 2016, technically committed to “the values enshrined in the UN Charter: peace, justice, respect, human rights, tolerance and solidarity.” But while each gets one vote in the General Assembly, nobody would dare claim that each country carries equal weight. 

Instead, the five permanent members of the Security Council – the United States, China, Russia, France, and the United Kingdom – reign supreme, each wielding a veto over whatever the other 192 members might want. That is why Israel, owing to US support, can blithely ignore countless UN resolutions, and why Syria, owing to Russian and Chinese support, handily escaped sanctions for its use of chemical weapons a decade ago.  Owing to the disproportionate power they wield, the “Permanent Five” share an old, decidedly British sense of empire. While the authors of two recent books on empire, Lawrence James and Nandini Das, offer no thoughts on how the UN might – or indeed should – be reformed, I suspect that they would agree. In The Lion and the Dragon, James, a prolific historian of the UK’s role in world affairs, follows Britain’s relations with China from the nineteenth-century Opium War until the return of Hong Kong and today’s tensions over Taiwan. And in Courting India, Das, a professor at the University of Oxford, concentrates on the very beginnings of the British Empire and its covetous reach into what was then the Mughal Empire in India. 

What this history shows is that empire is still very much with us. Though Americans, proud of throwing off the rule of King George III, tend to bristle at the idea, their own military, technological, and commercial power is as imperial and pervasive as Britain’s territorial dominance ever was. As James notes, we can thank the post-World War II Pax Americanafor the mostly stable international relations that prevailed during the aptly named Cold War with the Soviets (and their own empire). A perennial question, especially during periods of geopolitical upheaval, is not just how empires emerge, but how they fade. Though Britain and France still indulge their memories of empire, they have long since accepted being “middle powers” at best. Ever since the Suez crisis of 1956, when the threat of US sanctions forced Britain, France, and Israel to withdraw from Egypt’s Suez Canal, Britain has supinely followed America’s lead in international relations. (UK Prime Minister Harold Wilson’s refusal to send troops to Vietnam in the 1960s is the exception that proves the rule.) At the same time, France has sought comfort in the collective embrace of what became the European Union. As for the other members of the Permanent Five, Vladimir Putin’s Russia is on a hopeless quest to reverse the collapse of the Soviet Union (the “greatest geopolitical catastrophe” of the twentieth century, in his estimation) and recreate the empire of Peter the Great; and China already sees itself, with some justification, as wielding global influence to rival that of the American empire. China’s pursuit of superpower status is born of not just current economic and political realities, but also its deep-seated resentment over the “century of humiliation” (1839-1949) that it suffered at the hands of European (and Japanese) imperial powers. Of course, similar sentiments also animate Putin’s revanchism, as well as Indian Prime Minister Narendra Modi’s dismissiveness of diplomatic overtures from post-Brexit Britain. In William Faulkner’s oft-quoted words, “The past is never dead. It isn’t even past.” 

Passage to India

The trite answer to the question of why empires fall is that they become victims of their own success, growing too large, too corrupt, too exhausted to fend off energetic newcomers. As the Arab philosopher and historian Ibn Khaldun argued in the fourteenth century, empires are like living organisms: they grow, mature, and die. 

As Das’s wonderfully researched book shows, the Mughal Empire was almost mature when the British arrived in the 1600s. Its Muslim rulers, with their roots in Central Asia, are fascinating figures. Emperor Jahangir, a generous patron of the arts, was addicted to opium and wine, whereas his wife, Nur Jahan, wielded significant political influence. The emperor’s son, Shah Jahan, was a “king of the world,” whose love for his wife, Mumtaz Mahal, is permanently commemorated in the Taj Mahal. Mughal India was both a place of immense wealth and a bastion of religious tolerance (unlike Europe, with its centuries-long Inquisition against Muslims, Jews, and heretics). By contrast, the British Empire was barely in its infancy when its clash with Mughal India began. In Courting India, Das paints a vivid picture of the experiences – mostly endured, rather than enjoyed – of King James’s ambassador, Thomas Roe, at the Mughal court. But more than that, she also offers a rich description of Jacobean England as it was emerging from the first Elizabethan age and jostling for power with Portugal, Spain, France, and Holland.   Roe’s own journals are a major primary source, but so, too, are the cultural interpreters of the period, from William Shakespeare to the poet John Donne (a friend of Roe). Theirs was an England full of energy, seeking its fortune in the Americas and the Indies. However, it was nowhere close to as sophisticated as courtiers like Roe seemed to believe. Indeed, Roe was almost a caricature of the Englishman abroad. He refused to learn any language that might have helped his mission (be it Farsi or Turkish), and he insisted that he and his staff wear English wool and silk, even through the Indian summer. While he eventually came to admire the pragmatic tolerance of Mughal society, he remained convinced of England and Protestant Christianity’s superiority. Never would he have allowed himself to “go native.” Roe was answerable not only to King James but also to his financial backer, the East India Company, which had been granted its charter by Elizabeth I in 1600. This meant that he was constantly tussling with the miserly company for money (its traders were always jealous of him), as well as struggling to quell, or at least make excuses for, the riotous behavior of English sailors in India’s ports. 

The Century of Humiliation

Two centuries later, the East India Company, as it appears in James’s book, would still be clinging to the same assumptions that Roe had held. The superiority and integrity of Christian Britain went unquestioned, and still stood in stark contrast to “Asian greed and despotism.” The biggest change, in the meantime, had been the collapse of the Mughal Empire. Mughal India, the wealthiest place in the world at the end of the seventeenth century, was steadily enfeebled by internal dissent and Persian and Afghan invasions. In 1857, the East India Company formally dissolved the empire, setting the stage for Queen Victoria to establish the “British Raj” and direct rule over the Indian subcontinent the following year. To paraphrase Ibn Khaldun, nineteenth-century Britain was no longer an infant with imperial ambitions; it was now an adult with all the energy and ruthlessness needed to extend its reach around the world. As such, the British lion had no misgivings about disgracing the Chinese dragon. Looking back on this period, it is easy to see why Chinese President Xi Jinping is so determined to expunge the century of humiliation from the national memory. That century began in 1839 with the First Opium War. When China tried to block imports of East India Company opium from Bengal, Britain responded with all its (industrialized) military might. By 1842, British warships and soldiers had crushed all opposition and compelled China’s Qing emperor to sign the Nanjing Treaty. That opened China to international trade and ensured that British citizens in “treaty” ports would be subject to British, not Chinese, law. Another consequence of the war was that Britain took possession of Hong Kong, which it would hold until 1997. Whereas Das describes India principally through Roe’s eyes, James is keen to present a balance between British actions and Chinese reactions. In doing so, he stresses that China was not reacting only to British imperialism. After all, this was a time when “a spirit of predatory imperialism … pervaded the foreign ministries of Russia, France, Germany and China’s near-neighbor, the newly industrialized Japan.” Seized by their own commercial ambitions, all four “regarded China as a land mass to be partitioned and shared out in the same way as contemporary Africa.” But these other imperial projects hardly give Britain a pass. In arguing that “Britain was reluctantly sucked into the complex geopolitics of great-power empire building in the Far East,” James simply is not convincing. Britain, the world’s leading naval power and the home of the Industrial Revolution, was already adept at the game of geopolitics and quite prepared to protect its interests in China, not least because that would also protect its interests in India. By the eighteenth century, the Qing Dynasty had expanded from its Manchu roots and established an empire extending from Mongolia and Tibet to the Pacific. But by the nineteenth century, it was too exhausted to withstand the pressure not only from the other imperial powers but also from its own people. The century of humiliation always refers to foreign interventions, but equally important were domestic embarrassments such as the 1850-64 Taiping Rebellion – in which some 30 million people died – and the 1899-1901 Boxer Rebellion. The dynasty’s “Mandate of Heaven” was clearly slipping from its grasp. It finally came to an end in 1912, when the Western-educated Sun Yat-sen, following a brief revolution, established the “Republic of China.” 

Remember Thucydides

Today, that title applies only to the island of Taiwan, whereas Xi presides over the “People’s Republic of China,” which was established in 1949 with the victory of Mao Zedong’s Communist Party over Chiang Kai-shek’s Nationalist forces. Since the 1970s, most countries – including both rival Chinas – have embraced the fiction that the ROC and the PRC refer to a single country. But there is a constant fear that Taiwan could formally declare its independence and destroy the fiction, thus provoking an invasion from the mainland. If President Joe Biden is to be believed, the US would then come to Taiwan’s rescue and the South China Sea would witness a Sino-American war with far-reaching regional and global consequences. Given his focus on Britain and China, James understandably devotes only a handful of his final paragraphs to US analysts’ “bleak” prognosis of a future war over Taiwan. Moreover, throughout the preceding chapters, he deals deftly with other instances when conflict erupted between rival regional powers. These include the Sino-Japanese war of 1894, which led to Japanese occupation of Taiwan; the Russo-Japanese war of 1904; Japan’s bloody expansionism in the 1930s; and, of course, Japan’s attack on Pearl Harbor, which brought America into World War II. The big risk today is that China and America could end up at war as much by accident as by design. Graham Allison of Harvard University has famously warned of the “Thucydides trap,” an allusion to the Peloponnesian War, in which Sparta, the incumbent hegemon, was “destined for war” with the rising power, Athens. In a world that has created so many multilateral institutions – from the World Trade Organization to the G20 – it is tempting to dismiss Allison’s argument as alarmism. But over the past 500 years, there have been 16 instances of an incumbent power facing off with a rising power, and war was avoided in only four of them, the most famous being America’s rise to replace Britain as the leading world power in the early twentieth century. Notably, James recalls that China was “stunned” by Britain’s 2016 vote to leave the European Union. The message pushed by Chinese state-controlled media was that the UK had surrendered to “a losing mindset.” Clearly, the current Chinese leadership has no intention of showing weakness. The good news is that political and military leaders on both sides of the Pacific are aware of the risks. As Xi said in 2015, on his first state visit to America, “There is no such thing as the so-called Thucydides Trap in the world. But should major countries time and again make the mistakes of strategic miscalculation, they might create such traps for themselves.” The bad news, however, is that all countries are prone to “miscalculation.” Was it a mistake, for example, for imperial Britain to endorse Zionism with the 1917 Balfour Declaration? Given all the Middle East wars that followed the establishment of Israel, some may very well think so. But try telling that to the survivors of the anti-Semitic pogroms of the nineteenth century and the Holocaust. 

Tick-Tock

Almost a half-century ago, John Bagot Glubb, a British general who commanded the Jordanian army from 1939 until 1956, published a book entitled The Fate of Empires and Search for Survival. His thesis was essentially the same as Ibn Khaldun’s, only with the added claim that almost all empires rise and fall over a period of roughly 250 years. Putting aside the obvious flaws in Glubb’s arithmetic (the Ottoman Empire certainly did not “end” in 1570), the core idea should not be dismissed too casually. After all, historians now give the Qing Dynasty a lifespan of 267 years, and the Mughal Empire of Das’s book began to lose territory after only two centuries. A pessimist might point out that today’s China began with the Communist victory in 1949, and that America’s quasi-imperial power began 201 years ago with the Monroe Doctrine. Time may not be on the side of those who place their trust in America to protect democracy and “liberal Western values.” 

John Andrews, a former editor and foreign correspondent for The Economist, is the author of The World in Conflict: Understanding the World’s Troublespots (Economist Books, 2022).


  • Nandini Das, Courting India: England, Mughal India and the Origins of Empire, Bloomsbury Publishing, 2023.
    Lawrence James, The Lion and the Dragon – Britain and China: A History of Conflict, Weidenfeld & Nicolson, 2023.


  • Brazil’s monetary policy - Adam Tooze

    Brazil’s monetary policy

    Brazil’s central bank was made independent in February 2021 with interest rates, in the wake of COVID, at an all time low. Already in March 2021 it began raising rates. Many economists have celebrated Brazil’s central bank for anticipating the price surge of 2021-2022 and “getting ahead of the curve” with an early hike in interest rates. Talk of a financial crisis in Brazil in final years of Bolsonaro’s trouble Presidency evaported. 

    But, the central bank’s conservative approach to inflation is not popular with the Lula government that came into office at the start of 2023 and almost immediately started a polemic over the left-behind Bolsonaristas in the central bank and their strategy of high interest rates. The term for the central bank leadership is set deliberately, so as not to coincide with Brazil’s Presidential terms and to help secure independence. 

    Now, in June 2024 the struggle has escalated. 

    Brazil’s fiscal and monetary framework under pressure 

    Brazil’s ruling party has filed a lawsuit against the head of the country’s central bank as it steps up attacks over the pace of rate cuts and alleged political bias. Senior figures in President Luiz Inácio Lula da Silva’s Workers’ party on Wednesday filed a lawsuit at a federal court in Brasília requesting that Roberto Campos Neto be banned from making political statements. The lawsuit came a day after Lula publicly criticised Campos Neto, claiming that he “works much more to harm the country than to help” by not cutting rates more quickly. “We only have one thing that’s wrong in Brazil right now — it’s the behaviour of the central bank,” Lula said on Tuesday. “We have a bank president who does not demonstrate any capacity for autonomy . . . there is no explanation for the [current] interest rate.” The legal action marks a sharp escalation of the war of words between the Workers’ party — known commonly as the PT — and the central bank chief, which has raged since Lula returned to office for a third term last year. Elected on pledges to kick-start Latin America’s largest economy and improve the livelihoods of its poorest citizens, Lula has sought to blame slow progress on Campos Neto — a respected former finance professional. The central bank has been gradually reducing the benchmark Selic interest rate for almost a year, cutting it from 13.75 per cent to 10.5 per cent. Lula has criticised the pace of the cuts for being too slow. Lula and his party have also accused Campos Neto of political bias following a series of events that appeared to show that the bank chief had links to leading rightwing politicians. The lawsuit was prompted by reports that the bank chief had attended a dinner in his honour hosted by Tarcísio de Freitas, the rightwing governor of São Paulo and a possible future presidential candidate. Media reports cited in the legal documents say Campos Neto was offered a job in a potential future De Freitas administration. Brazil’s central bank was granted formal autonomy from political control by congress in 2021, and Lula is due to appoint a new head when Campos Neto’s term expires at the end of this year. But the dispute between Lula and Campos Neto threatens to create a credibility crisis for the bank as investors fear there is a political split between monetary committee members appointed by former Brazil president Jair Bolsonaro — including Campos Neto — and those appointed by Lula. The latter have pushed for bigger rate cuts, according to minutes from the May decision. Marcelo Fonseca, chief economist at Reag Investimentos, said the spat was “noise that makes it much more costly to manage expectations, harming the efficiency of monetary policy and raising risk premiums on asset prices in general”. “It is convenient to use the bank chief as the villain and monetary policy as the root cause of the problems rather than recognise that economic policy, and fiscal policy in particular, needs to be fixed,” he added. The central bank on Wednesday kept the Selic rate steady at 10.5 per cent in a unanimous decision of its monetary committee. The central bank’s inflation target is 3 per cent and inflation is running at just under 4 per cent. 

    Source: FT