O pouco conhecido genocídio cometido pela Alemanha na África antes do Holocausto
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
domingo, 4 de agosto de 2024
Lula decidiu ser cúmplice de crime cometido por Maduro na Venezuela - José Roberto Guzzo (Estadão)
É raro ver uma escolha indecente ir se tornando menos indecente com o passar do tempo. Decisões desse tipo não são biodegradáveis - na verdade, ficam cada vez mais perniciosas e conduzem a uma espiral crescente de emendas piores que os sonetos. É precisamente este o caso do governo Lula com a sua decisão de apoiar, para todos os efeitos práticos, o roubo das eleições na Venezuela que acaba de ser praticado pela ditadura de seu parceiro e amigo Nicolás Maduro.
O fato é que Lula decidiu ser cúmplice de um crime. Não há remédio para isso: ele está condenado, agora, a trair o comparsa ou trair o Brasil, e mesmo que decida fazer a primeira traição, para salvar o próprio couro mais adiante, a segunda já entrou no seu prontuário.
O presidente Lula defende 'normalidade' do processo eleitoral na Venezuela Foto: Wilton Junior/EstadãoLula, agora, está pendurado nas "atas de votação" que a "justiça eleitoral" de Maduro, um aglomerado de subalternos que até hoje nunca fez nada contra as ordens do ditador, ficou de publicar. A eleição estava obviamente roubada desde o primeiro dia de campanha; nunca foi preciso esperar "ata" nenhuma para saber que Maduro iria se declarar eleito.
A principal candidata da oposição foi proibida de concorrer pela mesmíssima "justiça eleitoral" da ditadura. A oposição indicou uma outra; também foi vetada por Maduro. Os cerca de 4 milhões de eleitores venezuelanos que vivem no exílio foram impedidos de votar. O governo prendeu, reprimiu e censurou oposicionistas. É fraude em modo extremo.
Lula, numa flagrante falsificação dos fatos, disse que não houve "nada de anormal" na eleição. O Itamaraty elogiou o clima "pacífico" da votação - e continua a ignorar a matança de pelo menos uma dúzia de oposicionistas e as 1.200 prisões que Maduro, em pessoa, anunciou que estava fazendo.
Mas mesmo com todo esse massacre, as coisas não saíram como a ditadura quis que saíssem. A fraude maciça, na cara de todo mundo, virou aberração: o ditador disse que tinha ganho antes de terminar a apuração, não mostrou nenhuma prova disso e, diante dos protestos de todas as democracias, prometeu divulgar as "atas".
Lula se jogou de cabeça nessa mentira - com a publicação dos dados, disse ele, ia ficar tudo esclarecido. De mais a mais, quem não concordasse com os números poderia reclamar à justiça do ditador. Qual o problema?
Não veio ata nenhuma no domingo da eleição. Não veio na segunda, na terça, na quarta, na quinta, na sexta - e se vier, vão dizer que Maduro ganhou. O chefe de fato do Itamaraty, Celso Amorim, vem agora com uma tese revolucionária: a oposição tem de "provar que ganhou". Aparentemente, o ditador está dispensado dessa mesma exigência. É o absurdo ficando cada vez mais absurdo.
Opinião por J.R. Guzzo
Governo Lula não é mediador na Venezuela, é cúmplice - O Antagonista
Governo Lula não é mediador na Venezuela, é cúmplice |
O Antagonista, 3 agosto 2024 Há pouco mais de um ano, Lula sugeriu a Maduro criar uma narrativa contra o que considerava críticas injustas ao regime venezuelano. O ditador diz hoje que o “Golias Elon Musk” hackeou a eleição. Será que cola, Lula? |
O isolamento progressivo de Nicolás Maduro após a farsa eleitoral de 28 de julho tem levado a análises curiosas sobre o papel do governo Lula na crise. Especialistas em política externa se aventuram a destacar o papel de mediação do Brasil, único aliado relevante que restou no mundo democrático para o regime venezuelano. Há quem fale até em "estratégia" diplomática ao mencionar o histórico do Itamaraty para analisar a postura de Lula e de seu assessor Celso Amorim na questão. Não faz sentido. Carlos Graieb já disse em Lula, sócio majoritário da tragédia venezuelana, assim como Ricardo Kertzman em Celso Amorim é mais que “observador” da farsa eleitoral de Maduro, e eu repito nesta análise: o governo Lula faz parte da tragédia venezuelana. Não é mediador, é cúmplice. Se o Palácio do Planalto não reconhece a vitória do opositor Edmundo González Urrutia, como fizeram Estados Unidos, Argentina e Uruguai, entre outros, não é por calcular uma estratégia para a saída da crise, mas porque faz parte dela. |
E a narrativa?No momento em que admitir que Maduro fraudou a eleição, o governo Lula reconhecerá automaticamente o que já deveria ter reconhecido há meses: não há democracia na Venezuela, e não é de hoje, não é desde 28 de julho, quando a oposição foi impedida de acompanhar a apuração dos votos. Faz bem mais de uma década que a Venezuela não sabe o que é democracia, mas Lula recebeu Maduro com pompas de chefe de Estado em maio de 2023, há pouco mais de um ano, e lhe deu uma dica pública de como lidar com o que ele considerava críticas injustas aos desmandos do regime. "Companheiro Maduro, é preciso que você saiba a narrativa que se construiu contra a Venezuela, da antidemocracia, do autoritarismo”, disse Lula ao lado de Maduro, em entrevista coletiva, completando: "É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor“. A narrativa que Maduro encontrou para explicar a fraude eleitoral é que o “Golias Elon Musk” foi responsável pelo “primeiro golpe de Estado cibernético na história da humanidade”. Será que cola, Lula? |
Chanceler paraleloÉ por ser cúmplice de Maduro que o chanceler paralelo Amorim se vê forçado a manter um discurso cândido de confiança nas instituições venezuelanas. "Não há dúvidas [de] que, como outros, nós estamos decepcionados com a demora do Conselho Nacional Eleitoral em publicar os dados", lamentou Amorim, como se o CNE não tivesse feito parte da farsa, ao inabilitar opositoras como María Corina Machado para a disputa eleitoral. Esse discurso de confiança nas instituições da Venezuela, dominadas há décadas pelo chavismo, é de um cinismo constrangedor. O presidente do CNE, Elvis Amoroso, pediu investigação sobre três opositores do regime, entre eles Corina Machado e Leopoldo López, por um alegado "ataque cibernético" durante a contagem dos votos. Mesmo sem a existência de qualquer prova, o procurador-geral apresentou denúncia contra todos no dia seguinte. Diante de tudo isso, é preciso deixar claro que qualquer benefício da alegada mediação brasileira na crise venezuelana ocorrerá por fruto de golpes de sorte. O governo Lula não está nessa condição por se comportar de forma imparcial ou fazer cálculos diplomáticos, mas por ter um lado bem claro nessa história. É por isso que o Brasil toma conta hoje das embaixadas da Argentina e do Peru na Venezuela, após a expulsão dos representantes desses países, entre outros que ousaram questionar de fato a "vitória" de Maduro. Não é uma questão de solidariedade, mas de responsabilidade pelo que está acontecendo na Venezuela neste momento. |
O comício de Lula em rede nacional -Editorial O Estado de S. Paulo
O comício de Lula em rede nacional
O Estado de S. Paulo, 2/08/2024
Convocado a título de prestação de contas, o pronunciamento extemporâneo foi, na prática, um comício fora de hora e de lugar, num escandaloso uso da máquina pública para fins eleitorais
No domingo passado, o governo convocou de supetão uma rede nacional de rádio e TV para o presidente Lula da Silva. Um ingênuo poderia pensar que Lula, que se julga um estadista, talvez quisesse fazer algum comentário oficial sobre a vergonhosa eleição na Venezuela. Que nada. Lula apareceu nas TVs do País inteiro sem pedir licença para dizer que sua mãe lhe ensinou direitinho a não gastar mais do que ganha.
O extemporâneo pronunciamento, convocado a título de prestação de contas após um ano e meio de governo, foi, na prática, um comício fora de hora e de lugar, num escandaloso uso da máquina pública para fins eleitorais e partidários. É o velho Lula de sempre – mas a reiteração desse comportamento antirrepublicano por parte do chefão petista não o torna menos grave.
Em longos 7 minutos e 18 segundos, Lula da Silva praticou seu esporte preferido: apontar “heranças malditas” deixadas por governos anteriores. Disse que, ao final de seu segundo mandato, em 2010, deixou um país no caminho da prosperidade, sem desemprego, com inflação baixa e grande crescimento econômico. “De lá para cá, assistimos a uma enorme destruição no nosso país”, disse Lula. Na descrição do presidente – em cuja narrativa obviamente não se consideram nem os dois anos de recessão provocados pela inépcia de Dilma Rousseff nem a pandemia de covid-19 –, os governos não petistas que se seguiram ao impeachment de sua dileta criatura desmontaram programas sociais, tiraram verbas de saúde e educação, aumentaram os juros, deixaram a inflação disparar, empobreceram e endividaram famílias, “espalharam armas ao invés de empregos” e, máxima crueldade, “trouxeram a fome de volta”.
Como não se tratava de “assunto de relevante importância”, como manda o Decreto 84.181, de 1979, que regulamenta a convocação de rede nacional de rádio e TV, o pronunciamento de Lula não tinha nenhum compromisso com a verdade. Sentindo-se autorizado por sua condição de demiurgo, caprichou na mistificação.
Depois de relatar a suposta terra arrasada deixada por seus antecessores, Lula enumerou seus alegados feitos, como se estivesse no horário eleitoral. Sem dar qualquer contexto, como é típico das bravatas de palanque, falou como se antes dele não houvesse um país, e sim um inferno. Não citou os nomes nem do “genocida” Jair Bolsonaro nem do “golpista” Michel Temer, mas nem precisava. Estava claro que o presidente estava mais uma vez colocando os brasileiros diante de uma escolha crucial: o PT ou a barbárie. Com a volta do PT ao poder, declarou Lula, “o Brasil se reencontrou com a civilização”. Nada menos.
É evidente que se pode fazer todo tipo de crítica ao governo de Jair Bolsonaro, que lidou de maneira criminosa com a pandemia, ameaçou reiteradas vezes promover uma ruptura democrática, desmoralizou o Brasil no exterior e destratou jornalistas e opositores. Lula, como cidadão e presidente, tem todo o direito de fazer o pior juízo possível de Bolsonaro, mas o lugar para fazê-lo não é numa rede nacional de rádio e TV – que, além de não se prestar a isso, não permite o contraditório. Para quem festeja a “vitória da democracia”, como Lula fez questão de fazer logo no início de seu pronunciamento, trata-se de um comportamento bem pouco democrático.
No mais, é o caso de perguntar quais eram as motivações e os objetivos de Lula com seu comício em cadeia nacional. Ao reiterar seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas – numa única frase em seus mais de sete minutos de discurso –, Lula apenas cumpriu tabela. Citou as lições de economia recebidas da mãe como prova de que fala sério, e mais não disse. Todo o resto do pronunciamento, em ano de eleições municipais nas quais Lula está pessoalmente empenhado, serviu para dar o roteiro do embate que ele pretende travar com Bolsonaro – e o uso vergonhoso da máquina pública para isso mostra até que ponto Lula está disposto a ir nessa guerra imaginária.