quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Às voltas com os mundos de Yves Lacoste - Daniel Afonso da Silva (Jornal da USP)

 O que mais me surpreendeu na leitura do pequeno livro de Yves Lacoste sobre os países subdesenvolvidos, em meados dos anos 1960, traduzido e publicado no Brasil na coleção Saber Atual (Que Sais-Je?), foi a inclusão do Japão entre os países subdesenvolvidos, quando tinha recém ingressado na OCDE e já começava a exportar manufaturas eletrônicas, ainda que grosseiras (os famosos radinhos de pilha que pareciam tijolos). Mas, o livro tinha sido escrito em meados dos anos 1950, quando o Japão estava ainda se reconstruindo, depois da imensa destruição causada pela sua guerra contra os EUA. PRA


Às voltas com os mundos de Yves Lacoste

Por Daniel Afonso da Silva, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP

  Jornal da USP, 14/11/2024

La Géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre [A geografia serve, antes de tudo, para fazer a guerra]. Em qualquer idioma, essa frase não era nem é bem um título. Poderia ser uma afirmação. Constatação. Provocação, quem sabe. Mas jamais um título. E essas foram as considerações iniciais do editor François Maspero sobre o manuscrito que o já experimentado geógrafo Yves Lacoste vinha de apresentar.

O ano era 1976. A tensão Leste-Oeste seguia intensamente viva. O muro de Berlim continuava intacto. A Guerra Fria parecia sem fim nem solução. A aceleração da descolonização da África indicava conjunturas em movimento. A promoção de regimes militares pelas Américas mostrava as verdadeiras faces do dito mundo livre. O rompimento norte-americano dos pactos estabelecidos em Bretton Woods antecipava o início do fim dos trinta anos gloriosos na Europa. Os choques de petróleo indicavas os limites do modelo de acumulação de capital vigente. O dossiê Watergate e o afastamento do presidente Richard Nixon eram mais uma mostra das fragilidades da democracia na América. Fragilidades mundialmente percebidas desde o Vietnã. Que foi justamente onde Yves Lacoste voltou a impor no mercado das ideias que a Geografia servia antes de tudo para o manejo da guerra.

Esse reconhecimento enquanto constatação já parecia extravagante. Na qualidade de título para um livro, virou escândalo. Que começou na França e ultrapassou as suas fronteiras. Chegando ao mundo inteiro e transformando Yves Lacoste num dos geógrafos mais reputados de sua geração.

Olhando-se de longe, poder-se-ia dizer se tratar de um livro que mudou a vida de Yves Lacoste. Mas chegando mais de perto e cotejando a longa trajetória desse francês nascido no Marrocos em 1929 e vocacionado para a Geografia fica claro que La Géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerre foi apenas um dos muitos turning points da longa vida de Yves Lacoste recontada em seu belo Aventures d’un géographe.

O início de tudo foi no Marrocos, antes do nascimento de Yves Lacoste e antes da Grande Guerra de 1914-1918.

Tudo começou em 1906: anus terribilis para o Marrocos.

Após a escalada das tensões entre França, Alemanha, Espanha e Itália pela hegemonia sobre o espaço marroquino – último Estado africano não colonizado por potências europeias –, os Estados Unidos intervieram e protagonizaram a Conferência de Algésiras, em 1906, onde se resolveu da criação do protetorado francês sobre o Marrocos.

Seis anos depois, em 1912, desembarcou em Casablanca, como general-residente, o marechal Hubert Lyautey que promoveria diversas benfeitorias. Das quais, duas ações iniciais seriam decisivas para o país e para os Lacoste.

A primeira foi a criação do Banco do Estado do Marrocos. A segunda, a nacionalização dos recursos minerais do País.

Essa nacionalização alçou o Marrocos à condição potencial de Estado mais próspero do Magreb. E, em sua decorrência, foi criado o Bureau de Pesquisas e Participações em Minérios, que teria como um dos primeiros diretores o geólogo Jean Lacoste, pai do futuro Yves Lacoste.

Essa posição de Jean Lacoste em instituição tão central e importante àquele Marrocos moderno nascente permitiu aos Lacoste – e, a partir de 1929, a Yves Lacoste – uma relação profunda e confortável com o Marrocos e com a França.

Na primavera de 1939, após numerosos aller-retour Marrocos-Europa-França-Paris, os Lacoste decidem se instalar na França. Mais precisamente em Bourg-la-Reine, região parisiense.

Poucos meses depois, o entusiasmo do começo virou apreensão.

As notícias da investida alemã em Dantzig – região anexada à Polônia em 1918 e reivindicada pela Alemanha desde então –, a tensão entre a Finlândia e a Rússia e o avanço de Hitler a caminho da França anunciavam maus-presságios e indicavam que la drôle de guerre não teria nada de engraçado.

Frente a isso, Jean Lacoste, por formação e cultura, passou a acompanhar a cartografia da guerra, os movimentos militares e as tensões no interior das fronteiras europeias.

Nessa situação, de tanto observar esses hábitos do pai e a percepção da gravidade da guerra, a leitura mapas e a descrição dos jogos de poder viraram obsessão do menino Yves Lacoste, nos seus tenros dez anos de vida.

1942 – com a França ocupada e Auschwitz promovendo as suas perversidades macabras – traria duas fortes experiências ao futuro geógrafo Yves Lacoste.

A primeira com a morte do seu pai. A segunda com o encontro com Pierre George.

A morte de Jean Lacoste deixou marcas profundas no caráter de Yves Lacoste. O encontro com Pierre George forjaria ainda mais a sua vocação para a Geografia.

Pierre George era professor de História e Geografia no Liceu Lakanal e sua mulher, uma instrutora de artes dos irmãos de Yves Lacoste. Com a morte do patriarca dos Lacoste, a família George se aproximou dos Lacoste. E tudo começou com uma cesta de legumes.

Certa ocasião, a pedido da mulher, Pierre George levou aos Lacoste legumes de sua horta particular. Como retribuição, a sra. Lacoste pediu a Yves Lacoste que fosse à casa dos George retribuir a gentileza.

Nessa troca de gentilezas, Yves Lacoste e Pierre George tomam conhecimento um do outro. Certa admiração mútua teve início. E uma curiosidade – também mútua e sem fim – se instalou.

Pierre George, desde ali, aquinhoou a condição de espécie de referência masculina ao Yves Lacoste. Uma referência galvanizada em influência e inspiração intelectual e moral que fixariam as trilhas da vida profissional do jovem moço vindo do Marrocos.

Esse contato Pierre George-Yves Lacoste seguiu denso e intenso de 1942 até 1944, quando Pierre George, no âmbito da resistência gaullista ao regime de Vichy, entrou na clandestinidade. Por essa razão, eles ficaram vários meses sem se encontrar naqueles momentos finais do fim da guerra. Justamente o momento em que Yves Lacoste começava a se decidir por alguma formação superior. Um período de definições, portanto. Que envolveria de 1944 a 1946. Quando voltaria à vida dos Lacoste uma personagem de nome Jean Dresch.

Jean Dresch havia sido amigo de Jean Lacoste, pai de Yves Lacoste, no Marrocos. Agora em Paris, Dresch era um destacado professor no Instituto de Geografia. Nessas circunstâncias e por sugestão familiar, Yves Lacoste foi, portanto, procurá-lo para obter alguma orientação. Ao que Dresch não hesitou em sugerir a Lacoste o caminho da Geografia. Ao que Yves Lacoste acolheu e ingressou no Instituto de Geografia. O ano era 1946.

Os primeiros anos de Yves Lacoste no Instituto de Geografia, à rue Saint-Jacques, em Paris, foram de descobertas. Inicialmente com a confirmação de sua vocação de geógrafo a partir das aulas e seminários de Max Sorre, Jean Tricart e do próprio Jean Dresch. Na sequência, através de sua convicção política ao ingressar no Partido Comunista Francês rapidamente. E, por fim, do amor de sua vida, a sua colega de classe e de aventuras geográficas, Camille Dujardin (1929-2016), com quem seria casado por quase sessenta anos.

Uma vez formados, em 1950, todos os caminhos conduziram Yves Lacoste e Camille Lacoste-Dujardin aos países subdesenvolvidos. Um pouco antes de 1950, Jean Dresch os havia enviado a Casablanca para um estudo de campo e em 1952 o mesmo Jean Dresch lhes conseguiu o primeiro emprego na Argélia, em Argel. E foi na Argélia e em Argel que Yves Lacoste teria seu primeiro contato com a obra do historiador magrebino Ibn Khaldoun. E com Ibn Khaldoun ele teria seu primeiro grande divisor de horizontes no campo da Geografia, pois redescobriria e reescreveria a história e a representação do Norte da África em vários estudos, conferências e em seu “Ibn Khaldoun. Naissance de l’Histoire, passé du tiers-monde” (Paris: François Maspero, 1966).

De regresso a Paris em 1955, após o acirramento da tensão entre a Frente de Libertação Nacional, o Exército de Libertação Nacional, o Movimento Nacional Argelino e o governo francês, Yves Lacoste passou a lecionar no Instituto de Geografia e a conviver cotidianamente com Jean Dresch e Pierre George, que havia sido promovido a professor da Sorbonne após 1945.

Essa convivência com Dresch e George lançaria muitas surpresas a Lacoste. Mas duas, especialmente, muito marcantes.

Uma em 1958. Outra em 1967.

Sobre a primeira, o mês era maio e o ano, 1958. O contencioso entre a França e a Argélia parecia sem solução. O governo francês estava completamente desestabilizado. A sociedade franco-argelina ia à beira da guerra civil. E o general Charles de Gaulle – desertado da vida pública desde 1946 – estava às vésperas de regressar ao poder.

Após mais um dia de trabalho no Instituto de Geografia, Yves Lacoste e Pierre George voltavam de Paris para Bourg-la-Reine se atualizando sobre a conjuntura e sobre as novas publicações da coleção Que-sais-je, sob a direção de Pierre George, cujas obras Géographie économique du mondeGéographie industrielle du mondeGéographie agricole du monde e Géographie des États-Unis haviam conquistado relativo sucesso de crítica e público pelo seu caráter sucinto e assertivo. Mas notou-se que no projeto geral faltava um livro sobre países subdesenvolvidos. O tema do subdesenvolvimento seguia influenciado pela narrativa da dependência e pelos modelos de desenvolvimento impostos pelas Nações Unidas desde 1945. Mesmo que estimulantes, os estudos da Cepal pareciam demasiado estilizados e reducionistas aos olhares geográficos. O grande desafio era o de se problematizar essa dependência e melhor diagnosticar as suas consequências.

Até aquele momento, Pierre George havia recusado todos os manuscritos sobre o assunto apresentados à coleção. E era sobre essas recusas que agora ele conversava com Yves Lacoste.

Lacoste, então, sem maiores constrangimentos, candidatou-se a escrever um livro que não seria recusado. Pierre George resistiu de pronto, mas aquiesceu em seguida.

Seis meses que se seguiram e, ao seu cabo, Yves Lacoste apresentaria as 128 páginas do livro Les Pays sous-développés. Que foi aceito, publicado e, de súbito, transformado num sucesso planetário.

Seguindo o tom e a forma dos demais textos da coleção, em Les Pays sous-développés, Yves Lacoste entrelaçou conceitos de Economia e Demografia e desmistificou as noções de capitalismo e colonialismo. Ficou perfeito, original e sugestivo. Tanto que o desejo de se acessar o conteúdo do livro gerou a multiplicação exaustiva de cópias irregulares e sem autorização em todas as partes do mundo, especialmente na África, Ásia e América Latina. Os processos de descolonização davam o tom e as inovações analíticas de Lacoste embalavam interpretações.

Alguns anos depois, em 1967, seria a vez Jean Dresch mudar o curso da vida de Yves Lacoste. O sucesso planetário de Les Pays sous-développés, seguido de seu importante Géographie du sous-developpement e de seus estudos sobre Ibn Khaldoun, já havia consolidado a sua carreira e seu nome no campo da Geografia. Mas em 1967 Jean Dresch fizera chegar às suas mãos um documento oficial do governo do Vietnã do Norte indicando que os norte-americanos estavam bombardeando ilegal e imoralmente os diques do rio Vermelho. Configurando um explícito crime de guerra.

Que Yves Lacoste – mobilizado por Jean Dresch – deveria, doravante, interpretar e produzir peças de convicção para as discussões do Tribunal Russel, o Tribunal Internacional de Crimes de Guerra, que se reuniria nas imediações de Paris naquele ano.

Yves Lacoste fez, e seu esforço surtiu efeito. O Tribunal intermediou o fim dos bombardeios.

Mas a guerra continuou.

Até que em 1972 os bombardeios recomeçaram. O que levou Yves Lacoste a publicar um importante artigo no jornal Le monde indicando, didaticamente, a gravidade e a subversão do acordado em 1967.

Seu artigo foi reproduzido em jornais no mundo inteiro e as chancelarias e as organizações civis dos principais países concernentes tomaram posição imediatamente.

Quinze dias após a publicação no Le Monde, Yves Lacoste recebeu uma ligação anônima o convocando a venir à Hanoi. Em complemento, informava que situação estava très grave.

A gravidade da situação era verossímil, mas a ligação anônima não trouxera instrumentos práticos para a viagem, a saber: visto, passagens, contatos.

Por conta disso, Yves Lacoste foi consultar as representações diplomáticas, especialmente soviéticas, em Paris – pois eram os soviéticos que, de algum modo, geriam a contraofensiva do Vietnã do Norte. E foram eles, os soviéticos, que, imediatamente, organizaram tudo que se precisava para a viagem do geógrafo francês via Paris-Moscou-Hanói.

Uma vez em Hanói, Yves Lacoste foi recebido por oficiais do estado-maior vietnamita que organizaram a sua visita com o propósito de produzir testemunhos ocidentais – no caso, francês – do genocídio que os bombardeios norte-americanos estavam perto de promover. Os Estados Unidos vinham negando os bombardeios sobre o delta do rio Vermelho. Era necessário, portanto, superar a dúvida. O propósito de Yves Lacoste era ter acesso a cartografia oficial da região e às fotos do bombardeio. Sobre as cartas, o coronel Ha Van Lo prometeu fornecer. Sobre as fotos, elas precisariam ser feitas in loco. E assim se fez. Finalizado o recolho das evidências, Yves Lacoste deveria retornar à França e fazer circular as informações entre as autoridades de direito. E assim se fez. Mas antes de partir Hanói, o primeiro-ministro vietnamita lhe lançaria um recado na forma de reflexão “vous savez, pour nous, la France, c’est quelque chose” [Você sabe que, para nós, a França é algo importante].

De volta a Paris, Yves Lacoste foi diretamente à redação do Le monde para fazer publicar o mapa oficial do delta do rio Vermelho, os pontos bombardeados pelos norte-americanos e os comentários geoestratégicos que ele próprio havia realizado. Pela urgência da situação, o jornal francês publicou imediatamente.

Essa publicação – como a anterior de Lacoste – girou o mundo. Mas na mesma noite de sua publicação, o Papa Paulo VI a teria lido e, sensibilizado, teria, imediatamente, telefonado desde Roma ao presidente Richard Nixon em Washington clamando pelo cessar-fogo e pelo fim do conflito. O que de fato ocorreria meses depois.

Terminada a guerra – Estados Unidos e Vietnã do Norte cessaram o conflito em 1973, mas o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul seguiram em guerra até 1975 –, Yves Lacoste havia se tornado espécie de vedete mundial da Geografia Humana e da Geografia Política. Seus livros e artigos e ideias percorriam ainda mais forte e intensamente por todos os continentes e geógrafos do mundo inteiro começaram a renovar suas próprias convicções.

Até que André Fontaine, diretor e editor da área internacional do Le monde, interpretou os feitos de Lacoste com “cette guerre pour du territoire, c’est de la géopolitique” [essa guerra por território, isso é coisa da geopolítica] e, com isso, reabilitou a proscrita expressão Geopolítica para dar conta de questões singulares como essas. Consequentemente toda interpretação de Yves Lacoste foi finalmente reconhecida como interpretação geopolítica da guerra do Vietnã.

Nesse quesito, vale lembrar que, desde 1945 que a Geopolítica – a expressão e o conceito – havia saído dos manuais escolares e da opinião pública internacional. O consenso geral indicava que essa área da Geografia – fundada por Friedrich Ratzel no século 19 e promovida como “consciência de Estado” por Karl Haushofer no entreguerras – havia sido utilizada como instrumento nazista de ampliação de poder no período nazista de Hitler. As interpretações de Yves Lacoste sobre a guerra do Vietnã permitiram, assim, na impressão de André Fontaine, o arejamento do conceito e, especialmente, o reconhecimento de sua atualidade. E, nesse sentido, todos os esforços posteriores de Yves Lacoste foram para reavivar o termo e suas aplicações. E o espaço utilizado para essa empreitada foi o da revista Hérodote.

Imaginada em 1972, quando do retorno de Yves Lacoste de Hanói para Paris, mas inaugurada somente 1975-1976, Hérodote propunha a reunião de jovens geógrafos saídos de Vincennes – a Universidade de Vincennes, que havia sido criada após os protestos de 1968 com o propósito de renovação da estrutura universitária francesa – e de intelectuais (e professores) de todas as áreas das Humanidades e Ciências Humanas com contribuições interessados em estudos de Estratégia, Geografia e Ideologia.

Nesse sentido, pouco a pouco, Hérodote” foi se tornando referência mundial sobre Geopolítica e Yves Lacoste, o patrono genuíno da área.

A publicação de Les Pays sous-développés e La Géographie, ça sert, d’abord, à faire la guerreassim como a criação da revista Hérodotepodem ser reconhecidos como momentos fortes da trajetória de Yves Lacoste e da tessitura de suas memórias Aventures d’un géographe. Mas Aventures d’un géographe comporta mais um sem fim de impressões, abordagens e viagens de Yves Lacoste. Suas relações em Cuba e nas Américas. Suas contribuições às agências das Nações Unidas. Suas intervenções em países africanos e asiáticos. Suas discussões sobre o Mediterrâneo. Suas reflexões sobre método e representação em geopolítica. Sua negação da géographie appliquée [geografia aplicada], proposta por Michel Phlipponneau e Jean Tricart. Sua adoção e divulgação da géographie active[geografia ativa], de Pierre George. Seu afastamento de Pierre George por conta da revista Hérodote. Sua reaproximação de Pierre George após trinta anos de silêncio mútuo.

Sua interação com a geógrafa Béatrice Giblin na criação, gestão e direção da Hérodote. Sua desilusão com a Presidência François Mitterrand (1981-1996). Seu desentendimento com o geógrafo Michel Foucher (1946- ). Sua desmistificação dos debates pós-coloniais. Seu último adeus a Camille Lacoste-Dujardin, companheira de uma vida inteira, em 2016.

Eis a vida e a obra de Yves Lacoste traçada nesse livro Aventures d’un géographe – um livro verdadeiramente bem pensado, bem escrito e que mereceria uma urgente versão em língua portuguesa.

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Cronyism vs Economic Freedom: experiencies from Brazil and India - Matheus Cosso (University of Chicago)

 Um estudo muito interessante, não necessariamente da corrupção por meio do tradicional rent seeking, mas pelo canal do rent selling, ou seja, deslocando as práticas corruptas ao nível institucional da governança nos duas maiores economias em desenvolvimento do Brics, Brazil e Índia. 

CRONYISM VS. ECONOMIC FREEDOM:

EXPERIENCES FROM BRAZIL AND INDIA

MATHEUS COSSO*

Chicago, United States of America, 2024


ABSTRACT

Businesses are driven by the need for profit to sustain their operations, while public authorities rely on political support for professional survival. When these actors can establish alliances to further their interests at the detriment of others, cronyism emerges. Starkly contrasting with the principles of economic freedom, cronyism is a system where benefits arise from questionable, though not necessarily illegal, relationships. It stems from institutional frameworks that enable ruling officials to exploit their discretionary power, creating rents for a select few private actors while pursuing their self-interest. The most common criticisms of capitalism or markets often target outcomes generated by cronyism, though many detractors miss this distinction. These outcomes include corruption, rent-seeking, resource misallocation, distorted competition, disrupted incentives, erosion of institutions, barriers to human flourishing, and authoritarian tendencies—all stemming from ruling officials engaging in rent-selling. This paper aims to move toward a general theory of cronyism by synthesizing diverse ideas and concepts into a single definition, focusing on the often-overlooked supply side of cronyism. Grounded in an institutionalism approach and bridging political economy concepts from the Chicago School with Public Choice research, this paper is organized into three sections: a

comprehensive analysis of cronyism's emergence, why and how ruling officials engage in it, and its consequences; a case studies investigation of cronyism in Brazil and India to examine this issue in two of the largest developing economies; and how market-oriented policies can mitigate cronyism, emphasizing the role of institutional entrepreneurs to promote it.


* The author is pursuing a Master's degree in Public Policy at the University of Chicago's Harris School of Public Policy. His research employs Political Economy to approach topics such as cronyism and the dynamics of economic freedom. 



What Trump unleashed means for America - Francis Fukuyama Financial Times

Meu comentário ao final. (PRA)

What Trump unleashed means for America

Republican is inaugurating a new era in US politics and perhaps for the world as a whole

Francis Fukuyama

Financial Times, November 8, 2024

 

The blowout victory of Donald Trump and the Republican party on Tuesday night will lead to major changes in important policy areas, from immigration to Ukraine. But the significance of the election extends way beyond these specific issues, and represents a decisive rejection by American voters of liberalism and the particular way that the understanding of a “free society” has evolved since the 1980s.

When Trump was first elected in 2016, it was easy to believe that this event was an aberration. He was running against a weak opponent who didn’t take him seriously, and in any case Trump didn’t win the popular vote. When Biden won the White House four years later, it seemed as if things had snapped back to normal after a disastrous one-term presidency.

Following Tuesday’s vote, it now seems that it was the Biden presidency that was the anomaly, and that Trump is inaugurating a new era in US politics and perhaps for the world as a whole. Americans were voting with full knowledge of who Trump was and what he represented. Not only did he win a majority of votes and is projected to take every single swing state, but the Republicans retook the Senate and look like holding on to the House of Representatives. Given their existing dominance of the Supreme Court, they are now set to hold all the major branches of government.

But what is the underlying nature of this new phase of American history?

Classical liberalism is a doctrine built around respect for the equal dignity of individuals through a rule of law that protects their rights, and through constitutional checks on the state’s ability to interfere with those rights. But over the past half century that basic impulse underwent two great distortions. The first was the rise of “neoliberalism”, an economic doctrine that sanctified markets and reduced the ability of governments to protect those hurt by economic change. The world got a lot richer in the aggregate, while the working class lost jobs and opportunity. Power shifted away from the places that hosted the original industrial revolution to Asia and other parts of the developing world.

The second distortion was the rise of identity politics or what one might call “woke liberalism”, in which progressive concern for the working class was replaced by targeted protections for a narrower set of marginalised groups: racial minorities, immigrants, sexual minorities and the like. State power was increasingly used not in the service of impartial justice, but rather to promote specific social outcomes for these groups.

The real question at this point is not the malignity of his intentions, but rather his ability to actually carry out what he threatens In the meantime, labour markets were shifting into an information economy. In a world in which most workers sat in front of a computer screen rather than lifted heavy objects off factory floors, women experienced a more equal footing. This transformed power within households and led to the perception of a seemingly constant celebration of female achievement.

The rise of these distorted understandings of liberalism drove a major shift in the social basis of political power. The working class felt that left wing political parties were no longer defending their interests, and began voting for parties of the right. Thus the Democrats lost touch with their working-class base and became a party dominated by educated urban professionals. The former chose to vote Republican. In Europe, Communist party voters in France and Italy defected to Marine Le Pen and Giorgia Meloni. All of these groups were unhappy with a free-trade system that eliminated their livelihoods even as it created a new class of super-rich, and were unhappy as well with progressive parties that seemingly cared more for foreigners and the environment than their own condition.

These big sociological changes were reflected in voting patterns on Tuesday. The Republican victory was built around white working-class voters, but Trump succeeded in peeling off significantly more Black and Hispanic working-class voters compared with the 2020 election. This was especially true of the male voters within these groups. For them, class mattered more than race or ethnicity. There is no particular reason why a working-class Latino, for example, should be particularly attracted to a woke liberalism that favours recent undocumented immigrants and focuses on advancing the interests of women. It is also clear that the vast majority of working-class voters simply did not care about the threat to the liberal order, both domestic and international, posed specifically by Trump. 


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Comentário PRA:


Eu não teria muito a comentar a respeito do artigo do Fukuyama, a não ser o fato de que, tendo sido escrito por um intelectual, ele se sente na obrigação de oferecer argumentos elegantes, baseados em conceitos da ciência política (liberalismo, democracia, etc.), ao que nada mais é do que reações prosaicas e muito ordinárias (ou seja comuns) de um eleitorado preocupado majoritariamente com sua situação conjuntural ou momentânea, assim como reações ou adesões a impulsos veiculados nas redes e na midia de baixa qualidade. 
No último meio século, ou mais, o eleitorado da Europa Ocidental e da América do Norte alterna regularmente entre partidos e políticas social-democratas de um lado e conservadoras, de outro, segundo a satisfação imediata decseus interesses os mais anódinos.
Os primeiros são mais generosos por certo tempo (salários, beneficios sociais, assistência, etc.), e acabam provocamdo inflação e crises fiscais. Os segundos entram, corrigem os malfeitos, depois o eleitorado se cansa da austeridade e volta a votar pela generosidade social-democrata. E assim segue.
Os eleitores trumpistas podem não ter votade PELO maluco negacionista e autoritário, e sim CONTRA o inflacionista e leniente com a ameaça imigratória, agitada fraudulentamente como a causa dis problemas atuais.

Não creio em nenhuma elaboração sofisticada para explicar o voto num desclassificado, a não ser a busca ingênua de um bode expiatório a problemas correntes.
Gostaria de complementar minhas observações, não necessariamente sobre o artigo de Fukuyama, escrito muito em cima da vitória do Trump, mas mais especificamente sobre o grau de divergência de Trump e de seu futuro governo com respeito ao que se poderia esperar de qualquer governo bizarro, para os padrões normais para a política americana.
Mas, meus comentários, acima, são excessivamente centrados sobre a alternância regular e esperada entre tendências partidárias conservadoras e mais progressistas na Europa e nos EUA, o que não é, nunca foi e provavelmente sequer será, a qualquer título, o caso de Trump e de seu governo, que rompe com qualquer norma de civilidade na política. 
Quando Fukuyama escreveu, ele ainda não tinha ideia de quais, quem seriam os designados por Trump para cargos estratégicos, o que se revela agora da pior qualidade possível, com consequências inimagináveis nas áreas de segurança e defesa, de justiça, de saúde, de energia, de meio ambiente, ou seja, praticamente tudo o que há de mais relevante num governo.
Trump rompe com todos os padrões aceitáveis de competência na nomeação de assessores,  e na adoção de políticas cooperativas em escala regional ou multilateral.
Creio que, como no caso do Bolsonaro no Brasil, nunca a política americana foi tão desafiada, em sua forma e no seu conteúdo. Sequer podemos imaginar uma continuidade desse tipo de administração em mais um mandato depois deste, o que aliás já foi cogitado por Trump.
Talvez Fukuyama escreva mais algum artigo, esperando as primeiras decisões de Trump na área da política externa. (PRA)

 

 



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