Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
Depois de mais de 15 anos de negociações, passando por momentos favoráveis de avanços e épocas negativas de retrocesso, parece que os entendimentos para um acordo entre o Mercosul e a União Europeia estão chegando à reta final.
Os entraves internos no Mercosul e na Europa estão sendo flexibilizados. As negociações técnicas que se estenderam até a semana passada, em Assunção do Paraguai, avançaram no exame das ofertas agrícolas (produtos mais sensíveis e quotas), de bens e serviços, no acordo de compras governamentais e nas regras técnicas (barreiras tarifárias, não tarifárias, sanitárias, fitossanitárias). Outras, como por exemplo, origem (drawback), propriedade intelectual, indicação geográfica, precaução (desenvolvimento sustentável) e comércio eletrônico continuam pendentes.
Segundo as informações disponíveis, os entendimentos em nível técnico terminaram com uma relação reduzida de temas que somente poderão ser resolvidos pela vontade politica dos dois blocos com concessões recíprocas. A partir da próxima semana, técnicos e ministros do Mercosul se reúnem para tentar superar os últimos entraves, de forma a permitir encontro Mercosul-EU e poder discutir e anunciar, em nível ministerial, um “pré-acordo“ político, deixando para os técnicos os últimos ajustes para se chegar ao texto final.
Na melhor das hipóteses, temos ainda uns poucos meses para concluir esse processo negociador.
Coloca-se então a questão da assinatura do acordo comercial às vésperas da eleição de outubro. Do ângulo do Mercosul e do Brasil, em especial, seria importante que a assinatura fosse feita ainda no atual governo, deixando para o futuro presidente a implementação do acordo. Apesar da negociação estar concluída, caso a União Europeia decida esperar pelo novo governo, haverá um atraso de vários meses, adiando ainda mais a sua entrada em vigor.
É importante sublinhar que, a partir da assinatura, o instrumento legal terá de ser traduzido para a língua dos 27 países membros da UE, o que tomará pelo menos um ano. Deverá ser ratificado pelo Parlamento europeu, em pelo mais um ano, e também pelos Congressos dos países membros do Mercosul. Dessa forma, o acordo que vier a ser assinado só entrará em vigor a partir de 2021. Como os produtos mais sensíveis dos dois lados terão suas tarifas zeradas depois de dez anos, a rigor, os efeitos mais fortes desse acordo passarão a vigorar daqui a 15 anos (a partir de agora), tempo suficiente para que as reformas necessárias para modernizar o Brasil sejam implementadas.
Do ponto de vista do Brasil, o acordo com a União Europeia é importante porque põe fim ao isolamento de nosso pais das negociações comerciais. Vai também forçar o pais a modificar regras e regulamentos para alinhá-los com os avanços que ocorrem no mundo, e vai abrir possiblidades de ampliação da cooperação empresarial nas áreas de ponta, fora o fato de ampliar o mercado europeu para produtos brasileiros.
Em termos mais amplos, a intenção de concluir a negociação com a Europa, de avançar os entendimentos com a EFTA, a Índia e iniciar tratativas com o Canadá deveria também ser vista no contexto da discussão das reformas estruturais (trabalhista, tributária e previdência social). Essas reformas, complementadas por medidas adicionais de facilitação de comércio, infraestrutura e de redução da interferência do Estado nas atividades empresariais, aumentarão a competitividade dos produtos brasileiros que poderão enfrentar a agressiva presença de produtos do exterior no mercado interno e conquistar mercados nos grandes blocos regionais.
Com a luz no fim do túnel nessa longíssima negociação, como é natural, surgem vozes contrárias ao acordo sob o argumento de que ele irá quebrar a nossa indústria, tratada ainda como nascente, e de que, em vez de reduzir, devemos aumentar as tarifas para defender o mercado interno de bens industriais. Nos últimos 50 anos, essa “politica industrial” não facilitou o acompanhamento das transformações que ocorrem na era do conhecimento. A indústria, em sua grande maioria, não absorveu os avanços tecnológicos e de inovação, acarretando a perda de espaço das manufaturas nacionais nos mercados mais dinâmicos e fazendo com que a produção nacional seja seriamente afetada pela concorrência externa. A situação para esse setor se agravou ainda mais pelo fim dos subsídios, das desonerações e do crédito fácil, não por uma questão ideológica, mas porque o Estado brasileiro está quebrado. Por outro lado, questões levantadas pela OMC contra a politica industrial na área automotriz e de informática estão obrigando a ajustes para adequar nossa legislação às regras da Organização. Além disso as negociações de acordos comerciais, como no caso da UE, estão fazendo com que o Brasil tenha de se incorporar às regulamentações existentes no resto do mundo. A decisão do governo brasileiro de acessar a Organização de Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), por seu lado, já esta obrigando o pais a ajustar-se a cerca de 240 acordos, códigos e regulamentos em vigor. Dentro dessa linha, a partir de 2019, dependendo do resultado das eleições, o futuro governo poderia examinar concretamente a possibilidade de associar-se à parceria trans-pacífica (TPP), com o Japão, países asiáticos e países da Aliança do Pacifico. Com essa linha de atuação externa na politica de comércio exterior, o Brasil voltaria a estar plenamente inserido nos fluxos dinâmicos de comércio e de investimentos globais.
A eleição de outubro será um divisor de águas. Ou o Brasil avança com uma agenda de modernização interna e de inserção competitiva no exterior ou compraremos uma passagem, sem retorno seguro, para uma crise de proporção à que vive hoje a Grécia e que Portugal já viveu.
Rubens Barbosa. Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)
“O Brasil não perde a oportunidade de perder uma boa oportunidade.” A irônica frase do falecido embaixador Roberto Campos não exclui de sua abrangência a política externa brasileira. É de justiça reconhecer, entretanto, que, ao longo do governo do presidente Michel Temer (PMDB), algumas oportunidades foram aproveitadas e permitiram progressos evidentes.
A política externa do governo anterior, como é bem sabido, contrariou as melhores tradições do Itamaraty sem trazer nenhuma vantagem para o Brasil. Tal crítica não pode ser feita à política externa estabelecida pelo governo Lula (PT), que, apesar de aspectos contraditórios, elevou o perfil brasileiro no cenário internacional.
O processo de impeachment de Dilma Rousseff encontrou o Brasil enfraquecido na cena global, não apenas pelos equívocos de sua política externa – como o inexplicável alinhamento com a Venezuela e a Argentina de Cristina Kirchner, além da complacência nostálgica com Cuba –, como também pelo retumbante fracasso de sua política econômica, que resultou na pior recessão da História do País. Durante o impeachment, o governo petista tentou de todas as formas desqualificar o processo, parecendo não ver que nenhum passo estava sendo dado à margem do texto constitucional. Não conseguiu impedir a saída da presidente, mas causou dano à imagem do Brasil no exterior, o que foi, no mínimo, impatriótico.
Houve sérias tentativas de pôr a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), o Parlamento do Mercosul (Parlasul), o próprio Mercosul e a Organização dos Estados Americanos (OEA), entre outros organismos internacionais, contra o impeachment. Até hoje Cuba, de forma inacreditável, não reconhece o governo Temer como legítimo. O saldo final da gestão Dilma foi a dramática perda de prestígio internacional do Brasil e a imposição de preconceitos à gestão Temer, que, finalmente, têm diminuído de forma paulatina pela adoção de uma nova política externa.
A nomeação do senador José Serra como ministro das Relações Exteriores e, posteriormente, de Aloysio Nunes Ferreira (ambos do PSDB), ainda no cargo, fizeram o Itamaraty retomar seu veio tradicional de universalismo, pragmatismo e defesa do interesse nacional, além de um saudável distanciamento da Venezuela e de Cuba. Assim, pouco a pouco o Brasil recupera sua estatura internacional entre os países do Brics e encaminha, no âmbito do Mercosul, boas negociações com a União Europeia, superando amplamente as questões de reconhecimento. O volume crescente de investimentos estrangeiros no Brasil mostra a volta da confiança no País e atesta a solidez da política econômica adotada.
Mesmo assim, no ranking de soft power da revista Monocle ocupamos o 25.º lugar, a pior colocação do Brasil desde que a medição começou a ser feita. Não só por não termos aproveitado o potencial da Olimpíada, em 2016, mas também pelo impeachment e pela dramática situação do Rio de Janeiro, principal cartão-postal do País. E, sobretudo, por não sabermos comunicar-nos com o mundo exterior.
Evidentemente, não podemos tapar o sol com a peneira e esconder nossas graves deficiências. Mas por falta de visão estratégica, e pelo não emprego de táticas que rentabilizem a potencialidade do Brasil, terminamos apequenando a capacidade de influência positiva de nossa imagem em nível internacional. Bem como não utilizando todo o nosso potencial para atrair investimentos privados.
Uma abordagem estratégica da política externa poderia, sem dúvida, ampliar a imagem das boas iniciativas do governo, com repercussões internas e externas, consolidando o legado reformista do atual governo e expondo ao mundo a potencialidade do País. Recentemente, artigos do presidente Michel Temer tiveram boa repercussão no exterior. É o tipo de iniciativa que deve ser ampliado.
Em conversas em Nova York, onde fui dar aulas na Universidade Columbia, ouvi manifestações de investidores e especialistas de que o Brasil é subestimado e subavaliado. Sobretudo porque as notícias refletem mais o lado perverso de nossa realidade do que os avanços. Na melhor tradição de que bad news are good news.
Alguns interlocutores se revelaram surpresos com a agenda de reformas em curso e o agressivo programa de concessões. Bem como com o avanço das práticas de compliance no País e a atuação independente do Poder Judiciário. Como se não soubessem o que se passa por aqui.
Entre as maiores economias do mundo, o Brasil é um dos únicos países a não ter instrumentos de comunicação – como, por exemplo, canais de TV por assinatura – em inglês sobre o País, entre outras iniciativas. A verdade é que, embora sejamos um país de dimensões continentais, continuamos a ser um enigma para a maior parte do mundo.
Não somos um paraíso para investidores e temos sérios problemas de segurança pública, mas somos melhores do que parecemos e, lamentavelmente, não sabemos contar a nossa história de modo adequado. E se não contarmos a nossa história, alguém o fará. Quase nunca de forma favorável.
Por fim, devemos retomar a tradição de assumir posição com ênfase em questões de direitos humanos, que nos trouxe reputação positiva nas esferas diplomáticas internacionais. O Brasil reduziu sua exposição nesse tema por causa de alianças e entendimentos com países que não primam pelo respeito aos direitos humanos. Por sermos complacentes, perdemos credibilidade. E credibilidade em política externa é algo precioso.
Em Davos, na Suíça, onde realizou uma bem-sucedida visita, após um período de quatro em que o Brasil ali não se fez representar no mais alto nível, o presidente Temer sustentou que o Brasil está de volta. A hora é de fortalecer o Itamaraty, que detém um legado diplomático consistente e testado para pavimentar essa volta, deixando claros ao mundo os avanços que estão ocorrendo no País.
*ADVOGADO, CONSULTOR, CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR, É DOUTOR EM SOCIOLOGIA PELA UNB
Brasil precisa definir o que quer de sua política externa, diz embaixador
Para Rubens Barbosa, ainda estamos presos a percepções e conceitos político-econômicos superados
RESUMO Autor responde a artigo de Armínio Fraga e Robert Muggah e defende que a inserção do país na ordem liberal internacional passa também pelo comércio exterior e a política industrial. Ele entende ser urgente que o Brasil defina seus interesses reais e assuma seu papel de décima economia mundial.
Em estimulante artigo na Ilustríssima de 4/2, Armínio Fraga e Robert Muggah chamam a atenção para as rápidas transformações da ordem liberal mundial e discutem a oportunidade que se abre ao Brasil para reformular sua política e economia e, no processo, reposicionar-se no tabuleiro das relações internacionais.
Ressaltando que a posição tanto do governo quanto do setor privado tem sido ambígua em relação às mudanças globais, os articulistas pregam o engajamento mais eficaz do país na reformulação de uma nova e mais progressista ordem liberal internacional. Na conclusão, esperam a eleição de um candidato que defenda uma agenda ampla e profunda de reformas.
A provocação é importante e oportuna porque suscita o debate sobre o lugar do Brasil no mundo, num momento de grandes desafios internos e externos. O enfoque econômico do artigo deveria ser ampliado, com qualificação da capacidade de o país se engajar e influenciar a reformulação da nova ordem liberal internacional.
Para que se possa demandar maior engajamento do Brasil nesse tema —uma das muitas áreas em que o país precisa fazer sua voz ser ouvida—, a análise deve englobar questões político-diplomáticas, mas também as rápidas transformações econômicas, financeiras e de conhecimento.
O liberalismo econômico internacional, por si só, não resolve aspectos relativos ao poder e à riqueza (desenvolvimento) do país, além de estar sob intenso ataque com o esvaziamento da OMC (Organização Mundial do Comércio) e com as políticas restritivas dos EUA, da China e, em muitos setores, da União Europeia.
Para entender a posição do Brasil e suas limitações no cenário internacional, é necessário reconhecer que a fronteira que separava a agenda econômica externa da política econômica interna está desaparecendo, se é que já não desapareceu. Como consequência, a formulação da política macroeconômica deveria incluir também comércio exterior e política industrial, não podendo voltar-se quase exclusivamente à política monetária e ao combate à inflação.
GLOBALIZAÇÃO
O sistema internacional político, econômico e comercial está em acelerada transformação. A ordem global tradicional foi construída, a partir do tratado de Vestfália em 1648 (Estado-nação) e do Congresso de Viena em 1815 (concerto europeu), em torno da proteção das prerrogativas dos Estados e da criação de instituições multilaterais para assegurar a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira do mundo —ONU, Banco Mundial e FMI. Os países desenvolvidos tomavam decisões e impunham suas visões geopolíticas e geoeconômicas como se estivessem sozinhos.
Nas últimas décadas, as mudanças ocorridas com a globalização —positivas, como o livre-comércio, e negativas, como o aumento das desigualdades—, com a revolução nas comunicações e com o fim do mundo bipolar, estão afetando o processo decisório dos países e obrigando os governos a repensar a maneira como os desafios externos devem ser encarados.
A defesa do interesse nacional político, econômico e social está levando ao reexame desses conceitos, à superação das obsessões ideológicas (como a defesa do livre-comércio ou do nacionalismo econômico) e ao questionamento das ações dos países desenvolvidos.
As percepções sobre o novo sistema internacional devem, assim, ser coerentes com a evolução, os avanços e as rupturas em relação à ordem tradicional. Novos caminhos deveriam ser buscados a partir da atual geopolítica, caracterizada pela globalização, pelo reforço do regionalismo e pela rápida evolução da digitalização.
A nova ordem em formação está adaptando os conceitos vigentes até aqui à realidade de um mundo mais interconectado e que enfrenta desafios como terrorismo, ataques cibernéticos, armas nucleares, mudanças climáticas, desigualdade, guerras localizadas e crises imigratórias. A soberania não é mais um conceito absoluto, e as organizações internacionais deverão ser reformuladas.
CONCEITOS SUPERADOS
No Brasil, ainda estamos presos a percepções e conceitos superados. Não houve renovação no pensamento estratégico em grande parte do governo, do setor empresarial e da comunidade acadêmica.
Como inserir o Brasil nessa nova ordem internacional em mutação com novos conceitos e novas maneiras de ver o que está acontecendo ao nosso redor? Pouco se discute sobre isso.
Das lições da economia política internacional clássica, valeria a pena resgatar os conceitos de poder e de desenvolvimento. Ambos caminham juntos. O crescimento do poder reduz a vulnerabilidade externa, reforça a voz do país no mundo e garante a segurança e a defesa. O desenvolvimento amplia o PIB pela re-industrialização, pela diversificação produtiva, pela expansão do comércio exterior e pelo fortalecimento da defesa. O ex-ministro Olavo Setúbal, de quem fui chefe de gabinete, costumava repetir: poder é PIB.
Está superado o debate entre liberalismo econômico e neo-desenvolvimentismo, entre agricultura e indústria, assim como saber se o desenvolvimento leva à industrialização ou se a especialização produtiva conduz ao crescimento.
No caso do Brasil, por seu território, sua população e suas riquezas naturais, a importância de sua inserção geopolítica deve —também e sobretudo— ser levada em conta na formulação das políticas econômica, industrial, de comércio exterior, de inovação/tecnologia e externa (que tem, entre suas prioridades, a defesa do desenvolvimento econômico do país).
Quando se analisa o lugar do Brasil no mundo e sua possível influência no cenário internacional, devemos partir de algumas premissas.
Como pano de fundo, deve-se reconhecer que a América do Sul está na periferia das transformações econômicas e tecnológicas, está longe dos principais centros dinâmicos de comércio (Ásia) e, até aqui, não está contaminada pela ameaça terrorista e de grandes crises sociais, guerras e refugiados (como Europa e Oriente Médio).
Em compensação, a região está mais perto da principal potência militar, econômica, financeira, comercial e política do mundo (EUA), cercada de enormes incertezas, como o início de uma guerra comercial por motivação protecionista (DonaldTrump) nos próximos anos.
O QUE FAZER
Encontrar seu lugar e sua voz no mundo, compatíveis com o papel de uma das dez economias mundiais, é prioridade inadiável para o Brasil. Urge definir nossos reais interesses. Como nos posicionar diante do sistema liberal internacional e do nacionalismo econômico? O que queremos das relações com os EUA, com a China, com a União Europeia, com os vizinhos sul-americanos e com os Brics? Não será fácil chegar a tais definições, dada a atual divisão existente na sociedade brasileira.
Ao discutir o que queremos para o Brasil no novo cenário internacional, teríamos de levar em conta diversos aspectos.
Do ponto de vista político, diplomático e comercial é necessário:
(i) integrar o país nos fluxos dinâmicos de comércio exterior e da economia global, ampliando a competitividade da produção nacional com a simplificação dos processos decisórios e regulatórios;
(ii) assumir a efetiva liderança na América do Sul, o que não significa dominação nem hegemonia, e sim discutir o papel do Mercosul e de nosso relacionamento bilateral;
(iii) ampliar a voz do Brasil nos organismos internacionais; e
(iv) pôr fim ao seu isolamento nos entendimentos comerciais, ampliando as negociações bilaterais e com megablocos, como União Europeia e mesmo Ásia, examinando a conveniência de aderir à Parceria Ampla e Progressiva Trans-Pacífica.
Do ângulo econômico e tecnológico, deve-se:
(i) promover a gradual abertura da economia e a modernização das regras para aproximá-las de padrões internacionais;
(ii) reduzir o papel do Estado, aprovar reformas estruturais (tributária, da Previdência) e desenvolver projetos de infraestrutura que reforcem a competitividade da economia e da produção nacional;
(iii) definir políticas para atrair investimentos em áreas de interesse estratégico, promover indústrias com vantagens comparativas e aumentar as exportações;
(iv) apoiar iniciativas visando aperfeiçoamento da educação e desenvolvimento de pesquisa em inovação e tecnologia de ponta;
(v) aproveitar as facilidades financeiras oferecidas pelo Brics para projetos de infraestrutura e ampliar a cooperação econômica entre o Brasil e os outros membros;
(vi) tornar-se membro pleno da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a partir do programa de ação conjunta aprovado pelo governo brasileiro em fevereiro de 2015.
Assim como ocorre com a política econômica, a discussão sobre o papel do Brasil no mundo e a definição do que queremos nas nossas relações externas deveriam estar na agenda da eleição presidencial de 2018.
Um projeto de modernização do Brasil dentro desse amplo contexto deveria ser prioridade para os candidatos comprometidos com um programa mínimo a ser implementado a partir do próximo governo, a fim de definir um lugar significativo do país no mundo, superando os desafios internos e externos.
Rubens Barbosa, 79, ex-embaixador do Brasil em Washington, é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comercio Exterior (Irice).
Transcrevo, abaixo, matéria do primeiro jornalista brasileiro, ou braziliense, como ele gostava de dizer, Hipólito da Costa, em seu Correio Braziliense de 1819, a propósito de perseguições a judeus na Alemanha, quase 200 anos atrás. Ele se refere a uma possível atração de judeus ao Brasil, então Reino Unido ao de Portugal, mas não deixa de registrar a existência de "prejuízos", ou seja, preconceitos, por parte dos ministros de D. João.
Aqui o trecho selecionado, mais abaixo, a matéria completa:
O Governo
do Brasil está ainda muito atrasado em princípios de política, para que
julguemos, que ele saiba tirar partido desta perseguição dos Judeus na
Alemanha. Mas suponhamos, que El Rey podia vencer os prejuízos [preconceitos]
de seus Conselheiros, e da parte ignorante do Clero, e que, por meio de boas
leis abria no Brasil um asilo seguro a todos os perseguidos Judeus da Alemanha.
A emigração, não só importante em número, levaria ao Brasil um imenso capital,
que seria bastante para fazer aparecer as produções daquele fértil país; e que
precisa de novos capitais, para os avanços de fundos necessários em limpar as
terras, lavrar as minas, abrir as comunicações, etc.
Quaisquer,
pois, que fossem as causas destas perseguições dos Judeus, a Alemanha perderia
um imenso fundo de riquezas, que se transferiria ao Brasil. Mas disto, pela
razão que demos acima, não tem a Alemanha, que se temer.
Paulo Roberto de Almeida
CORREIO BRAZILIENSE
ou
ARMAZÉM LITERÁRIO
Julho – Dezembro,
1819
Dados Internacionais
de Catalogação na Publicação (CIP)
José da Costa. – São Paulo, SP:
Imprensa Oficial do Estado:
Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002
“Edição fac-similar”
Vol. XXIII, julho-dezembro de 1819, p.
314-317
Perseguição Contra os
Judeus
As
noticias de Alemanha continuam a informar-nos dos mais vergonhosos atos de
opressão contra os Judeus. Em Warteburg, Darmstadt, Hamburgo, Frankfort, Hanau,
Bamberg, Bayreuth e Dusseldorff, tem a populaça cometido os maiores excessos
contra os Judeus residentes naqueles lugares. Como estes ataques foram quase
simultâneos, conjecturou-se que eram execução de algum plano concertado.
Conjecturando
as causas de tão inesperada perseguição, custa a atirar com alguma razão
suficiente de tal fenômeno? Será ódio contra a religião dos Judeus, diferente da maioridade dos
habitantes dos países, aonde eles residem? Será isto efeito das agitações
políticas, que existem na Alemanha? Será efeito da rivalidade do Comércio?
Quanto à
diferença de religião, as perseguições por esta causa são diametralmente
opostas às ideias tolerantes do nosso século, como tem acontecido em todos os
tempos e em todos os países, em que as luzes tem efeito esconder o fanatismo.
Os poucos religiosos furiosos, que ainda existem, e que desejariam propagar os
seus princípios pelo ferro e fogo, como os Mahometanos, ou como a Inquisição,
ano se atrevem a propor hoje em dia tais planos, que os faria objeto do
desprezo público. Em uma palavra, estas perseguições da Alemanha, nem se quer
mencionam a diferença de religião, como causa acidental.
Quanto a
causas políticas, os Judeus, há muitos séculos, vivem nos diferentes Estados da
Europa, como estrangeiros, a quem se não permite exercício algum ativo dos
direitos de cidadão, nem empregos públicos; sendo meramente protegidos pelas
leis, como pessoas de uma residência temporária: com esta mera faculdade de
existir, se tem eles contentado, satisfeitos de que os deixem seguir, na
obscuridade, as práticas de sua religião. As mais atrozes e injustas
perseguições, não tem oposto senão a paciência e o retiro. Não é logo possível
atribuir agora estes seus novos males, a inimizades políticas, em que não
consta, que eles tenham a menor parte.
Resta,
pois, a rivalidade mercantil, a que alguns escritores imputam os atuais
sofrimentos dos Judeus, supondo que as suas riquezas e a sua indústria tem
excitado a inveja dos mais negociantes Alemães. Não se pode negar a
possibilidade desta hipótese; mas nem ainda nela achamos razão cabal, para
explicar o mal em toda a sua extensão.
As
riquezas dos Judeus, assim como as de todo o outro capitalista, que não tem
outra pátria senão aquela em que reside deve redundar em beneficio do país,
dando emprego a muitos habitantes, e servindo de produzir novas riquezas. Logo
o ódio contra as riquezas dos Judeus, seria dirigido contra o beneficio, que
delas resulta a toda a Sociedade: um ou outro negociante individual poderia
entreter este ódio contra o rico negociante Judeu e seu vizinho, pelo espirito
de rivalidade; mas isto não se podia estender a toda a populaça; nem abranger
tantas cidades, desde a margem do Rheno até Copenhaguen, como são aquelas por
que esta perseguição se tem difundido.
Suponhamos
que os Judeus Alemães se retiravam, com seus haveres, daqueles países em que
são perseguidos: nesse caso, não só a população sofreria, mas a falta de seus
capitães traria a ruina a muitas fábricas, e até a mesma agricultura; como bem
palpavelmente se experimentou em Portugal, que com a expulsão dos Judeus,
perdeu os seus cabadaes, e estes foram enriquecer a Holanda, tornando-se ali
rivais e ao depois inimigos dos capitais e comércio de Portugal. Daqui
concluímos, que a generalidade desta perseguição se não explica pelo ódio
contra as riquezas dos Judeus, pois elas são de grande beneficio aos países, em
que eles residem.
Quaisquer,
pois, que fossem as causas destas perseguições dos Judeus, a Alemanha perderia
um imenso fundo de riquezas, que se transferiria ao Brasil. Mas disto, pela
razão que demos acima, não tem a Alemanha, que se temer.
Voltando,
porém, as causas da perseguição, que parecem tão geral na Alemanha, parece que
a proteção dos respectivos Governos não tem sido tão eficaz como devera ser.
Sobre
esta matéria achamos um curioso artigo, datado de Carlsbad aos 24 de Agosto; em
que se diz, que os Ministros nas conferências, que se faziam naquela cidade,
tomaram em consideração a perseguição contra os Judeus; e que notificaram aos
respectivos Governos, que deviam obrigar os magistrados a prestar eficaz
proteção aos Judeus, como todo o Governo é obrigado a fazer, aos que vivem em
seus territórios, sem distinção de classes. Pretende mais este artigo, que os
Ministros intimaram, que se aqueles Governos não castigassem os Magistrados,
pela falta de proteção dos Judeus, se fariam acessórios e correos dos mesmos
crimes; e que seria preciso que os seus territórios fossem ocupados
militarmente por tropas da Áustria ou da Prússia.
Assim
parece, que estas perseguições populares contra os Judeus, vem cheias de
consequências, que não aparecem à primeira vista: pois no mesmo artigo se
insinua, que será preciso ceder os territórios, aonde tais ultragens se tem
cometido, a algum Estado vizinho, que tenha a vontade e o poder de coibir tais
excessos.
(Brasília, Ano
IV, nº 14, agosto-outubro 1987, pp. 125-126).
Stephen Jay GOULD:
The
Mismeasure of Man
New York and London: W. W. Norton and
Company, 1981.
Se não estou errado, nenhum livro do geólogo e biólogo
norte-americano Stephen Jay Gould foi ainda traduzido e editado no Brasil, o
que é, a todos os títulos, lamentável. Geólogo de formação, o mais famoso dos "darwinistas"
norte-americanos ensina essa disciplina, além de Biologia e História da Ciência,
na Universidade de Harvard, detendo um currículo já impressionante de publicações.
Os títulos de seus livros são por si sós indicativos de sua preocupação em
ultrapassar a estrita barreira da especialização científica para alcançar um público
mais amplo e diversificado: Ever Since
Darwin, The Panda's Thumb, Hen’s Teeth and Horse’s Toes e, mais
recentemente, The Flamingo Smile. O
livro que agora se sugere aos editores brasileiros foi publicado logo após que
The Panda’s Thumb foi agraciado com o "American Book Award for
Science" de 1981 e dá continuidade aos esforços de Gould em ultrapassar as
fronteiras da historia natural e penetrar nas areias movediças da história
social. Esse tipo de bridge-building,
característico de todos os trabalhos de Gould, e particularmente ressaltado
neste ensaio sobre a "má medida" do homem, ou seja, a tentativa de
classificar os grupos humanos através de pretensos critérios da objetividade
cientifica.
A preocupação em hierarquizar os homens em função de características
ditas "inatas", conformando uma espécie de "racismo
cientifico", parece hoje ter assumido a vestimenta da Sociobiologia, cujos
argumentos são facilmente desmontados por Gould. No passado, o
"determinismo biológico" procurou medir a inteligência através de
dois métodos que atingiram uma certa respeitabilidade em cada época. No século
XIX, os "homens de ciência" desenvolveram a "craniometria",
manipulando medições de cérebros e crâneos humanos apenas para
"provar" que os negros e outros povos primitivos seriam naturalmente
inferiores aos homens brancos. Alguns chegaram mesmo a ver na menor capacidade
craniana da mulher, comparativamente à do homem, a justificativa natural de sua
subordinação social. Já no século XX, o sistema classificatório assume a forma
dos "testes de inteligência", que transformaram as medidas de QI em marketing
de massa. Em ambos os casos, argumenta Gould, assistiu-se à abstração e à
reificação da inteligência humana, transformando-a numa entidade singularmente
individualizada, localizada no cérebro.
A mismeasure,
criticada no livro de Gould, é assim uma prática "científica" de
medição da inteligência humana, através de critérios quantitativos
pretensamente objetivos, e a utilização dos números então obtidos para
classificar e hierarquizar grupos humanos segundo uma escala valorativa,
tendente a "demonstrar" que grupos subalternos – em termos de raça,
classe ou sexo –são inatamente inferiores e merecem o status que tem. Gould
demonstra, por seu lado, a debilidade científica e o contexto claramente político
e social dos argumentos deterministas em biologia, criticando ao mesmo tempo o
mito da Ciência como um empreendimento objetivo. A ciência, nas palavras de
Gould, tem de ser vista e compreendida como um fenômeno social, um
empreendimento humano, e não uma obra de robôs programados para coletar informação
pura.
Ao contrário do que pretende a Sociobiologia, a biologia
moderna provou, em notável refutação ao determinismo biológico, que o estoque genético
é muito pouco diferenciado para todos os grupos humanos. Mas, este é um fato
contingente da evolução natural e não uma verdade a priori ou necessária. Como afirma Gould, o mundo poderia ter
conhecido uma ordem natural diferente: "Suponha, por exemplo, que uma das
muitas espécies do nosso gênero ancestral Australopithecus
tivesse sobrevivido – um cenário perfeitamente razoável teoricamente, já que as
novas espécies emergem a partir da divisão das antigas (com as antecessoras
normalmente sobrevivendo, pelo menos durante algum tempo), não pela transformação
em massa dos ancestrais em seus descendentes. Nós – isto é, o Homo sapiens –
teríamos então de nos defrontar com todos os dilemas morais decorrentes do
relacionamento com espécies humanas de capacidade mental notoriamente inferior.
O que teríamos feito com elas escravidão? extinção? coexistência? trabalho doméstico?
reservas? zoológicos?
Da mesma forma, a nossa própria espécie, Homo sapiens, poderia ter incluído uma serie de subespécies (raças)
com capacidades genéticas compreensivelmente diferentes. Se as espécies humanas
fossem velhas de milhões de anos (algumas são) e se suas raças tivessem estado
geograficamente separadas durante a maior parte desse tempo sem um intercâmbio genético
significativo, então grandes diferenças genéticas se teriam lentamente acumulado
entre os grupos. Mas, o Homo sapiens é velho de várias dezenas de milhares de
anos, ou no máximo de algumas poucas centenas de milhares de anos, e todas as
modernas raças humanas provavelmente se dividiram a partir de um ancestral
comum há apenas algumas dezenas de milhares de anos atrás.
Uns poucos traços significativos de diferenças externas nos
levou ao julgamento subjetivo da existência de grandes diferenças entre elas.
Mas, os biologistas confirmaram recentemente que o conjunto das diferenças genéticas
entre as raças humanas é incrivelmente pequeno. Apesar da frequência para
diferentes estados de um gene diferir entre as raças, nós não encontramos
"genes raciais"—isto é, características fixas em certas raças e
ausentes em todas as outras" (pp.322-3).
A especificidade humana é primordialmente constituída pelo
funcionamento do cérebro e as sociedades humanas mudam por evolução cultural e
não como resultado da alteração biológica. Não há nenhuma evidência de uma
mudança biológica na estrutura ou dimensão do cérebro desde que o Homo sapiens apareceu nos registros fósseis
há cerca de 50 mil anos atrás. Assim, "a evolução biológica (darwiniana)
continua em nossa espécie, mas o seu ritmo, comparado com a evolução cultural,
é tão incomparavelmente lento que o seu impacto na história do Homo sapiens tem sido pequeno"
(324).
A evolução cultural é assim a marca característica dos grupos
humanos, e a transmissão cultural funda um novo tipo de evolução muito mais
efetivo do que o darwiniano. Gould resume: "Os argumentos clássicos do
determinismo biológico são deficientes porque as características que ele invoca
para estabelecer distinções entre os grupos são na verdade o produto da evolução
cultural" (325).
O desmascaramento da Sociobiologia é feito, no livro de Gould,
em tom sereno, próprio a um darwinista tranquilo, em contraste com a atitude
passional, enragée e pouco cientifica
dos sociobiologistas. Trata-se, sem duvida alguma, de um grande mergulho na
história dos preconceitos "científicos" dos últimos dois séculos, uma
leitura, portanto, indispensável a todos aqueles que se interessam por nosso
humilde destino de Homo sapiens.