Transcrevo, abaixo, matéria do primeiro jornalista brasileiro, ou braziliense, como ele gostava de dizer, Hipólito da Costa, em seu
Correio Braziliense de 1819, a propósito de perseguições a judeus na Alemanha, quase 200 anos atrás. Ele se refere a uma possível atração de judeus ao Brasil, então Reino Unido ao de Portugal, mas não deixa de registrar a existência de "prejuízos", ou seja, preconceitos, por parte dos ministros de D. João.
Aqui o trecho selecionado, mais abaixo, a matéria completa:
O Governo
do Brasil está ainda muito atrasado em princípios de política, para que
julguemos, que ele saiba tirar partido desta perseguição dos Judeus na
Alemanha. Mas suponhamos, que El Rey podia vencer os prejuízos [preconceitos]
de seus Conselheiros, e da parte ignorante do Clero, e que, por meio de boas
leis abria no Brasil um asilo seguro a todos os perseguidos Judeus da Alemanha.
A emigração, não só importante em número, levaria ao Brasil um imenso capital,
que seria bastante para fazer aparecer as produções daquele fértil país; e que
precisa de novos capitais, para os avanços de fundos necessários em limpar as
terras, lavrar as minas, abrir as comunicações, etc.
Quaisquer,
pois, que fossem as causas destas perseguições dos Judeus, a Alemanha perderia
um imenso fundo de riquezas, que se transferiria ao Brasil. Mas disto, pela
razão que demos acima, não tem a Alemanha, que se temer.
Paulo Roberto de Almeida
CORREIO BRAZILIENSE
ou
ARMAZÉM LITERÁRIO
Julho – Dezembro,
1819
Dados Internacionais
de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do
Livro, SP, Brasil):
Costa, Hipólito José da
Correio Braziliense, ou, Armazém
literário, vol. XXIII/Hipólito
José da Costa. – São Paulo, SP:
Imprensa Oficial do Estado:
Brasília, DF: Correio Braziliense, 2002
“Edição fac-similar”
Vol. XXIII, julho-dezembro de 1819, p.
314-317
Perseguição Contra os
Judeus
As
noticias de Alemanha continuam a informar-nos dos mais vergonhosos atos de
opressão contra os Judeus. Em Warteburg, Darmstadt, Hamburgo, Frankfort, Hanau,
Bamberg, Bayreuth e Dusseldorff, tem a populaça cometido os maiores excessos
contra os Judeus residentes naqueles lugares. Como estes ataques foram quase
simultâneos, conjecturou-se que eram execução de algum plano concertado.
Conjecturando
as causas de tão inesperada perseguição, custa a atirar com alguma razão
suficiente de tal fenômeno? Será ódio contra a religião dos Judeus, diferente da maioridade dos
habitantes dos países, aonde eles residem? Será isto efeito das agitações
políticas, que existem na Alemanha? Será efeito da rivalidade do Comércio?
Quanto à
diferença de religião, as perseguições por esta causa são diametralmente
opostas às ideias tolerantes do nosso século, como tem acontecido em todos os
tempos e em todos os países, em que as luzes tem efeito esconder o fanatismo.
Os poucos religiosos furiosos, que ainda existem, e que desejariam propagar os
seus princípios pelo ferro e fogo, como os Mahometanos, ou como a Inquisição,
ano se atrevem a propor hoje em dia tais planos, que os faria objeto do
desprezo público. Em uma palavra, estas perseguições da Alemanha, nem se quer
mencionam a diferença de religião, como causa acidental.
Quanto a
causas políticas, os Judeus, há muitos séculos, vivem nos diferentes Estados da
Europa, como estrangeiros, a quem se não permite exercício algum ativo dos
direitos de cidadão, nem empregos públicos; sendo meramente protegidos pelas
leis, como pessoas de uma residência temporária: com esta mera faculdade de
existir, se tem eles contentado, satisfeitos de que os deixem seguir, na
obscuridade, as práticas de sua religião. As mais atrozes e injustas
perseguições, não tem oposto senão a paciência e o retiro. Não é logo possível
atribuir agora estes seus novos males, a inimizades políticas, em que não
consta, que eles tenham a menor parte.
Resta,
pois, a rivalidade mercantil, a que alguns escritores imputam os atuais
sofrimentos dos Judeus, supondo que as suas riquezas e a sua indústria tem
excitado a inveja dos mais negociantes Alemães. Não se pode negar a
possibilidade desta hipótese; mas nem ainda nela achamos razão cabal, para
explicar o mal em toda a sua extensão.
As
riquezas dos Judeus, assim como as de todo o outro capitalista, que não tem
outra pátria senão aquela em que reside deve redundar em beneficio do país,
dando emprego a muitos habitantes, e servindo de produzir novas riquezas. Logo
o ódio contra as riquezas dos Judeus, seria dirigido contra o beneficio, que
delas resulta a toda a Sociedade: um ou outro negociante individual poderia
entreter este ódio contra o rico negociante Judeu e seu vizinho, pelo espirito
de rivalidade; mas isto não se podia estender a toda a populaça; nem abranger
tantas cidades, desde a margem do Rheno até Copenhaguen, como são aquelas por
que esta perseguição se tem difundido.
Suponhamos
que os Judeus Alemães se retiravam, com seus haveres, daqueles países em que
são perseguidos: nesse caso, não só a população sofreria, mas a falta de seus
capitães traria a ruina a muitas fábricas, e até a mesma agricultura; como bem
palpavelmente se experimentou em Portugal, que com a expulsão dos Judeus,
perdeu os seus cabadaes, e estes foram enriquecer a Holanda, tornando-se ali
rivais e ao depois inimigos dos capitais e comércio de Portugal. Daqui
concluímos, que a generalidade desta perseguição se não explica pelo ódio
contra as riquezas dos Judeus, pois elas são de grande beneficio aos países, em
que eles residem.
O
Governo do Brasil está ainda muito atrasado em princípios de política, para que
julguemos, que ele saiba tirar partido desta perseguição dos Judeus na
Alemanha. Mas suponhamos, que El Rey podia vencer os prejuízos [preconceitos]
de seus Conselheiros, e da parte ignorante do Clero, e que, por meio de boas
leis abria no Brasil um asilo seguro a todos os perseguidos Judeus da Alemanha.
A emigração, não só importante em número, levaria ao Brasil um imenso capital,
que seria bastante para fazer aparecer as produções daquele fértil país; e que
precisa de novos capitais, para os avanços de fundos necessários em limpar as
terras, lavrar as minas, abrir as comunicações, etc.
Quaisquer,
pois, que fossem as causas destas perseguições dos Judeus, a Alemanha perderia
um imenso fundo de riquezas, que se transferiria ao Brasil. Mas disto, pela
razão que demos acima, não tem a Alemanha, que se temer.
Voltando,
porém, as causas da perseguição, que parecem tão geral na Alemanha, parece que
a proteção dos respectivos Governos não tem sido tão eficaz como devera ser.
Sobre
esta matéria achamos um curioso artigo, datado de Carlsbad aos 24 de Agosto; em
que se diz, que os Ministros nas conferências, que se faziam naquela cidade,
tomaram em consideração a perseguição contra os Judeus; e que notificaram aos
respectivos Governos, que deviam obrigar os magistrados a prestar eficaz
proteção aos Judeus, como todo o Governo é obrigado a fazer, aos que vivem em
seus territórios, sem distinção de classes. Pretende mais este artigo, que os
Ministros intimaram, que se aqueles Governos não castigassem os Magistrados,
pela falta de proteção dos Judeus, se fariam acessórios e correos dos mesmos
crimes; e que seria preciso que os seus territórios fossem ocupados
militarmente por tropas da Áustria ou da Prússia.
Assim
parece, que estas perseguições populares contra os Judeus, vem cheias de
consequências, que não aparecem à primeira vista: pois no mesmo artigo se
insinua, que será preciso ceder os territórios, aonde tais ultragens se tem
cometido, a algum Estado vizinho, que tenha a vontade e o poder de coibir tais
excessos.
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