Alguns colegas se mostraram interessados por este livro:
O
Moderno Príncipe
(Maquiavel revisitado)
Ele está disponível na Amazon, neste link:
During times of universal deceit,
telling the truth becomes a revolutionary act.
George Orwell
Fatti
non foste a viver come bruti,
Ma
per seguir virtute e conoscenza.
Dante Alighieri, Divina Comédia (Canto 26, 119 do Inferno)
Qui potest capere, capiat...
Dado o interesse, transcrevo aqui o sumário e a introdução, que na verdade é uma carta minha a meu colega, amigo, antecessor, mestre insuperável, Niccolò.
Índice
Prefácio 11
Dedicatória 17
1. Dos regimes políticos: os democráticos e os outros 27
2.
Das velhas oligarquias e do Estado de direito 32
3. Da variedade de Estados capitalistas 39
4. Do governo pelos homens e do governo pelas leis 52
5. Da transição política nos regimes democráticos 60
6. Da conquista do poder: a liderança política 70
7. Da eficácia do comando e da manutenção do
poder 90
8.
Da ilegitimidade política: da demagogia e da força 100
9. Das
repúblicas democráticas e sua base econômica 111
10. Das forças armadas e das alianças
militares 121
11. Do Estado laico e da força das
religiões 134
12.
Da profissionalização das forças militares 144
13. Dos gastos com defesa e da soberania
política 151
14. Da preparação estratégica do líder
político 155
15. Do exercício da autoridade 160
16. Da administração econômica da
prosperidade 163
17. Do uso da força em política 168
18. Da mentira e da sinceridade em
política 173
19. Da dissimulação como forma de arte 179
20.
Da dissuasão e da defesa do Estado 184
21. Da construção da imagem: verdade e
propaganda 191
22. Dos ministros e secretários de Estado
199
23. Dos aduladores e dos verdadeiros
conselheiros 208
24. Da arte pouco nobre de arruinar um
Estado 212
25. Do acaso e da necessidade em política
218
26. Da defesa do Estado contra os novos bárbaros 225
Carta a Niccolò Machiavelli 239
Recomendações de leituras 245
O que nos separa de Maquiavel? 248
Livros de Paulo Roberto de Almeida 250
Prefácio
Este livro foi escrito por um
proscrito. Explico: O Príncipe,
original de 1513, foi escrito por Nicolau Maquiavel quando ele se encontrava em
completo ostracismo, depois que a conquista da Toscana pelos espanhóis
recolocou no comando de Florença, em 1512, a família dos Médici. Como escreveu
Delio Cantimori, no verbete sobre o florentino que ele preparou para a Storia della Letteratura Italiana
(quinto volume, da Garzanti), “nonostante l’ingegno, l’acutezza e la dottrina
che gli venivan riconosciuti, il Machiavelli non fu mai chiamato agli uffici
maggiori della repubblica fiorentina che egli servi dal 1498 al 1512”.
De fato, depois de ter servido durante quase três lustros à República da sua
cidade natal (1469), e de ter desempenhado missões diplomáticas da mais alta
responsabilidade – em 1500, em Pisa, para resolver uma rebelião de soldados
mercenários; logo em seguida junto ao reino de Luís XII da França, retornando
ali mais três vezes, entre 1504 e 1511; em 1502 junto ao duque Valentino, César
Bórgia, em Urbino e Sinigaglia; em 1503 e 1505, em Roma; em 1507, junto ao
Imperador Maximiliano, do Sacro Império Romano Germânico –, Maquiavel nunca
mais retornou ao seu cargo de segretario,
a despeito de ter desempenhado outras missões diplomáticas nos últimos anos de
sua vida.
Como o próprio Maquiavel
escreveu, em torno de 1518-1519, na apresentação a outro texto seu dessa fase
de desterro, os Discorsi sopra la prima
deca di Tito Livio, ele havia colocado em seus escritos toda a substância
do que sabia e do que tinha aprendido ao longo de uma vida dedicada à prática
política e às leituras constantes em torno “delle cose del mondo”, ou, como
transcreve Cantimori, “per ‘lunga pratica’ della vita política, ‘continua
lettura’ della storia política”.
Condenado ao confinamento por um ano, em 1512, mas não reabilitado depois
disso, Maquiavel se retirou na sua vila Albergascio, perto de San Casciano, no
Val di Pesa, e ali, amargurado por um injusto isolamento, soube reagir ao
afastamento forçado da política ativa que lhe impuseram, colocando no papel
suas reflexões sobre a prática da política, sobre a arte da guerra e a
propósito dos ensinamentos que se podiam retirar do itinerário dos grandes
homens e da evolução, entre auge e declínio, das sociedades da antiguidade
clássica. Por uma dessas ironias da história, ele veio a morrer no mesmo ano em
que a república foi restabelecida em Florença, em 1527.
Este Moderno Príncipe também condensa tudo o que me foi possível
aprender ao longo de uma vida dedicada à atenta observação delle cose del mondo, ao estudo das coisas da política e das artes
diplomáticas, assim como no aproveitamento de continue letture, em todas as áreas das ciências humanas e
disciplinas afins, ou seja, em tudo aquilo que interessa ao homem enquanto ser
político. O livro também foi escrito em condições de relativo isolamento, pelo
menos da diplomacia prática, que exerci de modo contínuo de 1977 a 2003, depois
de já ter enfrentado meu próprio desterro, ainda que semi-voluntário, entre
1970 e 1977, na fase mais dura do regime militar que tutelou o Brasil de 1964 a
1985. Meu novo ostracismo involuntário permitiu, ao lado do exercício de lides
acadêmicas que sempre permearam a atividade profissional, longas noites de
leitura, intensas reflexões sobre as transformações do mundo contemporâneo e do
Brasil atual, como também propiciou a produção de escritos a respeito da
conjuntura política e sobre a história diplomática, divulgados em revistas
especializadas ou em livros por mim publicados.
De todos os livros que escrevi
– no mais das vezes voltados para as relações internacionais e a política
externa do Brasil –, o que mais reflete o meu pensamento político e aquele de
que mais gosto, A Grande Mudança
(Códex, 2003), é o que menos obteve sucesso de público, permanecendo
relativamente desconhecido (talvez pelo fato de, quando do lançamento, me
encontrar no exterior). Em todo caso, este livro retoma algumas das reflexões
ali conduzidas pela primeira vez e amplia meu aprendizado nas artes da política
por meio de uma retomada linear do texto que se encontra, a justo título, no
panteão das grandes obras do pensamento universal. Quinhentos anos depois, como
para muitos clássicos, a constatação se impõe por si só: Maquiavel continua
atual!
Este “Maquiavel revisitado”
segue fielmente o roteiro traçado nos últimos meses de 1513 pelo pensador e
diplomata florentino. A estrutura e o título dos capítulos permanecem
idênticos: apenas troquei “Itália” por “nação”, em dois capítulos finais, seja
para tornar a reflexão mais universal, seja para fazê-la aplicável a uma outra
grande nação de tradição latina. A temática e a substância de cada um dos
capítulos também permanecem relativamente similares: os problemas que
angustiavam o segretario de há meio
milênio parecem rigorosamente os mesmos, com pequenas adaptações de detalhe ou
de linguagem. Alguma novidade nisso? Provavelmente não!
As referências e o tratamento
dos problemas são, contudo, inteiramente atuais, ainda que se tenha optado por
um estilo e um linguajar deliberadamente “caducos”, como forma de manter um
“parentesco espiritual” com a obra de meu predecessor diplomático do
Renascimento. O que eu fiz, sim – e nisso me cabe o copyright, ainda que eu deva conceder os moral rights ao florentino –, foi reescrever totalmente o seu
“manual de política prática” no sentido daquilo que eu penso deva determinar, hoje,
a política moderna: o compromisso democrático; o cumprimento das “regras do
jogo”, como diria um outro filósofo da política, Norberto Bobbio; a
transparência na administração da coisa pública; a correção no manejo do pubblico denaro e, sobretudo, a honestidade
intelectual, que para mim é o critério básico de qualquer ação social,
independentemente da área na qual ela se insira.
Maquiavel escreveu o seu
pequeno “manual” como uma espécie de guia de conduta para os governantes, mas
ele se coloca bem mais do ponto de vista do Estado do que do ponto de vista dos
cidadãos. Talvez se pudesse dizer, sem ostentação ou pretensões exageradas, que
meu pequeno manual pretende ser uma espécie de guia de conduta para os
governados e ele se coloca, mais bem, do ponto de vista dos indivíduos, que
constituem, afinal de contas, o destino final de toda a ação política.
Revisitar Maquiavel é sempre
angustiante, como já escreveu certa vez Raymond Aron, uma vez que as relações
entre a moral e a ação política, entre a ética e a eficácia, entre os fins e os
meios, estão sempre sendo colocadas na balança de nossas escolhas fundamentais.
As minhas escolhas ficam transparentes em cada parágrafo do meu texto, mesmo
quando a “racionalidade econômica” parece predominar sobre a “justiça social”,
ou quando os valores morais são confrontados aos procedimentos políticos, que
sempre evidenciam, como todos sabem, o eterno dilema entre as convicções
pessoais e os resultados práticos, no plano da ação social. As minhas opções
estão postas claramente nas páginas que seguem e a primeira delas, ouso
repetir, é justamente a honestidade intelectual. Este princípio fundamental
compensa qualquer ostracismo.
Gostaria, por fim, de
agradecer a todos aqueles que me ajudaram, voluntariamente ou não, na finalização
deste livro, em primeiro lugar no processo de sua revisão. Ele tinha sido
iniciado em meados de 2003, como o segundo de uma série de “clássicos
revisitados” – tendo o primeiro sido uma atualização do Manifesto Comunista de 1848, aos 150 anos de sua edição original –
mas, desde então, tinha ficado parado em virtude de uma carregada agenda de
obrigações profissionais e acadêmicas. Inesperadamente, encontrei o tempo que
me faltava em meados de 2007: sou reconhecido, portanto, também aos que me permitiram
dispor de condições para finalizá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de setembro de 2007
Dedicatória
Al
Signore Niccolò Machiavelli,
segretario
diplomatico della Repubblica di Firenze, banito dal suo posto per motivi di
cambiamenti politiche, uno suo ammiratore.
Caro Niccolò,
Escrevo esta dedicatória quase
quinhentos anos depois que você dirigiu a sua, num livro de título praticamente
igual a este, a um senhor de nobre linhagem, um dos Médici, que estava, naquele
mesmo momento, recuperando o poder em Florença, cidade à qual você serviu
fielmente durante longos anos. Sei que a sua dedicatória foi escrita em uma
fase muito difícil da sua vida, quase dramática, quando você tentava, na
verdade, recuperar os seus títulos, cargos e funções, dos quais tinha sido
afastado, por motivos de baixa política, eu até diria por ciúmes, dada a inveja
que os novos donos do poder tinham do seu valor e das suas qualidades de
estadista.
De minha parte, ao abrir um
livro de espírito e motivações similares ao seu, não vou dedicá-lo a um
representante de qualquer família ou grupo dirigente. Não pretendo seguir o seu
exemplo; para ser mais exato, não necessito fazê-lo, uma vez que minha vida e o
meu trabalho se desenvolvem em tempos mais amenos, comparativamente aos barbari tempii nos quais você tinha de
viver. Por isso, e em total legitimidade, dedico esta obra a você mesmo,
Niccolò, pois ela, na verdade, tudo lhe deve, muito na forma e bastante do
conteúdo.
Não é difícil deduzir de sua
obra, e de sua vida, que você foi um genial pensador político, um diplomata
dedicado, um cidadão honrado, cumpridor dos seus deveres, um atento estudioso
dos livros antigos (como eu sou, aliás), um pai de família extremoso, como a
poucos conheci, em uma atribulada carreira, feita de intensas leituras,
freqüentes viagens e muitas reflexões (estou aqui falando de nós dois, ambi due). Como disse um admirador seu,
que me precedeu, “il suo merito
principale sta nell’avere, con metodo sicuro, creato una nuova scienza
politica, fondandola sulla storia e sulla esperienza” (Villari, Machiavelli, vol. II, p. 466).
No Príncipe, você trata basicamente da monarquia, de um regime
conduzido por um chefe exclusivo, quase despótico, no limite da tirania. Nos
seus Discorsi sopra la prima Deca di Tito
Livio, você se ocupa, sobretudo, da república, de como ela deveria ser, nos
tempos antigos e modernos. Em ambas as obras, o que está, na verdade, em jogo é
a autonomia do Estado e a sua capacidade de implementar medidas visando ao bem
comum, à sobrevivência da independência e da soberania do Estado em primeiro
lugar, para em seguida velar pelo bem estar dos súditos, ou dos cidadãos,
conforme o caso. Muitos se perguntaram se, em cada uma dessas obras, aquele que
se expressava por meio de argumentos rápidos, cortantes, como no Príncipe, ou através de longas
digressões históricas, como nos Discursos,
era um republicano ou um cortesão: creio poder dizer que se tratava de um
verdadeiro patriota, de um homem que amava a liberdade, a unidade e a
independência de sua pátria, que era, antes mesmo da “sua” república
florentina, a Itália em seu conjunto.
Você tinha o hábito, que eu
também partilho, de apoiar-se na história
para tratar de casos presentes. Não
apenas no Príncipe, mas também nos Discursos, você se referia aos homens de
Estado da antiguidade para ilustrar suas lições de estadismo, da arte da
política, no mais alto sentido desta palavra. Mas você não pretendia tratar, de
verdade, da situação corrente da
Itália, por mais calamitosa que esta fosse, na luta para assegurar autonomia
nacional e independência em relação às potências da época, a França e a
Espanha, em primeiro lugar. Por certo, lhe entristecia ver as repúblicas e
principados da Itália desunidos, combatendo entre si, enquanto hordas de
mercenários e soldados estrangeiros penetravam em suas cidades, saqueando
palácios, espoliando os burgueses, roubando os camponeses e perpetrando toda
sorte de abusos.
Na verdade, ao escrever tantas
páginas memoráveis nos Discursos e no
Príncipe, você estava pensando, sobretudo,
no futuro da Itália. Daí não hesitar
você em recomendar soluções que a muitos podem ter aparecido, e ainda hoje
aparecem, como isentas de qualquer sentido moral. O que você pretendia, e
espero estar bem interpretando suas intenções, era assegurar a autonomia plena
do Estado, de maneira que este pudesse defender a honra nacional e o bem-estar
dos cidadãos (sim, de preferência a súditos, pois eu sei que você
privilegiava a república, sobre a monarquia, mas achava, malgrado os
inconvenientes, que esta podia ser uma solução temporária a uma situação de
caos incontrolável). Daí sua tolerância com regimes próximos do autoritarismo –
sei que a linguagem antiga se referia à tirania – desde que o príncipe, em
situação de poder e de comando, pudesse ou soubesse garantir pax, ordo et concordia, que para você
eram essenciais na condução dos assuntos públicos.
Claro, o ideal, para você e
para todos os cidadãos de bem –, ainda que convertidos temporariamente em
súditos – seria que o principado ou a república, ameaçados de desagregação,
fossem conquistados e governados por algum sapientissimus
princeps, cercado de conselheiros hábeis – como você mesmo –, até que os
próprios governados pudessem resolver a questão, com a legítima eleição dos
seus chefes, de preferência em regime republicano, aberto aos méritos e não
apenas aos clãs familiares tradicionais. Esse ideal não pôde ser alcançado na
sua Florença, e ainda menos em outras partes da Itália, até vários séculos
depois que você nos legou suas páginas memoráveis sobre a arte de conquistar,
de manter e de governar os principados.
Você bem que se esforçou para
que isso pudesse ocorrer, até violentando parcialmente o seu pensamento, pois
que aparentemente disposto a servir um nobre de natureza despótica, desde que
ele soubesse, pelo menos, lutar pela independência e autonomia da Itália, que
ele pudesse libertá-la dos bárbaros que a assolavam continuamente, nesses
tempos de transição entre o puro regime oligárquico dos tempos antigos e as
novas formas de representação política dos citadinos organizados. Quando, em
1512, depois da batalha de Ravena, os Médici recuperaram o poder em Florença, a
sua sorte muda radicalmente. Em lugar de ser recompensado pelo brilhante
trabalho diplomático a serviço de cidade toscana, você, por resolução tomada em
7 de novembro de 1512, foi privado de toda e qualquer função oficial. Segundo
os termos do decreto então assinado, seus direitos e encargos de segretario foram abolidos: cassaverunt, privaterunt et totaliter
amoverunt.
Mais do que você, foi a cidade
e o país que perderam com o seu ostracismo, as suas férias involuntárias, tanto
mais duros, l’ozio forzato e l’allontanamento, que você era, do
testemunho de todos, un uomo attivissimo,
capaz de desempenhar os complexos encargos da sua cancelleria fiorientina com competência invulgar e em tempo exíguo.
Cansado da sua solidão, da espera em vão por um posto que não veio jamais, você
se entregou, con grandissimo ardore, como
diz Villari, allo studio. Em
conseqüência, você se refugiou na sua vila de província, dimenticava la sua miseria, e passou a escrever, segundo esse seu
admirador, alcuni di quelle pagine di
scienza politica, che resero per tutti i secoli immortale il suo nome
(Villari, op. cit., vol. II, p. 270 e 212). Assim, no espaço de poucos meses,
em 1513, emergiu Il Principe e tomou
forma, ainda que sua redação se estendesse por muitos anos mais, os seus Discorsi sopra la prima Deca di Tito Livio.
Por todas essas razões, e
outras mais, cabe-me dedicar esta modesta obra, que muito deve, como já disse,
às suas páginas imortais, a você, Niccolò, mesmo à distância de quase
quinhentos anos e em circunstâncias, talvez, muito diferentes daquelas nas
quais você foi levado a colocar no papel suas reflexões e ensinamentos de uma
vida inteira dedicada à coisa pública. No seu tempo, a corrupção política era
generalizada, na Itália mais do que em qualquer outra parte da Europa, talvez
porque ali houvesse mais recursos a serem pilhados por líderes políticos e
religiosos sem escrúpulos. A moral cristã, que deveria teoricamente prevalecer,
era na verdade completamente abandonada na vida pública. Não só no seu tempo,
Niccolò...
Daí sua intenção de fundar a
política, tanto a ciência quanto a sua prática, sobre uma nova moral, de
caráter laico, civil, republicano. Devo reconhecer que, a despeito de muitas
frustrações na vida diplomática, nos negócios e na política, você o conseguiu,
e de forma brilhante: hoje, os seus escritos converteram-se em leitura
obrigatória, tanto para os estudiosos quanto, sobretudo, para os praticantes da
política, muito embora estes últimos nem sempre façam bom uso dos seus
ensinamentos, que eles tomam pelo lado mais simplista possível.
A queda da República de
Florença foi uma desgraça pessoal para você, mas talvez tenha sido uma grande fortuna para todos nós, porque o exílio
forçado o levou a escrever estas páginas imortais. Se você tivesse permanecido
na cancelleria fiorentina, não
teríamos dos seus escritos que as cartas de legação e os ofícios diplomáticos,
de estilo talvez aborrecido e, em todo caso, circunstanciais e estritamente
conjunturais. Ao contrário, a partir do sabático involuntário que lhe
impuseram, podemos agora dispor de suas idéias e reflexões de maior escopo
conceitual e de larga amplitude intelectual. O seu infortúnio pessoal e a ruína
da Itália nos valeram as mais belas páginas de ciência política que foram
concebidas desde a antiguidade clássica e, provavelmente, até os dias de hoje.
Quanto aos seus algozes, Niccolò, eles estão, em grande medida, esquecidos.
Esta obra, em particular,
corresponde a um esforço de riordinamento
politico generale de que a Itália muito necessitava, naquela época, e que
talvez outros países ainda necessitem, hoje em dia. A Reforma, iniciada por
Lutero, também fez bem aos países católicos, pois que obrigou-os a corrigir os
aspectos mais corruptos e venais da política e da religião naquele período.
Você preferiu afastar a religião e o poder dito espiritual do esforço de
reconstituição da política e da formação do Estado moderno, o que considero
basicamente correto. Nos tempos que correm, a política é essencialmente laica,
muito embora muitos procurem explorar a religião para seus fins particulares.
Creio, porém, que a política necessita, como na sua época, de um rientro morale que muito beneficiaria as
instituições e os costumes. A sua virtu,
não era a virtude cristã, e sim a coragem e a energia de um líder político no
esforço de construir sobre bases sólidas, mas nem por isso menos éticas, a
administração dos homens e das coisas, em prol do bem-estar comum.
Portanto, meu caro segretario della repubblica fiorentina,
à qual você serviu, durante 15 anos, com grandissimo
zelo e costanza, sinta-se homenageado por esta obra que pretende,
justamente, prestar-lhe um modestíssimo tributo pessoal, como prova de meu
apreço por sua rara inteligência e por seu alto valor moral.
Refúgio dos bibliófilos, aos
494 anos da redação da obra do mestre.
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