Delfim Netto, o queridinho da direita e da pseudoesquerda
21 MAR, 2018
Antonio Delfim Netto é um sedutor. Dom nato. E conseguiu com isso se transformar, ao mesmo tempo, no queridinho da direita e da pseudoesquerda. Com espaço na revista Carta Capital e na Folha de S. Paulo. A primeira vinculada ao lulismo. A segunda, que foi diário oficial da ditadura, e aderiu à abertura democrática quando percebeu que o regime militar tinha fracassado e estava com seus dias contados.
Por Milton Saldanha (*)
Muita gente só conhece o Delfim que foi deputado federal, apoiador e guru do Lula para assuntos de economia e planejamento. O que explica sua coluna em Carta Capital. E o foco dos governos Lula no consumismo popular, imediatista, em lugar de reformas estruturais com alguma densidade.
Vamos então falar do outro Delfim, o da ditadura, que teve poderes de rei em suas mãos. Os militares não tinham nenhum general ou coronel com capacidade de entender e gerenciar a economia. Precisavam de um nome confiável e foram buscar Delfim Netto na USP, alinhado com a ala conservadora da academia, é bom que se diga, para quem pensa que lá só existia esquerda.
O gordinho, que mandou enquadrar e expõe nas paredes do seu luxuoso escritório, no nobre bairro do Pacaembu, em São Paulo, centenas de caricaturas de charges e piadas sobre ele, mesmo aquelas mais ácidas, deixa transparecer nesse detalhe sua imensa vaidade. Ao mesmo tempo em que isso mostra seu lado bonachão e sedutor. Seu tom de voz é de afago ao interlocutor. E as piadas nas paredes testemunham sua aparente tolerância com a crítica.
Entrevistei-o nesse escritório, há vários anos, para o Jornal do Economista, onde era editor-chefe. Foi comigo Antonio Corrêa de Lacerda, professor de Economia na PUC-SP, que presidia o Conselho Regional de Economia. Resumo: Delfim enveredou pelo economês mais prolixo, como era seu hábito, e essa tática intimida o entrevistador, incapaz de acompanhá-lo nos meandros mais áridos da teoria econômica.
Nisso, Delfim sempre foi o oposto de Celso Furtado, um dos grandes economistas da História brasileira, de esquerda, que falava e escrevia com uma clareza para qualquer dona de casa entender.
O gordinho simpático foi muito peralta. Entre suas façanhas, ficaram célebres as manipulações de índices, para enganar todo mundo, exibindo resultados econômicos irreais. Quando foi embaixador do Brasil na França, com as mordomias de uma belíssima mansão em Paris, posto cobiçado por qualquer mortal, ficou famoso localmente como o “embaixador 10%”, numa alusão ao índice que costumava acertar nas propinas.
Por coincidência, agora, na acusação na 49ª fase da Lava Jato, operação Buona Fortuna, ele aparece como beneficiário em 10%, embolsando R$ 15 milhões nos trambiques na construção da Hidroelétrica de Belo Monte, no Pará. Sendo, segundo a acusação, 45% para o PT e 45% para o PMDB, agora sem o P inicial. Mas calma, gente, ele diz que foi tudo consultoria. Ah, bom…
Antes disso foi ministro da Fazenda de Costa e Silva e Médici. Foi o poderoso homem da caneta e chave do cofre de 1967 a 1973. Nessa trajetória, em dezembro de 1968, assinou o ATO-5, que radicalizou a ditadura, a ponto de revogar o instituto do Habeas-Corpus e criar a pena de morte. O instrumento era tão arbitrário, que Jarbas Passarinho, outro célebre homem do regime, que também assinou, largou a frase famosa: “Às favas com os escrúpulos”.
De 1979 a 1984 Delfim foi ministro da Agricultura. Com o folclore de que não entendia do assunto. Por brincadeira, jornalistas mostravam algo como uma cenoura, por exemplo, e perguntavam se ele sabia o que era aquilo. O ministro entrava na brincadeira e respondia: “Está claro que é um pé de café”.
Com essas e outras, na contramão do estilo militar, com generais carrancudos e de óculos escuros, Delfim Netto foi construindo sua imagem de figura acessível e afável. Que lhe deu trânsito em várias correntes conflitantes.
Mas, nos bastidores, de humanista não tinha nada. Está denunciado em vários livros e documentos como o homem, juntamente com o banqueiro Safra, que passou o chapéu entre banqueiros e grandes empresários, inclusive de multinacionais, para montar a Oban em São Paulo, o centro de torturas e assassinatos de presos políticos. Que depois virou Doi-Codi, sob o comando do então major Brilhante Ustra.
Para quem vive dizendo que no regime militar não havia corrupção, Delfim Netto é um bom desmentido.
Como este cidadão foi se tornar o guru de Lula é tema complexo. Mas a aliança, de certo modo, como outras do mesmo naipe, avalizou o ex-líder sindical como pessoa confiável ao sistema.
Mas nem por isso a ponto de salvar seu pescoço na Lava Jato.
No resumo geral, prova que Delfim, mesmo com várias acusações de corrupção e sendo co-responsável pelos crimes da ditadura, conseguiu, com sua habilidade de sedutor, a rara façanha de ser o queridinho da direita, da mídia, e da pseudoesquerda.
*Jornalista, matéria enviada pelo autor
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