Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Tragedia educacional brasileira (3) - entrevista com Simon Schwartzman
Entrevista com Simon Schwartzman
Ivan Marsiglia
O Estado de S.Paulo, 14/11/2010
Desenvolvimentistas achavam que a educação no Brasil melhoraria junto com a economia. Não foi assim, diz sociólogo e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS)
O MEC ainda não passou na prova do Enem. Desde que o Ministério da Educação apresentou sua proposta de reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio, uma sucessão de erros, tentativas de fraude e problemas de organização tiraram a paz dos estudantes e abalaram o nome do ministro Fernando Haddad nas bolsas de apostas para permanência no cargo na futura gestão Dilma Rousseff.
Em outubro de 2009, o principal instrumento de avaliação dos conhecimentos do ensino médio do governo federal foi cancelado após uma reportagem do Estado revelar que a prova tinha vazado. Em dezembro do mesmo ano, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), responsável pelas provas, divulgou o gabarito errado e seu presidente pediu demissão.
Em janeiro de 2010, o sistema online do MEC para candidatura a vagas nas universidades federais usando o Enem travou e estudantes levaram até 14 horas para fazer a inscrição. Em fevereiro, um equívoco na digitalização das redações levou à divulgação errada das notas de 915 estudantes.
Em agosto, vazaram dados pessoais de inscritos nos anos de 2007, 2008 e 2009. E, nessa semana, erros no cartão de resposta fizeram a Justiça do Ceará suspender o exame liminarmente - decisão derrubada apenas na sexta-feira pelo Tribunal Regional da 5ª Região. Desempenho nota zero.
Para o sociólogo mineiro Simon Schwartzman, os problemas operacionais e logísticos do Enem escondem a questão que realmente importa. "É a própria ideia do Enem, desse tamanho e com essa escala, que precisa ser discutida", diz o pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), que foi presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) entre 1994 e 1998 e diretor para o Brasil do American Institutes for Research de 1999 a 2002. "O correto seria voltar à ideia inicial do exame, menor e focado na avaliação de competências, não de conhecimentos", defende o especialista.
Na entrevista a seguir, Schwartzman afirma que os ideólogos do desenvolvimentismo no Brasil sempre minimizaram a importância da educação, considerando-a mero corolário do crescimento econômico. E que a superação do gigantesco atraso educacional do país passa não pelo "grande projeto", que nunca vem, mas por investimentos específicos e esforços simultâneos em diversas frentes.
- Como entender a sucessão de problemas na principal prova de avaliação do MEC?
É a própria ideia do Enem que precisa ser discutida. Os problemas operacionais e logísticos que ocorreram são acidentes de percurso, embora não aleatórios - pois quando se tenta fazer algo desse tamanho, com tal escala, está sujeito ao que ocorreu. Falta estrutura ao Inep, que tem demasiadas funções, não possui um quadro de pessoal forte e se meteu a fazer um projeto muito grande, ambicioso demais.
- O que deve ser discutido no Enem?
A questão é: precisamos de um Enem desse tipo? Na experiência de outros países, existe algo semelhante? A resposta é não. Em sua origem, nos anos 90, o Enem era uma maneira de obter um padrão de referência para o ensino médio. Um teste de competência, não de conhecimento - em que se analisa nos alunos a capacidade de raciocínio, o uso da língua, a capacidade de expressão e a de resolver questões. Mas se transformou em uma prova de conteúdo, longa, exaustiva, um vestibular nacional.
- Com esse mesmo argumento, de que o sentido original da prova se descaracterizou, a antropóloga Eunice Durham defendeu o fim do Enem. O sr. concorda?
O correto seria voltar à ideia inicial, focar o exame em competências, e não em conhecimentos. Imagino que esse tamanho de prova, feita em dois dias, tenha sido uma exigência das universidades. O governo deve ter feito um movimento para convencê-las a considerar a prova em seu processo de seleção e elas responderam: "Então coloquem no Enem tudo o que a gente gostaria de avaliar". Está errado.
- Não é assim em outros países?
Europeus e americanos têm sistemas antigos e bem estabelecidos de avaliação do ensino médio. Na França há o baccalauréat (que existe desde 1808, dura cerca de uma semana e inclui provas orais), os ingleses têm o que chamam de A-Level (Advanced Level General Certificate of Education, aplicado desde 1951) e nos EUA existe o SAT (Scholastic Assessment Test, que começou em 1901). Em geral, esse tipo de prova exige que o estudante apresente certo nível de conhecimento da língua e de matemática, para então oferecer diversas opções: geografia, artes, ciências, etc. Depois, as universidades usam os resultados em função dos interesses de cada departamento. O ponto fundamental é que não se manda todo o mundo estudar tudo. Esse é um problema da educação média brasileira: os vestibulares das universidades mais competitivas criaram uma tal pressão em cima do ensino médio que resulta nesse currículo maluco que temos, com 14 matérias. Outra diferença é de logística: na Inglaterra são cinco as instituições encarregadas de preparar as provas, os examination boards. E, nos EUA, o SAT é aplicado por computador, várias vezes por ano. O estudante se inscreve, marca uma hora, vai lá e responde questões em progressão de dificuldade. Por que não adotar uma tecnologia dessas no Brasil? É maluquice juntar 3,5 milhões de pessoas em salas de aula no mesmo dia para responder às provas com caneta.
- Por que, após oito anos de governo FHC e oito de Lula, o Brasil ainda não encontrou um rumo claro para a educação?
Faltou prioridade. Durante muito tempo, boa parte da esquerda brasileira cultivou a ideia de que a educação se resolve sozinha quando a economia estiver bem. Se você pegar a obra de Celso Furtado, o grande teórico do desenvolvimento no Brasil, vai ver que ele não escreveu uma linha sobre educação na vida. O contrário do que diziam os pioneiros do tema nos anos 30: se você resolver a educação, o resto vem. A verdade é que a educação exige um investimento específico, próprio, ainda que sem relação clara com o mercado de trabalho. O exemplo sempre citado é o da Coreia do Sul, que nos anos 60 tinha um nível educacional parecido com o brasileiro e, com investimento pesado em educação básica, média e superior, atingiu um alto patamar de qualidade para toda a população.
- Consta que na Coreia do Sul o enfoque foi na qualidade e não na infraestrutura: as escolas muitas vezes eram grandes galpões onde os estudantes aprendiam em período integral com professores de alto nível e bem pagos. O que se pode tirar da experiência coreana?
Acho que dá para tirar algumas lições. No Brasil, o governo federal sempre colocou mais dinheiro na educação superior. Até hoje é assim. Como a classe média alta a queria para os seus filhos, o pensamento foi: "Vamos dar universidade gratuita para esse pessoal que pressiona muito; o povão que não pressiona, deixa para lá." E nunca houve uma política nacional para a educação básica e média. Até porque ninguém sabia muito bem o que fazer. Não houve um esforço intelectual de se pensar quais seriam os conteúdos, como se monta o sistema, como se equacionam os problemas.
- O ministro Paulo Renato universalizou o ensino básico. Fernando Haddad retomou investimentos em escolas técnicas, nas universidades federais e fez o Prouni. Como o sr. avalia essas duas gestões?
A coisa mais importante da gestão Paulo Renato foi a criação do Fundef, que depois virou Fundeb - e equacionou o financiamento da educação fundamental. Foi essa norma que estipulou a distribuição de recursos conforme o número de alunos. No ensino superior, não acho que ele tenha conseguido muita coisa: o ensino privado cresceu sozinho, pois o sistema público continuou fechado e elitista, tal como foi pensado na reforma de 1968, ainda no período militar. Embora tenha criado o Provão e estimulado uma gestão mais responsável dos recursos pelas próprias universidades, Paulo Renato enfrentou greves e grande resistência política. No caso do governo Lula, houve a criação de algumas universidades, mas em boa parte apenas no papel: instituições que já existiam e apenas mudaram de nome. A política do atual governo tem sido a de dar tudo o que as universidades públicas querem, sem pedir nada em troca. Houve um esforço no Reuni, quando se estimulou que elas a aumentassem o número de vagas, criando cursos noturnos. Mas sem clareza sobre em que áreas, de que maneira, para que tipo de público. E teve o Prouni, uma política que faz sentido, de se usar as vagas do setor privado para responder um pouco à demanda. Curiosamente, antes de Lula, essa ideia de subvencionar o estudo no setor privado era um tabu, não se podia fazer no Brasil.
- Por que o sr. diz que, sem parcerias privadas, a universidade pública 'se acomoda'?
Nós temos no Brasil uma situação em que as universidades são repartições públicas. É o caso da USP. Elas recebem uma porcentagem fixa dos impostos do Estado e não se preocupam em ir além. Não contam com um sistema de incentivos ou busca de resultados - nem acadêmicos, nem de eficiência no uso dos recursos. Em outros países, as universidades públicas são obrigadas a mostrar o que estão fazendo, justificar o que gastam e, em contrapartida, têm flexibilidade para pagar mais ou menos ao professor de acordo com o seu desempenho. Um modelo de gestão muito mais ágil.
- O foco do Brasil hoje deveria ser a educação básica ou a pesquisa de ponta?
Esse é um falso dilema. Uma não pode ser sacrificada pela outra. A educação é uma fronteira ampla de trabalho. Não se pode esperar que um ministro, uma única cabeça, saiba o que fazer. Precisamos de gente competente trabalhando em diversos níveis, em todo o país. Nossa educação básica continua com um desempenho péssimo internacional, em qualquer comparação que se faça. Na pesquisa de ponta, o que temos no Brasil é uma política de valorização da pesquisa acadêmica, que teve um papel importante, formou gente, desenvolveu a pós-graduação - mas relegou a segundo plano a pesquisa aplicada, ligada às política empresarial e pública. É um sistema muito voltado para dentro dele mesmo.
- O sr. diz que a educação nunca esteve na órbita do desenvolvimentismo brasileiro. Tanto a presidente eleita, Dilma Rousseff, quanto seu adversário no segundo turno, José Serra, são considerados desenvolvimentistas. Se é assim, quando haverá o grande projeto que diminua o gap histórico do país na educação?
Não existe "grande projeto". É preciso trabalhar muito e em várias frentes. O Brasil tem boas experiências, que podem ser aprofundadas. Na educação básica, Minas Gerais aplica uma política de contratos de gestão nas escolas, em que se definem metas e se avaliam resultados. Vários estados do país já adotam o período de seis horas nas escolas - que é o tempo necessário às crianças. Precisamos falar de programas e métodos de ensino. É intolerável que um menino de 8 anos em uma escola não saiba ler e escrever, quando há metodologia estabelecida para isso. As faculdades de pedagogia não ensinam como se ensina: ficam discutindo teorias sociológicas ou sei lá o quê. Há que se aumentar o salário dos professores e criar sistemas que associem desempenho a remuneração. A hora é esta.
Universidades estrangeiras: selecao pelo merito
Paulo Roberto de Almeida
Caminhos estrangeiros de acesso à universidade
Fernanda Godoy, Deborah Berlinck, Graça Magalhães-Ruether, Priscila Guilayn e Janaina Figueiredo O Globo, 14/11/2010
Em seis países, modo de seleção se divide entre aplicação de exames como o Enem ou avaliação do histórico escolar
Depois de dois anos consecutivos com fraudes e confusões no Enem, especialistas voltam os olhos para experiências de outros países para garantir o acesso à universidade. Há dois caminhos mais comuns: um teste similar ao Enem, como o realizado nos EUA, porém mais descentralizado, ou a primazia das notas do histórico do aluno na escola.
Nos Estados Unidos, país com a maior concentração de universidades de alta qualidade, há mais de cem anos as principais instituições, reunidas no College Board, organização sem fins lucrativos, decidiram aplicar exames padronizados aos candidatos à admissão.
O SAT Reasoning Test (antes conhecido como Scholastic Aptitude Test), com questões de matemática, compreensão de texto e redação, é aplicado atualmente pelo Educational Testing Service, com base em Princeton, e que também aplica outros testes, como o TOEFL (de língua inglesa), em mais de 180 países. Normalmente, os alunos fazem o teste duas vezes, no começo e no final da high school (o equivalente ao ensino médio).
Nos últimos anos, ganhou força um teste alternativo, o ACT (American College Testing), criado em 1959 e aceito por universidades de todo o país, mas especialmente popular em alguns estados, como Michigan, Flórida e Califórnia. Os números estão praticamente empatados: este ano, 1.568.835 fizeram o ACT - com prova de ciência, além de inglês e matemática - e 1.547.990 passaram pelo SAT.
Notas altas são indispensáveis para entrar nas universidades de elite, como as Ivy League: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Penn, Princeton e Yale. A nota máxima do SAT é 2.400 pontos. O candidato tem o direito de optar entre apresentar todos os resultados ou apenas o melhor, tanto no SAT como no ACT.
Mas nota não é garantia de vaga, e as universidades americanas se valem de outros critérios para selecionar alunos, como o envolvimento em atividades extracurriculares, comunitárias e esportivas. É de praxe as universidades pedirem um texto - e agora também um vídeo - de apresentação, no qual o candidato explique por que gostaria de entrar na instituição e que contribuição ele traz.
Na França, em princípio, para universidade, não há exames: valem as notas da escola. Mas, de acordo com a reputação da universidade, a seleção é dura.
No Instituto de Ciências Políticas em Paris, o SciencesPo, por onde passou a nata da política francesa, como o ex-presidente Jacques Chirac, o funil da seleção é estreitíssimo. O SciencesPo diz que não tem limite para o número de alunos. O critério é o nível dos candidatos.
Em 2009, por exemplo, foram admitidos 1.225: 415 por teste, 302 por um procedimento internacional (estrangeiros), 381 por terem obtido notas muito boas nos estudos anteriores e 127 por ter CEP (Certificado de Estudos Políticos).
Dez semestres à espera de vaga
Quem quer uma vaga em qualquer universidade alemã precisa fazer o exame de conclusão do ensino (Abitur) com boas notas e empacotar as malas para ir viver na cidade onde for possível uma vaga. Como não há vestibular (apenas em alguns cursos, como Arquitetura, Arte ou Música, há provas de aptidão), a disputa por vaga é como a competição por emprego - os melhores têm prioridade.
Para os cursos cobiçados, como medicina ou psicologia, os candidatos só têm chances se tiverem a melhor média possível. Nas universidades mais disputadas, como Berlim e Munique, nem isso é garantia. Muitos precisam candidatar-se várias vezes.
Munique leva em consideração a nota e o tempo na lista de espera. O tempo médio de espera para o curso de economia na Universidade Humboldt é de dez semestres.
Embora as universidades alemãs sejam gratuitas (cobram apenas taxa semestral de cem a 500 euros), os altos preços dos aluguéis fazem da universidade um privilégio dos mais ricos.
Apenas 33% das crianças que frequentam a escola primária terminam os estudos em uma universidade. A maioria segue a educação profissionalizante.
Na Espanha, em novembro do ano passado foi aprovada uma nova prova de acesso à universidade, conhecida como Exame de Seletividade. O exame é preparado por um comitê formado pelas universidades, professores do bachillerato (equivalente ao ensino médio) e representantes das comunidades autônomas (regiões espanholas). Quando as provas estão prontas, as comissões universitárias fazem público o número e tipo de perguntas e os critérios de pontuação, para que os alunos se preparem.
São quatro provas: Língua Castelhana e Literatura; Idioma Estrangeiro; História da Filosofia ou História da Espanha; além de alguma disciplina do bachillerato.
Há uma quinta prova (de segunda língua oficial) no caso das comunidades autônomas com idioma próprio. Também há uma específica dependendo da área escolhida.
Na Argentina, em 1985, o governo argentino criou o Ciclo Básico Comum (CBC), que substituiu as antigas e tradicionais provas para entrar na Universidade Nacional de Buenos Aires, a mais importante do país. Formado por seis matérias (duas comuns a todas as faculdades, duas determinadas pela orientação escolhida pelo aluno e duas específicas da carreira), o CBC é obrigatório para quem quer entrar na UBA.
Existe ainda um sistema de educação à distância pelo qual o aluno pode estudar sozinho e fazer as provas do CBC. As demais faculdades estatais do país têm sistemas variados (provas e cursos similares ao CBC). A maioria das faculdades particulares não realiza provas de admissão.
No Chile, desde 2003 existe a chamada Prova de Seleção Universitária (PSU), aplicada por todas as universidades do país para selecionar novos estudantes.
No início, a ideia do governo chileno era que a PSU fosse um mecanismo transitório, prévio à implementação de um novo Sistema de Ingresso à Educação Superior (SIES). No entanto, até hoje o SIES não saiu do papel. A PSU é realizada na primeira quinzena de dezembro e tem quatro provas.
Numa prova de múltipla escolha, a cada quatro respostas incorretas é descontada uma resposta correta, e a pontuação varia entre 150 e 850 pontos. Cada carreira tem um número de vagas disponíveis, e o ingresso dos novos alunos depende do resultado da prova e da média de suas notas no ensino médio. Os alunos com melhor rendimento recebem uma bolsa, e o resto, tanto da educação pública como da privada, pagam uma mensalidade, que depende de cada carreira.
Celso Amorim: entrevista-final (ou quase...)
[Comentários PRA: entre colchetes e em itálico.]
Observo apenas que não sou, nem nunca fui um especial apreciador da Alca: um acordo visivelmente desequilibrado, proposto pelos EUA em seu benefício, obviamente. Mas quem assinou a declaração de Miami, comprometendo o Brasil com a Alca, foi o presidente Itamar Franco, supostamente sob recomendação de seu chanceler, o mesmo que agora dá entrevista dizendo que foi bom não ter a Alca (embora eu considere que as suas razões, ligadas à crise americana, são totalmente erradas). Acordos comerciais são sempre negociáveis, como aliás fizeram vários países da região, negociando acordos de acesso ao mercado americano -- com reciprocidade, claro -- depois que três altivos e soberanos países (Brasil, Argentina e Venezuela) implodiram a Alca (como aliás era a intenção desde o início). Considero, por acaso, que é melhor ter mais comércio, em geral, do que menos comércio, mesmo com o "império". Essa coisa de comércio "sul-sul" e uma "nova geografia comercial" me parece uma auto-limitação sem qualquer sentido prático: do ponto de vista dos empresários (que são os que exportam, não o governo, vale lembrar), mercados são mercados, estejam onde estiverem, ao sul, ao norte, embaixo, em cima, dentro, fora, anywhere. As simple as that...
Paulo Roberto de Almeida
ENTREVISTA DA 2ª: CELSO AMORIM
ELIANE CANTANHÊDE - COLUNISTA DA FOLHA
Folha de S.Paulo, 15.11.2010
Sempre digo que Pelé só teve um; igual a Lula não vai ter
AINDA ASSIM, CHANCELER DIZ QUE DILMA PODE FAZER UM GOVERNO "EXTRAORDINÁRIO", DÁ COMO CUMPRIDA SUA MISSÃO NO CARGO E DEFENDE POLÍTICA EXTERNA, QUE DEFINIU COMO "ALTIVA E ATIVA"
"Não lamento nada." Com essa frase, dita em francês e emprestada de Edith Piaf, o ministro Celso Amorim, 68, termina oito anos à frente do Itamaraty defendendo de forma enfática sua política, que batizou de "altiva e ativa".
Mantém as críticas aos EUA, carrega nas tintas ao pintar o protagonismo do Brasil no comércio e na política externos e defende a posição que o país teve em casos polêmicos, como mediar o acordo nuclear do Irã.
Ele diz que cumpriu sua missão e que seria "incapaz" de se candidatar a permanecer no governo Dilma Rousseff. Compara o presidente a Pelé e vaticina: "Igual a Lula não vai ter, mas não quer dizer que Dilma não vá fazer um governo extraordinário".
Folha - O sr. é candidato a continuar no cargo?
Celso Amorim - Fiquei muito contente com a vitória da Dilma, mas eu seria incapaz de me colocar como candidato.
FSP: Se fosse convidado, ficaria?
Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida. Agora, se me pedirem conselho, estou disposto a dar.
FSP: Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deve ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na renovação. Precisamos de gente mais nova.
[É um fato: gente mais nova é sempre mais suscetível de obedecer sem questionamentos às ordens de cima, inclusive porque depende dos mais velhos para promoção, ou de apenas um mais velho...]
FSP: O embaixador Antônio Patriota?
Ele tem plenas condições, mas não é o único.
FSP: Como o sr. virou chanceler?
Eu nem conhecia o Lula. Nunca soube por que optou por mim, nunca perguntei.
Ele costumava dizer que eu tinha caspa, então, devia ser um pouco mais popular. Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Foi para o Fernando Henrique Cardoso. Mas o Lula é uma figura excepcional, você conta três ou quatro líderes políticos como ele no século.
FSP: E como vai ser sem Lula?
Sempre que me perguntam isso digo que Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão. Igual a Lula não vai ter, mas isso não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa.
FSP: Qual foi o maior acerto da política externa?
Quando o presidente me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa. Essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente. Era uma questão de atitude.
FSP: Antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo". Então, é melhor cuidar da burocracia e evitar bolo.
FSP: O que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G20 comercial em Cancún e quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina. Ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros. Matamos a Alca sem dar um tiro.
[Brigar contra a Alca? Mas foi Celso Amorim, como chanceler de Itamar Franco, que aceitou integralmente o menu da Alca. Diga-se de passagem, foi surpreendente ver o Brasil aceitar, em dezembro de 1994, um compromisso de negociar, até 2005, e implementar depois disso, uma zona de livre-comércio hemisférica. Ou seja, o chanceler de Lula estava desfazendo aquilo que foi feito pelo chanceler de Itamar Franco; o que aliás se deu também em relação aos acordos de promoção e proteção de investimentos, metade dos quais foi assinada por Celso Amorim, que depois se voltou contra sua "criatura" diplomática; notável coerência intelectual.
Mas, "brigar contra a Alca", é uma expressão muito pouco diplomática; significa que havia, pois, uma atitude beligerante. Ela precedia, aliás, o governo Lula: no governo FHC, o futuro SG-MRE Samuel Pinheiro Guimarães já proclamava que a Alca iria matar o Mercosul e impedir o desenvolvimento do Brasil; certo exagero, claro, mas a intenção já estava declarada e a decisão tomada.
Pode-se inclusive perguntar qual é o "modelo de desenvolvimento" do Brasil sem a Alca: a situação de não-Alca trouxe qual modelo de desenvolvimento?
Pode-se também simplesmente esclarecer que um acordo de livre-comércio está longe de ser um modelo de desenvolvimento: seria pretender que o rabo do comércio abanasse o cachorro do desenvolvimento. Nenhum economista sério acredita nesse tipo de argumento.]
FSP: Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir na política Sul-Sul.
[Achar que um acordo de livre-comércio, destinado basicamente a ampliar comércio e atrair investimentos produtivos pode "transmitir crise" é uma extrapolação que poucos economistas se arriscariam a fazer. Isso equivaleria a dizer que uma crise na Alemanha vai inevitavelmente se propagar pelos outros 26 países membros, e que portanto melhor seria não ter integração, não ter livre-comércio internamente à UE, pois uma crise na Alemanha, algum dia, seria prejudicial a todos os seus membros.
Não sei quem é capaz de acreditar nisso e deixar de lado todos os benefícios potenciais do livre-comércio e da atração de investimento. Pois é: Grécia, Portugal, Espanha e outros candidatos são malucos: eles preferem perder a liberdade, insistir numa política Sul-Norte, em lugar de ficar quietinhos no seu lugar, desfrutando de sua liberdade com outros países iguais a eles. Gente maluca...]
FSP: Mas o Brasil ficou sem Alca, sem a Rodada Doha e sem acordos bilaterais.
Nosso comércio cresceu com o mundo todo, o Brasil é a oitava economia do mundo, está entre os dez maiores cotistas do FMI. Tinha um acordo prontinho entre EUA e União Europeia para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam migalhinhas. Quem disse "não" foi o G20, em 2003, e não há quem não reconheça que quem liderou o G20 foi o Brasil.
FSP: E o viés ideológico, as picuinhas contra os EUA?
Logo no início, o presidente Lula condenou a invasão do Iraque, mas sem confrontacionismos inúteis, tanto que ele teve uma boa relação com [George W.] Bush, como tem com [Barack] Obama.
FSP: Como foi o início, com o sr., Marco Aurélio Garcia e Samuel Guimarães mandando?
Foi tudo empírico, intuitivo. O presidente muitas vezes tinha uma intuição do que devia fazer, mas foi preciso formular aquilo em termos diplomáticos, e isso exige alguma experiência.
[A jornalista esqueceu do fichamento de americanos em aeroportos brasileiros, decretado por um juiz maluco, em total ilegalidade, medida derrubada por um tribunal de instância superior e prontamente restabelecidade, em sua ilegalidade, por medida administrativa, sem amparo legal, pelos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores. Uma medida claramente discriminatória, quando a lei americana se aplicava erga omnes, ou seja, não era dirigida especificamente contra brasileiros.]
FSP: E a questão de princípios, de democracia, de direitos humanos?
Pode ter tido aqui uma repercussão de alguma coincidência infeliz...
FSP: O sr. considera coincidência infeliz o presidente e ministros às gargalhadas com os irmãos Castro no dia da morte de um dissidente cubano?
O fato de ele ter morrido quando o presidente estava lá era imprevisível, você chame como quiser chamar.
FSP: Não equivale a Lula comparar a resistência iraniana a chororô de time derrotado?
Não me cabe comentar declarações do presidente.
FSP: O que o Brasil ganha ao mediar o acordo nuclear do Irã?
Quando o Obama fala na inclusão da Índia no Conselho de Segurança [da ONU] todos captaram que não é possível fazer uma reforma sem o Brasil. Quando se discute clima, comércio, chamam o Brasil, a Índia e a China. O único terreno em que havia ainda uma certa reserva de mercado era a questão da paz e da segurança. Foi por isso que a ação do Brasil e da Turquia no Irã incomodou. Os países ocidentais diziam: "Vai lá". Ninguém acreditava que o Irã aceitasse os três pontos da carta do Obama, e ele aceitou.
FSP: Por que o Brasil se omite de condenar países que desrespeitam os direitos humanos?
Eu sei o quanto essas coisas são manipuladas. No ano em que os EUA faziam acordos comerciais com a China, a China desaparecia das resoluções de direitos humanos. Se no ano seguinte não tinha mais acordo comercial com a China, a China voltava para as resoluções. E agora não entra mais. Há sete países que convivem com situações crudelíssimas e jamais são mencionados. Por quê? Porque têm bases americanas ou outros interesses.
FSP: O Brasil está exercitando o "soft power" ao financiar países de todos os continentes?
Em geral, está financiando empresas brasileiras, e o que o Brasil gasta é ínfimo. Nossa cooperação técnica é comparável talvez à de um pequeno país europeu, tipo Áustria. Você não pode estar entre as dez maiores economias do mundo, querer uma política ativa na OMC e esperar que esses países te apoiem sem nada em troca. É também querer que esses países assumam um risco na hora de você brigar com os Estados Unidos e com a União Europeia.
FSP: A Áustria não tem milhões de miseráveis, como o Brasil.
Uma coisa não elimina a outra. Não vi nenhuma crítica à ajuda ao Haiti.
FSP: O mundo vive nova bipolaridade, entre EUA e China?
Não acho que saímos de uma bipolaridade para cair em outra. O mundo hoje é muito mais complexo. Por mais que a China seja importante, precisa do Brasil para discutir clima. Por mais que os EUA sejam importantes, precisam do Brasil e outros para discutir comércio e finanças. Não há mais como haver políticas impositivas.
FSP: A China é aliado do Brasil nos Bric, mas ao mesmo tempo competidor comercial direto.
Nosso saldo comercial com a China deve chegar a US$ 7 bilhões neste ano, enquanto temos um deficit de US$ 5 bilhões com os EUA, que é o maior superavit dos EUA no mundo. Então, vamos convir que a China não é o nosso grande problema.
FSP: Se o sr. pudesse voltar atrás, o que faria diferente?
Vou falar como a Edith Piaf: "Je ne regrette rien" [Eu não lamento nada].
Leia a íntegra da entrevista
folha.com.br/po830614
RBPI: special issue on Lula's Foreign Policy (sure, there is one...)
Emerging Brazil under Lula: an assessment on International Relations (2003-2010)
O objetivo central deste número é apresentar um grande painel da ação internacional do Brasil ao longo dos últimos oito anos. Compõem a edição especial os seguintes artigos:
Editorial: An Assessment of the Lula Era, por Amado Luiz Cervo & Antônio Carlos Lessa
Brazil’s Rise on the International Scene: Brazil and the World, por Amado Luíz Cervo
Brazilian External Sector so far in the 21st century, por Renato Baumann
Brazil and the Economic, Political, and Environmental Multilateralism: the Lula years, por Paulo G. Fagundes Visentini & André Luiz Reis da Silva
When emergent countries reform global governance of climate change: Brazil under Lula,por Ana Flávia Barros-Platiau
Security issues during Lula’s administration: from the reactive to the assertive approach,por Rafael Antonio Duarte Villa & Manuela Trindade Viana
Brazil’s strategic partnerships: an assessment of the Lula era (2003-2010), por Antônio Carlos Lessa
A New Strategic Dialogue: Brazil-US Relations in Lula’s Presidency (2003-2010), por Cristina Soreanu Pecequilo
Brazilian foreign policy towards South America during the Lula Administration: caught between South America and Mercosur, por Miriam Gomes Saraiva
The new Africa and Brazil in the Lula era: The rebirth of Brazilian Atlantic Policy, por José Flávio Sombra Saraiva
Emerging Global Partnership: Brazil and China, por Niu Haibin
International Thought in the Lula Era, por Raúl Bernal-Meza
Brazilian Foreign Policy under President Lula (2003-2010): an overview, por Celso Amorim
O número especial pode ser adquirido na Loja do IBRI.
Azeredo da Silveira: depoimento ao Cpdoc - lancamento de livro
------------------------------
Paulo Roberto Almeida
www.pralmeida.org
diplomatizzando.blogspot.com
Azeredo da Silveira, Lançamento no Rio, quinta-feira
Visite o site do livro: http://silveiradepoimento.com.br/site/
Foro Social de SP? Por que não um FS Piaui, um FS Maranhao?
Eu, pessoalmente -- o que já é uma redundância --, acho que SP está bastante bem, como está, e proponho que os "possibilistas" antiglobalizadores se concentrem lá onde isso vai de fato fazer diferença, nesses lugares dominados por velhas ou novas oligarquias, onde a qualidade de vida é muito inferior a de SP.
Não acho que uma outra SP é necessária ou urgente, mas sem querer desviar os paulistanos antiglobalizadores de suas tarefas, eu só queria que eles me explicassem o que significa, exatamente, construir "uma nova cultura política baseada na horizontalidade das relações, na união e no respeito à diversidade das pessoas e organizações"?
Essa "horizontalidade das relações" não lhes parece um convite meio pornográfico, uma coisa a ser feita entre quatro paredes, sem todos esses voyeurs que pululam em SP?
Eis a carta de princípios deles, muito parecida com a do Fórum Social Mundial, cujos"fundamentos" -- se é que os têm -- eu já desmantelei em meu mais recente livro: Globalizando: ensaios sobre a globalização e a antiglobalização (ver no meu site pessoal, seção livros pessoais).
E esse "fortalecimento e a articulação da sociedade civil como ator político autônomo"? Estão querendo botar todo mundo na praça para discutir? Quantos milhões exatamente?
Sei não, está me cheirando coisa de derrotados eleitorais...
Paulo Roberto de Almeida
Aqui os princípios surrealistas...
1 - O Fórum Social São Paulo é uma iniciativa política de organizações da sociedade civil que atuam nessa região metropolitana e acreditam que “outra cidade é possível, necessária e urgente”. (…)
2 - O Fórum Social São Paulo é parte do processo do Fórum Social Mundial, lançado em Porto Alegre em 2001, reivindicando-se de sua Carta de Princípios.
Nela destacam-se, entre outros pontos:
- a construção de uma nova cultura política baseada na horizontalidade das relações, na união e no respeito à diversidade das pessoas e organizações;
- o fortalecimento e a articulação da sociedade civil como ator político autônomo;
- o estímulo a ações que visem o atendimento das necessidades humanas, na perspectiva de superação do atual paradigma econômico e social.
Necessitamos uma civilização que, contra a desigualdade, promova a justiça social; que contra a lógica da competição e do individualismo, afirme a vida cívica, a participação política e uma lógica de inclusão e solidariedade; e que, frente à devastação do planeta, defenda sua integridade para todas as gerações futuras.
3- O Fórum Social São Paulo não se vincula a partidos, governos, instituições religiosas ou organizações sociais.
Pelo menos no que concerne o item 3, posso dizer com todas as letras que é mentira...
Paulo Roberto de Almeida
domingo, 14 de novembro de 2010
Uma alianca entre o Brasil e os EUA?: proposta de Moises Naim...
Na verdade, os establishmentos políticos e diplomáticos, nos dois países, são muito conservadores, de certo modo até reacionários, para considerar as propostas revolucionárias de Naim, sem mencionar o potencial protecionista em ambos os países.
Não creio que os conservadores-reacionários que estão no poder nos dois países empreendam a política que ele propõe. Mas que seria interessante, isso seria.
Só não sei se seria factível, inclusive por razões objetivas, que tem pouco a ver com o conservadorismo de lado a lado...
Paulo Roberto de Almeida
Dilma y Barack: una pareja irresistible
El País, 14/11/2010
Una sólida alianza de Brasil y EE UU puede transformar toda la región
Esa primera reunión entre Lula y Bush fue muy exitosa y el conservador estadounidense y el laborista brasileño sorprendieron al mundo con su muy cordial relación inicial. Pero no pasó nada más. No hubo ningún interés de la Casa Blanca en hacerle propuestas concretas a Brasil. Y afortunadamente, Lula no necesitó de Washington para impulsar el enorme progreso que registró su país durante su presidencia. Pero siete años más tarde, mi idea sigue siendo válida.
Una alianza sólida de Brasil y Estados Unidos puede ser una de las innovaciones geopolíticas más importantes de estos tiempos. Y quizá la más viable. No se trata de que los soldados brasileños vayan a morir en las arbitrarias guerras de los estadounidenses, o de que Brasilia se supedite a los dictados de Washington. Esos tiempos ya pasaron y Estados Unidos ni siquiera cuenta ahora con el apoyo incondicional de aliados tradicionales, como los ingleses o los canadienses. Se trata de llegar a una serie de acuerdos -muy posibles- sobre temas esenciales para ambos países y para el resto del mundo: de las relaciones comerciales al cambio climático, de las reformas de las finanzas y el comercio internacional a la proliferación nuclear o la manera en la que el mundo manejará las inevitables dislocaciones producidas por el creciente poder económico y político de China, India y, por supuesto, Brasil. Es obvio que ambos países deberán hacer concesiones y que a la superpotencia del norte y al gigante del sur no les será fácil aceptar algunas de las condiciones del otro. Pero de eso se trata. De entender que estos compromisos son un precio que vale la pena pagar por forjar una alianza que puede tener un enorme impacto positivo.
Mi propuesta, entonces, es que Dilma Rousseff, la próxima presidenta de Brasil, haga a Barack Obama una oferta tan atractiva que este no se pueda darse el lujo de rechazarla. Por muchas razones, Obama va a ser mucho más receptivo a esta oportunidad de hacer historia que su predecesor. Para los brasileños esto supone un cambio difícil: dejar de creer que lo que le conviene a los Estados Unidos es malo para Brasil. A veces es así, y los intereses de uno chocan con los del otro. Pero en muchos otros casos no. De hecho, los temas donde hay intereses comunes son más numerosos e importantes que aquellos en los que hay, y seguirá habiendo, diferencias irreconciliables.
Conozco bien la lista de las objeciones y obstáculos a esta propuesta. Y sé que sigue siendo una ingenuidad. Pero no es mal ejercicio que la próxima presidenta de Brasil piense con audacia en cómo revolucionar la relación de su país con EE UU. El potencial de bienestar y progreso que se desencadenaría si esta ingenuidad se transforma en una realidad es demasiado grande como para que Rousseff ni siquiera la imagine y la explore. El escepticismo a veces puede ser mucho más oneroso y cegador que la ingenuidad.
mnaim@elpais.es
A desconcentracao do saber cientifico: monopolio do saber nao existe
O autor publicou uma réplica que achei melhor não "treplicar". A matéria que publiquei no post anterior faz isso por mim.
A desconcentracao do saber cientifico (contra certos "concentracionistas")
Simplesmente publiquei uma resenha de sua tese editada e... o mundo caiu abaixo: o acadêmico clamou contra a minha resenha, invocou os membros da banca e fez questão de publicar uma réplica de minha resenha (o que já é sumamente ridículo). Deixei passar, embora pudesse ter feito uma tréplica e ter desmantelado, mais uma vez, seus argumentos. Não vale a pena dialogar com mentes obtusas.
Vou postar, em seguida, minha resenha e outras informações sobre essa diatribe acadêmica.
Por enquanto faço questão apenas de transcrever matéria traduzida da Economist, que diz exatamente o que eu dizia alguns anos atrás: que em lugar da tremenda concentração e "monopólio do saber", como pretendia o cientista brasiliense em questão, existe de fato uma desconcentração e um crescimento da ciência e da inovação em países que ele chamava de "periféricos" (outra palavrinha a que tenho ojeriza).
Fiquem com o artigo agora.
Paulo Roberto de Almeida
O novo regime científico mundial
Relatório da Unesco revela que ‘aristocracia’ ocidental da ciência está perdendo espaço para nações em ascensão, como China, Índia e Brasil
CHá vinte anos, a América do Norte, a Europa e o Japão produziam quase toda a ciência mundial. Eles eram os aristocratas do conhecimento técnico, liderando um regime de vários séculos. O que eles produziam era reinvestido em seus complexos industriais, militares e médicos para impulsionar a inovação, a produtividade, o poder, saúde e prosperidade.Todas as coisas boas, contudo, chegam ao fim, e o reinado desses aristocratas científicos está começando a parecer frágil. Em 1990, eles eram responsáveis por mais de 95% do trabalho de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) mundial. Em 2007, esse número já havia caído para 76% – segundo o relatório da Unesco de 2010. O quadro que este estudo sobre a ciência mundial revela é a de um Ocidente em declínio e Oriente e Sul em ascensão, espelhando as mudanças econômicas ocorrendo mundo afora. Os sans culottes da ciência estão em marcha.
GERD é bom
Comparações entre a competência científica de países geralmente começam com os gastos. Uma medida disso é o GERD (Gross Domestic Expenditure on R&D), que mede os gastos em Pesquisa e Desenvolvimento baseados no PIB. Mundialmente, o GERD somou $1,15 trilhões em 2007 (ultimo ano que o relatório da Unesco mediu). Isto significa um aumento de 45% comparado a 2002. Em adição a isso, nestes cinco anos, o total da Ásia subiu de 27% para 32%. O gráfico abaixo apresenta os índices do GERD em sete diferentes países e na União Europeia:
A parcela de riqueza nacional gasta em Pesquisa e Desenvolvimento também é útil para comparar economias de tamanhos diferentes – particularmente na medida em que a excelência científica tende a se concentrar em áreas pequenas do mundo, permitindo que pesquisadores de países pequenos como Singapura desafiem aqueles de nações maiores, como os Estados Unidos. Em 2007, o Japão gastou 3,4% de seu PIB em P&D; os Estados Unidos, 2,7%; a União Europeia, coletivamente, gastou 1,8%, e a China, por sua vez, gastou 1,4%. Muitos países, visando à melhora de sua posição científica no mundo, querem aumentar estes números. A China planeja chegar a 2,5%, e Barack Obama gostaria de levar os Estados Unidos para os 3%.
O número de pesquisadores também cresceu em todo lugar. A China está prestes a superar os Estados Unidos e a União Europeia na quantidade de cientistas. Cada um teve aproximadamente 1,5 milhões de pesquisadores, considerando um total global de 7,2 milhões em 2007. Ainda assim, o número de cientistas por cada milhão de pessoas permanece relativamente baixo na China. E a Índia, que perde apenas da China em tamanho populacional, tem apenas um décimo dos pesquisadores. Isso é uma anomalia surpreendente para um país que se tornou o maior exportador de serviços de tecnologia de informação e é o terceiro maior produtor de farmacêuticos – atrás apenas de Estados Unidos e Japão. Confira abaixo os índices de publicações científicas em diferentes países e na União Europeia:
Ter uma grande quantidade de cientistas, contudo, não importa se eles não forem produtivos. Um indicativo de proeminência científica é o quanto os pesquisadores de um país produzem. Individualmente, os Estados Unidos ainda lideram com alguma folga. Porém, a quantidade de publicações mundiais norte-americanas, que englobava 28% em 2007, está caindo. Em 2002, era de 31%. A parcela coletiva da União Europeia também caiu de 40% para 37%, enquanto a da China mais que dobrou para 10% e a do Brasil cresceu 60%, de 1,7% da produção mundial para 2,7%.
O tamanho da população da Ásia leva a Unesco a concluir que o continente se tornará “o continente cientificamente dominante nos próximos anos”. Mas a citação de artigos em língua inglesa de veículos chineses em outras publicações permanece baixa. Isso pode ser tanto porque a ciência chinesa é pobre quanto porque pesquisadores nos Estados Unidos, Europa e Japão têm um preconceito histórico quanto a citar uns aos outros. Um trabalho norte-americano tipicamente foi citado 14,3 vezes entre 1998 e 2008, enquanto os chineses foram citados apenas 4,6 vezes – mais ou menos o mesmo que os trabalhos publicados na Índia e menos que os publicados na Coreia do Sul.
Para os aristocratas da ciência, muito disso sugere que as guilhotinas estão próximas. Mas a história não termina aí. O que também conta é o nível do sucesso dos países em utilizar o conhecimento que geram. Um jeito de analisar isso é contar quantas patentes um país produz. Isso pode ser traiçoeiro. Um relatório recente da Thomson Reuters, uma firma de informação que também serve de fonte para muitos dados da Unesco sobre publicações científicas, sugere que as patentes chinesas cresceram 26% entre 2003 e 2009 – muito mais rápido que em qualquer outro lugar. Por esta medida, a China irá se tornar a maior registradora de patentes em 2011. Há um obstáculo, contudo. Burocratas em escritórios de patente chineses pagam mais por artigos que “aprovam”. Como resultado, há uma montanha de patentes chinesas de qualidade dúbia.
A última tentativa da Unesco de observar patentes se focou nos escritórios nos Estados Unidos, Europa e Japão, uma vez que são considerados de “alta qualidade”. Nesses escritórios de patentes, os Estados Unidos dominaram, com 41,8% das patentes mundiais em 2006, uma parcela que só caiu levemente em relação aos quatro anos anteriores. O Japão teve 27,9%, a União Europeia 26,4%, a Coreia do Sul teve 2,2% e a China 0,5%.
As perspectivas para o investimento em P&D pelas empresas parecem promissoras na maioria das nações emergentes, contudo. Entre 2002 e 2007, o investimento em negócios como parte do GDP cresceu rapidamente na China, na Índia, em Singapura e Coreia do Sul (ainda que o aumento na Índia seja em relação a uma base baixa). Mas ao menos um aristocrata está contra-atacando, uma vez que o investimento cresceu rapidamente no Japão.
Embora muito disto pareça motivo de preocupação para o velho regime, há um outro padrão que merece ser observado: o da crescente colaboração internacional. Graças às viagens baratas e a ascensão da internet, cientistas estão achando mais fácil que nunca trabalhar juntos. De acordo com Sir Chris Llewellyn-Smith, presidente do grupo responsável por outro relatório sobre a ciência mundial (a ser publicado no início do ano que vem pela Royal Society, a mais antiga instituição científica), mais de 35% dos artigos em publicações de liderança são produtos de colaboração internacional, em relação aos 25% de 15 anos atrás – algo que tanto o antigo quanto o novo regime podem celebrar.
A presidenta eleita quer que os brasileiros fiquem mais pobres...
Esse é o resultado, inevitável, de sua intenção proclamada, de desvalorizar o real, sem dizer o que pretende colocar no lugar do sistema de câmbio flutuante.
Minha convicção é a de que ela não vai fazer absolutamente nada, inclusive porque não tem segurança sobre as consequencias de um gesto desse tipo, e seus conhecimentos de economia -- a despeito dos diplomas, ou dos créditos que disse que tinha -- são muito limitados.
Em todo caso, vamos acompanhar esse tema com muito carinho, como diria alguém...
Paulo Roberto de Almeida
Dilma Rousseff sugirió que podría devaluar el real en cuanto asuma
Estupidez nacional: existe algum risco de diminuir?
Agora, parece que alguns no governo pensam retomar os antigos acordos de promoção e proteção recíproca de investimentos (APPIs), que o mesmo partido atualmente no poder bloqueou completamente quando era oposição (e continuou bloqueando já no poder. Os argumentos, como sempre, eram estúpidos, e com isso se atrasou no caminho da proteção dos investimentos brasileiros no exterior.
Parece que vão revisar a atitude.
Mas não creio que venham a aderir ao modelo usual, mais simples, universal.
Pretendem ainda defender a "soberania nacional".
A única coisa que ameaça a soberania nacional é a estupidez galopante de certos personagens no poder.
Paulo Roberto de Almeida
Brasil busca acordos de proteção e promoção
O Estado de S. Paulo, 14.11.2010A disparada dos investimentos de multinacionais brasileiras no exterior fez com que o governo federal desengavetasse negociações sobre acordos internacionais de proteção e promoção. As conversas estão avançando com o Chile. Por enquanto,o Brasil não tem nenhum acordo desse tipo. Mas para que essas iniciativas surtam efeitos positivos, empresas e especialistas dizem que é preciso agregar cláusulas que impeçam a bitributação.
Segundo estimativas do BC, de janeiro a outubro deste ano, as companhias nacionais remeteram US$ 7,6 bilhões para fora.
Em 2009, por conta da crise, o País resgatou US$ 10,084 bilhões. Com a retomada do crescimento dos investimentos em 2010, muitas companhias passaram a pressionar o governo para que as negociações em torno desses acordos fossem retomadas.
A base dos acordos consiste em proteger os investimentos de um país no exterior e vice-versa em casos, por exemplo, de estatização. Ou seja, o tratamento do investidor estrangeiro e o local é o mesmo entre os países que têm acordo bilateral. Dessa maneira, as empresas têm mais uma garantia jurídica de que não perderão dinheiro em investimentos feitos em economias arriscadas.
Existe até a possibilidade de cobrança de indenização em tribunais internacionais. Segundo fontes do governo, a retomada das negociações decorre de pressão de empresas que querem se proteger de onda estatizante que se alastra na América do Sul em países como Venezuela,Bolívia e Equador.Esse risco não é visto nas negociações com o Chile.
Mas a intenção do governo é utilizar um possível acordo com os chilenos como modelo para assinatura de outros tratados de investimentos. “O Brasil é muito estável. Nunca teve expropriação. O acordo só seria uma segurança a mais”, afirmou o secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), Welber Barral.
Construindo o Apartheid no Brasil: o racismo agora se pretende uma atitude normal
Pois o racismo vem sendo implantado no Brasil por meio de políticas racialistas oficiais.
O que mais me surpreende é que a academia "compre" o discurso racista e pretenda vê-lo como a atitude correta, normal. Isso é difícil de suportar.
Vejam o post abaixo, de um colega acadêmico em seu blog.
Ele começa por perguntar "por que a oposição às cotas raciais nas universidades?"
Eu, sinceramente, acho isso inacreditável!
Por que a universidade, que deveria ser o primeiro bastião contra o racismo, sem empenha agora a promover o racismo oficial?
O acadêmico em questão reconhece, acertadamente, que a universidade é uma instituição de elite, com o que concordo inteiramente.
Ela pertence à elite do saber, de qualquer cor, "raça", religião, etnia, crenças políticas, afiliações sociais, culturais, de qualquer tipo. Todos os que atingem um determinado saber são admitidos na universidade, que representa, por assim dizer, o coroamento de uma vida de estudos e de pesquisa (aqui nem tanto).
Pretender fazer a universidade responder por desigualdades sociais, ou tentar resolver esse tipo de problema é deformar o sentido profundo do que é uma universidade: uma instituição de elite, ponto.
Fico estarrecido de constatar que esse sentido mínimo, essencial da universidade, esteja se perdendo, num discurso racialista que vai perder o Brasil também.
Estão transformando o Brasil num mosaico racial, no qual as pessoas deverão dizer, além da nacionalidade, o seu suposto pertencimento étnico, ou racial: "Eu sou afro-descendente, por isso tenho mais direitos do que você, seu branquela imperialista e colonialista."
É isso que pretendem os acadêmicos racialistas?
Paulo Roberto de Almeida
Assisti ao documentário Raça Humana, da TV Câmara.* Revela os bastidores da discussão sobre as cotas raciais na Universidade de Brasília e apresenta os argumentos a favor e contrários.
A rejeição das cotas raciais faz parte da democracia. Não obstante, o discurso dos discentes e docentes faz pensar: por que tamanha oposição e agressividade? Será possível compreender esta postura apenas pelos argumentos ou é inerente à natureza da universidade? A minha hipótese é que a contenda sobre as cotas expressa algo mais profundo do que ser contra ou a favor. É o próprio caráter da universidade e do seu papel na sociedade que se encontra sob questionamento.
A universidade é, por excelência, o espaço das elites, expressão da influência desta no âmbito da sociedade – e isso é particularmente visível nos cursos de elite, os mais concorridos. A universidade é pública. Porém, da mesma forma que o Estado universaliza a cidadania através do reconhecimento dos direitos políticos, igualiza a todos na universalidade da lei e na categoria cidadão/cidadã e, assim, coloca um véu sobre a realidade social desigual, a universidade pública escamoteia as desigualdades de oportunidades fundadas em diferenças raciais, sociais e culturais. Se a universidade é para todos e, em tese, qualquer indivíduo, desde que se esforce, pode ingressar nela, ela o é no discurso, na letra da lei, no mito de que o vestibular é um critério justo para definir quem entra. A universidade é, por sua natureza social, excludente. As exceções dos menos favorecidos social e economicamente que conquistam o direito de freqüentá-la, e até de seguir carreira e se tornarem professores universitários e doutores, apenas confirmam a regra.
A universidade é intrinsecamente elitista. Não é por acaso que a resistência às cotas raciais aumenta na medida em que a escolaridade e o nível de renda são maiores. Isto tem uma relação direta com a oposição tenaz em cursos cujo perfil discente demonstra nível de renda maior (como no Direito).
Escolaridade e nível de renda caminham juntos. A classe média e os que se encontram acima, os mais aquinhoados financeiramente, são os que ocupam em sua maioria as vagas na universidade. No fundo, até mesmo pelo investimento que fazem na preparação dos seus filhos, vêem a universidade como sua. As cotas lhes parecem um perigoso artifício para tirar um direito adquirido pela posição que ocupam na sociedade. Até admitem que os pobres concorram, mas não reconhecem que o ponto de partida destes é inferior. No limite, acabam culpando o pobre pela situação em que se encontra.
Na universidade prevalece um tipo de saber pretensamente científico e racional, branco, eurocêntrico e excludente da cultura e saber populares. Eis os alicerces da nossa universidade, os quais foram sedimentados pela colonização que, seguindo a modernidade ocidental, impôs um padrão dominante erigido como novo dogma substituto à teologia. Em outras palavras, na universidade assimilamos acriticamente o modelo racional científico de saber, oficial e pretensamente neutro, legitimado em si mesmo. São os fundamentos elitistas desse saber e cultura oficiais, reservados aos que, desde a infância, trilham os caminhos e são preparados para incorporá-las: pois, suas famílias têm condições econômicas e culturais para tanto, isto é, são depositários do “capital social” e “capital cultural”. O vestibular, portanto, termina por escolher os escolhidos social e economicamente, isto é, os mais preparados pelas próprias condições de vida para passar pelo funil.
Raça Humana é um documentário que contribui para esta reflexão. Vale a pena assistir!