O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Colaborador da revista Amalgama - Paulo Roberto de Almeida

Poucos anos atrás, fui procurado pelo editor da revista Amálgama, Daniel Lopes, para colaborar com esse empreendimento cultural de grande mérito, articulado em torno do blog do mesmo nome, caracterizado como "literário e cultural". 
Hesitei, pois não costumo assumir nenhum compromissos de colaboração regular com qualquer tipo de veículo, uma vez que prefiro definir eu mesmo o que, quando, como vou tratar dos temas que me atraem intelectualmente.
Desde 2014, ofereci, ocasionalmente, alguns artigos, sem qualquer planejamento de me tornar um colaborador regular. 
Aproximadamente dois anos atrás fui solicitado a colaborar com um veículo acadêmico, como resultado de palestra na entidade que o abriga, e tendo entregue a minha colaboração, fui surpreendido com a recusa posterior do "conselho editorial" dessa publicação – se é que ocorreu tal decisão coletiva – de integrar meu depoimento tal como oferecido na origem.
Decidi, então, submeter o mesmo título ao blog Amálgama, que o publicou. Eis sua ficha: 

2999. “Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um depoimento pessoal”, Brasília, 22 junho 2016, 18 p.; revisto: 26/06/2016: 19 p. Artigo elaborado para (...) revista eletrônica semestral do Programa (...) da Universidade (...), mas retirado depois da recusa (...); em 1/07/2016 fui comunicado que o “conselho editorial da revista achou que a contribuição estava muito forte podendo causar algum transtorno para a revista que, a priori, não segue nenhuma linha política.” Divulgado na revista Amálgama (2/07/2016, link: http://www.revistaamalgama.com.br/07/2016/auge-e-declinio-do-lulopetismo-diplomatico/) e no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/ufa-um-depoimento-meu-sobre-o.html); disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/26661272/Auge_e_declinio_do_lulopetismo_diplomatico_um_depoimento_pessoal) e em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/304351768_Auge_e_declinio_do_lulopetismo_diplomatico_um_depoimento_pessoal?ev=prf_pub).

Posteriormente, ofereci mais duas colaborações ao mesmo blog, mas de maneira mais circunspecta do que regular. Minhas colaborações no blog literário e cultural Amálgama podem ser vistos aqui:
https://www.revistaamalgama.com.br/autor/paulo-roberto-de-almeida/

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 7 de setembro de 2018


Paulo Roberto de Almeida

Diplomata de carreira, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas e professor no Centro Universitário de Brasília. Autor, mais recentemente, de Nunca antes na diplomacia.


Por que votarei em João Amoêdo

27 / 08 / 2018

Você está satisfeito com corporações tribais atuando como os mandarins do antigo Império do Meio?

Crimes econômicos do lulopetismo na frente externa

13 / 05 / 2017

É sintomático que a maior companhia corruptora do hemisfério figure já na ficha deste livro de Fábio Zanini.

Auge e declínio do lulopetismo diplomático: um depoimento pessoal

02 / 07 / 2016

Agora que um capítulo da nossa história chega ao fim, pode-se tentar fazer um balanço do que representaram esses anos do lulopetismo na frente diplomática e no terreno da política externa.

O TransPacific Partnership e seu impacto sobre o Mercosul

16 / 10 / 2015

Depois das decisões tomadas na era Collor, o Brasil nunca mais experimentou uma redução significativa de barreiras aduaneiras

A opção preferencial pelo Sul: um novo determinismo geográfico?

07 / 08 / 2014

A diplomacia Sul-Sul é melhor do que a diplomacia tradicional?

Política externa brasileira, presente e futura

20 / 06 / 2014

Quando é que vamos parar de sustentar ditaduras miseráveis e regimes inviáveis?



O dia da independencia, vista da Amazonia - Belisario Arce

Reproduzo abaixo o "manifesto" racional e sensato – as duas qualidades nem sempre estão juntas, mas neste caso sim – de um amazônida, Belisário Arce, diretor-executivo da PanAmazônia, consciente do valor da sua região, argumentando sobre as oportunidades perdidas e a verdadeira camisa de força imposta por uma regulamentação federal feita por burocratas distantes, ou por interesses opostos, ou talvez diferentes, dos habitantes da região, situação que mantêm essa imensa região, metade do Brasil, ainda distante de padrões aceitáveis, mas possíveis, de desenvolvimento.
Um texto a ser lido e refletido.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7 de setembro de 2018

O 7 de setembro enseja reflexões. Nós, amazônidas, somos mais patriotas do que nossos demais irmãos brasileiros. Não temos razões objetivas para sentirmo-nos parte de uma nação que trata a Amazônia como colônia. Mesmo assim, amamos a Pátria. Mesmo assim, defendemos com nossas existências a soberania do Brasil sobre 60% de seu território nacional. Somos nós, amazônidas, que garantimos a grandeza do Brasil! A Independência apenas transferiu nossa subjugação de Portugal para o poder central do Brasil. O que comemorar?! Abaixo, segue texto sobre o "aprisionamento" da Amazônia.

A Jaula Verde
             Não somos animais de zoológico. Não obstante, vivemos em uma jaula. A jaula verde que é a Amazônia. O grande jardim da humanidade. Contingenciada de todos os modos, amarrada, acorrentada, engessada, é isso que é a Amazônia, uma gaiola feita de leis e regulamentações absurdas, de alienação ideológica ambiental, de inépcia governamental, de corrupção política, entre outras mazelas. E, como bestas aprisionadas, vivemos, nós, amazônidas, inertes, apenas aguardando o fim inglório de nossas desperdiçadas vidas.
            Há décadas, vem se construindo esse cenário desolador que vivenciamos atualmente. Uma realidade de completa apatia socioeconômica. A pressão para manter a Amazônia e seus habitantes pobres e sem esperança não é novidade. Percebo, contudo, em tempos recentes, um acirramento do arrocho. Muitas mãos apertam o torniquete, entre as quais as de ONGs nacionais e internacionais; de setores do Governo nas instâncias do judiciário, do legislativo, do executivo; do Ministério Público, de governos de países estrangeiros, como da Alemanha e da Noruega; de organismos internacionais; da mídia comprada. Todos contra os amazônidas. Uma covardia.
            Toda essa pressão, que condena milhões a uma vida miserável e de desesperança, em nome da conservação ambiental. Que desfaçatez. Como mentem descaradamente. A pobreza causada pela inércia econômica só gera mais degradação ambiental. O grande vetor do desmatamento é a precariedade em que vivem as populações amazônicas.
            Toda atividade econômica está comprometida com excesso de regulamentação. São centenas de normas federais, estaduais e municipais. Isso leva à paralisia. O empresário prefere não investir a ter de se submeter ao inferno burocrático do setor público brasileiro. E depois de obter a licença para funcionar, há fiscalização constante, sempre com o intuito de encontrar um meio de achacar o empresário. Ademais, os órgãos ambientais municipais, estaduais, e federais não se coordenam, e cada um exige sua própria licença. Ou seja, para a mesma coisa, é preciso obter três licenças. Um total absurdo.
            Veja-se o caso da mineração. Enquanto países como Canadá , Rússia, Austrália, China, dominam o mercado mundial, o Brasil, que detém soberania sobre a maior parte do riquíssimo subsolo da Amazônia continental, vai ficando para trás. No Amazonas, o projeto do potássio que prevê a exploração de jazidas de silvinita no município de Autazes há anos não sai do papel por embargos judiciais motivados por ação de ambientalistas.
            O Brasil importa 90% do potássio que precisa para fertilizar sua lavoura. Temos quantidades gigantescas em Autazes e o Ministério Público, fiscal de uma lei que nos é imposta, que não foi feita por nós, amazônidas, cassa a licença de exploração. O povo de Autazes padece na miséria, na total falta de oportunidade. Milhares de empregos perdidos. Uma desgraça. O investimento de empresas do Canadá, do Brasil, e do Amazonas, inclusive, foi de 180 milhões de dólares. 
            Grande mentira é afirmar que atividades econômicas, como a mineração, por exemplo, causariam muito desmatamento. É o oposto. A área desmatada na região onde opera a Vale no Pará é menos de 2% do total do terreno. Enquanto fora da área da Vale, o desmatamento é de cerca de 50% . Ou seja, a mineração protege e recupera a floresta. Outro exemplo: se sobrevoar a área de exploração de gás e petróleo em Urucu, no município de Coari, no Amazonas, vê-se que o desmatamento é virtualmente zero. 
            O que ocorre é que por interesses espúrios, impõem-se políticas ambientais feitas em Brasília, por pressão de países estrangeiros e ONGs, que travam o desenvolvimento da Amazônia. Há países europeus que defendem a intocabilidade da Amazônia. Entre eles a Noruega, que financia o Fundo Amazônia, em completa manifestação de hipocrisia. Os noruegueses querem conservar nossa floresta para mitigar o aquecimento global. Mas, a Noruega produz dois milhões de barris de petróleo por dia. Esse petróleo todo é queimado e contribui absurdamente para o aquecimento global. Nós na Amazônia, não temos culpa nem responsabilidade pelo problema criado pelos países ricos. É uma safadeza. E pior é que tem gente aqui em Manaus que defende a agenda dos europeus. São os inimigos internos da Amazônia. São os noruegueses e demais populações dos países desenvolvidos que jogam toneladas e mais toneladas de carbono na atmosfera. Nós somos vítimas. Não podemos arcar com nenhum ônus.
            Precisamos de um novo ciclo de desenvolvimento na Amazônia, o que exige, necessariamente, a exploração dos recursos naturais da região. E isso pode ser feito, aliando-se perfeitamente conservação ambiental e desenvolvimento. Deve ser um modelo de desenvolvimento regional que privilegie vocações regionais como agricultura, fruticultura, pesca, pecuária, mineração, construção naval, fármacos, madeira, etc. 
            Os ambientalista contribuíram para criar uma infernal jaula verde, na qual, aprisionados, os amazônidas nada podem fazer para salvarem-se. Viver e morrer na desesperança, e para muitos, no desespero da pobreza aguda é o que nos resta. Os ambientalistas não se preocupam com o destino das populações amazônicas. Disso não se tenha a menor dúvida. 
            O fato é que precisamos de mais espaço para desenvolver nossas vocações econômicas regionais. Não é preciso muito mais. 5% adicionais já seriam suficiente para construir estradas, projetos de mineração, e demais atividades econômicas para as quais a região está vocacionada. 
            Por todos nós, por nossos filhos, e pelas gerações futuras, temos, não só o direito, mas a obrigação de usufruir dos recursos da natureza e, com a riqueza produzida, construir uma sociedade melhor, mais justa e próspera na Amazônia.

Belisário Arce
Diretor Executivo da PanAmazônia
PanAmazônia - Por uma Amazônia Altiva, Integrada e Forte!
www.facebook.com/panamazonia

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Biocombustiveis nos Estados Unidos e seus impactos no Brasil, IPRI, 10/09, 15hs

Inscrições abertas para a palestra-debate 


A Política de incentivos aos Biocombustíveis nos Estados Unidos e seus impactos no Brasil

10 de setembro, 15hs, Auditório Paulo Nogueira Batista, Anexo II, Itamaraty

A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o seu Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para a palestra-debate “A Política de incentivos aos Biocombustíveis nos Estados Unidos e seus impactos no Brasil”, a ser proferida pela profª. drª. Laís Forti Thomaz da Universidade Federal de Goiás e pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu). A palestra será realizada em 10 de setembro, às 15h, no Auditório Paulo Nogueira Batista, no Anexo II do Itamaraty.
Participarão do encontro o prof. dr. Roberto Goulart Menezes (IRel-UnB), e o diretor de Departamento de Energia do Itamaraty, ministro João Genésio.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Privatização da guerra, Henrique Lenon, 13/09, 15:00hs

Diálogos Internacionais: Privatização da guerra, Henrique Lenon, 13/09, 15:00hs


A Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG) e o Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI) têm o prazer de convidar para uma nova palestra-debate na série “Diálogos Internacionais”, com o professor Henrique Lenon Farias Guedes, sobre o tema da regulação internacional das empresas militares privadas. Autor do livro “Privatização da Guerra: mercado e regulação de empresas militares privadas(Belo Horizonte: Arraes, 2017), Henrique Lenon, doutorando em Direito Internacional pela USP, é ex-professor na Universidade Federal da Paraíba, atualmente no Centro Universitário de João Pessoa, ademais de membro fundador da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET). A palestra-debate será feita na sala D, no Anexo II do Palácio Itamaraty, no dia 13 de setembro, às 15h00. 


Dos mercenários aos exércitos nacionais e às empresas militares: o mercado da guerra

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag
 [Objetivo: resenha de livro; finalidade: divulgação]

Henrique Lenon Farias Guedes: 
Privatização da Guerra: mercado e regulação de empresas militares privadas
Prefácio de Marcílio Franca
Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017, 131 p.; ISBN: 978-85-8238-330-8


O professor Marcílio Toscano Franca Filho, em seu prefácio a este livro, lembra a trajetória de um camponês saído de uma aldeia na Dinamarca para engajar-se no exército que participaria da invasão do Nordeste do Brasil, no século XVII, sob o comando da Companhia das Índias Ocidentais dos Países Baixos, uma das primeiras, e das mais importantes, companhias multinacionais do mundo. Junto com ele lutavam mercenários ingleses, franceses, suíços, escoceses, belgas, irlandesas, alemães e poloneses, todos eles fugindo dos horrores das guerras religiosas que se disseminaram em vastos territórios europeus, e que passaram à história como a “Guerra dos Trinta Anos” (1618-1648), cuja conclusão também marca a história do Direito Internacional.
Antes mesmo desse primeiro grande conflito europeu – haveria outros, como as guerras napoleônicas da transição do século XVIII ao XIX, e uma segunda “guerra de trinta anos”, entre 1914 e 1945 –, um genial pensador florentino do Renascimento, Maquiavel, já chamava a atenção, no capítulo 12 do Príncipe, para a inconveniência dos exércitos mercenários, sempre tão volúveis e pouco fieis aos que lhes pagavam, como aliás já tinha lembrado outro grande pensador, Thomas Morus, na sua fábula Utopia. Henrique Lenon, em sua originalíssima e preciosa dissertação de mestrado sob a direção do professor Marcílio Franca, oportunamente transformada neste livro, retoma todos esses antecedentes numa obra que marca o início de um debate que deve transcender os domínios do Direito Internacional para projetar-se sobre questões relevantes, de ordem econômica, política e moral, de todos os Estados contemporâneos, tanto na organização do uso da força (para fins de defesa externa, sobretudo), da qual eles possuem, supostamente, o monopólio, quanto na atualização do direito da guerra, ou seja, o “diálogo” entre Estados levado às últimas instâncias da projeção de poder. 
Seu livro, no entanto, não refaz a toda a história dos exércitos mercenários, praticamente esquecidos durante a lenta consolidação dos Estados nacionais, ao longo dos séculos XIX e XX, atualmente chamados de novo a atuar no quadro dos novos conflitos, não mais os clássicos, mas no “diálogo armado” entre Estados e forças não estatais, destacamentos irregulares, guerras civis e conflitos dificilmente enquadráveis nos instrumentos discutidos ao longo de mais de um século entre Haia e Genebra. O jovem advogado, doutorando em Direito Internacional na USP, ex-professor na Universidade Federal da Paraíba, atualmente no Centro Universitário de João Pessoa, membro fundador da Academia Nacional de Estudos Transnacionais (ANET), escolheu como objeto de sua análise as empresas militares e de segurança privadas e o instrumento concebido para regular sua atuação, o Código Internacional de Conduta para Provedores de Serviços de Segurança Privada – ICoC, na sua sigla em inglês –, uma espécie de código de conduta para os modernos mercenários, surgido sob os auspícios da Cruz Vermelha Internacional e da Confederação Suíça. 

A obra cobre os vários aspectos do “renascimento” contemporâneo desses “serviços” militares em bases contratuais, uma vez que os instrumentos existentes – o GATS, o Estatuto de Roma que dá base jurídica ao Tribunal Penal Internacional, as convenções de Genebra e outros atos internacionais, como os códigos da OCDE – não cobrem de modo adequado a responsabilidade dessas companhias e eventualmente a de seus “soldados” em face do direito internacional. Depois de um primeiro documento meramente recomendatório, formalizado em Montreux, em 2008, sobre “boas práticas” para essas empresas, foi lançado em 2010, em Genebra, o ICoC, uma “carta de direitos e deveres”, com vistas a elevar os padrões de conduta no caso de mobilização, por qualquer Estado, desse “outro exército” para fins propriamente militares, para que sua ação não contrarie normas do direito internacional humanitário ou normas básicas de direitos humanos. Henrique Lenon procede a uma leitura meticulosa desse instrumento, ressaltando aliás o aspecto econômico desse novo empreendimento militar, que reflete, como ele diz nas “considerações finais”, as tensões entre Estado e mercado: 
No momento em que o Estado afastou o mercado do conflito, a partir de Vestefália, no século XVII, as guerras se tornaram questões apenas estatais, relegando as companhias militares à irrelevância e, posteriormente, com a Revolução Francesa, à ilegalidade.
No fim do século XX, contudo, o Estado se afastou do mercado e, também, do conflito, legando a provisão de bens à iniciativa privada e assistindo à escalada de guerras irregulares que não dependiam tanto da linguagem realista, centrada em grandes potências, mas estavam mais próximas da realidade ignorada por décadas de conflito bipolar. (...)
Na passagem para o século XXI, observa-se que o próprio mercado aproximou-se dos conflitos, ofertando serviços de segurança internacional em que o Estado não está interessado – caso dos Estados Unidos no Kossovo –, os quais não pode prover sozinho – caso dos americanos no Iraque ou na Libéria –, ou não pode prover de forma alguma – caso da Colômbia contra as guerrilhas terroristas ou da Somália contra a pirataria. (p. 102)

O risco, como ele agrega, é que essa utilização em conflitos irregulares se torne uma “questão de mercado, consolidando o comércio de serviços militares privados como um fim em si, com estratégias de crescimento próprias” (p. 102). É exatamente o que pode ocorrer, como ele ainda lembra a partir do exemplo da Itália dos tempos de Maquiavel, quando “condottieri” insatisfeitos buscavam destituir algum soberano para instalar o seu próprio poder. De fato, quem conquistou o Nordeste não foi a Holanda, mas a Companhia das Índias Ocidentais neerlandesas; que conquistou a Índia não foi a Grã-Bretanha, mas a Companhia das Índias Orientais britânicas. O mundo pós-Guerra Fria espera que o direito internacional possa regular, provavelmente coibir ou limitar, o uso desses empreendimentos privados para fins não legítimos. Como o autor indica, ao final de seu brilhante livro, que deve pautar o debate sobre a questão no Brasil: 
A sociedade civil deve aproveitar a oportunidade do controle da conduta das empresas militares [oferecida pelo ICoC] e exigir que Estados, organizações internacionais e corporações estabeleçam padrões ou simplesmente incorporem os códigos de conduta nas suas contratações, pois sem supervisão democrática, a privatização da paz [como solicitada pelo ex-SG-ONU Kofi Annan] poderá redundar na mera contratualização da guerra. (p. 106)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de setembro de 2018

A irresponsabilidade da UFRJ na tragedia do Museu Nacional

Para que não se diga que foi o governo "golpista" dos últimos dois anos que foi o responsável pela maior tragédia da cultura no Brasil: o incêndio do Museu Nacional.
Paulo Roberto de Almeida

Orçamento da UFRJ para obras e despesas não obrigatórias teve queda em 2018 pelo quinto ano consecutivo
Por outro lado, verba obrigatória para pagamento de salários e pensões cresce a cada ano e atingiu 84% do orçamento previsto de 2018.
Por Ana Carolina Moreno, G1, São Paulo
05/09/2018 09h30 
A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), à qual o Museu Nacional, destruído em incêndio na noite de domingo (2), é vinculado, tem visto seu orçamento para despesas não obrigatórias (de onde sairia o dinheiro para a manutenção do museu, por exemplo) cair ano a ano desde 2013. Ao mesmo tempo, a parcela destinada aos gastos obrigatórios, como pagamento de salários e pensões, tem pesado cada vez mais nas contas da instituição. Em 2018, esse tipo de despesa chegou a 84% do orçamento.
Os dados são do Siga Brasil, que usa informações oficiais do orçamento da União. Mas os cálculos da correção pela inflação, entre outros critérios metodológicos, podem fazer os números variarem em relação aos apresentados pelo governo federal.
Já a verba separada para obras foi cortada pela metade entre 2017 e 2018. Seis anos atrás, 6% do orçamento foi destinado a esse tipo de despesa, o maior valor; neste ano, 1% do orçamento da universidade foi reservado para esse tipo de gasto. Veja:
Desde o incêndio que atingiu o Museu Nacional, governo federal e a UFRJ têm divulgado informações diferentes a respeito do orçamento. Enquanto o governo usa os valores totais, a UFRJ afirma que só tem poder de decidir como usar pequena parte desse montante, que são as despesas discricionárias, ou seja, não obrigatórias.
O orçamento da UFRJ pode ser 'dividido' da seguinte forma: os gastos com folha de pagamento a servidores da ativa e aposentados, que são obrigatórios por lei e geridos pelo governo federal, e os gastos com despesas não obrigatórias. Para essas despesas em 2018, a UFRJ previu um orçamento de R$ 388,2 milhões - dinheiro que poderia ser gasto em obras de manutenção, por exemplo.
Entenda abaixo o que representam essas diferenças e como é composto o orçamento da UFRJ:
Queda no orçamento
O governo afirma que tem repassado cada vez mais dinheiro à instituição. Na tarde desta terça-feira (4), o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, ressaltou que "a dotação orçamentária para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, considerando 2012 até 2017, aumentou 48,9%".
A comparação, porém, foi feita com base nos valores nominais, ou seja, não leva em conta a inflação no período de cinco anos. Considerando a inflação, a variação orçamentária da UFRJ entre 2012 e 2017 cai para 1,84%, segundo os valores disponíveis no portal Siga Brasil, mantido pelo Senado Federal com dados oficiais do sistema do orçamento público.
Ainda considerando a correção pela inflação, o orçamento total da UFRJ teve perda real nos últimos três anos de forma consecutiva, de acordo com os dados do Siga Brasil (veja no gráfico acima).
Tipos de despesa
Além disso, os valores usados pelo governo federal para comentar o repasse de verbas à instituição levam em conta todas as despesas dela, inclusive as que são obrigatórias por lei.
"Para se ter noção, o orçamento da UFRJ em 2017, o valor empenhado, efetivamente, foi de R$ 3.187.717.620", afirmou Padilha.
Ao G1, Roberto Gambine, pró-reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, explicou que o valor total do orçamento inclui "uma despesa obrigatória do governo federal, e a UFRJ não tem competência legal do uso desse orçamento para usar como despesa de custeio".
Em nota, o MEC, por sua vez, negou que tenha havido corte no orçamento e diz que “a expansão das universidades federais ocorreu sem a devida mensuração sobre o impacto futuro” e que isso “fez com que grande parte dos recursos precisassem, por obrigação legal, serem aplicados em pessoal ativo e inativo. Portanto, não se pode considerar a verba das universidades sem levar em conta todo o conjunto entre folha de pagamento, custeio e investimento, e não é correto afirmar sobre cortes, uma vez que, se o recurso não precisasse ser aplicado em pessoal, iria para custeio e investimento.”
De acordo com Gambine, o aumento das despesas obrigatórias não é provocado pela abertura de novos postos de trabalho. Ele decorre de um “crescimento vegetativo”, que inclui o aumento de salário gradual dos funcionários já existentes, que incorporam ao salário bonificações no decorrer da carreira. Além disso, essas despesas incluem o pagamento de pensão aos aposentados pela UFRJ, que são considerados gastos previdenciários, e não de educação.
Segundo o Siga Brasil, em 2017 o montante dessa despesa pessoal na UFRJ autorizada chegou a R$ 2.827.289.875, ou 83% do total do orçamento previsto, de R$ 3,39 bilhões.
Já o valor autorizado pelo governo e destinado ao custeio, ou seja, ao pagamento de luz, água, serviços de esgoto, segurança e transporte, entre outros, chegou a R$ 540.139.700. A esse valor se somam os R$ 25.799.074 de orçamento destinado a investimentos, ou seja, obras de reforma, construção ou compra de equipamentos, para completar o total da verba de despesas não obrigatórias.
De acordo com o Siga Brasil, esse foi o menor valor para esse tipo de gasto na UFRJ autorizado no orçamento desde 2010.
Tipos de despesa da UFRJ
Veja a previsão do orçamento por tipo de gasto em 2018
Salários e pensões: 84,21 %Custeio: 15,41 %Investimento: 0,38 %
Fonte: Siga Brasil/Senado Federal
Repasses ao Museu Nacional
Sobre a participação do Museu Nacional no orçamento da UFRJ, Padilha apresentou dados que mostram uma redução nos repasses em cinco anos.
"Contrariamente a esse crescimento [do orçamento total da UFRJ], a dotação orçamentária que a UFRJ fez ao Museu Nacional, de 2012 para 2017, ela caiu 43,1%. Desse orçamento, apenas R$ 363.750, em 2017, foi destinado ao Museu Nacional", afirmou o ministro na tarde desta terça.
Padilha não especificou se usou dados corrigidos pela inflação. De acordo com Gambine, esse valor, em 2017, foi de R$ 346 mil, mas não representa o total de despesas do museu.
Segundo ele, os gastos fixos de custeio do Museu Nacional estão embutidos em contratos firmados diretamente pela Reitoria da UFRJ para todas as unidades (museus, faculdades, escolas e institutos) da universidade.

O Museu Nacional, no Rio de Janeiro, é visto em imagem aérea nesta terça-feira (4), dois dias após o incêndio que destruiu grande parte do acervo de 20 milhões de itens (Foto: Mario Lobão/AP)
"Todas as despesas de funcionamento das unidades da UFRJ são custeadas pelo orçamento geral da UFRJ: água, luz, esgoto, limpeza, vigilância, limpeza, material etc.", explicou o pró-reitor.
Cabe às unidades, porém, contribuir para a economia dos recursos. Ao G1, Luiz Fernando Dias Duarte, diretor-adjunto do Museu Nacional, explicou que os funcionários do museu sofreram pressão para reduzir o gasto com energia, por exemplo, e que o museu chegou a passar alguns dias fechado por causa de problemas no contrato da UFRJ com os funcionários de vigilância e limpeza.
Já os demais gastos das unidades são distribuídos de acordo com uma matriz fixa que a UFRJ chama de orçamento participativo. Ela existe desde 2009 e inclui critérios como a área construída de cada unidade. "Isso gera um valor a ser distribuído a cada ano. O valor do museu é R$ 520 mil, mas não inclui as despesas de funcionamento", afirmou Gambine.
O repasse desse orçamento participativo às unidades, de acordo com ele, é feito em três parcelas ao longo do ano, mas, desde 2015, não houve dinheiro suficiente para a UFRJ depositar a terceira parcela.
Considerando o período entre 2013 e 2017, a queda no repasse desse orçamento participativo do Museu Nacional foi de 35%, de R$ 531 mil para R$ 346 mil – segundo Gambine, a UFRJ repassou a segunda parcela ao museu no início de julho:
UFRJ tem déficit crescente
De acordo com Gambine, o motivo da redução dos repasses, que afetou tanto o museu quanto as demais unidades, foi o crescente déficit que a UFRJ acumula desde 2015.
A origem desse déficit, explica ele, foi um contingenciamento de R$ 60 milhões durante as medidas de ajuste fiscal anunciadas pelo governo no primeiro semestre de 2015. "O outro evento que criou déficit crônico foi o aumento da conta de energia", disse o pró-reitor. Segundo ele, a previsão da UFRJ era gastar cerca de R$ 25 milhões em energia durante 2015, mas os gastos chegaram a R$ 46 milhões no fim do ano, motivados pela política de bandeira vermelha tarifada.
A UFRJ afirma que fechou 2017 com um déficit de cerca de R$ 115 milhões, e estima que, neste ano, ele pode chegar a R$ 160 milhões.
"No final do ano obrigatoriamente as despesas são levadas para o orçamento do ano seguinte. Isso acaba impactando o orçamento."
Nesta terça-feira, o G1 percorreu outras unidades da UFRJ e registrou obras inacabadas, fiações expostas e vergalhões à mostra. A verba para a realização de adequações a essa infraestrutura sai do orçamento de investimento, que não é obrigatório e sofreu corte de 51% entre 2017 e 2018.
No CT, tapumes cercam obra no pilotis (Foto: Bruno Albernaz/G1)
Ministério da Educação
A pedido do G1, o MEC encaminhou um levantamento detalhado dos valores empenhados pelo governo federal à UFRJ a partir de 2013. O MEC diz que evita fazer comparações com anos anteriores porque as mudanças metodológicas na elaboração do orçamento podem prejudicar a precisão dos dados.
O valor "empenhado" representa uma reserva de dinheiro, ou seja, o valor que o governo federal se compromete a repassar para uma determinada ação. Após empenhado, o valor pode acabar não sendo usado pelas universidades por vários motivos, mas o Ministério da Educação diz que não tem ingerência sobre as demais fases da execução do orçamento.
Os dados do MEC incluem ainda o total destinado à UFRJ pelas emendas parlamentares a cada ano. O MEC também divulgou a evolução das receitas próprias da UFRJ, que são recursos que ela mesma consegue com uma série de atividades e com o aluguel de imóveis, por exemplo.

Apres l'incendie, le déluge de sottises - Arbre

       L’Arbre pense que le problème est du au deux dernières années, ce qui est d’une mauvaise foi incroyable.
L’Academie n’a plus des limites pour des sottises pareilles...
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Paulo Roberto de Almeida
Envoyé: lundi 3 septembre 2018 à 23:06
De: ARBRE <arbrecontact@gmail.com>
À: ARBRE <arbrecontact@gmail.com>
Objet: Communiqué à propos de l'incendie du Museu Nacional/Comunicado sobre o incêndio no Museu Nacional
Communiqué à propos de l’incendie au Museu Nacional - Brésil
 
Avec l'incendie qui a détruit le Museu Nacional à Rio de Janeiro la nuit du 2 septembre 2018, disparaissent un haut lieu du patrimoine du Brésil et de l’humanité, ainsi qu’un des centres de recherche en anthropologie sociale et en sciences naturelles parmi les plus importants d’Amérique latine. Cette perte irréparable est le fruit de choix budgétaires qui ont paupérisé de manière dramatique cette importante institution, dont la direction avait exposé à plusieurs reprises au cours des dernières années son désarroi et ses craintes au sujet de l’état du bâtiment. 
L’Association pour la Recherche sur le Brésil en Europe manifeste son soutien envers le personnel du Museu Nacional et déplore le sort réservé à la culture, à l’éducation et à la recherche au Brésil, notamment depuis le vote de l’amendement constitutionnel de décembre 2016 gelant pour 20 ans les dépenses publiques.
Nous profitons de ce communiqué pour donner de la visibilité à une opération de sauvegarde de la mémoire du musée et de ses archives qui a été lancée par les étudiants du programme de muséologie de l'UNIRIO. Les personnes détenant des photographies des documents, collections et locaux du musée sont invitées à les partager via l'adresse mail thg.museo@gmail.com
 
Enfin, le Museu Nacional ayant été un lieu de recherche fondamental pour plusieurs de nos membres, nous joignons à ce communiqué le témoignage d’Antoine Acker, actuellement chercheur à l’Université de Zurich :
« En 2016, j'ai passé deux semaines de recherche quotidienne dans les archives historiques du musée, une véritable mine d'or pour l'histoire de l'environnement et des sciences. Pour s’y rendre, il fallait traverser des labyrinthes composés d'animaux préhistoriques, de fossiles et d’instruments de laboratoire, et je me suis égaré plus d’une fois au milieu d’oiseaux tropicaux empaillés. Il y avait très peu de visiteurs, on croisait de temps à autres une ou deux personnes. La plupart du temps, je parcourais les longs couloirs de l’institution seul et dans un silence presque complet, perturbé seulement par le plancher ancien grinçant sous mes pas et un vieux système de climatisation défectueux. Ces circonstances m’amenaient régulièrement à oublier que je me trouvais dans un espace public au coeur de la ville; elles me donnaient le sentiment étrange et délicieux de voyager dans le temps, sans avoir la certitude de pouvoir retrouver mon chemin vers le présent. Parmi les archives, les dossiers de l'ancien Conseil Fédéral Forestier, sur lesquels j’ai eu le plaisir de travailler, constituaient une pièce maîtresse pour construire une histoire de la législation et du militantisme environnemental au Brésil dans le temps long. Ils comprenaient des documents encore jamais analysés et de grande valeur, sur la circulation des connaissances environnementales entre différentes institutions latino-américaines, et surtout sur les coulisses de la préparation du code forestier brésilien de la fin des années 1950 au milieu des années 1960. Cette législation précoce et très avancée de protection de l'environnement, à l’époque unique au monde pour un pays tropical, fut l'un des rares projets du Brésil démocratique et progressiste à survivre au coup d’Etat militaire de 1964. Contre toute attente, elle fut adoptée en pleine dictature, grâce au travail inlassable d’une poignée de fonctionnaires environnementalistes, véritables guerriers du service public prêts à tous les sacrifices pour préserver les forêts du Brésil. J’avais le projet de retourner aux archives du musée pour pouvoir écrire cette belle histoire, si peu connue en dépit de son importance. Elle s‘est envolée en fumée, avec les oiseaux empaillées, les os de dinosaures, les millions de livres, de documents et d’artefacts irremplaçables, et puis avec Luzia, le plus ancien squelette humain connu dans les Amériques. Je ne peux donc qu’être en deuil suite à cet incendie, en tant qu’historien, ami du Brésil et environnementaliste, et souhaite écrire ma profonde solidarité avec le monde scientifique brésilien, avec les personnels de tous les musées et toutes les archives du pays qui luttent quotidiennement pour sauver leurs collections en dépit de l’impardonnable mauvaise volonté du gouvernement, et avec la société brésilienne qui, frappée depuis deux ans par un terrible bond en arrière démocratique, social et écologique, vient de perdre définitivement un trésor d'une valeur inestimable. » 
Comunicado sobre o incêndio no Museu Nacional
Com o incêndio que destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro na noite de 2 de setembro de 2018, desaparece um templo do patrimônio brasileiro e da humanidade, assim como um dos centros de pesquisa em antropologia social e em ciências naturais mais importantes da América Latina. Essa perda irreparável é fruto das escolhas orçamentárias que pauperizaram de maneira dramática essa importante instituição, cuja direção já havia exposto diversas vezes nos últimos anos seu desespero e seus temores em relação ao estado do prédio.
A Association pour la Recherche sur le Brésil en Europe manifesta seu apoio ao pessoal do Museu Nacional e repudia o estado de abandono da cultura, educação e pesquisa no Brasil, em especial desde o voto da emenda constitucional de dezembro de 2016 que congelou por 20 anos os gastos públicos.
Nós aproveitamos este comunicado para dar visibilidade a uma operação de recuperação da memória do museu e de seus arquivos lançada pelos estudantes do programa de museologia da UNIRIO. Todos que possuírem fotografias de documentos, coleções e espaços do museu são convidados a compartilhá-las pelo endereço thg.museo@gmail.com.
 
Por fim, o Museu Nacional tendo sido um lugar de pesquisa fundamental para vários de nossos membros, anexamos a este comunicado o testemunho de Antoine Acker, atualmente pesquisador da Universidade de Zurich:
 
Em 2016 passei duas semanas pesquisando todos os dias no arquivo histórico do museu: era uma mina de ouro para a história ambiental e da ciência. Para chegar lá precisava atravessar labirintos de animais pré-históricos, fósseis e instrumentos de laboratório, e muitas vezes acabei me perdendo no meio de pássaros tropicais empalhados. Havia pouquíssimos visitantes, só de vez em quando cruzava-me com uma pessoa ou duas. No geral, caminhava pelos longos corredores sozinho e num silêncio quase completo, atrapalhado só pelo velho assoalho rangendo sob os meus passos e por um sistema de ar condicionado antigo e deficiente. Isso muitas vezes me fazia esquecer que estava num espaço público e me dava a sensação esquisita e deliciosa de viajar no tempo, sem ter a certeza de poder achar o meu caminho de volta para o presente. No arquivo, as pastas do antigo Conselho Florestal Federal eram chave para construir uma história de longo prazo da legislação e da militância ambiental no Brasil. Continham documentos nunca analisados e de grande valor, sobre a circulação do conhecimento ambiental entre diversas instituições da América Latina e sobre os bastidores da preparação do código florestal brasileiro. Essa legislação precoce de proteção ambiental, na época única no mundo para um país tropical, foi um dos raros projetos do governo Goulart que sobreviveu ao golpe de 64. Foi adotado no tempo do regime militar, graças à ação infatigável de funcionários conservacionistas, verdadeiros guerreiros do serviço público, prontos a todos os sacrifícios para preservar as florestas do Brasil. Eu tinha o projeto  voltar lá para poder escrever esta linda história, tão importante e desconhecida. Ela se foi nas chamas, junto aos pássaros empalhados, aos ossos de dinossauros, a milhares e milhares de livros, documentos e artefatos insubstituíveis, e a Luzia, o esqueleto humano mais antigo já encontrado nas Américas. Estou de luto como historiador, como amigo do Brasil e como ambientalista, e quero escrever a minha profunda solidariedade com o mundo científico brasileiro, com o pessoal de todos os museus e arquivos do país que luta cotidianamente para salvar as suas coleções apesar da má vontade criminosa do governo, e com a sociedade brasileira que além dos contínuos retrocessos sofridos nos últimos dois anos, perdeu definitivamente um tesouro de incalculável valor.”

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Association pour la Recherche sur le Brésil en Europe
43 rue de l'Ourcq
75019 Paris

Juca Paranhos: livro de Luis Claudio Villafane - resenhas em preparação

Quase chegando...




terça-feira, 4 de setembro de 2018

O Dilúvio, um pouco mais à frente - Afonso Celso Pastore

A irritação de um economista
Agonso Celso Pastore
O Estado de S. Paulo, 3/09/2018

"Apesar da depreciação do real, que indica crescimento da percepção de riscos, ainda há no mercado financeiro quem acredite que a vitória da direita ou da esquerda não impede a solução do problema fiscal. O argumento é pseudo-dialético: a gravidade da situação gera a semente de sua resolução.

O problema não é tão simples. A situação fiscal do Brasil é insustentável, mas a crise ainda está em estado latente, podendo ou não ser evitada antes que nos leve à dominância fiscal e à inflação impeditiva do crescimento. Para evitá-la é preciso que seja extirpado o déficit primário, transformando-o em superávits, o que requer no mínimo a reforma da Previdência, sem o que o teto de gastos não se sustenta.

A equipe de Alckmin reconhece a gravidade da situação e propõe, entre outras, uma reforma da Previdência que considere o problema demográfico, e elimine privilégios. Porém, seus oponentes dizem aos eleitores que a solução prejudica os pobres, e para não desagradar os eleitores, economistas ligados ao PT chegam a negar a sua necessidade, bastando acelerar o crescimento, e consequentemente elevar as receitas. É a mesma “fórmula mágica” usada por Dilma Rousseff, com o crédito barato aos empresários que se alinham com os “donos do poder”. Já o economista ligado a Bolsonaro nos ilude (ou ilude a si mesmo) com um sistema de capitalização inviável diante dos custos da transição, que ele irresponsavelmente supera admitindo que criará um “fundo” cuja natureza nunca foi explicada. Em magnífico artigo publicado na edição do dia 29, na Folha de S. Paulo, Alexandre Schwartsman destrói os argumentos da esquerda e da direita, deixando a nu a mentira que é contada aos leitores.

Não tenhamos ilusões. Na transição de FHC para Lula vivíamos uma crise fiscal já manifesta, mas fácil de resolver, enquanto a atual ainda está em estado latente, mas de solução difícil e politicamente custosa. Na transição de FHC para Lula a maior parte da dívida pública era dolarizada, e a relação dívida/PIB se elevava com a depreciação cambial. Quando o real se depreciava eram necessários superávits primários maiores para reduzir a dívida em relação ao PIB, e como o PT alardeava que não pagaria a dívida gerava-se uma fuga de capitais que depreciava o real, elevando a dívida e requerendo superávits primários ainda maiores. Vivíamos, assim, uma crise com uma componente de profecia autorrealizável, sem que existisse sequer uma pálida sombra dos problemas atuais dos gastos da previdência e dos gastos primários como um todo.

Não saímos daquela crise somente com uma “carta aos brasileiros”, que foi apenas a fórmula encontrada para pelo PT para capitalizar os louros da solução. A equipe de FHC – Pedro Malan e Armínio Fraga - tomou a iniciativa de negociar um acordo com o FMI que, entre outras, estabelecia metas para os superávits primários. O já ungido futuro ministro da Fazenda – Antonio Palocci – foi consultado, achando providencial a iniciativa do governo que saía, levando a proposta a Lula. Palocci convenceu-se sobre o caminho a ser seguido convencendo Lula e o PT, e por mais de três anos repetiu a frase canônica:

“Faremos o superávit primário que for necessário para reduzir a relação dívida/PIB”. O início do ciclo de commodities facilitou ainda mais o ajuste, que se transformou em um caminho sem lágrimas.

Lembro-me que por essa ocasião fui convidado a jantar no apartamento de um empresário simpático ao PT, encontrando pessoas ligadas ao partido para discutir com Palocci, que não apareceu. O propósito era conhecer o que eu pensava sobre o ajuste fiscal. Expus os argumentos a quem se dispôs a ouvi-los, e ouvi de um indivíduo ligado ao partido a frase: “Vocês nos convenceram: faremos os superávits primários para conquistar a credibilidade, mas fiquem seguros que quando a obtivermos, governaremos como nós sempre quisermos”. Foi exatamente o que ocorreu do segundo mandato de Lula em diante. Dilma levou ao extremo o voluntarismo que destruiu instituições construídas por FHC, jogando o País na crise.

Desta vez não há nenhum “passe de mágica”: nem acordo com o FMI; nem carta aos brasileiros. Não estamos diante de uma crise que se desarme sem custos políticos. São necessárias reformas impopulares, a começar pela da Previdência, o que requer apoio político. A solução está nas mãos dos eleitores.