O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Google Alerts: política externa brasileira

Não se pode reclamar da falta de notícias, mas acho que os bolsonaristas devem reclamar do excesso de notícias negativas.
Tem um general na presidência que acha que a imprensa precisa se esforçar para trazer notícias positivas. Pois bem, com essa porcaria de política externa fica difícil...

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Diplomacia brasileira
Atualização diária  13 de maio de 2020
NOTÍCIAS 
O presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, foi embaixador do Brasil na Argentina, ...
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O governo brasileiro juntou suas fantasias fascistas com a postura ... Estamos diante de uma novidade: a adoção pela diplomacia chinesa de uma ...
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Política exterior hostil gera dificuldades à missão diplomática venezuelana no Brasil e a brasileiros no país vizinho. Michele de Mello. Brasil de Fato |.
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... da elevada diplomacia brasileira —, colocam o Brasil de joelhos diante dos ... Arruma uma crise diplomática totalmente desnecessária, por motivo ...
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diplomata Rubens Ricupero acredita que o Brasil já é visto como uma ameaça internacional em meio à pandemia do coronavírus e caminha agora ...
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No dia 17 de abril, o Planato ordenou o retorno de todo o corpo diplomático que estava no país vizinho. Foram 38 diplomatas e adidos militares ...
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... presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, os chineses "ainda tem boa vontade com o Brasil", após a crise diplomática entre os ...
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O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, declarou na segunda-feira ... na diplomacia brasileira e presidente do Cebri - Centro Brasileiro de Relações ...
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Esse comunicado é útil para diplomatas responderem a questionamentos no exterior sobre o que o Brasilestá fazendo para combater o avanço do ...

Bolsonaro quer legalizar esbulho de terras públicas - Rubens Ricupero

BOLSONARO QUER LEGALIZAR O ESBULHO DAS TERRAS PÚBLICAS, AFIRMA RICUPERO



A medida provisória 910, conhecida como MP da grilagem, “é um escândalo com poucos precedentes em 520 anos de história. É a legalização do esbulho de terras públicas em grande escala. A grilagem, o avanço de particulares nas terras públicas, ocorreu com muita frequência na história. Mas nunca com uma medida proveniente do Executivo, dando a isso legalidade”.
É o que afirma o embaixador Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente e da Fazenda no governo Itamar Franco. Em entrevista ao TUTAMÉIA (clique no vídeo abaixo para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV), ele alerta: “Se for aprovada, o governo brasileiro estaria transferindo para o patrimônio particular, de pessoas que são extraordinariamente monopolizadoras da propriedade da terra, terras que pertencem a todos os brasileiros”.
Seria mais uma ação contra o Brasil e os brasileiros perpetrada por Bolsonaro, que Ricupero considera um entrave para que o país consiga enfrentar com algum sucesso a pandemia do coronavírus e iniciar um processo de reconstrução nacional.
“Quanto mais mortes vamos ter que ter até que haja uma reação? Se dependesse de mim, isso teria terminado há muito tempo. O afastamento do atual governo é uma precondição sine qua. Não haverá condições para nós começarmos a reconstruir o país enquanto não acionarmos os mecanismos constitucionais para defender a Constituição e a democracia. Alguém tem que dizer que o rei está nu”.
Para ele, é preciso retirar Bolsonaro do poder por meios constitucionais: “Saída legal e constitucional existe. A Constituição prevê o impeachment. Motivos para isso temos de sobra, desde que começou o governo. Há agressões à Constituição, incitação ao fechamento do Congresso, do Supremo. [No dia da saída de Moro], ele admitiu vários delitos. Não há falta nem de lei nem de motivo; o que falta é vontade política. Vontade política tanto do Congresso, de abrir o procedimento, como do STF, que abriu várias investigações que não se concluem”, afirma.
E acrescenta: “Vejo poucas hipóteses, poucos cenários plausíveis. Um se inicia um processo de impeachment. Se isso não ocorrer, o segundo cenário é de deterioração gradual, segura e progressiva. Um agravamento cada vez maior. Uma obra de autodestruição de um país pode durar muito anos. Pode chegar a extremos de deterioração da vida econômica, política, mortes. Pode ou não conduzir a um basta. Apesar do sofrimento, da dor gigantesca, talvez não tenhamos chegado a um ponto que leva a um desfecho”.
PANDEMIA E CAMÕES
Ricupero fala ao TUTAMÉIA desde sua quarentena no bairro Higienópolis, na região central de São Paulo. Desde março, só saiu de casa uma vez, de carro, para tomar vacina contra a gripe. Ele fala dos sentimentos de incerteza e insegurança provocados pela pandemia e analisa a “crise política sem precedentes”.  Avalia: “Somos praticamente o único país da face da terra que tem que combater não só a pandemia, mas um presidente que trabalha contra. Ativamente contra. Procura a cada dia solapar os esforços [de combate à doença]. Isso não existe em nenhum outo lugar. Mesmo nos EUA, que é governado por uma pessoa que é, de certa forma, um inspirador de muita coisa do governo brasileiro, lá as atitudes são mais comedidas. A crise é sui generis, a capacidade de manifestar é muito limitada. Se não fosse isso, estaríamos indo para a rua para dizer em alto e bom som o que sentimos”.
Ricupero aponta como Argentina, Uruguai e Paraguai, que tomaram duras medidas preventivas, enfrentam a crise de forma muito mais eficaz. “Alberto Fernández, em 23 de março, decretou o lockdown, a proibição de sair na rua. Dois meses depois, a Argentina não tem 10% do número de mortos do Estado de São Paulo. Ele chamou o ex-presidente Macri para mostrar uma unidade nacional de solidariedade. É uma diferença da água para o vinho”. Cita, também, o exemplo exitoso da Índia no combate à propagação do vírus e afirma:
“Não há nada de fatal, de determinístico no que nos atinge. A diferença de comportamento da liderança é que explica a diferença de resultados. As boas lideranças, as lideranças humanas, sensíveis à ciência conseguiram minimizar, reduzir o impacto [da pandemia].”
Na análise de Ricupero, o comportamento de Bolsonaro “agride os fatos, agride a realidade, agride a ciência, agride os próprios ministros competentes dele, como foi o anterior ministro da Saúde. Ou se trata de um comportamento totalmente irracional ou, se tiver alguma racionalidade, só pode ser um cálculo, de que isso acabaria dando a ele a simpatia daqueles vão sofrer mais com perda de emprego, renda, dos empresários que pressionam para a reabertura precoce”.
O embaixador receia que o Brasil se transforme no epicentro da crise, com o agravamento muito acelerado dos casos, das mortes e do colapso de sistema hospitalar. “Isso tem muito a ver com a qualidade da liderança”, reforma. E cita Camões: “O fraco rei faz fraca a forte gente”.  Para Ricupero, “o erro do líder supremo contamina toda a população”.
POLÍTICA EXTERNA INCONSTITUCIONAL
Ao TUTAMÉIA, Ricupero fala do documento que assinou, na semana passada, classificando a atual política externa brasileira como inconstitucional. O texto, endossado por Fernando Henrique Cardoso e ex-ministros de diferentes posições políticas (confira o conteúdo abaixo) aponta como Bolsonaro fere princípios básicos estabelecidos na Carta de 1988, como a soberania, a independência, a autodeterminação dos povos, a não ingerência e a busca por soluções pacíficas para conflitos. “Esses princípios todos estão sendo violados na letra e no espírito”, ressalta.
Ex-embaixador do Brasil nos EUA, ele aponta exemplos e condena enfaticamente a aliança de Bolsonaro com os EUA. Diz que o Brasil, ao se definir como aliado estadunidense, está “hipotecando a sua independência e a sua soberania. Significa que os inimigos dos EUA passam a ser nossos inimigos. O Brasil não tem porque considerar esses países adversários. O Congresso precisaria analisar isso”.
Na visão de Ricupero, o governo também fere a Constituição ao votar contra resoluções em defesa dos direitos humanos e tem uma atitude “absolutamente inexplicável e inconstitucional no caso Venezuela”, quando determinou a saída dos diplomatas daquele país _medida que foi derrubada pelo STF. “Felizmente [o STF derrubou]. É um absurdo sem nome”.
O diplomata fala da possibilidade de frente democrática contra Bolsonaro e considera que o documento da semana passada, que também aponta caminhos para a reconstrução da política externa brasileira, “pode ser uma semente de uma coisa mais ampla, porque reuniu pessoas de crenças, de partidos diferentes. Espero que isso possa inspirar os líderes políticos”.
Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Ricupero avalia os impactos da pandemia no globo. “Ela vai acentuar, acelerar algumas tendências que já eram perceptíveis antes. Como a tendência a um certo esgotamento, uma desaceleração da globalização”. Prevê uma redução da excessiva dependência das economias em relação à China e uma volta a uma certa autonomia nacional, Haverá, segundo ele, “um grau maior de desintegração daquele acoplamento entre China e os EUA”.
Ele lamenta a falta evidente de cooperação internacional nessa crise e declara:
“Gostaria que depois da pandemia que se tirasse disso uma lição: a necessidade de haver um sistema global para detectar as pandemias no começo e evitar que elas se propagem. É como a imagem de um incêndio na floresta. Quando começa um foco, se ele for detectado em tempo e apagado, não há grandes danos. Não temos um corpo de bombeiros para isso”.
Leia a seguir a íntegra do documento assinado por Ricupero e outros ex-ministros condenando como inconstitucional a política externa de Bolsonaro.
 A RECONSTRUÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
Artigo assinado por FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, ex-presidente da República e ex-ministro das Relações Exteriores; ALOYSIO NUNES FERREIRA, CELSO AMORIM, CELSO LAFER, FRANCISCO REZEK E JOSÉ SERRA, ex-ministros das Relações Exteriores; RUBENS RICUPERO, ex-ministro da Fazenda, do Meio Ambiente e ex-embaixador do Brasil em Washington; e HUSSEIN KALOUT, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência

Apesar de nossas distintas trajetórias e opiniões políticas, nós, que exercemos altas responsabilidades na esfera das relações internacionais em diversos governos da Nova República, manifestamos nossa preocupação com a sistemática violação pela atual política externa dos princípios orientadores das relações internacionais do Brasil definidos no Artigo 4º da Constituição de 1988.
Inovadora nesse sentido, a Constituição determina que o Brasil “rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I- independência nacional; II- prevalência dos direitos humanos; III- autodeterminação dos povos; IV- não-intervenção; V- igualdade entre os Estados; VI- defesa da paz; VII- solução pacífica dos conflitos; VIII- repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX- cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X- concessão de asilo político”.
“Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”
É suficiente cotejar os ditames da Constituição com as ações da política externa para verificar que a diplomacia atual contraria esses princípios na letra e no espírito.
Não se pode conciliar independência nacional com a subordinação a um governo estrangeiro cujo confessado programa político é a promoção do seu interesse acima de qualquer outra consideração.
Aliena a independência governo que se declara aliado desse país, assumindo como própria uma agenda que ameaça arrastar o Brasil a conflitos com nações com as quais mantemos relações de amizade e mútuo interesse.
Afasta-se, ademais, da vocação universalista da política externa brasileira e de sua capacidade de dialogar e estender pontes com diferentes países, desenvolvidos e em desenvolvimento, em benefício de nossos interesses.
Outros exemplos de contradição com os dispositivos da Constituição consistem no apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não-intervenção; o voto na ONU pela aplicação de embargo unilateral em desrespeito às normas do direito internacional, à igualdade dos Estados e à solução pacífica dos conflitos; o endosso ao uso da força contra Estados soberanos sem autorização do Conselho de Segurança da ONU; a aprovação oficial de assassinato político e o voto contra resoluções no Conselho de Direitos Humanos em Genebra de condenação de violação desses direitos; a defesa da política de negação aos povos autóctones dos direitos que lhes são garantidos na Constituição, o desapreço por questões como a discriminação por motivo de raça e de gênero.
Além de transgredir a Constituição Federal, a atual orientação impõe ao país custos de difícil reparação, como o desmoronamento da credibilidade externa, perdas de mercados e fuga de investimentos.
Admirado na área ambiental, desde a Rio-92, como líder incontornável no tema do desenvolvimento sustentável, o Brasil aparece agora como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global.
A diplomacia brasileira, reconhecida como força de moderação e equilíbrio a serviço da construção de consensos, converteu-se em coadjuvante subalterna do mais agressivo unilateralismo.
Na América Latina, de indutores do processo de integração, passamos a apoiar aventuras intervencionistas, cedendo terreno a potências extrarregionais.
Abrimos mão da capacidade de defender nossos interesses, ao colaborarmos para a deportação dos Estados Unidos em condições desumanas de trabalhadores brasileiros ou ao decidir por razões ideológicas a retirada da Venezuela, país limítrofe, de todo o pessoal diplomático e consular brasileiro, deixando ao desamparo nossos nacionais que lá residem.
Na Europa ocidental, antagonizamos gratuitamente parceiros relevantes em todos os domínios como França e Alemanha. A antidiplomacia atual afasta o país de seus objetivos estratégicos, ao hostilizar nações essenciais para a própria implementação da agenda econômica do governo.
A gravíssima crise de saúde da Covid-19 revelou a irrelevância do Ministério das Relações Exteriores e seu papel contraproducente em ajudar o Brasil a obter acesso a produtos e equipamentos médico-hospitalares.
O sectarismo dos ataques inexplicáveis à China e à Organização Mundial de Saúde, somado ao desrespeito à ciência e a insensibilidade às vidas humanas demonstradas pelo presidente da República, tornaram o governo objeto de escárnio e repulsa internacional.
Criaram, ao mesmo tempo, obstáculos aos esforços dos governadores para importar produtos desesperadamente necessários para salvar a vida de milhares de brasileiros.
O resgate da política exterior do Brasil exige o retorno à obediência aos princípios constitucionais, à racionalidade, ao pragmatismo, ao senso de equilíbrio, moderação e realismo construtivo.
Nessa reconstrução, é preciso que o Judiciário, guardião da Constituição, e o Congresso Nacional, representante da vontade do povo, cumpram o papel que lhes cabe no controle da constitucionalidade das ações diplomáticas.
A fim de corresponder aos anseios do nosso povo e corresponder às necessidades reais do Brasil, a política externa precisa contar com amplo respaldo na opinião pública, e a colaboração na sua concepção de todos os setores da sociedade.
Requer também o engajamento do nosso corpo de diplomatas: uma política de Estado e não uma ação facciosa voltada para excitar os ânimos e exacerbar os preconceitos de uma minoria obscurantista e reacionária.
Nossa solidariedade e decidido apoio aos diplomatas humilhados e constrangidos por posições que se chocam com as melhores tradições do Itamaraty.
A reconstrução da política exterior brasileira é urgente e indispensável. Deixando para trás essa página vergonhosa de subserviência e irracionalidade, voltemos a colocar no centro da ação diplomática a defesa da independência, soberania, da dignidade e dos interesses nacionais, de todos aqueles valores, como a solidariedade e a busca do diálogo, que a diplomacia ajudou a construir como patrimônio e motivo de orgulho do povo brasileiro.
São Paulo, 8 de maio de 2020

The Reconstruction of Brazilian Foreign Policy - former Brazilian ministers

The Reconstruction of Brazilian Foreign Policy

Published by O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Globo, Valor Econômico
May 8th, 2020


Despite our distinct political trajectories and opinions, we, who have all held high positions in the sphere of international relations in various governments of the New Republic, express our concern with the way in which the country’s foreign policy has systematically violated the guiding principles of Brazil's international relations as defined in Article 4 of the 1988 Constitution.

An innovative document in this sense, the Constitution states that Brazil “is governed in its international relations by the following principles: I- national independence; II- respect for human rights; III- self-determination of peoples; IV- non-intervention; V- equality between States; VI- defense of peace; VII- peaceful resolution of conflicts; VIII- repudiation of terrorism and racism; IX- cooperation between peoples for the progress of humanity; X- granting of political asylum”.

It furthermore states that “The Federative Republic of Brazil will seek the economic, political, social and cultural integration of the peoples of Latin America with a view to forming a Latin American community of nations.”

Comparing the principles of Brazil’s Constitution with the government’s actions in the realm of foreign policy reveals that the latter contradict the former in both letter and spirit. True national independence cannot be reconciled with subordination to a foreign government whose explicit political strategy is to promote its own self-interest above all other considerations. A government that declares itself a steadfast ally of that country relinquishes its own independence. In doing so, the current administration embraces an agenda that threatens to drag Brazil into conflicts with nations with which we maintain relations of friendship and mutual interest. Furthermore, it departs from the universalist principle of Brazilian foreign policy and its ability to open dialogue and build bridges with different countries, developed and developing ones, for our own sake.

Some other examples of recent contradictions with the provisions of the Constitution include the following: support for coercive measures in neighboring countries, violation of the principles of self-determination and non-intervention; vote in the United Nations for the imposition of a unilateral embargo in violation of the rules of international law,  equality of states, and peaceful resolution of conflicts; endorsement of use of force against sovereign states without authorization from the UN Security Council; official approval of political assassination and vote against resolutions by the Human Rights Council in Geneva to condemn the violation of such rights; defense of the policy of denying indigenous peoples the rights guaranteed to them in the Constitution; disregard for issues such as discrimination on grounds of race and gender.

In addition to contravening the Federal Constitution, the current strain/breed of foreign policy has imposed serious costs on the country, such as the collapse of external credibility, loss of markets, and capital flight. This damage will undoubtedly prove difficult to repair. 

Admired in the realm of environmentalism since Rio-92 and long viewed as a leader in sustainable development, Brazil now figures as a threat to itself and others due to the ongoing destruction of the Amazon and the worsening of global warming. Brazilian diplomacy, traditionally recognized as a force for moderation and balance at the service of consensus building, has become a subordinate player to an aggressive and dangerous unilateralism.

In Latin America, the nation has shifted from an advocate for regional integration to a supporter of interventionist adventures, giving way to extra-regional powers. We have given up the ability to stand up our interests by collaborating to deport Brazilian workers from the United States in inhumane conditions. We have done so once more by deciding to withdraw all Brazilian diplomatic and consular personnel from the neighboring country of Venezuela for purely ideological reasons, leaving behind helpless Brazilian nationals residing there. 

In Western Europe, we now antagonize important partners, such as France and Germany, in practically all fields. The current course of anti-diplomatic action distances Brazil from its strategic objectives by alienating nations that are essential to the implementation of the government's economic agenda.

The grave health crisis posed by Covid-19 further revealed the ineffectiveness of the current Ministry of Foreign Affairs and its counterproductive role in helping the nation gain access to medical products and equipment. The sectarianism fueling otherwise inexplicable attacks on China and the World Health Organization, coupled with the disrespect for science and the insensitivity to human lives demonstrated by the President of the Republic, has made the government an object of international derision and disgust. At the same time, it has also jeopardized the efforts of governors seeking to import products that are desperately needed to save the lives of thousands of Brazilians.

Rescuing Brazil's foreign policy will require a return to constitutional principles, rationality, pragmatism, a sense of balance, moderation and constructive realism. In this process of reconstruction, it will be incumbent on the Judiciary – guardian of the Constitution and the National Congress, representative of the people's will – to fulfill their role by ensuring that diplomatic actions truly abide by the principles laid out in the Constitution.

In order to respond to the yearnings of our people and the real needs of Brazil, foreign policy needs to elicit broad support in terms of opinion. It must be collaborative, with respect and consideration for all sectors of society. It also requires the engagement of our diplomatic corps at service of the country toward a State policy rather than partisan actions aimed at arousing spirits and exacerbating the prejudices of a reactionary minority. We offer our sympathy and decisive support for diplomats who have been humiliated and embarrassed by positions that clash with the best traditions of the Foreign Ministry.

Reconstructing Brazilian foreign policy is urgent and indispensable. By leaving behind this shameful page of subservience and irrationality, let us once again place at the center of diplomatic action the defense of our independence, sovereignty, dignity, and national interests. Let us embody once more all the values, including solidarity and the search for dialogue, that have helped build the heritage and boost the pride of the Brazilian people.

Authors: Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer, Francisco Rezek, José Serra, Rubens Ricupero and Hussein Kalout. 

–– Fernando Henrique Cardoso is former President of the Republic and former Minister of Foreign Affairs;
–– Aloysio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer, Francisco Rezek and José Serra are former Ministers of Foreign Affairs;
–– Rubens Ricupero is a former Minister of Finance, Minister of the Environment and a former Brazilian Ambassador to Washington;
–– Hussein Kalout is a former Special Secretary for Strategic Affairs for the Presidency of the Republic. 

Grosserias de Ernesto Araújo empurram o Brasil para a irrelevância, diz embaixador - CEBRI

Grosserias de Ernesto Araújo empurram o Brasil para a irrelevância, diz embaixador

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores

Sputnik - O presidente emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Luiz Augusto de Castro Neves, foi embaixador do Brasil na Argentina, Japão e China, entre outros países, além de ter sido secretário de Assuntos Estratégicos do Ministério das Relações Exteriores.
À Sputnik Brasil, Neves defendeu a nota publicada pelo Cebri no último sábado (9), na qual os rumos da política externa brasileira sob o governo do presidente Jair Bolsonaro são criticados.
Entre outras afirmações, o documento se refere a "um acumulado de erros recentes e que atingiram agora um patamar de disfuncionalidade e de prejuízo para o país ao seguir o caminho oposto do que seria natural durante a crise provocada pelo novo coronavírus".
"[O que motivou a nota] foi a disfuncionalidade crescente da política externa brasileira está tendo como consequência a irrelevância da atuação internacional do governo brasileiro, o que é grave e altamente prejudicial aos interesses brasileiros", disse Neves à Sputnik Brasil.
O presidente emérito do Cebri é um dos 27 signatários do comunicado, que ressalta que "em datas recentes o governo brasileiro, através do Itamaraty [...] tem feito declarações gratuitas e inconsequentes, proferido votos e adotado posições que nos enfraquecem e isolam sem com isso, de forma alguma, fortalecer a defesa de nossos interesses".
"Se acumulam as queixas e ressentimentos com posições nossas que se desviam de nossa longa tradição de cooperação construtiva com a sociedade internacional. Tudo isso tem um preço que pode vir a nos ser cobrado quando mais precisamos de uma coisa que já tínhamos merecidamente conquistado e que era o mais amplo respeito da sociedade internacional que via no Brasil um parceiro amistoso, confiável e, acima de tudo, generoso", acrescentou a nota.
Neves pontuou que parece claro que a política externa brasileira esteja sem rumo, "com algumas manifestações esparsas, grosseiras e inconsequentes". Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o diplomata não mencionou diretamente, mas o órgão lida com o maior parceiro comercial do Brasil, o mesmo atacado por ministros e filhos de Bolsonaro recentemente.
"Além das 'declarações gratuitas e inconsequentes', o Brasil tende à pior forma de isolamento, que é aquele decorrente da irrelevância de sua atuação em suas relações internacionais; acrescente-se a conduta errática de algumas autoridades em relação a países com os quais o Brasil tem parcerias estratégicas relevantes para o maior interesse nacional, que é o de promover seu desenvolvimento econômico e social", completou o ex-embaixador.
Na sexta-feira (8), vários ex-chanceleres brasileiros – incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – divulgaram em jornais de grande circulação um manifesto contra a atual situação do Itamaraty, que é associado mais ao alinhamento automático com os EUA e o negacionismo do que com o multilateralismo que sempre regeu a política externa do país.
Em resposta, Ernesto Araújo usou as suas redes sociais e atacou tanto o manifesto quanto a nota do Cebri. O chanceler recentemente foi criticado por associar a China à covid-19, tecendo o termo "comunavírus" para associar a pandemia a um suposto levante comunista no planeta.

CEBRI se manifesta sobre a ausencia de politica externa e diplomacia destrambelhada

O CEBRI finalmente saiu de sua timidez e hesitação “tucana” (ou seja, ficar em cima do muro) para simplesmente dizer a verdade sobre o horror que é a diplomacia destrambelhada do inepto chanceler acidental, conduzindo de maneira canhestra uma política externa que basicamente NÃO existe — pois nunca foi exposta claramente (pela incompetência e ignorância de seus verdadeiros patronos amadores) — e que atua CONTRA os interesses da nação. O CEBRI tem entre seus apoiadores financeiros grandes empresas brasileiras e estrangeiras. Isso significa que, se o Grande Capital (essa figura mítica dos marxistas) ainda não rompeu totalmente com o desgoverno do capitão apalermado, ao menos já rompeu com a antidiplomacia da EA, a Era dos Absurdos.




Desafios do acordo Mercosul-União Europeia - Rubens Barbosa (OESP)

A situação do acordo entre o Mercosul e União Europeia independe da posição da Argentina, pois ele está de toda forma condenado: Bolsonaro se tornou um sujeito intragável para os europeus, apenas isso. Não tem como aprovar no Parlamento europeu ou nos nacionais. 
Paulo Roberto de Almeida

DESAFIOS DO ACORDO MERCOSUL E UNIÃO EUROPÉIA

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 12/05/2020

Um fato novo complica o entendimento entre os países do Mercosul. Em abril, a Argentina informou que não mais acompanharia Brasil, Paraguai e Uruguai nas negociações em curso do Mercosul com outros países, como Canadá, Cingapura, Coreia do Sul, Líbano e Índia. Mas que manteria sua participação nos acordos, já concluídos e não assinados, com a União Europeia (UE) e com a Área de Livre Comércio da Europa (EFTA). Na semana passada, o governo argentino voltou atrás, num confuso comunicado, no qual ressalta que decidiu manter-se nas negociações conjuntamente, mas sempre levando em conta as sensibilidades dos setores menos competitivos (industriais). Embora querendo participar de todos os trabalhos e demandando a inclusão de cláusulas que resguardem os interesses argentinos futuros, Buenos Aires não se compromete com a conclusão das negociações em curso. O Chanceler Felipe Sola diz favorecer um regime de dupla velocidade, no qual a Argentina não fica fora dos acordos, mas quer ter a palavra final sobre como e quando passaria a fazer parte deles. Até meados do ano, o acordo Mercosul-UE deverá ser assinado. Como o governo argentino reagirá durante o processo de ratificação, se forem solicitadas modificações no texto do acordo, como ocorreu no caso do tratado UE-Canadá? Nuestros hermanos querem um Mercosul à la carte, o que aumenta a incerteza para todos, pela insegurança jurídica na aplicação dos compromissos assumidos. Flexibilização, se houver, tem de ser para todos.
Além dessa incerteza, menciono duas questões do lado brasileiro para o acesso ao mercado europeu: competitividade e meio ambiente.
Para aproveitar as preferências tarifárias, os produtos industriais deverão melhorar significativamente sua competitividade e passar a receber um tratamento isonômico em relação ao produzido em outros países. Sem que isso ocorra, apesar de a UE abrir seu mercado com tarifa zero de imediato para 75% de suas importações, será difícil competir no mercado europeu com produtos importados de outras áreas, como EUA, China e Coreia. A aprovação da reforma trabalhista e a da previdência social foram avanços importantes no caminho da modernização do Estado brasileiro. De modo a que o custo Brasil seja reduzido, é imperativo que sejam aprovadas a reforma tributária, a reforma do Estado e um amplo programa de desburocratização, simplificação e facilitação de negócios e de melhoria na logística (portos, estradas, ferrovias). Em paralelo, um eficiente programa de inovação por parte das empresas e de políticas públicas ajudaria a modernizar a operação das companhias que produzem para o mercado doméstico e também exportam. Estudo recente da Fiesp, mostra que a indústria nacional, antes da pandemia, estava lenta na busca para alcançar o nível de 4.0. (1,3% tinham investimento em 4.0 (em faturamento) 
O segundo desafio são os compromissos na área de meio ambiente que o Brasil deverá cumprir. O capítulo de desenvolvimento sustentável, incluído no acordo, talvez seja o mais desafiador, em vista da atual política de meio ambiente e mudança de clima do governo brasileiro. A crescente força política dos partidos verdes nos parlamentos dos países europeus poderá representar um obstáculo para a ratificação do acordo caso a atual política ambiental brasileira não se modifique, como exemplificado pela crise em relação ao Fundo Amazônico, que resultou na suspensão de recursos financeiros recebidos da Alemanha e Noruega. Os compromissos assumidos pelos países membros no tocante ao desenvolvimento sustentável estão incluídos em 18 artigos que cobrem acordos relacionados a comércio e meio ambiente, comércio e biodiversidade, comércio e preservação de florestas, da ONU, além de regras da Organização Internacional do Trabalho, inclusive a Resolução 169, que trata a exploração de terras indígenas. O descumprimento dos dispositivos dos acordos poderá acarretar boicotes e mesmo restrição de importação de produtos agrícola do Mercosul. São mencionados explicitamente os principais acordos internacionais como os derivados da Conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, Conferência Quadro da ONU sobre mudança do clima, Convenção sobre diversidade Biológica, Convenção da ONU de combate à desertificação, o Acordo de Paris de 2015, regras da OMC e Resoluções de outros organismos internacionais. Além disso, por insistência da UE, foi aprovado o princípio da precaução, pelo qual o não cumprimento de acordos de meio ambiente, energia ou trabalho forçado ou infantil, poderia acarretar restrição à importação de determinado produto.
O mundo mudou e as preocupações com o meio ambiente, a mudança do clima, a preservação das florestas entraram definitivamente na agenda global. A falta de informação interna objetiva dos compromissos internacionais assumidos pelos diferentes governos nas últimas décadas e a crescente percepção externa negativa sobre as políticas ambientais criam uma incerteza adicional para o setor produtivo, em especial o do agronegócio. Com o fim do COVID 19, as questões ambientais vão ressurgir com toda força e os governos do Mercosul não poderão ignorar essa agenda incluída no acordo com a UE.

Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

segunda-feira, 11 de maio de 2020

O legado de Henry Kissinger - Paulo Roberto de Almeida

O legado de Henry Kissinger

Paulo Roberto de Almeida

Não, o velho adepto da realpolitik ainda não morreu. Mas tendo completado 85 anos em maio de 2008, o ex-secretário de Estado e ex-conselheiro de Segurança Nacional dos EUA Henry Kissinger aproxima-se das etapas finais de sua vida. Seus obituários – não pretendendo aqui ser uma ave de mau agouro – devem estar prontos nas principais redações de jornais e revistas do mundo inteiro, e os comentaristas de suas obras preparam, certamente, revisões de análises anteriores para reedições mais ou menos imediatas, tão pronto este “Metternich” americano passe deste mundo terreno para qualquer outro que se possa imaginar (na minha concepção, deverá ser o mundo das idéias aplicadas às relações de poder). 
Talvez seja esta a oportunidade para um pequeno balanço de seu legado, que alguns – por exemplo Cristopher Hitchens, em The Trial of Henry Kissinger  querem ver por um lado unicamente negativo, ou até criminoso, como se ele tivesse sido apenas o inimigo dos regimes “progressistas” e um transgressor consciente dos direitos humanos e da autodeterminação dos povos. Ele certamente tem suas mãos manchadas de sangue, mas também foi o arquiteto dos acordos de redução de armas estratégicas e da própria tensão nuclear com a extinta União Soviética, além de um mediador relativamente realista nos diversos conflitos entre Israel e os países árabes, no Oriente Médio. Sua obra “vietnamita” é discutível, assim como foi altamente discutível – ou francamente condenável – o prêmio Nobel da Paz concedido por um simplesmente desengajamento americano, que visava bem mais a resolver questões domésticas do que realmente pacificar a região da ex-Indochina francesa. 
Pode-se, no entanto, fazer uma espécie de avaliação crítica de sua obra prática e intelectual, como reflexão puramente pessoal sobre o que, finalmente, reter de uma vida rica em peripécias intelectuais e aventuras políticas. Sua principal obra de “vulgarização” diplomática, intitulada de maneira pouco imaginativa Diplomacia simplesmente, deve constituir leitura obrigatória em muitas academias diplomáticas de par le monde. Seu trabalho mais importante, uma análise do Congresso de Viena (1815), é mais conhecido pelos especialistas do que pelo grande público, mas ainda assim merece ser percorrido pelos que desejam conhecer o “sentido da História”.
 O legado de Henry Kissinger é multifacético e não pode ser julgado apenas pelos seus atos como Conselheiro de Segurança Nacional de Richard Nixon, ou como Secretário de Estado desse presidente e do seguinte, Gerald Ford, quando ele esteve profundamente envolvido em todas as ações do governo americano no quadro da luta anti-comunista que constituía um dos princípios fundamentais da política externa e da política de segurança nacional dos EUA. Esse legado alcança, necessariamente, suas atividades como professor de política internacional, como pensador do equilíbrio nuclear na era do terror – doutrina MAD, ou Mutually Assured Destruction –, como consultor do Pentágono em matéria de segurança estratégica, e também, posteriomente a seu trabalho no governo, como articulista, memorialista e teórico das relações internacionais.
A rigor, ele começou sua vida pública justamente como teórico das relações internacionais, ou, mais exatamente, como historiador do equilíbrio europeu numa época revolucionária, isto é, de reconfiguração do sistema de poder no seguimento da derrocada de Napoleão e de restauração do panorama diplomático na Europa central e ocidental a partir do Congresso de Viena (1815). Sua tese sobre Castlereagh e Metternich naquele congresso (A World Restored, 1954) é um marco acadêmico na história diplomática e de análise das realidades do poder num contexto de mudanças nos velhos equilíbrios militares anteriormente prevalecentes. Depois ele foi um fino analista dessas mesmas realidades no contexto bipolar e do equilíbrio de terror trazido pelas novas realidades da arma atômica. Ele se deu rapidamente conta de que não era possível aos EUA manter sua supremacia militar exclusiva, baseada na hegemonia econômica e militar e no seu poderio atômico, sem chegar a algum tipo de entendimento com o outro poder nuclear então existente, a União Soviética, uma vez que, a partir de certo ponto, a destruição assegurada pela multiplicação de ogivas nucleares torna ilusória qualquer tentativa de first strike ou mesmo de sobrevivência física, após os primeiros lançamentos.
Daí sua preocupação em reconfigurar a equação dos poderes – aproximando-se da China, por exemplo – e em chegar a um entendimento mínimo com a URSS, através dos vários acordos de limitações de armas estratégicas. O controle da proliferação nuclear também era essencial, assim como evitar que mais países se passassem para o lado do inimigo principal, a URSS (o que justifica seu apoio a movimentos e golpes que afastassem do poder os mais comprometidos com o lado soviético do equilíbrio de poder). Numa época de relativa ascensão da URSS, com governos declarando-se socialistas na África, Ásia e América Latina, a resposta americana só poderia ser brutal, em sua opinião, o que justificava seu apoio a políticos corruptos e a generais comprometidos com a causa anti-comunista. Não havia muita restrição moral, aqui, e todos os golpes eram permitidos, pois a segurança dos EUA poderia estar em jogo, aos seus olhos. 
Ou seja, todas as acusações de Christopher Hitchens estão corretas – embora este exagere um pouco no maquiavelismo kissingeriano – mas a única justificativa de Henry Kissinger é a de que ele fez tudo aquilo baseado em decisões do Conselho de Segurança Nacional e sob instruções dos presidentes aos quais serviu. Não sei se ele deveria estar preso, uma vez que sua responsabilidade é compartilhada com quem estava acima dele, mas certamente algum julgamento da história ele terá, se não o dos homens, em tribunais sobre crimes contra a humanidade. Acredito, pessoalmente, que ele considerava as “vítimas” de seus muitos golpes contra a democracia e os direitos humanos como simples “desgastes colaterais” na luta mais importante contra o poder comunista da URSS, que para ele seria o mal absoluto.
O julgamento de alguém situado num plano puramente teórico, ou “humanista” – como, por exemplo, intelectuais de academia ou mesmo jornalistas, para nada dizer de juizes empenhados na causa dos direitos humanos ou de “filósofos morais” devotados à “causa democrática” no mundo –, tem de ser necessariamente diferente do julgamento daqueles que se sentaram na cadeira onde são tomadas as decisões e tem, portanto, de julgar com base no complexo jogo de xadrez que é o equilíbrio nuclear numa era de terror, ou mesmo no contexto mais pueril dos pequenos golpes baixos que grandes potências sempre estão aplicando nas outras concorrentes, por motivos puramente táticos, antes que respondendo a alguma “grande estratégia” de “dominação mundial”. Desse ponto de vista, Kissinger jogou o jogo de forma tão competente quanto todos os demais atores da grande política internacional, Stalin, Mao, Kruschev, Brejnev, Chu En-lai, Ho Chi-min e todos os outros, ou seja, não há verdadeiramente apenas heróis de um lado e patifes do outro. Todos estão inevitavelmente comprometidos como pequenos e grandes atentados aos direitos humanos e aos valores democráticos.
Não creio, assim, que ele tenha sido mais patife, ou criminoso, do que Pinochet – que ele ajudou a colocar no poder – ou de que os dirigentes norte-vietnamitas – que ele tentou evitar que se apossassem do Vietnã do Sul (e, depois, jogou a toalha, ao ver que isso seria impossível cumprir pela via militar, ainda que, na verdade, os EUA tenham sido “derrotados” mais na frente interna, mais na batalha da opinião pública doméstica, do que propriamente no terreno vietnamita). Ou seja, Kissinger não “acabou” com a guerra do Vietnã: ele simplesmente declarou que os EUA tinham cumprido o seu papel – qualquer que fosse ele – e se retiraram da frente militar.
Seu legado também pode ser julgado como “comentarista” da cena diplomática mundial, como memorialista – aqui com imensas lacunas e mentiras, o que revela graves falhas de caráter – e como consultor agora informal de diversos presidentes, em geral republicanos (mas não só). Ele é um excelente conhecedor da História – no sentido dele, com H maiúsculo, certamente – e um grande conhecedor da psicologia dos homens, sobretudo em situações de poder. Trata-se, portanto, de um experiente homem de Estado, que certamente serviu ardorosamente seus próprios princípios de atuação – qualquer que seja o julgamento moral que se faça deles – e que trabalhou de modo incansável para promover os interesses dos EUA num mundo em transformação, tanto quanto ele tinha analisado no Congresso de Viena.
Desse ponto de vista, pode-se considerar que ele foi um grande representante da escola realista de poder e um excelente intérprete do interesse nacional americano, tanto no plano prático, quanto no plano conceitual, teórico ou histórico. Grandes estadistas, em qualquer país, também são considerados maquiavélicos, inescrupulosos e mentirosos, pelos seus adversários e até por aliados invejosos. Esta é a sina daqueles que se distinguem por certas grandes qualidades, boas e más. Kissinger certamente teve sua cota de ambas, até o exagero. Não se pode eludir o fato de que ele deixará uma marca importante na política externa e nas relações internacionais – dos EUA e do mundo – independentemente do julgamento moral que se possa fazer sobre o sentido de suas ações e pensamento.
Por uma dessas ironias de que a História é capaz, coube a um dos presidentes mais ignorantes em história mundial (Ronald Reagan) enterrar, praticamente, o poder soviético com o qual Kissinger negociou quase de igual para igual durante tantos anos. Ele, que considerava o resultado de Viena um modelo de negociação – por ter sido uma paz negociada, justamente, não imposta, como em Versalhes – deve ter sentido uma ponta de inveja do cowboy de Hollywood, capaz de desmantelar o formidável império que tinha estado no centro de suas preocupações estratégicas – e que ele tinha poupado de maiores “desequilíbrios” ao longo dos anos. Seu cuidado em assegurar o “equilíbrio das grandes potências” saltou pelos ares com o keynesianismo militar praticado por Reagan, um desses atos de voluntarismo político que apenas um indivíduo totalmente alheio às grandes tragédias da História seria capaz. Talvez Kissinger tivesse querido ser o arquiteto do grande triunfo da potência americana, mas ele teve de se contentar em ser apenas o seu intérprete tardio. Nada mau, afinal de contas, para alguém que foi, acima de tudo, um intelectual...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de junho de 2008