Excepcionalmente rico esse socialismo do seculo 21 que está sendo construído por nosso conhecido "profesor de economía al revés", pois que ele pode dispensar mão-de-obra especializada, como essas centenas de engenheiros do petróleo, que ele mandou voluntariamente para a vizinha Colômbia, assim como centenas de outros que foram para o Canadá, e outros milhares para os EUA e dezenas de outros países europeus, com destaque para a Espanha.
Gracias Profesor Chávez...
Una mujer y nueve meses
Mauricio Botero Caicedo
El Espectador (Colombia), 2.01.2010
LOS ESTUDIOSOS DEL DESARROLLO están de acuerdo en que el capital humano es tal vez el principal eslabón en la compleja cadena que conduce a la riqueza de las naciones.
Pero a diferencia del capital físico que requiere esencialmente inversión en dinero, hormigón y equipos, el capital humano —además de inversión— requiere tiempo… mucho tiempo. Bernardo Quintero, el ejecutivo y ocasional filósofo payanés afirma que para procrear un hijo se necesita una mujer y nueve meses, no nueve mujeres y un solo mes. Con el capital humano ocurre lo mismo.
Existe, sin embargo, una excepción que acelera la formación de este recurso y es que el capital humano se desplace, voluntaria o involuntariamente, de un lugar a otro. Con creces se benefician los países que acogen a los inmigrantes profesionales, a medida que perjudican a los países que los emigrantes abandonan. La historia nos brinda innumerables ejemplos de estos flujos migratorios como fue las expulsión de los judíos de la península ibérica en los siglos XV y XVI, que les permitieron principalmente a los Países Bajos acelerar su desarrollo; la expulsión de los hugonotes de Francia, torpeza que empobreció intelectualmente al reino galo, pero que enriqueció a sus vecinos y a Inglaterra; y en nuestra era las masivas migraciones huyendo del fascismo y del comunismo, inmigrantes que contribuyeron de manera decisiva al liderazgo de países como Estados Unidos, Canadá, y Australia.
Con discreción y timidez al inicio, pero cada día con mayor fuerza, a Colombia le está llegando un gigantesco acervo de capital humano procedente de Venezuela. Aquel chafarote de quinta categoría que es Hugo Chávez le está prestando a Colombia un invaluable servicio: proveerle un capital que duraríamos una o dos generaciones formando. Hoy, cerca de 600 ingenieros petroleros venezolanos laboran en el país, y dentro de sus inmensos aportes está la contribución a que el campo petrolero de Rubiales en el Meta, en vez de producir 9.000 barriles diarios, haya sobrepasado los 100.000 barriles y en fechas cercanas lleguen a 300.000 barriles. En buena parte estos ingenieros y ejecutivos formaban parte de Petróleos de Venezuela, Pdvsa, empresa que hoy en día se dedica es a atender las necedades del socialismo del siglo XXI que pregona Chávez. Pero no sólo son los ingenieros petroleros los que se han desplazado a nuestro país: miles de empresarios, profesionales y académicos buscan en Colombia, como afirma Miguel Gómez Martínez en su columna de El Espectador (diciembre 6/09), el refugio y la tranquilidad, por no hablar de la libertad, que les fue arrebatada en su país de origen.
Con el fin de acelerar el flujo migratorio de los venezolanos hacia Colombia, la Cancillería les debe agilizar los trámites para que puedan obtener la residencia o la ciudadanía sin tropiezo alguno. Paralelamente, el Ministerio de Comercio Exterior debe promover aún más la inversión de Venezuela en nuestro país, especialmente aquella relacionada con el sector exportador. Chávez, chafarote tropical que sigue pensando que los inmensos problemas que enfrenta Venezuela se solucionan con ponerles a sus ciudadanos bozales de arepa, entreteniéndolos simultáneamente con el espectáculo bufo en que ha convertido sus alocuciones dominicales, va a continuar promoviendo —sin que los colombianos tengamos que mover un dedo— migraciones masivas de capital humano. El coronel, sin proponérselo, terminará siendo un gran benefactor de Colombia. ¿Será que por cada profesional que nos llegue, a Chávez en reciprocidad le podemos enviar un terrorista de las Farc?
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Politica Externa Brasileira: mais um questionario de 2007 (Oriente Médio, etc)
Como nos casos anteriores, estas respostas tinham permanecido inéditas, pois serviram unicamente a propósitos de trabalho universitário. Não creio que se deve esconder o que se pensa, mesmo havendo certa defasagem temporal entre as respostas daquele momento e a situação atual.
Questionário sobre a Política Externa Brasileira
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de abril de 2007
1) ¿Piensa Usted que los principios fundadores del no-alineamiento, como la independencia o la soberanía, están presentes en la estrategia exterior de Brasil ?
PRA : Certamente. A diplomacia brasileira segue um padrão de conduta bastante tradicional e reafirmado continuamente desde praticamente o seu nascimento, no início do século XIX, no momento da independência, com vários momentos de destaque na afirmação desses princípios, como pode ter sido o período da « política externa independente » (1961-1963).
A atual diplomacia do presidente Lula pretende retomar essas mesmas características e vem constantemente reafirmando que sua política externa tem como eixo fundadores a soberania nacional (ou seja, independência e não-alinhamento) e a busca de integração com os países da região (América do Sul).
2) ¿ Qué opina Usted de la expresión « soft balancing » (Andrew Hurrell) para describir la estrategia de Brasil ?
PRA : Trata-se de um conceito, nada mais do que um conceito, que pode, eventualmente, descrever a situação e o comportamento da diplomacia brasileira, no seu relacionamento com as potências mais poderosas (ou seja, os países que moldam a agenda internacional), mas a diplomacia brasileira não se deixa amarrar por conceitos, que nada mais são do que « ajudas » terminológicas para os analistas acadêmicos.
Esse conceito pode eventualmente ser correto numa situação em que o país precisa se posicionar em face de diferentes parceiros poderosos, mas não necessariamente será operacional para outras situações, envolvendo outros parceiros.
3) ¿ La política de Brasil hacia el Sur se enfoca mas en el nivel económico o político ?
PRA : Atualmente, ambos os planos são igualmente privilegiados. O Brasil sempre procurou destacar seus interesses econômico-comerciais no relacionamento diplomático, mas o governo atual mantém uma estratégia explícita de diplomacia « sulista », voltada para incrementar o relacionamento do país com outros países em desenvolvimento, julgados mais próximos do Brasil pela sua situação econômica e social e portanto mais suscetíveis de compor uma agenda com interesses comuns.
4) ¿ Porqué establecer relaciones con los países árabes ?
PRA : TRata-se de uma importante região no mundo em desenvolvimento, com interesses concretos nas áreas de comércio e investimentos, fornecedora de petróleo e também vinculada ao Brasil em função de intensas correntes migratórias que, no passado ou no presente, trouxeram ao Brasil um apreciável contingente populacional que hoje constitui parte integrante e integral do povo brasileiro. Esses laços devem ser reforçados e ampliados.
5) ¿ Esta política interregional puede mantenerse en el tiempo ?
PRA : Provavelmente sim, se os vínculos comerciais que estão sendo criados se mostrarem suficientemente fortes. Na área política, a situação do Oriente Médio ainda é de uma grande instabilidade e o Brasil provavelmente não tem uma alavancagem ou algum poder substantivo para poder interferir num setor ou em outro. Em todo caso, o Brasil sempre poderá participar de esforços multilaterais para contribuir para a pacificação da região e sua integração mais intensa aos intercâmbios globais.
6) ¿ Por qué no invitar a Irán en la cumbre de Brasilia ? (¿ Quiso Ahmadinejad ir a Brasil en enero pasado ?)
PRA : Não sei exatamente por que, mas a cúpula tratou explicitamente dos vínculos entre« países árabes » e os da América do Sul e o Iran não é um país árabe.
7) ¿ Cuál es la posición de Brasil con propósito a Israel ? Porque aceptó firmar textos que denuncian la política israeli : en el G.15, en la Declaración de Brasilia...
PRA : Brasil mantém boas relações com Israel e com os países árabes, dispondo de grandes contingentes populacionais de vários os povos do Oriente Médio. Não seria intenção do Brasil hostilizar Israel e as declarações políticas impulsionadas pelos países árabes carecem, por vezes, do equilíbrio necessário, que tem guiado as posições do Brasil, sem deixar de reconhecer os direitos do povo palestino naquela região.
8) ¿ No hay una lucha por cierta visión del Sur entre los países en vías de desarrollo ? ¿ Cómo definiría Usted las diferentes visiones ?
Pra : Sem dúvida que uma « visão do Sul » pode-se prestar a algumas confusões, uma vez que o « sul », hoje, é um conceito mais político do que geográfico ou econômico, na medida em que ele é muito diversificado, com países mantendo posições divergentes nos mais diversos temas da agenda internacional.
Existem visões mais militantes, anti-Ocidentais ou anti-americanas, ou então claramente anti-capitalistas e anti-globalizadoras, assim como existem visões mais pragmáticas, voltadas para a cooperação internacional nos quadros do atual sistema econômico internacional. Esta última certamente recebe a adesão do Brasil, que também pede mais justiça e equilíbrio nas relações econômicas internacionais, com alguma alteração nos padrões que têm caracterizado as relações Norte-Sul, desiguais e ainda marcadas por injstiças notórias nas regras do comércio internacional, por exemplo.
9) ¿ Qué opina de la tesis de una competición para liderar la región entre Venezuela y Brasil ?
PRA : Essa tese é mais jornalística do que real. Não há competição entre os dois países para liderar a região, pelo menos não da parte do Brasil. Cada país procura impulsionar seus interesses com base numa visão política e econômica mais ou menos transparente. A visão do Brasil se vincula ao aprofundamento da integração regional, com ênfase no Mercosul, e na integração física (inclusive energética) dos países da América do Sul. O presidente da Venezuela talvez tenha uma visão mais militante do que seja integração, mas o Brasil tem suas prioridades, que são bastante pragmáticas.
10) ¿ Brasil se interesa mas por la integración regional bajo su impulso o por una sede al Consejo de Seguridad de la ONU ?
PRA : O Brasil sempre privilegiou a integração regional, como sua vocação natural e decisiva. O tema da cadeira no CSNU tornou-se mais importante no atual governo, por razões de oportunidade e de interesse pessoal do atual ministro, Celso Amorim, e do próprio presidente, Lula. Uma coisa não exclui a outra, mas acredito que a integração tenha maior consistência no plano estrutural, a demanda por uma cadeira no CSNU sendo algo mais político.
11) ¿ Le parece importante la personalidad del Presidente Lula da Silva en los cambios de la política exterior brasileña ?
PRA : Sem dúvida, tanto ativa quanto reativamente. A própria imprensa internacional deu grande destaque à personalidade de Lula como elemento importante na projeção internacional do Brasil, que nunca foi tão importante quanto agora. Sua vinculação aos movimentos sindicais, aos partidos progressistas e de esquerda também explicam algumas das mudanças na política externa brasileira e isso parece evidente a todos os observadores.
12) Comentario libre…
Remeto a alguns dos meus artigos publicados recentemente sobre a questão :
1) “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula”, Sociologia e Política (Curitiba: UFPR, nº 20, 2003, p. 87-102).
2) “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: v. 47, nº 1, 2004, p. 162-184)
3) “Uma nova ‘arquitetura’ diplomática?: interpretações divergentes sobre a política externa do Governo Lula (2003-2006)”, Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI: ano 49, nº 1, 2006, p. 95-116).
4) « A diplomacia do governo Lula em seu primeiro mandato (2003-2006): um balanço e algumas perspectivas », Carta Internacional (NUPRI-USP, março 2007, forthcoming)
Questionário sobre a Política Externa Brasileira
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de abril de 2007
1) ¿Piensa Usted que los principios fundadores del no-alineamiento, como la independencia o la soberanía, están presentes en la estrategia exterior de Brasil ?
PRA : Certamente. A diplomacia brasileira segue um padrão de conduta bastante tradicional e reafirmado continuamente desde praticamente o seu nascimento, no início do século XIX, no momento da independência, com vários momentos de destaque na afirmação desses princípios, como pode ter sido o período da « política externa independente » (1961-1963).
A atual diplomacia do presidente Lula pretende retomar essas mesmas características e vem constantemente reafirmando que sua política externa tem como eixo fundadores a soberania nacional (ou seja, independência e não-alinhamento) e a busca de integração com os países da região (América do Sul).
2) ¿ Qué opina Usted de la expresión « soft balancing » (Andrew Hurrell) para describir la estrategia de Brasil ?
PRA : Trata-se de um conceito, nada mais do que um conceito, que pode, eventualmente, descrever a situação e o comportamento da diplomacia brasileira, no seu relacionamento com as potências mais poderosas (ou seja, os países que moldam a agenda internacional), mas a diplomacia brasileira não se deixa amarrar por conceitos, que nada mais são do que « ajudas » terminológicas para os analistas acadêmicos.
Esse conceito pode eventualmente ser correto numa situação em que o país precisa se posicionar em face de diferentes parceiros poderosos, mas não necessariamente será operacional para outras situações, envolvendo outros parceiros.
3) ¿ La política de Brasil hacia el Sur se enfoca mas en el nivel económico o político ?
PRA : Atualmente, ambos os planos são igualmente privilegiados. O Brasil sempre procurou destacar seus interesses econômico-comerciais no relacionamento diplomático, mas o governo atual mantém uma estratégia explícita de diplomacia « sulista », voltada para incrementar o relacionamento do país com outros países em desenvolvimento, julgados mais próximos do Brasil pela sua situação econômica e social e portanto mais suscetíveis de compor uma agenda com interesses comuns.
4) ¿ Porqué establecer relaciones con los países árabes ?
PRA : TRata-se de uma importante região no mundo em desenvolvimento, com interesses concretos nas áreas de comércio e investimentos, fornecedora de petróleo e também vinculada ao Brasil em função de intensas correntes migratórias que, no passado ou no presente, trouxeram ao Brasil um apreciável contingente populacional que hoje constitui parte integrante e integral do povo brasileiro. Esses laços devem ser reforçados e ampliados.
5) ¿ Esta política interregional puede mantenerse en el tiempo ?
PRA : Provavelmente sim, se os vínculos comerciais que estão sendo criados se mostrarem suficientemente fortes. Na área política, a situação do Oriente Médio ainda é de uma grande instabilidade e o Brasil provavelmente não tem uma alavancagem ou algum poder substantivo para poder interferir num setor ou em outro. Em todo caso, o Brasil sempre poderá participar de esforços multilaterais para contribuir para a pacificação da região e sua integração mais intensa aos intercâmbios globais.
6) ¿ Por qué no invitar a Irán en la cumbre de Brasilia ? (¿ Quiso Ahmadinejad ir a Brasil en enero pasado ?)
PRA : Não sei exatamente por que, mas a cúpula tratou explicitamente dos vínculos entre« países árabes » e os da América do Sul e o Iran não é um país árabe.
7) ¿ Cuál es la posición de Brasil con propósito a Israel ? Porque aceptó firmar textos que denuncian la política israeli : en el G.15, en la Declaración de Brasilia...
PRA : Brasil mantém boas relações com Israel e com os países árabes, dispondo de grandes contingentes populacionais de vários os povos do Oriente Médio. Não seria intenção do Brasil hostilizar Israel e as declarações políticas impulsionadas pelos países árabes carecem, por vezes, do equilíbrio necessário, que tem guiado as posições do Brasil, sem deixar de reconhecer os direitos do povo palestino naquela região.
8) ¿ No hay una lucha por cierta visión del Sur entre los países en vías de desarrollo ? ¿ Cómo definiría Usted las diferentes visiones ?
Pra : Sem dúvida que uma « visão do Sul » pode-se prestar a algumas confusões, uma vez que o « sul », hoje, é um conceito mais político do que geográfico ou econômico, na medida em que ele é muito diversificado, com países mantendo posições divergentes nos mais diversos temas da agenda internacional.
Existem visões mais militantes, anti-Ocidentais ou anti-americanas, ou então claramente anti-capitalistas e anti-globalizadoras, assim como existem visões mais pragmáticas, voltadas para a cooperação internacional nos quadros do atual sistema econômico internacional. Esta última certamente recebe a adesão do Brasil, que também pede mais justiça e equilíbrio nas relações econômicas internacionais, com alguma alteração nos padrões que têm caracterizado as relações Norte-Sul, desiguais e ainda marcadas por injstiças notórias nas regras do comércio internacional, por exemplo.
9) ¿ Qué opina de la tesis de una competición para liderar la región entre Venezuela y Brasil ?
PRA : Essa tese é mais jornalística do que real. Não há competição entre os dois países para liderar a região, pelo menos não da parte do Brasil. Cada país procura impulsionar seus interesses com base numa visão política e econômica mais ou menos transparente. A visão do Brasil se vincula ao aprofundamento da integração regional, com ênfase no Mercosul, e na integração física (inclusive energética) dos países da América do Sul. O presidente da Venezuela talvez tenha uma visão mais militante do que seja integração, mas o Brasil tem suas prioridades, que são bastante pragmáticas.
10) ¿ Brasil se interesa mas por la integración regional bajo su impulso o por una sede al Consejo de Seguridad de la ONU ?
PRA : O Brasil sempre privilegiou a integração regional, como sua vocação natural e decisiva. O tema da cadeira no CSNU tornou-se mais importante no atual governo, por razões de oportunidade e de interesse pessoal do atual ministro, Celso Amorim, e do próprio presidente, Lula. Uma coisa não exclui a outra, mas acredito que a integração tenha maior consistência no plano estrutural, a demanda por uma cadeira no CSNU sendo algo mais político.
11) ¿ Le parece importante la personalidad del Presidente Lula da Silva en los cambios de la política exterior brasileña ?
PRA : Sem dúvida, tanto ativa quanto reativamente. A própria imprensa internacional deu grande destaque à personalidade de Lula como elemento importante na projeção internacional do Brasil, que nunca foi tão importante quanto agora. Sua vinculação aos movimentos sindicais, aos partidos progressistas e de esquerda também explicam algumas das mudanças na política externa brasileira e isso parece evidente a todos os observadores.
12) Comentario libre…
Remeto a alguns dos meus artigos publicados recentemente sobre a questão :
1) “A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula”, Sociologia e Política (Curitiba: UFPR, nº 20, 2003, p. 87-102).
2) “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: v. 47, nº 1, 2004, p. 162-184)
3) “Uma nova ‘arquitetura’ diplomática?: interpretações divergentes sobre a política externa do Governo Lula (2003-2006)”, Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI: ano 49, nº 1, 2006, p. 95-116).
4) « A diplomacia do governo Lula em seu primeiro mandato (2003-2006): um balanço e algumas perspectivas », Carta Internacional (NUPRI-USP, março 2007, forthcoming)
O que faz um diplomata, exatamente?
Continuando na hora da saudade -- quero dizer, a revisão de trabalhos antigos, simplesmente para compor uma lista e preparar outros trabalhos -- deparei-me com estas respostas a questões que me são repetidamente colocadas por candidatos à diplomacia.
Como parece que as pessoas, em lugar de pesquisar, primeiramente, vão logo fazendo perguntas já respondidas anteriormente, permito-me, uma vez mais, reproduzir aqui estas respostas a questionário de 2006.
O que faz um diplomata, exatamente?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de janeiro de 2006
Muito freqüentemente sou solicitado, por interessados na carreira diplomática, geralmente jovens, a pronunciar-me sobre a natureza exata do trabalho diplomático. As dúvidas são muitas e a curiosidade infinita. Ainda assim tento responder a cada um da melhor forma possível, mas novas demandas se repetem, com perguntas usualmente similares. Como exemplo típico desse gênero de questionamento, transcrevo mensagem enviada hoje (11.01.06), que tentarei responder em seguida:
“Ainda falta um pouco para eu me decidir por este caminho (a diplomacia), por isso vim lhe pedir um breve relato de um dia comum seu, em sua profissão. O que é comum encontrar nessa carreira? O que é gratificante? E quais as dificuldades? Não quero incomodá-lo, aliás tenho muito receio disso, mas, ao mesmo tempo, quero me encontrar com a certeza de um futuro inescusável. E como decifrá-lo, se não perguntá-lo? A simples informação de quanto tempo permanece sentado assinando papéis, de quanto de autonomia se tem, dentre outros aspectos congêneres; essas simples informações formam o motivo de minha interpelação.”
Pois bem, sei que existem muitas lendas em torno das atividades de um diplomata, geralmente de natureza turística ou etílica, ou seja, de que passamos o tempo viajando de um lugar para outro, em belas cidades de países desenvolvidos, participando de reuniões sofisticadas e, sobretudo, de coquetéis e recepções, um pouco como se todo mundo ainda vivesse nos tempos das cortes européias, em bailes e outras galanterias... Exagero, claro, mas o pessoal também exagera em torno da quantidade de bebida que é humanamente possível ingerir. Com exceção do Vinicius de Moraes, que vivia de copo de uísque na mão, o diplomata geralmente não bebe, salvo, claro, quando é obrigado...
Sans blague, para descrever um dia típico de um diplomata seria preciso, primeiro, distinguir entre o diplomata na Secretaria de Estado, ou seja, na sua capital, onde ele é miseravelmente remunerado, e aquele destacado para um posto no exterior, numa embaixada permanente, numa missão junto a um organismo internacional, ou em missão temporária, integrando uma delegação em alguma reunião internacional, onde ele ganha um pouco mais, mas onde ele tampouco vive nababescamente, como alguns podem imaginar.
Na Secretaria de Estado, somos perfeitos burocratas, processando informações, geralmente em formato eletrônico – como tudo o mais na vida, nestes tempos de informatização generalizada – mas também em suporte papel, muito papel. Ainda existe um bocado de formulários e memorandos nas burocracias governamentais, mais do que o necessário.
Um diplomata padrão cuida de alguns assuntos, sobre os quais possui, ou pelo menos deveria ter, domínio completo e competência reconhecida. Ele recebe um insumo qualquer – digamos um telegrama, hoje um simples e-mail, de uma embaixada, ou uma demanda de algum outro serviço – e imediatamente transforma esse tema em algum tipo de “instrução”, para a própria Secretaria de Estado, para outros órgãos do Estado ou para a missão no exterior que primeiro suscitou o problema. Essa resposta pode sair imediatamente ou requerer consultas a outras instâncias da Casa – divisões políticas, isto é, geográficas, ou econômicas, jurídicas, administrativas, etc. – ou de fora, algum órgão técnico do governo, por exemplo, ou até mesmo a entidades da chamada “sociedade civil”. Se o assunto é sério o suficiente para requerer uma decisão superior, ele é levado sucessivamente a escalões mais elevados, eventualmente até ao próprio presidente da República, que assume responsabilidade por todas as decisões maiores da política externa oficial, da qual o chanceler (ou ministro de Estado das relações exteriores) é o executor.
O gratificante, para um diplomata, é ver que uma proposta sua, emanada de seu “processamento” diligente, e inteligente, defendendo o que ele considera como sendo o interesse nacional, foi convertida em política de Estado e passa a ser defendida pelos representantes do país nos foros internacionais. As dificuldades, pelo menos no plano “psicológico”, geralmente estão ligadas à incapacidade de a instituição responsável pela política externa chegar a uma posição clara, contemplando esses interesses – mas nem sempre é fácil determinar onde está o interesse nacional –, ou então elas são derivadas do fato de que a melhor posição possível, em determinadas circunstâncias, tem de ser “contornada”, digamos assim, em função de alianças táticas ou de “competição” com outros objetivos, nem sempre muito claros.
Já nem considero aqui as dificuldades de tipo administrativo ou logístico – como a ausência de recursos materiais e humanos suficientes para executar o que se poderia considerar como a melhor diplomacia possível em todas as frentes abertas ao engenho e arte de nosso serviço exterior – ou os obstáculos propriamente “estruturais”, que são a obstrução dos fins pretendidos pelas “nossas” instruções por alguma coalizão mais forte no plano externo ou a insuficiente mobilização de aliados para a nossa causa. Isso faz parte da vida...
O diplomata na capital, ainda que fazendo parte de uma grande burocracia, dispõe de mais margem de ação e de mais autonomia do que o diplomata no posto, que tem necessariamente de seguir as instruções da capital. Mas este último também participa do processo decisório e da elaboração de posições, ao informar corretamente sobre as relações de força, sobre as posições dos demais países, sobre as alianças táticas que estão sendo desenhadas em torno de algum assunto e assim por diante.
Numa embaixada bilateral, que são os postos mais numerosos, as negociações são talvez menos freqüentes, mas aumenta o volume de informações produzidas sobre o país em questão e cresce o esforço de defesa dos interesses brasileiros em temas concretos, como comércio, investimentos, acordos de cooperação, geralmente científica e tecnológica, visitas bilaterais, bem como atividades de promoção cultural.
Coquetéis e recepções constituem parte integral do “balé” diplomático, mas esse tipo de atividade “festiva” geralmente está ligada às comemorações das datas nacionais – e isso dá para preencher quase todos os dias do ano, dependendo da capital e da respectiva rede de embaixadas, mas a freqüentação desse tipo de evento varia muito em função de “quem trabalha com aquele país” – ou então contempla a parte inicial de alguma reunião importante, com a presença de várias delegações. Almoços de trabalho – muito raramente pagos pelo serviço exterior – são mais usuais, ao passo que são mais raras aquelas recepções que nós mesmos organizamos para os colegas que conosco trabalham ou com quem convivemos por dever de ofício. Chefes de missão têm, sim, uma jornada extra, recepcionando ou participando intensamente desses eventos, para os quais se requer boa disposição de espírito, bom humor e o físico em forma...
Resumindo em poucas palavras, o diplomata, em suas diferentes funções ligadas à representação, negociação e informação, passa a maior parte do tempo pesquisando, escrevendo, processando informações, se relacionando com outros diplomatas, colegas e de outros países, bem como com funcionários de diferentes serviços, com o objetivo básico de conceber instruções e depois defender posições que reflitam o interesse nacional de seu país. É uma função, sem dúvida alguma, “nobre” e gratificante, mas também muito exigente e comportando alguma dose de desprendimento, pois por vezes as condições de trabalho, ou as da vida em família, não são as melhores possíveis (em alguns postos “de sacrifício”, por exemplo, ou até mesmo na Secretaria de Estado, onde os salários são baixos e o trabalho excessivo).
No cômputo global, creio que se trata de uma profissão invejável, pela diversidade de situações que ela permite e pelas oportunidades que cria de engrandecimento pessoal, intelectual e profissional. Os interessados em uma opinião pessoal sobre o que eu creio serem, na atualidade, as regras pelas quais deve pautar-se um diplomata, podem consultar meu ensaio preliminar “Dez regras modernas de diplomacia”, no seguinte link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/800RegrasDiplom.html; um resumo do mesmo texto, limitado às regras, foi colocado em meu Blog, post nr. 62, neste link: http://paulomre.blogspot.com/2005/12/62-dez-regras-modernas-de-diplomacia.html.
Boa sorte aos que tentam o ingresso na carreira, mas um aviso preliminar: será preciso estudar muito, antes e durante toda a carreira...
Brasília, 11 de janeiro de 2006
Post nr. 153, link: http://paulomre.blogspot.com/2006/01/153-o-que-faz-um-diplomata-exatamente.html
Como parece que as pessoas, em lugar de pesquisar, primeiramente, vão logo fazendo perguntas já respondidas anteriormente, permito-me, uma vez mais, reproduzir aqui estas respostas a questionário de 2006.
O que faz um diplomata, exatamente?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de janeiro de 2006
Muito freqüentemente sou solicitado, por interessados na carreira diplomática, geralmente jovens, a pronunciar-me sobre a natureza exata do trabalho diplomático. As dúvidas são muitas e a curiosidade infinita. Ainda assim tento responder a cada um da melhor forma possível, mas novas demandas se repetem, com perguntas usualmente similares. Como exemplo típico desse gênero de questionamento, transcrevo mensagem enviada hoje (11.01.06), que tentarei responder em seguida:
“Ainda falta um pouco para eu me decidir por este caminho (a diplomacia), por isso vim lhe pedir um breve relato de um dia comum seu, em sua profissão. O que é comum encontrar nessa carreira? O que é gratificante? E quais as dificuldades? Não quero incomodá-lo, aliás tenho muito receio disso, mas, ao mesmo tempo, quero me encontrar com a certeza de um futuro inescusável. E como decifrá-lo, se não perguntá-lo? A simples informação de quanto tempo permanece sentado assinando papéis, de quanto de autonomia se tem, dentre outros aspectos congêneres; essas simples informações formam o motivo de minha interpelação.”
Pois bem, sei que existem muitas lendas em torno das atividades de um diplomata, geralmente de natureza turística ou etílica, ou seja, de que passamos o tempo viajando de um lugar para outro, em belas cidades de países desenvolvidos, participando de reuniões sofisticadas e, sobretudo, de coquetéis e recepções, um pouco como se todo mundo ainda vivesse nos tempos das cortes européias, em bailes e outras galanterias... Exagero, claro, mas o pessoal também exagera em torno da quantidade de bebida que é humanamente possível ingerir. Com exceção do Vinicius de Moraes, que vivia de copo de uísque na mão, o diplomata geralmente não bebe, salvo, claro, quando é obrigado...
Sans blague, para descrever um dia típico de um diplomata seria preciso, primeiro, distinguir entre o diplomata na Secretaria de Estado, ou seja, na sua capital, onde ele é miseravelmente remunerado, e aquele destacado para um posto no exterior, numa embaixada permanente, numa missão junto a um organismo internacional, ou em missão temporária, integrando uma delegação em alguma reunião internacional, onde ele ganha um pouco mais, mas onde ele tampouco vive nababescamente, como alguns podem imaginar.
Na Secretaria de Estado, somos perfeitos burocratas, processando informações, geralmente em formato eletrônico – como tudo o mais na vida, nestes tempos de informatização generalizada – mas também em suporte papel, muito papel. Ainda existe um bocado de formulários e memorandos nas burocracias governamentais, mais do que o necessário.
Um diplomata padrão cuida de alguns assuntos, sobre os quais possui, ou pelo menos deveria ter, domínio completo e competência reconhecida. Ele recebe um insumo qualquer – digamos um telegrama, hoje um simples e-mail, de uma embaixada, ou uma demanda de algum outro serviço – e imediatamente transforma esse tema em algum tipo de “instrução”, para a própria Secretaria de Estado, para outros órgãos do Estado ou para a missão no exterior que primeiro suscitou o problema. Essa resposta pode sair imediatamente ou requerer consultas a outras instâncias da Casa – divisões políticas, isto é, geográficas, ou econômicas, jurídicas, administrativas, etc. – ou de fora, algum órgão técnico do governo, por exemplo, ou até mesmo a entidades da chamada “sociedade civil”. Se o assunto é sério o suficiente para requerer uma decisão superior, ele é levado sucessivamente a escalões mais elevados, eventualmente até ao próprio presidente da República, que assume responsabilidade por todas as decisões maiores da política externa oficial, da qual o chanceler (ou ministro de Estado das relações exteriores) é o executor.
O gratificante, para um diplomata, é ver que uma proposta sua, emanada de seu “processamento” diligente, e inteligente, defendendo o que ele considera como sendo o interesse nacional, foi convertida em política de Estado e passa a ser defendida pelos representantes do país nos foros internacionais. As dificuldades, pelo menos no plano “psicológico”, geralmente estão ligadas à incapacidade de a instituição responsável pela política externa chegar a uma posição clara, contemplando esses interesses – mas nem sempre é fácil determinar onde está o interesse nacional –, ou então elas são derivadas do fato de que a melhor posição possível, em determinadas circunstâncias, tem de ser “contornada”, digamos assim, em função de alianças táticas ou de “competição” com outros objetivos, nem sempre muito claros.
Já nem considero aqui as dificuldades de tipo administrativo ou logístico – como a ausência de recursos materiais e humanos suficientes para executar o que se poderia considerar como a melhor diplomacia possível em todas as frentes abertas ao engenho e arte de nosso serviço exterior – ou os obstáculos propriamente “estruturais”, que são a obstrução dos fins pretendidos pelas “nossas” instruções por alguma coalizão mais forte no plano externo ou a insuficiente mobilização de aliados para a nossa causa. Isso faz parte da vida...
O diplomata na capital, ainda que fazendo parte de uma grande burocracia, dispõe de mais margem de ação e de mais autonomia do que o diplomata no posto, que tem necessariamente de seguir as instruções da capital. Mas este último também participa do processo decisório e da elaboração de posições, ao informar corretamente sobre as relações de força, sobre as posições dos demais países, sobre as alianças táticas que estão sendo desenhadas em torno de algum assunto e assim por diante.
Numa embaixada bilateral, que são os postos mais numerosos, as negociações são talvez menos freqüentes, mas aumenta o volume de informações produzidas sobre o país em questão e cresce o esforço de defesa dos interesses brasileiros em temas concretos, como comércio, investimentos, acordos de cooperação, geralmente científica e tecnológica, visitas bilaterais, bem como atividades de promoção cultural.
Coquetéis e recepções constituem parte integral do “balé” diplomático, mas esse tipo de atividade “festiva” geralmente está ligada às comemorações das datas nacionais – e isso dá para preencher quase todos os dias do ano, dependendo da capital e da respectiva rede de embaixadas, mas a freqüentação desse tipo de evento varia muito em função de “quem trabalha com aquele país” – ou então contempla a parte inicial de alguma reunião importante, com a presença de várias delegações. Almoços de trabalho – muito raramente pagos pelo serviço exterior – são mais usuais, ao passo que são mais raras aquelas recepções que nós mesmos organizamos para os colegas que conosco trabalham ou com quem convivemos por dever de ofício. Chefes de missão têm, sim, uma jornada extra, recepcionando ou participando intensamente desses eventos, para os quais se requer boa disposição de espírito, bom humor e o físico em forma...
Resumindo em poucas palavras, o diplomata, em suas diferentes funções ligadas à representação, negociação e informação, passa a maior parte do tempo pesquisando, escrevendo, processando informações, se relacionando com outros diplomatas, colegas e de outros países, bem como com funcionários de diferentes serviços, com o objetivo básico de conceber instruções e depois defender posições que reflitam o interesse nacional de seu país. É uma função, sem dúvida alguma, “nobre” e gratificante, mas também muito exigente e comportando alguma dose de desprendimento, pois por vezes as condições de trabalho, ou as da vida em família, não são as melhores possíveis (em alguns postos “de sacrifício”, por exemplo, ou até mesmo na Secretaria de Estado, onde os salários são baixos e o trabalho excessivo).
No cômputo global, creio que se trata de uma profissão invejável, pela diversidade de situações que ela permite e pelas oportunidades que cria de engrandecimento pessoal, intelectual e profissional. Os interessados em uma opinião pessoal sobre o que eu creio serem, na atualidade, as regras pelas quais deve pautar-se um diplomata, podem consultar meu ensaio preliminar “Dez regras modernas de diplomacia”, no seguinte link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/800RegrasDiplom.html; um resumo do mesmo texto, limitado às regras, foi colocado em meu Blog, post nr. 62, neste link: http://paulomre.blogspot.com/2005/12/62-dez-regras-modernas-de-diplomacia.html.
Boa sorte aos que tentam o ingresso na carreira, mas um aviso preliminar: será preciso estudar muito, antes e durante toda a carreira...
Brasília, 11 de janeiro de 2006
Post nr. 153, link: http://paulomre.blogspot.com/2006/01/153-o-que-faz-um-diplomata-exatamente.html
Politica Externa Brasileira e eleicoes presidenciais
Este trabalho foi preparatório às eleições presidenciais de 2006. Pretenderia fazer igual em 2010.
A política externa nas campanhas presidenciais:
antecipando o debate das eleições de 2006
Paulo Roberto de Almeida
Tendo acompanhado a temática da política externa nas campanhas presidenciais desde 1989, depois de já ter estudado durante anos a interação que o Congresso e os partidos políticos mantêm em relação aos temas de relações internacionais e de política exterior do Brasil, minha constatação é clara: a política externa entrou, definitivamente, nas campanhas eleitorais. Trata-se de realidade nova que cabe examinar, antes que os próprios candidatos façam sua aparição nas telas de televisão e também nas páginas do boletim ADB (ver a pequena bibliografia in fine).
Meus primeiros diagnósticos assumiam, invariavelmente, um tom pessimista: eu simplesmente constatava que a política externa era marginal do ponto de vista da atuação dos partidos políticos e que as questões de relações internacionais e de relacionamento externo do Brasil eram secundárias nas preocupações dos líderes políticos, quando não ficavam distantes de todo e qualquer discurso de campanha. Quanto os temas entravam em alguma campanha presidencial, era mais pelo lado prosaico ou negativo: lamentava um candidato as “perdas internacionais” que estavam sendo supostamente impostas ao País pelas empresas multinacionais, condenava, um outro, a dívida externa “extorsiva” e uma imaginária “submissão” ao FMI e insistia, um terceiro, na velha arenga da defesa das indústrias nacionais que estariam sendo “sucateadas” e entregues, de “mãos atadas”, aos interesses externos. Como regra geral, no Brasil, ninguém se elege tratando de política externa ou de temas diplomáticos e internacionais. Seria isso ainda verdade?
Esse cenário parece ter mudado substancialmente ao longo dos anos, por boas e más razões. Seja pelo crescimento da interface brasileira com o mundo, a começar pela própria região, seja pela internalização de problemas externos, extremamente facilitada pelas redes de comunicações, o fato é que, pela primeira vez em nossa história política, os temas de política exterior e de integração regional estarão no centro do debate da próxima campanha presidencial, também aqui por boas e más razões. Por um lado, o Brasil passou a estar bem mais vinculado aos movimentos da economia mundial, tanto nos aspectos propriamente econômicos como nos políticos – pela posição de liderança em negociações internacionais –, além de que a ação de grupos de interesse e de movimentos externos passa a influenciar diretamente o cenário interno, como se pode constatar mediante uma rápida consulta à agenda das principais autoridades governamentais.
Por outro lado, o Brasil também está “importando” parte do debate que se dá em cenários estrangeiros, regionais ou internacionais, com certo “contrabando” conceitual de idéias e propostas que não correspondem a uma agenda político-econômica propriamente interna, e sim responde a ações e posições de grupos, movimentos e partidos estrangeiros que tendem a refletir interesses que lhes são próprios. Apenas dois exemplos bastariam para ficar claro o que isto pode representar em termos de defesa dos interesses nacionais nos foros multilaterais: a velha questão do “dumping social”, travestida de “cláusula social”, que foi incorporada às demandas de certas centrais sindicais, bem como o apoio interno a posturas contrárias ao interesse nacional no terreno das negociações agrícolas internacionais, que resulta da importação acrítica de posições como as da ATTAC francesa por movimentos sociais brasileiros operando na órbita do Fórum Social Mundial. Não preciso sequer mencionar dois patéticos plebiscitos organizados em 2001 e 2002 pelos mesmos movimentos sociais, um sobre a dívida externa, o outro sobre a Alca, cujas maiorias “albanesas” contra o pagamento da primeira e a favor da rejeição da segunda dizem tudo sobre essa contaminação da agenda interna pela importação acrítica de posições simplistas ao extremo mas que representam interesses de determinados grupos sociais em outros países.
Independentemente desses exemplos canhestros de debate “enviesado”, o fato é que a política externa adentrou o terreno político nacional e deve figurar em posição central, ou pelo menos preeminente, nas eleições presidenciais de outubro de 2006. Independentemente também do fato de que a sociedade possa estar dividida na maior parte das escolhas efetuadas pelas autoridades responsáveis pela nossa política externa e pela condução da diplomacia, o fato é que essas autoridades foram em grande medida responsáveis pela “popularização” da política externa enquanto tema do cotidiano, e não mais sua entronização restrita, como uma espécie de agenda “bizarra”, restrita a uns quantos “especialistas”. Pela primeira vez em muitos anos, quiçá de forma inédita em nossa história, todos, ou quase todos, os temas da agenda diplomática brasileira foram “transferidos” para o cotidiano dos leitores de jornais, ouvintes de rádio e espectadores de jornais televisionados. A política externa do Brasil permeia os temas da agenda interna como nunca ocorreu no Brasil, e isso deverá igualmente refletir-se na próxima campanha presidencial.
Antes que as plataformas eleitorais nessa área adentrem, portanto, as páginas do boletim ADB, caberia balizar o debate entre os candidatos, cujo perfil definitivo só será de fato conhecido por ocasião das convenções partidárias do mês de junho. Pode-se antecipar, com pouca margem a dúvidas, que a maior parte parte dos debates eleitorais a partir de agosto de 2006, nos temas de relações internacionais e de política externa, será travada em torno das posições diplomáticas assumidas pelo governo Lula, o que nada mais é senão uma decorrência lógica da centralidade que ela veio a ter no conjunto das políticas governamentais.
Com efeito, sem entrar no mérito das avaliaçoes qualitativas ou de argumentos opinativos, a atual política externa reflete, com bastante coerência, as posições de política internacional exibidas pelo PT e pelo seu único candidato presidencial ao longo de sua trajetória em direção ao poder. Não deveria existir disputa em torno disso, pois trata-se apenas de uma constatação de fato. Em nenhuma outra área das políticas governamentais a identidade entre o partido e o governo é tão ampla e a interface tão colada ao “modelo original” quanto na política externa: inclinações, preferências, discursos, ações, tudo isso reflete, com razoável identidade de propósitos, aquilo que escreviam e argumentavam os líderes do PT quando se encontravam na oposição. Seria natural que, uma vez no poder, se dispusessem a colocar em prática suas idéias. É, aparentemente, o que está sendo feito, com algumas adaptações de estilo e de forma dadas pelo tratamento técnico que cada dossiê recebe dos profissionais da diplomacia.
O que poderá ser abordado, portanto, na campanha eleitoral, é se as posições do PT e do governo Lula, em matéria de política externa, terão ou não correspondido às percepções e necessidades do país, tal como percebido ou refletido pelos demais líderes políticos, pelos especialistas da área e pelos agentes que normalmente constituem grupos com interesse direto na “economia” da política externa, com destaque para os setores produtivos e exportadores. À diferença de tempos passados, as plataformas de governo de cada um dos candidatos, que deverão circular a partir de julho e agosto de 2006, tenderão a reservar espaço maior do que o normal aos principais itens da agenda internacional do Brasil. Nesses documentos, e nos debates que se seguirão, algumas simplificações serão inevitáveis, dada a natureza do debate eleitoral, mas é de se supor que os especialistas mais conhecidos nesta área – alguns dos quais figuram na literatura compilada a esse respeito, disponível no link bibliográfico, in fine) – saberão aprofundar as principais questões de interesse público, relevantes para um debate bem informado sobre essa problemática agora central na definição das políticas públicas do Brasil.
Para saber mais:
ADB - Associação dos Diplomatas Brasileiros. “A partir da hipótese de ser eleito Presidente da República, qual é a sua visão do que será o Brasil e sua inserção no mundo em dez anos?” (resposta do candidato Lula), boletim ADB. Brasília: ano II, n.11, março 1994, p. 8-9.
-------- . “Uma política externa para o fim do século” (resposta do candidato Fernando Henrique Cardoso), boletim ADB, ano II, n. 14, junho 1994, p. 14-16.
-------- . “A inserção do Brasil na economia internacional” (resposta do candidato Leonel Brizola), boletim ADB, ano II, n. 14, junho 1994, p. 20-21.
-------- . “A inserção do Brasil na comunidade internacional” (resposta do candidato Orestes Quércia), boletim ADB, ano II, n. 15, julho de 1994, p. 8-9.
-------- . “Os candidatos a presidente da República e a política externa”, ADB, ano X, n. 41, julho-setembro 2002, p. 18-23.
Almeida, Paulo Roberto de: “A política externa nas campanhas presidenciais, de 1989 a 2002, e a diplomacia do governo Lula”, in Relações internacionais e Política externa do Brasil. 2ª ed.; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 255-308.
-------- . “A política externa nas campanhas eleitorais brasileiras: a experiência dos escrutínios presidenciais de 1989, de 1994 e de 1998”, Revista Internacional de Estudos Políticos, Rio de Janeiro: UERJ, v. 1, n. 2, agosto 1999, p. 253-286.
-------- . “A Política da Política Externa: os partidos políticos nas relações internacionais do Brasil, 1930-1990”, in José Augusto Guilhon de Albuquerque (org.), Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990), IV vol.: Prioridades, Atores e Políticas. São Paulo: Annablume-Nupri/USP, 2000, p. 381-447.
-------.“Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, p. 162-184; disponível no link: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1260PExtLula.pdf.
-------. “Diplomacia presidencial: cronologia de viagens e visitas, 2002-2006”, disponível em formato html no link: http://textospra.blogspot.com/2006/04/68-diplomacia-presidencia-viagens-e.html#links e, em formato pdf, no link: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1584ViagVisitLula02a06.pdf.
-------. “Uma bibliografia preliminar sobre a diplomacia do Governo Lula: uma classificação tentativa com base na literatura disponível”, disponível no link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1587BiblioDiploGovLula.pdf.
Paulo Roberto de Almeida, Brasília, 24 de abril de 2006
pralmeida@mac.com - www.pralmeida.org
http://diplomatizando.blogspot.com/
A política externa nas campanhas presidenciais:
antecipando o debate das eleições de 2006
Paulo Roberto de Almeida
Tendo acompanhado a temática da política externa nas campanhas presidenciais desde 1989, depois de já ter estudado durante anos a interação que o Congresso e os partidos políticos mantêm em relação aos temas de relações internacionais e de política exterior do Brasil, minha constatação é clara: a política externa entrou, definitivamente, nas campanhas eleitorais. Trata-se de realidade nova que cabe examinar, antes que os próprios candidatos façam sua aparição nas telas de televisão e também nas páginas do boletim ADB (ver a pequena bibliografia in fine).
Meus primeiros diagnósticos assumiam, invariavelmente, um tom pessimista: eu simplesmente constatava que a política externa era marginal do ponto de vista da atuação dos partidos políticos e que as questões de relações internacionais e de relacionamento externo do Brasil eram secundárias nas preocupações dos líderes políticos, quando não ficavam distantes de todo e qualquer discurso de campanha. Quanto os temas entravam em alguma campanha presidencial, era mais pelo lado prosaico ou negativo: lamentava um candidato as “perdas internacionais” que estavam sendo supostamente impostas ao País pelas empresas multinacionais, condenava, um outro, a dívida externa “extorsiva” e uma imaginária “submissão” ao FMI e insistia, um terceiro, na velha arenga da defesa das indústrias nacionais que estariam sendo “sucateadas” e entregues, de “mãos atadas”, aos interesses externos. Como regra geral, no Brasil, ninguém se elege tratando de política externa ou de temas diplomáticos e internacionais. Seria isso ainda verdade?
Esse cenário parece ter mudado substancialmente ao longo dos anos, por boas e más razões. Seja pelo crescimento da interface brasileira com o mundo, a começar pela própria região, seja pela internalização de problemas externos, extremamente facilitada pelas redes de comunicações, o fato é que, pela primeira vez em nossa história política, os temas de política exterior e de integração regional estarão no centro do debate da próxima campanha presidencial, também aqui por boas e más razões. Por um lado, o Brasil passou a estar bem mais vinculado aos movimentos da economia mundial, tanto nos aspectos propriamente econômicos como nos políticos – pela posição de liderança em negociações internacionais –, além de que a ação de grupos de interesse e de movimentos externos passa a influenciar diretamente o cenário interno, como se pode constatar mediante uma rápida consulta à agenda das principais autoridades governamentais.
Por outro lado, o Brasil também está “importando” parte do debate que se dá em cenários estrangeiros, regionais ou internacionais, com certo “contrabando” conceitual de idéias e propostas que não correspondem a uma agenda político-econômica propriamente interna, e sim responde a ações e posições de grupos, movimentos e partidos estrangeiros que tendem a refletir interesses que lhes são próprios. Apenas dois exemplos bastariam para ficar claro o que isto pode representar em termos de defesa dos interesses nacionais nos foros multilaterais: a velha questão do “dumping social”, travestida de “cláusula social”, que foi incorporada às demandas de certas centrais sindicais, bem como o apoio interno a posturas contrárias ao interesse nacional no terreno das negociações agrícolas internacionais, que resulta da importação acrítica de posições como as da ATTAC francesa por movimentos sociais brasileiros operando na órbita do Fórum Social Mundial. Não preciso sequer mencionar dois patéticos plebiscitos organizados em 2001 e 2002 pelos mesmos movimentos sociais, um sobre a dívida externa, o outro sobre a Alca, cujas maiorias “albanesas” contra o pagamento da primeira e a favor da rejeição da segunda dizem tudo sobre essa contaminação da agenda interna pela importação acrítica de posições simplistas ao extremo mas que representam interesses de determinados grupos sociais em outros países.
Independentemente desses exemplos canhestros de debate “enviesado”, o fato é que a política externa adentrou o terreno político nacional e deve figurar em posição central, ou pelo menos preeminente, nas eleições presidenciais de outubro de 2006. Independentemente também do fato de que a sociedade possa estar dividida na maior parte das escolhas efetuadas pelas autoridades responsáveis pela nossa política externa e pela condução da diplomacia, o fato é que essas autoridades foram em grande medida responsáveis pela “popularização” da política externa enquanto tema do cotidiano, e não mais sua entronização restrita, como uma espécie de agenda “bizarra”, restrita a uns quantos “especialistas”. Pela primeira vez em muitos anos, quiçá de forma inédita em nossa história, todos, ou quase todos, os temas da agenda diplomática brasileira foram “transferidos” para o cotidiano dos leitores de jornais, ouvintes de rádio e espectadores de jornais televisionados. A política externa do Brasil permeia os temas da agenda interna como nunca ocorreu no Brasil, e isso deverá igualmente refletir-se na próxima campanha presidencial.
Antes que as plataformas eleitorais nessa área adentrem, portanto, as páginas do boletim ADB, caberia balizar o debate entre os candidatos, cujo perfil definitivo só será de fato conhecido por ocasião das convenções partidárias do mês de junho. Pode-se antecipar, com pouca margem a dúvidas, que a maior parte parte dos debates eleitorais a partir de agosto de 2006, nos temas de relações internacionais e de política externa, será travada em torno das posições diplomáticas assumidas pelo governo Lula, o que nada mais é senão uma decorrência lógica da centralidade que ela veio a ter no conjunto das políticas governamentais.
Com efeito, sem entrar no mérito das avaliaçoes qualitativas ou de argumentos opinativos, a atual política externa reflete, com bastante coerência, as posições de política internacional exibidas pelo PT e pelo seu único candidato presidencial ao longo de sua trajetória em direção ao poder. Não deveria existir disputa em torno disso, pois trata-se apenas de uma constatação de fato. Em nenhuma outra área das políticas governamentais a identidade entre o partido e o governo é tão ampla e a interface tão colada ao “modelo original” quanto na política externa: inclinações, preferências, discursos, ações, tudo isso reflete, com razoável identidade de propósitos, aquilo que escreviam e argumentavam os líderes do PT quando se encontravam na oposição. Seria natural que, uma vez no poder, se dispusessem a colocar em prática suas idéias. É, aparentemente, o que está sendo feito, com algumas adaptações de estilo e de forma dadas pelo tratamento técnico que cada dossiê recebe dos profissionais da diplomacia.
O que poderá ser abordado, portanto, na campanha eleitoral, é se as posições do PT e do governo Lula, em matéria de política externa, terão ou não correspondido às percepções e necessidades do país, tal como percebido ou refletido pelos demais líderes políticos, pelos especialistas da área e pelos agentes que normalmente constituem grupos com interesse direto na “economia” da política externa, com destaque para os setores produtivos e exportadores. À diferença de tempos passados, as plataformas de governo de cada um dos candidatos, que deverão circular a partir de julho e agosto de 2006, tenderão a reservar espaço maior do que o normal aos principais itens da agenda internacional do Brasil. Nesses documentos, e nos debates que se seguirão, algumas simplificações serão inevitáveis, dada a natureza do debate eleitoral, mas é de se supor que os especialistas mais conhecidos nesta área – alguns dos quais figuram na literatura compilada a esse respeito, disponível no link bibliográfico, in fine) – saberão aprofundar as principais questões de interesse público, relevantes para um debate bem informado sobre essa problemática agora central na definição das políticas públicas do Brasil.
Para saber mais:
ADB - Associação dos Diplomatas Brasileiros. “A partir da hipótese de ser eleito Presidente da República, qual é a sua visão do que será o Brasil e sua inserção no mundo em dez anos?” (resposta do candidato Lula), boletim ADB. Brasília: ano II, n.11, março 1994, p. 8-9.
-------- . “Uma política externa para o fim do século” (resposta do candidato Fernando Henrique Cardoso), boletim ADB, ano II, n. 14, junho 1994, p. 14-16.
-------- . “A inserção do Brasil na economia internacional” (resposta do candidato Leonel Brizola), boletim ADB, ano II, n. 14, junho 1994, p. 20-21.
-------- . “A inserção do Brasil na comunidade internacional” (resposta do candidato Orestes Quércia), boletim ADB, ano II, n. 15, julho de 1994, p. 8-9.
-------- . “Os candidatos a presidente da República e a política externa”, ADB, ano X, n. 41, julho-setembro 2002, p. 18-23.
Almeida, Paulo Roberto de: “A política externa nas campanhas presidenciais, de 1989 a 2002, e a diplomacia do governo Lula”, in Relações internacionais e Política externa do Brasil. 2ª ed.; Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004, p. 255-308.
-------- . “A política externa nas campanhas eleitorais brasileiras: a experiência dos escrutínios presidenciais de 1989, de 1994 e de 1998”, Revista Internacional de Estudos Políticos, Rio de Janeiro: UERJ, v. 1, n. 2, agosto 1999, p. 253-286.
-------- . “A Política da Política Externa: os partidos políticos nas relações internacionais do Brasil, 1930-1990”, in José Augusto Guilhon de Albuquerque (org.), Sessenta Anos de Política Externa Brasileira (1930-1990), IV vol.: Prioridades, Atores e Políticas. São Paulo: Annablume-Nupri/USP, 2000, p. 381-447.
-------.“Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, p. 162-184; disponível no link: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1260PExtLula.pdf.
-------. “Diplomacia presidencial: cronologia de viagens e visitas, 2002-2006”, disponível em formato html no link: http://textospra.blogspot.com/2006/04/68-diplomacia-presidencia-viagens-e.html#links e, em formato pdf, no link: www.pralmeida.org/05DocsPRA/1584ViagVisitLula02a06.pdf.
-------. “Uma bibliografia preliminar sobre a diplomacia do Governo Lula: uma classificação tentativa com base na literatura disponível”, disponível no link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1587BiblioDiploGovLula.pdf.
Paulo Roberto de Almeida, Brasília, 24 de abril de 2006
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Politica Externa Brasileira: um outro questionario de 2004 (OMC, etc)
Mais um questionário de estudante...
Política Externa no Governo Lula
Paulo Roberto de Almeida
1. Qual sua visão sobre a OMC de 2000 até os dias atuais?
Em 2000, a OMC, que já tinha completado cinco anos de existência, tinha sofrido um revés, com o fracasso da conferência ministerial de Seattle, nos EUA, em novembro de 1999. Esse fracasso, assim como outros percalços que ela possa ter tido nesse periodo de dez anos desde sua inauguração, não se deve propriamente à OMC, e sim ao aspecto político do comportamento dos países membros. Com efeito, a organização não pode, ela mesma, determinar suas orientações e ênfases em matéria de liberalização do comércio internacional e de criação, consolidação e respeito das normas relativas ao sistema multilateral de comércio, como é o seu mandato constitutivo. Para isso, ela depende da cooperação e da colaboração dos próprios países membros, que têm a faculdade de fazer avançar ou deixar paralisados os trabalhos que a OMC conduz, seja na administração dos acordos existentes, seja na negociação e implementação de novos acordos. Se os países membros são pouco cooperativos, seu trabalho ficará ipso facto paralisado. Se eles decidem avançar, ela consegue, então cumprir seu mandato e seus ideais.
Em todo caso, minha visão sobre a OMC é eminentemente positiva, pois ela consegue, ainda que a duras penas, fazer avançar, mesmo modesta e lentamente, a causa da liberalização do comércio internacional. Já em novembro de 2001, por exemplo, ela conseguir fazer aprovar na ministerial de Doha, um mandato para a atual rodada de negociações, que incluia a discussão sobre alguns dos temas mais importantes, e difíceis, do sistema multilateral de comércio, como podem ser os das práticas de subvenção à produção e exportação de produtos agrícolas, ademais da continuidade do trabalho em matéria de serviços, anti-dumping, investimentos e outros mais.
A ministerial de Cancun, no México, em setembro de 2003, foi um fracasso relativo, nãoa tanto devido ao capítulo agrícola – no qual o Brasil atuou de modo inteligente, ao constituir o atual G-20, de países que se opõem ao protecionismo e ao subvencionismo agrícolas –, mas mais devido a problemas em outras áreas, como os chamados novos temas, ou a agenda de Cingapura (investimentos, propriedade intelectual etc).
Nos próximos meses, isto é, no que resta de 2005 até a conferência ministerial de Hong-Kong, em novembro, a OMC tem pela frente o desafio de fazer avançar as negociações para completar a rodada Doha. Não acredito que haverá tempo hábil para finalizar todos os capitulos da negociação, e como sempre ocorrerá um mini-drama, nas vésperas da cúpula, e provavelmente durante a própria, alguns progressos serão feitos, a duras penas, mas o exercício não estará obviamente concluído. Provavelmente se chegará, em meados de 2006 ou mais provavelmente ao início de 2007, a algum resultado sob a forma de acordos complementares de liberalização em algumas áreas (como agricultura, mas ainda assim parcial e insatisfatório do nosso ponto de vista), e de estabelecimento de normas tentativas em outras áreas. Os países não mudarão muito o seu comportamento obstrucionista, o que é obviamente uma pena, mas é compreensível do ponto de vista político, tendo em vista o quadro habitual nesse gênero de diplomacia.
2. Qual sua opinião sobre a renovação do acordo brasileiro com o FMI e quais as conseqüências que este acordo poderia trazer para o Brasil?
O governo brasileiro, justamente, depois de quatro acordos sucessivos, em 1998, 2001, 2002 e 2003, decidiu, em março de 2005, não renovar, ou não negociar um novo acordo com o FMI, ficando portanto livre das condicionalidades associadas aos acordos precedentes (geralmente relativas ao atingimento de metas fiscais, como o superávit primário no orçamento). Não tenho certeza se teria sido melhor renovar o acordo existente, ou se, como decidido, não extendê-lo ou negociar um novo. Ambas as soluções têm suas vantagens e desvantagens. No caso da existência de acordo, trata-se de uma garantia de linha de crédito em caso de necessidade, como uma nova crise financeira internacional ou uma deterioração sensível das contas externas que colocasse em risco nossa capacidade de pagamento das obrigações externas (juros da dívida, amortização dos empréstimos contraídos, transferências de divisas por pagamento de fatores e outras saídas de capitais).
Por outro lado, as contas externas do Brasil estão relativamente em ordem atualmente, com superávit comercial amplo, o que permite cobrir o déficit crônico dos serviços (e portanto das transações correntes) e outras saídas de capital. Os investimentos diretos estrangeiros também estão sendo retomados, o que é uma garantia adicional. Não havia, assim, necessidade, stricto sensu, de renovação do acordo. Mas, o Brasil ainda possui algumas fragilidades, internas e externas, como a grande dívida pública e a existência de déficit nominal no orçamento, mesmo com acúmulo de superávits primários (que não chegam, entretanto, a cobrir os pagamentos de juros da dívida pública).
Em síntese, um acordo com o FMI pode representar a garantia de saldo disponível, em caso de necessidade, e sobretudo um aval sobre a qualidade das políticas econômicas, mas ele também representa uma espécie de sinal de alerta sobre a fragilidade de nossas contas externas. Em última instância, nós mesmos é que devemos realizar esforços para colocar as contas públicas, sobretudo as internas, em condições de sustentabilidade.
3. Qual o seu posicionamento a respeito da política Externa do Brasil com o atual Presidente?
Trata-se, como o próprio governo proclama, de uma política ativa, de uma diplomacia altiva. Apenas não tenho certeza de que todo esse ativismo se dirige para o lado correto, pois que existe, em substituição à antiga “diplomacia presidencial” do período FHC, uma espécie de “diplomacia partidária”, que mobiliza todas as crenças, valores e princípios de política externa do PT, que não necessariamente tem o melhor julgamento da realidade ou que não necessariamente pratica a melhor política externa de que o Brasil precisa.
Essa política externa “partidária” é feita de um anti-imperialismo instintivo, como corresponde a um partido esquerdista e ainda teoricamente socialista como o PT, de um preconceito contra a globalização e o capitalismo financeiro – como se o PT e mesmo o Brasil tivesse o poder de mudar certos processos existentes no mundo atual – e feita de muitas ilusões quanto à liderança, pelo Brasil, de outros países em desenvolvimento, sobretudo na região mas também no chamado Terceiro Mundo, objetivando mudar o mundo, a região e o próprio Brasil.
O PT e este governo mantêm certas ilusões quanto à mudança no “eixo do poder mundial” e na “geografia comercial do mundo”, como várias vezes proclamado. Para isso, o governo colocou dificuldades em algumas negociações comerciais, sob o pretexto de preservar “espaços nacionais para políticas de desenvolvimento”, que não se sabe bem quais sejam (mas que representam a continuidade do velho estatismo econômico, que já conhecemos tão bem). Não tenho certeza de que essa política feita de ativismo no mundo em desenvolvimento possa representar adequadamente os interesses de uma economia avançada e diversificada como é hoje a brasileira.
4.Comparando a política e o andamento do Brasil com FHC e agora, com Lula, o que o senhor acha que se está levando mais em consideração? Prevalece ainda o pensamento de esquerda e de direita?
Certamente, prevalece, infelizmente, esse maniqueismo de esquerda e direita, o que diga-se de passagem nunca existiu muito dentro do Itamaraty. Pode-se dizer que, em certo sentido, esse pensamento foi introduzido agora, a partir de fora, com a assunção do PT a uma posição predominante na determinação das principais linhas da política externa, o que realmente é uma pena, pois diplomacia ideológica nunca combina bem com o interesse nacional.
No mais, creio a que a diplomacia brasileira tem mais traços de continuidade do que de ruptura, que se exerce mais no estilo do que na substância. Elaborei um trabalho no qual faço uma comparação das duas diplomacias, justamente, cuja referência é: “Um exercício comparativo de política externa: FHC e Lula em perspectiva”, publicado na revista Achegas (Rio de Janeiro: nº 17, 12 de maio de 2004; ISSN 1677-8855; link: http://www.achegas.net/numero/dezessete/paulo_r_a_17.htm), depois expandido para “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, ISSN: 0034-7329; pp. 162-184).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, em 7 de maio de 2005
Política Externa no Governo Lula
Paulo Roberto de Almeida
1. Qual sua visão sobre a OMC de 2000 até os dias atuais?
Em 2000, a OMC, que já tinha completado cinco anos de existência, tinha sofrido um revés, com o fracasso da conferência ministerial de Seattle, nos EUA, em novembro de 1999. Esse fracasso, assim como outros percalços que ela possa ter tido nesse periodo de dez anos desde sua inauguração, não se deve propriamente à OMC, e sim ao aspecto político do comportamento dos países membros. Com efeito, a organização não pode, ela mesma, determinar suas orientações e ênfases em matéria de liberalização do comércio internacional e de criação, consolidação e respeito das normas relativas ao sistema multilateral de comércio, como é o seu mandato constitutivo. Para isso, ela depende da cooperação e da colaboração dos próprios países membros, que têm a faculdade de fazer avançar ou deixar paralisados os trabalhos que a OMC conduz, seja na administração dos acordos existentes, seja na negociação e implementação de novos acordos. Se os países membros são pouco cooperativos, seu trabalho ficará ipso facto paralisado. Se eles decidem avançar, ela consegue, então cumprir seu mandato e seus ideais.
Em todo caso, minha visão sobre a OMC é eminentemente positiva, pois ela consegue, ainda que a duras penas, fazer avançar, mesmo modesta e lentamente, a causa da liberalização do comércio internacional. Já em novembro de 2001, por exemplo, ela conseguir fazer aprovar na ministerial de Doha, um mandato para a atual rodada de negociações, que incluia a discussão sobre alguns dos temas mais importantes, e difíceis, do sistema multilateral de comércio, como podem ser os das práticas de subvenção à produção e exportação de produtos agrícolas, ademais da continuidade do trabalho em matéria de serviços, anti-dumping, investimentos e outros mais.
A ministerial de Cancun, no México, em setembro de 2003, foi um fracasso relativo, nãoa tanto devido ao capítulo agrícola – no qual o Brasil atuou de modo inteligente, ao constituir o atual G-20, de países que se opõem ao protecionismo e ao subvencionismo agrícolas –, mas mais devido a problemas em outras áreas, como os chamados novos temas, ou a agenda de Cingapura (investimentos, propriedade intelectual etc).
Nos próximos meses, isto é, no que resta de 2005 até a conferência ministerial de Hong-Kong, em novembro, a OMC tem pela frente o desafio de fazer avançar as negociações para completar a rodada Doha. Não acredito que haverá tempo hábil para finalizar todos os capitulos da negociação, e como sempre ocorrerá um mini-drama, nas vésperas da cúpula, e provavelmente durante a própria, alguns progressos serão feitos, a duras penas, mas o exercício não estará obviamente concluído. Provavelmente se chegará, em meados de 2006 ou mais provavelmente ao início de 2007, a algum resultado sob a forma de acordos complementares de liberalização em algumas áreas (como agricultura, mas ainda assim parcial e insatisfatório do nosso ponto de vista), e de estabelecimento de normas tentativas em outras áreas. Os países não mudarão muito o seu comportamento obstrucionista, o que é obviamente uma pena, mas é compreensível do ponto de vista político, tendo em vista o quadro habitual nesse gênero de diplomacia.
2. Qual sua opinião sobre a renovação do acordo brasileiro com o FMI e quais as conseqüências que este acordo poderia trazer para o Brasil?
O governo brasileiro, justamente, depois de quatro acordos sucessivos, em 1998, 2001, 2002 e 2003, decidiu, em março de 2005, não renovar, ou não negociar um novo acordo com o FMI, ficando portanto livre das condicionalidades associadas aos acordos precedentes (geralmente relativas ao atingimento de metas fiscais, como o superávit primário no orçamento). Não tenho certeza se teria sido melhor renovar o acordo existente, ou se, como decidido, não extendê-lo ou negociar um novo. Ambas as soluções têm suas vantagens e desvantagens. No caso da existência de acordo, trata-se de uma garantia de linha de crédito em caso de necessidade, como uma nova crise financeira internacional ou uma deterioração sensível das contas externas que colocasse em risco nossa capacidade de pagamento das obrigações externas (juros da dívida, amortização dos empréstimos contraídos, transferências de divisas por pagamento de fatores e outras saídas de capitais).
Por outro lado, as contas externas do Brasil estão relativamente em ordem atualmente, com superávit comercial amplo, o que permite cobrir o déficit crônico dos serviços (e portanto das transações correntes) e outras saídas de capital. Os investimentos diretos estrangeiros também estão sendo retomados, o que é uma garantia adicional. Não havia, assim, necessidade, stricto sensu, de renovação do acordo. Mas, o Brasil ainda possui algumas fragilidades, internas e externas, como a grande dívida pública e a existência de déficit nominal no orçamento, mesmo com acúmulo de superávits primários (que não chegam, entretanto, a cobrir os pagamentos de juros da dívida pública).
Em síntese, um acordo com o FMI pode representar a garantia de saldo disponível, em caso de necessidade, e sobretudo um aval sobre a qualidade das políticas econômicas, mas ele também representa uma espécie de sinal de alerta sobre a fragilidade de nossas contas externas. Em última instância, nós mesmos é que devemos realizar esforços para colocar as contas públicas, sobretudo as internas, em condições de sustentabilidade.
3. Qual o seu posicionamento a respeito da política Externa do Brasil com o atual Presidente?
Trata-se, como o próprio governo proclama, de uma política ativa, de uma diplomacia altiva. Apenas não tenho certeza de que todo esse ativismo se dirige para o lado correto, pois que existe, em substituição à antiga “diplomacia presidencial” do período FHC, uma espécie de “diplomacia partidária”, que mobiliza todas as crenças, valores e princípios de política externa do PT, que não necessariamente tem o melhor julgamento da realidade ou que não necessariamente pratica a melhor política externa de que o Brasil precisa.
Essa política externa “partidária” é feita de um anti-imperialismo instintivo, como corresponde a um partido esquerdista e ainda teoricamente socialista como o PT, de um preconceito contra a globalização e o capitalismo financeiro – como se o PT e mesmo o Brasil tivesse o poder de mudar certos processos existentes no mundo atual – e feita de muitas ilusões quanto à liderança, pelo Brasil, de outros países em desenvolvimento, sobretudo na região mas também no chamado Terceiro Mundo, objetivando mudar o mundo, a região e o próprio Brasil.
O PT e este governo mantêm certas ilusões quanto à mudança no “eixo do poder mundial” e na “geografia comercial do mundo”, como várias vezes proclamado. Para isso, o governo colocou dificuldades em algumas negociações comerciais, sob o pretexto de preservar “espaços nacionais para políticas de desenvolvimento”, que não se sabe bem quais sejam (mas que representam a continuidade do velho estatismo econômico, que já conhecemos tão bem). Não tenho certeza de que essa política feita de ativismo no mundo em desenvolvimento possa representar adequadamente os interesses de uma economia avançada e diversificada como é hoje a brasileira.
4.Comparando a política e o andamento do Brasil com FHC e agora, com Lula, o que o senhor acha que se está levando mais em consideração? Prevalece ainda o pensamento de esquerda e de direita?
Certamente, prevalece, infelizmente, esse maniqueismo de esquerda e direita, o que diga-se de passagem nunca existiu muito dentro do Itamaraty. Pode-se dizer que, em certo sentido, esse pensamento foi introduzido agora, a partir de fora, com a assunção do PT a uma posição predominante na determinação das principais linhas da política externa, o que realmente é uma pena, pois diplomacia ideológica nunca combina bem com o interesse nacional.
No mais, creio a que a diplomacia brasileira tem mais traços de continuidade do que de ruptura, que se exerce mais no estilo do que na substância. Elaborei um trabalho no qual faço uma comparação das duas diplomacias, justamente, cuja referência é: “Um exercício comparativo de política externa: FHC e Lula em perspectiva”, publicado na revista Achegas (Rio de Janeiro: nº 17, 12 de maio de 2004; ISSN 1677-8855; link: http://www.achegas.net/numero/dezessete/paulo_r_a_17.htm), depois expandido para “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, ISSN: 0034-7329; pp. 162-184).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, em 7 de maio de 2005
Politica Externa Brasileira: um questionario de maio de 2004
Respondendo a questões de um universitário (respostas nunca divulgadas, desde 2004_
Política externa e Interesse Nacional
Questionário (20 de maio de 2004)
1- Qual é o interesse nacional do Brasil hoje? Há um consenso?
PRA: Não há consenso real sobre o interesse nacional do Brasil, hoje, no passado e provavelmente no futuro, a não ser num nível muito alto de generalidade, em torno dos seguintes elementos possíveis: bem estar da população, com menor desigualdade na distribuição de renda, desenvolvimento sócio-econômico da Nação, segurança e saúde para o maior número possível, capacitação tecnológica do País, inserção econômica internacional, participação nos processos decisórios no plano mundial.
A partir daí, não há mais entendimento possível entre as diversas forças políticas e sociais sobre os meios e formas de como alcançar aquelas metas desejáveis para o país e para o seu povo. Eu colocaria o interesse nacional brasileiro sobretudo na educação de qualidade para o maior número possível de cidadãos, pois entendo tratar-se do problema básico que torna a solução de todos os outos mais difícil.
2- Qual a importância das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos?
PRA: Fundamental, sem dúvida, como tem sido desde um século aproximadamente, muito embora o Brasil tenha interesse em desenvolver o mais possível suas relações econômicas e comerciais com o maior número de países. Como primeira potência comercial, tecnológica e financeira, os EUA ainda são, e continuarão a ser pelo futuro previsível, a principal fonte de recursos financeiros, de inovações tecnológicas e o maior provedor de oportunidades de mercado para a economia brasileira.
3- Quais são os temas sensíveis do Brasil com relação aos Estados Unidos no âmbito do comércio?
PRA: Do lado americano, o protecionismo setorial (suco de laranja, siderúrgicos, produtos agrícolas, por exemplo), as medidas abusivas de defesa comercial e sobretudo práticas deletérias de subvencionismo agrícola (medidas de apoio interno e subvenções às exportações) e de retorsão comercial. Do lado brasileiro, um protecionismo ainda mais extenso, uma timidez na abertura aos capitais de risco americanos e uma atitude em geral pouco amistosa que se traduz no cerceamento americano a certas necessidades brasileiras em tecnologias sensíveis (sobretudo na área nuclear).
4- Quais são os elementos que interferem no comportamento do Brasil com relação aos Estados Unidos no que diz respeito ao comércio?
5- Nos dias atuais, os Estados Unidos continuam sendo uma parceria estratégica importante para a política externa brasileira?
PRA: Sem dúvida, mas a definição de estratégica tende a variar de acordo com o governo, aqui e nos EUA, alguns mais abertos e reciptivos, outros mais fechados. Por outro lado, cada um dos países ocupa uma posição específica no contexto regional e mundial, do que derivam percepções diferentes sobre a realidade internacional, sobre as necessidades prioritárias de cada um (para o Brasil, desenvolvimento, por exemplo, para os EUA, segurança) e sobre o papel que cada um deve desempenhar nas instâncias multilaterais e regionais.
6- Como é o Brasil hoje sem ALCA?
PRA: Um país com um baixo coeficiente de abertura externa, isto é, pequena participação do comércio exterior na formação do PIB, relativaente protecionista e relutante em acolher investimentos estrangeiros, com temor que isso afete sua soberania ou desnacionalize a sua economia. Sobretudo introvertido e incapaz de resolver graves problemas de ordem macro ou microeconômica (insuficiências na infra-estrutura, por exemplo, ou ainda um sistema tributário pouco propenso a ganhos de produtividade e de competitividade para as empresas, que são penalizadas por deficiências regulatórias e sobretudo pesada carga fiscal), sem um desafio externo que o conduza a empreender essas reformas necessárias, o que poderia ser representado pela Alca.
7- O que mudaria no país, caso a ALCA acontecesse?
PRA: Muita coisa mudaria, algumas positivas absolutamente (como a maior abertura comercial e maior inserção no mundo), outras representando desafios a vencer, como o baixo nível de capitalização das empresas, o chamado “custo Brasil” e outros problemas que poderiam ser potencializados pela Alca.
As maiores mudanças seriam contudo sobretudo de ordem mental, já que o Brasil e os brasileiros continuam a olhar os Estados Unidos com desconfiança, pensando em “hegemonia” quando os americanos pensam essencialmente em negócios.
8- O que significa a ALCA para o Brasil e o que significa para os Estados Unidos?
PRA: Para nós um grande desafio, para eles apenas mais uma conquista comercial no sentido da abertura de outros países aos investimentos de suas empresas. A Alca pode representar metade da nossa interface econômica externa, para os EUA menos do que 10% (embora importante pois se trata de uma das poucas áreas no mundo onde eles fariam saldos superavitários na relação comercial).
9- Quais seriam as modificações na política comercial com os Estados Unidos caso a ALCA aconteça?
PRA: Eles prefeririam que nada mude, nem nas leis comerciais, nem nos regulamentos internos. Para o Brasil seria essencial que os EUA desmantelassem o seu arsenal protecionista e subvencionista na área agrícola, em alguns serviços e sobretudo que eles reformulassem a legislação de defesa comercial para não ocorrer os casos de anti-dumping e salvaguardas abusivos e por vezes ilegais. Duvido, porém, que o Congresso americano esteja propenso a dar estes passos importantes no desarme comercial.
9- Quais foram as principais mudanças que ocorreram da passagem do governo FHC para o governo Lula com relação à política comercial com os Estados Unidos?
PRA: Muito poucas, praticamente nenhuma, apenas uma atitude brasileira ainda menos propensa à abertura ao comércio e aos investimentos. Ocorre, por outro lado, uma certa má vontade em relação aos Estados Unidos por parte da atual administração, revelada, por exemplo, no fichamento de americanos e na tentativa de expulsão do correspondente americano do New York Times.
10- Houve mudanças na agenda e nos objetivos do Brasil com o novo governo?
PRA: Sim, houve, mas menos importantes do que se acredita e do que se proclama. As mudanças são bem mais retóricas do que efetivas. Em meu trabalho encaminhado em anexo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula” eu tento mapear as diferenças reais de postura entre os dois governos.
Feito em Brasília, em 20 de maio de 2004
Paulo Roberto de Almeida
Política externa e Interesse Nacional
Questionário (20 de maio de 2004)
1- Qual é o interesse nacional do Brasil hoje? Há um consenso?
PRA: Não há consenso real sobre o interesse nacional do Brasil, hoje, no passado e provavelmente no futuro, a não ser num nível muito alto de generalidade, em torno dos seguintes elementos possíveis: bem estar da população, com menor desigualdade na distribuição de renda, desenvolvimento sócio-econômico da Nação, segurança e saúde para o maior número possível, capacitação tecnológica do País, inserção econômica internacional, participação nos processos decisórios no plano mundial.
A partir daí, não há mais entendimento possível entre as diversas forças políticas e sociais sobre os meios e formas de como alcançar aquelas metas desejáveis para o país e para o seu povo. Eu colocaria o interesse nacional brasileiro sobretudo na educação de qualidade para o maior número possível de cidadãos, pois entendo tratar-se do problema básico que torna a solução de todos os outos mais difícil.
2- Qual a importância das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos?
PRA: Fundamental, sem dúvida, como tem sido desde um século aproximadamente, muito embora o Brasil tenha interesse em desenvolver o mais possível suas relações econômicas e comerciais com o maior número de países. Como primeira potência comercial, tecnológica e financeira, os EUA ainda são, e continuarão a ser pelo futuro previsível, a principal fonte de recursos financeiros, de inovações tecnológicas e o maior provedor de oportunidades de mercado para a economia brasileira.
3- Quais são os temas sensíveis do Brasil com relação aos Estados Unidos no âmbito do comércio?
PRA: Do lado americano, o protecionismo setorial (suco de laranja, siderúrgicos, produtos agrícolas, por exemplo), as medidas abusivas de defesa comercial e sobretudo práticas deletérias de subvencionismo agrícola (medidas de apoio interno e subvenções às exportações) e de retorsão comercial. Do lado brasileiro, um protecionismo ainda mais extenso, uma timidez na abertura aos capitais de risco americanos e uma atitude em geral pouco amistosa que se traduz no cerceamento americano a certas necessidades brasileiras em tecnologias sensíveis (sobretudo na área nuclear).
4- Quais são os elementos que interferem no comportamento do Brasil com relação aos Estados Unidos no que diz respeito ao comércio?
5- Nos dias atuais, os Estados Unidos continuam sendo uma parceria estratégica importante para a política externa brasileira?
PRA: Sem dúvida, mas a definição de estratégica tende a variar de acordo com o governo, aqui e nos EUA, alguns mais abertos e reciptivos, outros mais fechados. Por outro lado, cada um dos países ocupa uma posição específica no contexto regional e mundial, do que derivam percepções diferentes sobre a realidade internacional, sobre as necessidades prioritárias de cada um (para o Brasil, desenvolvimento, por exemplo, para os EUA, segurança) e sobre o papel que cada um deve desempenhar nas instâncias multilaterais e regionais.
6- Como é o Brasil hoje sem ALCA?
PRA: Um país com um baixo coeficiente de abertura externa, isto é, pequena participação do comércio exterior na formação do PIB, relativaente protecionista e relutante em acolher investimentos estrangeiros, com temor que isso afete sua soberania ou desnacionalize a sua economia. Sobretudo introvertido e incapaz de resolver graves problemas de ordem macro ou microeconômica (insuficiências na infra-estrutura, por exemplo, ou ainda um sistema tributário pouco propenso a ganhos de produtividade e de competitividade para as empresas, que são penalizadas por deficiências regulatórias e sobretudo pesada carga fiscal), sem um desafio externo que o conduza a empreender essas reformas necessárias, o que poderia ser representado pela Alca.
7- O que mudaria no país, caso a ALCA acontecesse?
PRA: Muita coisa mudaria, algumas positivas absolutamente (como a maior abertura comercial e maior inserção no mundo), outras representando desafios a vencer, como o baixo nível de capitalização das empresas, o chamado “custo Brasil” e outros problemas que poderiam ser potencializados pela Alca.
As maiores mudanças seriam contudo sobretudo de ordem mental, já que o Brasil e os brasileiros continuam a olhar os Estados Unidos com desconfiança, pensando em “hegemonia” quando os americanos pensam essencialmente em negócios.
8- O que significa a ALCA para o Brasil e o que significa para os Estados Unidos?
PRA: Para nós um grande desafio, para eles apenas mais uma conquista comercial no sentido da abertura de outros países aos investimentos de suas empresas. A Alca pode representar metade da nossa interface econômica externa, para os EUA menos do que 10% (embora importante pois se trata de uma das poucas áreas no mundo onde eles fariam saldos superavitários na relação comercial).
9- Quais seriam as modificações na política comercial com os Estados Unidos caso a ALCA aconteça?
PRA: Eles prefeririam que nada mude, nem nas leis comerciais, nem nos regulamentos internos. Para o Brasil seria essencial que os EUA desmantelassem o seu arsenal protecionista e subvencionista na área agrícola, em alguns serviços e sobretudo que eles reformulassem a legislação de defesa comercial para não ocorrer os casos de anti-dumping e salvaguardas abusivos e por vezes ilegais. Duvido, porém, que o Congresso americano esteja propenso a dar estes passos importantes no desarme comercial.
9- Quais foram as principais mudanças que ocorreram da passagem do governo FHC para o governo Lula com relação à política comercial com os Estados Unidos?
PRA: Muito poucas, praticamente nenhuma, apenas uma atitude brasileira ainda menos propensa à abertura ao comércio e aos investimentos. Ocorre, por outro lado, uma certa má vontade em relação aos Estados Unidos por parte da atual administração, revelada, por exemplo, no fichamento de americanos e na tentativa de expulsão do correspondente americano do New York Times.
10- Houve mudanças na agenda e nos objetivos do Brasil com o novo governo?
PRA: Sim, houve, mas menos importantes do que se acredita e do que se proclama. As mudanças são bem mais retóricas do que efetivas. Em meu trabalho encaminhado em anexo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula” eu tento mapear as diferenças reais de postura entre os dois governos.
Feito em Brasília, em 20 de maio de 2004
Paulo Roberto de Almeida
Politica Externa Brasileira: uma analise de janeiro de 2004
Como se trata de um texto jamais publicado, e que foi elaborado por um jornalista então empenhado numa nova revista (que nunca veio a ser publicada), creio que posso divulgar esse texto, que a despeito de ter mais de 4 anos de elaboração, pode ainda apresentar alguns elementos válidos ainda hoje (embora algumas referências tenham a ver com aspectos da realidade daquela época, como o fichamento discriminatório de americanos).
Política Externa Ativa e Altiva: algumas questões
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por um jornalista
Brasília, 25 de janeiro de 2004
1) Quais os principais pontos que diferenciam a política externa atual da do governo anterior?
Sem dúvida alguma, do ponto de vista da forma, um ativismo exemplar, representado por um intenso programa de diplomacia presidencial, complementado por um ainda mais ativo circuito de contatos, encontros, viagens de trabalho e conversações a cargo do chanceler e, de maneira algo inédita para os padrões do Itamaraty, do próprio Secretário-Geral das Relações Exteriores, funcionário normalmente (e tradicionalmente) dedicado às lides administrativas e aos assuntos de “economia doméstica” da Casa. Tanto o ministro como seu principal auxiliar têm conduzido uma das fase mais dinâmicas da diplomacia brasileira em qualquer época histórica.
Do ponto de vista do conteúdo, uma postura mais assertiva, mais enfática em torno da chamada defesa da soberania nacional e dos interesses nacionais, assim como de busca de alianças privilegiadas no Sul, com ênfase especial no processo de integração da América do Sul e no reforço do Mercosul. Tudo isso não deveria surpreender, pois que figura nos documentos do partido hoje majoritário há praticamente vinte anos, por vezes nos mesmos termos e estilo, até na terminologia, coincidindo, portanto, com a política externa efetivamente praticada atualmente.
No que se refere à agenda diplomática propriamente dita, pode ser ressaltada a postura crítica em relação à globalização e à abertura comercial, com um maior empenho na reafirmação das posições tradicionais do Brasil em matéria de negociações comerciais (busca de acesso aos mercados desenvolvidos, com a manutenção dos mecanismos que favorecem países em desenvolvimento, não comprometimento com demandas de liberalização que possam representar comprometimento da capacidade nacional de estabelecer políticas nacionais e setoriais de desenvolvimento e de capacitação tecnológica), bem como uma definição contrária – também tradicional no partido agora no poder – à chamada “fragilidade financeira externa”, com a implementação consequente de políticas que reafirmem a necessidade de saldo comercial e a não dependência de capitais externos nas relações econômicas internacionais.
No plano político, é evidente o projeto de reforçar a capacidade de “intervenção” do Brasil no mundo, a assunção declarada do desejo de ocupar uma cadeira permanente num Conselho de Segurança reformado e a oposição aos unilateralismos ou unipolarismos, com a defesa ativa do multilateralismo e de um maior equilíbrio nas relações internacionais. No plano econômico, trata-se de buscar maior cooperação e integração com países similares (outras potências médias) e vizinhos regionais.
2) O que se pode esperar concretamente dessa mudança?
Ainda é prematuro para formular possíveis consequências dessas mudanças de estilo e mesmo de conteúdo na política externa governamental, mas a intenção proclamada é a de assegurar maior presença do Brasil no mundo, garantir-lhe uma cadeira permanente na ONU e tornar sua voz ouvida nos grandes problemas da comunidade internacional. Uma busca mais afirmada da liderança regional pode também resultar do ativismo regional, mas nesse particular a liderança não parte apenas do desejo que quem lidera, mas da aceitação consensual dos liderados presumidos. Este ponto ainda não ficou muito claro na relação com a Argentina, que sempre declarou e entendeu sua relação com o Brasil num plano igualitário, e não assimétrico.
3) Do ponto de vista regional, qual a principal mudança? O sr. acha que a integração sul-americana é um dos grandes diferenciais dessa política do governo Lula? Como vamos implementar a integração com tanta falta de recursos financeiros dos países sul-americanos?
O Mercosul passou a ser buscado talvez não mais como um meio para realizar objetivos mais gerais de política externa ou de “economia política”, mas aparentemente como um fim em si mesmo, dispondo-se o Brasil a assumir os custos e responsabilidades dessa ênfase acrescida no papel do Mercosul. A integração sul-americana já fazia parte da agenda diplomática anterior, mas ela agora foi particularmente reforçada, com o direto envolvimento de um de seus principais patrocinadores, o SG em pessoa. Passou-se também a dar importância aos aspectos não diretamente comerciais da integração, como a coordenação de políticas macroeconômicas (inclusive com o projeto de uma futura moeda comum) e as vertentes social e política (Parlamento comum, por voto direito), o que pode representar novos investimentos num edifício integracionista ainda carente de alguns alicerces comerciais.
A falta de recursos financeiros pode ser um impedimento para a realização de muitas iniciativas vinculadas à integração física, mas o mais importante parece ser a fragilidade econômica atual dos países membros, o que torna difícil a derrubada das últimas barreiras internas à consecução da zona de livre comércio, ao acabamento da união aduaneira e à implementação do mercado comum. As assimetrias internas teriam de ser superadas mediante programas compensatórios, o que também é difícil numa conjuntura de fragilidade econômica como a que vivem os países membros.
4) Em termos geoestratégicos, o que muda quando o Brasil se coloca, no cenário internacional, com pleitos de país que quer ocupar um lugar ao sol? (Isso em termos de ONU, OMC e também no conjunto das relações internacionais)
Se aceita e factível de ser implementada essa mudança de postura, o Brasil passa a ser mais ouvido, mas isto tem correspondência na necessidade de assunção de maiores responsabilidades, em termos de segurança, assistência e cooperação ao desenvolvimento, o que obviamente implica em custos financeiros e capacidade militar.
5) O estreitamento das relações com a África do Sul pode significar o que, em termos de Atlântico Sul (ponto de vista geoestratégico, incluindo questões no campo da defesa)) e da reaproximação Brasil-África?
Pode-se, a termo, pensar na conclusão de uma aliança mais estreita para a implementação da zona de paz e cooperação no Atlântico Sul, tanto pelo lado da defesa, como pelo lado da cooperação. Dificilmente, contudo, se logrará um acordo com as grandes potências para a renúncia de passagem, em águas tão importantes, de barcos e submarinos nuclearmente armados. De toda forma a cooperação estratégica faria com que os dois países (e outros da região) se tornassem menos dependentes, em termos de equipamentos e posicionamento estratégico, de uma das grandes potências.
6) E mais longe, o que se pode esperar do bloco Brasil, África do Sul e Índia (e, mais tarde, a possível incorporação de China e Rússia)?
Difícil dizer, pois estes países estão desigualmente inseridos no grande jogo estratégico internacional, com agendas regionais e mundiais próprias, que podem coincidir em alguns pontos com a do Brasil atual (o não-hegemonismo, por exemplo), mas não necessariamente em todos. Brasil e África do Sul não são potências nucleares e não têm, a rigor, pendências com vizinhos ou ameaças estratégicas perceptíveis, o que é diferente dos “perigos” (supostos ou reais) que ameaçam a segurança dos três outros. Não creio, assim, que se possa falar em “bloco”, mas tão simplesmente em diálogo e cooperação para a busca de objetivos comuns, o que se alcança em questões pontuais que não serão necessariamente as mesmas para todos ao mesmo tempo. De toda forma, fica difícil falar in abstracto, sem conhecer as conversações que vêm sendo mantidas com esses países, em torno, hipoteticamente, de alguma agenda comum. Se ela existe, não foi ainda explicitada, além de algumas questões gerais que foram destacadas no período recente: intensificação dos intercâmbios e da cooperação, acordos de liberalização comercial, apoio mútuo em alguns pontos da agenda multilateral, etc.
7) Nesse cenário, qual a força do Brasil e do Mercosul nas negociações da Alca? O que, de fato, mudou nas negociações hemisféricas a partir da ascensão do governo Lula?
A postura deixou o lado das negociações meramente “técnicas” para enfatizar o chamado interesse nacional, com uma visão mais crítica das vantagens e desvantagens da liberalização comercial numa situação relativamente assimétrica com o império. Mas também se deixou a defesa do multilateralismo e do “entendimento único”, que eram dois pontos enfatizados pelo Brasil anteriormente, para uma escolha pela geometria variável, pelo minilateralismo e pela liberalização à la carte, o que de certa forma é compreensível, tendo em vista a própria fragmentação e diferenciação das ofertas dos EUA no esquema da Alca. De certa forma, a Alca, devido à postura do Brasil, “aladizou-se”, com as vantagens e desvantagens desse tipo de arranjo ad hoc e parcial.
8) Cuba e Venezuela têm sido acusados pelos EUA de interferir no cenário regional e de tentar impulsionar movimentos de esquerda (casos da Bolívia, Peru e Equador) . O Brasil se alinha aos dois em vários campos mas tem outra visão dos problemas regionais. De que forma o Brasil pode conduzir a crise regional, conciliando suas relações com os EUA e com a Venezuela e Cuba?
O Brasil procura manter relações corretas com todos os países da região, inclusive com os EUA, busca a reintegração de Cuba ao concerto americano e gostaria de poder contibuir para a pacificação política e militar dos países vizinhos, sem dispor, por outro lado, de condições de intervenção (no bom sentido da palavra) para fazer com que tais objetivos se concretizem. Por outro lado, há uma desconfiança de princípio, em nossos meios militares, de que a atuação dos EUA busca assegurar a preservação de sua hegemonia e influência na região, o que de certa forma poderia limitar a capacidade de influência do Brasil. Não tenho condições de avaliar quais meios e instrumentos poderiam ser mobilizados pelo Brasil, ademais dos tradicionais da diplomacia, para “conduzir a crise regional”. Aliás, não existe “uma” crise regional, mas diversas crises, geralmente internas aos países, algumas remanescentes dos tempos de tratados de fronteiras, não necessariamente administráveis pelos mesmos métodos.
9) O sr. acha que o Brasil tem uma visão antiamericana ou está apenas defendendo seus interesses? Há casos concretos que demonstrem que o governo brasileiro não é antiamericano e implementa parceria com Washington?
O governo brasileiro não é anti-americano, embora haja uma nítida postura anti-americana em diversos, talvez em amplos, setores sociais da base política do partido atualmente no poder. Pesquisas de opinião revelam esse grau de desconfiança e de animosidade em certos meios, mesmo na ausência de qualquer ação “arrogante”, “prepotente” ou unilateralista por parte do império. Foi o que se viu, por exemplo, por ocasião dos ataques terroristas nos EUA, e mesmo atualmente, quando pessoas razoavelmente bem informadas, e supostamente capazes de emitir opiniões racionais em temas de política internacional, expressam a opinião de que os EUA de certa forma, pela sua política ou por atitudes, “fizeram por merecer” esses ataques, o que é obviamente inadmissível do ponto de vista dos direitos humanos e da ética.
O governo, por outro lado, deseja uma boa relação com os EUA, mas também busca uma política de afirmação concreta da defesa dos interesses nacionais, o que por vezes se manifesta de forma algo inusitada, como no caso do fichamento de turistas e visitantes americanos. Independentemente da legalidade da decisão, aliás questionável, de um juiz que manifestamente ultrapassou suas competências, pode-se interrogar sobre a base legal de uma determinação (a portaria do governo) não explícita, e não evidente, quanto à continuidade do fichamento de cidadãos dos EUA ingressando no território brasileiro, na ausência de uma norma administrativa a esse respeito – já que o princípio da reciprocidade requer um mínimo de formalidade jurídica para sua aplicação – e na ausência de uma finalidade expressa para tal tipo de medida.
Que a opinião pública seja majoritariamente a favor da medida, não implicaria, a rigor, que o governo adotasse medidas que apresentam ônus econômico real para as autoridades de fronteira, sem uma finalidade aparente, ou sem que o resultado seja incorporado a qualquer sistema legal de segurança nacional. Neste caso, o governo pode ter desejado atender mais à opinião pública do que alguma norma racional-legal, mas não o fez motivado por anti-americanismo, mas provavelmente pelo desejo de melhorar as condições de entrada e permanência de uma hoje imensa colônia brasileira nos EUA.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de janeiro de 2004
Política Externa Ativa e Altiva: algumas questões
Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por um jornalista
Brasília, 25 de janeiro de 2004
1) Quais os principais pontos que diferenciam a política externa atual da do governo anterior?
Sem dúvida alguma, do ponto de vista da forma, um ativismo exemplar, representado por um intenso programa de diplomacia presidencial, complementado por um ainda mais ativo circuito de contatos, encontros, viagens de trabalho e conversações a cargo do chanceler e, de maneira algo inédita para os padrões do Itamaraty, do próprio Secretário-Geral das Relações Exteriores, funcionário normalmente (e tradicionalmente) dedicado às lides administrativas e aos assuntos de “economia doméstica” da Casa. Tanto o ministro como seu principal auxiliar têm conduzido uma das fase mais dinâmicas da diplomacia brasileira em qualquer época histórica.
Do ponto de vista do conteúdo, uma postura mais assertiva, mais enfática em torno da chamada defesa da soberania nacional e dos interesses nacionais, assim como de busca de alianças privilegiadas no Sul, com ênfase especial no processo de integração da América do Sul e no reforço do Mercosul. Tudo isso não deveria surpreender, pois que figura nos documentos do partido hoje majoritário há praticamente vinte anos, por vezes nos mesmos termos e estilo, até na terminologia, coincidindo, portanto, com a política externa efetivamente praticada atualmente.
No que se refere à agenda diplomática propriamente dita, pode ser ressaltada a postura crítica em relação à globalização e à abertura comercial, com um maior empenho na reafirmação das posições tradicionais do Brasil em matéria de negociações comerciais (busca de acesso aos mercados desenvolvidos, com a manutenção dos mecanismos que favorecem países em desenvolvimento, não comprometimento com demandas de liberalização que possam representar comprometimento da capacidade nacional de estabelecer políticas nacionais e setoriais de desenvolvimento e de capacitação tecnológica), bem como uma definição contrária – também tradicional no partido agora no poder – à chamada “fragilidade financeira externa”, com a implementação consequente de políticas que reafirmem a necessidade de saldo comercial e a não dependência de capitais externos nas relações econômicas internacionais.
No plano político, é evidente o projeto de reforçar a capacidade de “intervenção” do Brasil no mundo, a assunção declarada do desejo de ocupar uma cadeira permanente num Conselho de Segurança reformado e a oposição aos unilateralismos ou unipolarismos, com a defesa ativa do multilateralismo e de um maior equilíbrio nas relações internacionais. No plano econômico, trata-se de buscar maior cooperação e integração com países similares (outras potências médias) e vizinhos regionais.
2) O que se pode esperar concretamente dessa mudança?
Ainda é prematuro para formular possíveis consequências dessas mudanças de estilo e mesmo de conteúdo na política externa governamental, mas a intenção proclamada é a de assegurar maior presença do Brasil no mundo, garantir-lhe uma cadeira permanente na ONU e tornar sua voz ouvida nos grandes problemas da comunidade internacional. Uma busca mais afirmada da liderança regional pode também resultar do ativismo regional, mas nesse particular a liderança não parte apenas do desejo que quem lidera, mas da aceitação consensual dos liderados presumidos. Este ponto ainda não ficou muito claro na relação com a Argentina, que sempre declarou e entendeu sua relação com o Brasil num plano igualitário, e não assimétrico.
3) Do ponto de vista regional, qual a principal mudança? O sr. acha que a integração sul-americana é um dos grandes diferenciais dessa política do governo Lula? Como vamos implementar a integração com tanta falta de recursos financeiros dos países sul-americanos?
O Mercosul passou a ser buscado talvez não mais como um meio para realizar objetivos mais gerais de política externa ou de “economia política”, mas aparentemente como um fim em si mesmo, dispondo-se o Brasil a assumir os custos e responsabilidades dessa ênfase acrescida no papel do Mercosul. A integração sul-americana já fazia parte da agenda diplomática anterior, mas ela agora foi particularmente reforçada, com o direto envolvimento de um de seus principais patrocinadores, o SG em pessoa. Passou-se também a dar importância aos aspectos não diretamente comerciais da integração, como a coordenação de políticas macroeconômicas (inclusive com o projeto de uma futura moeda comum) e as vertentes social e política (Parlamento comum, por voto direito), o que pode representar novos investimentos num edifício integracionista ainda carente de alguns alicerces comerciais.
A falta de recursos financeiros pode ser um impedimento para a realização de muitas iniciativas vinculadas à integração física, mas o mais importante parece ser a fragilidade econômica atual dos países membros, o que torna difícil a derrubada das últimas barreiras internas à consecução da zona de livre comércio, ao acabamento da união aduaneira e à implementação do mercado comum. As assimetrias internas teriam de ser superadas mediante programas compensatórios, o que também é difícil numa conjuntura de fragilidade econômica como a que vivem os países membros.
4) Em termos geoestratégicos, o que muda quando o Brasil se coloca, no cenário internacional, com pleitos de país que quer ocupar um lugar ao sol? (Isso em termos de ONU, OMC e também no conjunto das relações internacionais)
Se aceita e factível de ser implementada essa mudança de postura, o Brasil passa a ser mais ouvido, mas isto tem correspondência na necessidade de assunção de maiores responsabilidades, em termos de segurança, assistência e cooperação ao desenvolvimento, o que obviamente implica em custos financeiros e capacidade militar.
5) O estreitamento das relações com a África do Sul pode significar o que, em termos de Atlântico Sul (ponto de vista geoestratégico, incluindo questões no campo da defesa)) e da reaproximação Brasil-África?
Pode-se, a termo, pensar na conclusão de uma aliança mais estreita para a implementação da zona de paz e cooperação no Atlântico Sul, tanto pelo lado da defesa, como pelo lado da cooperação. Dificilmente, contudo, se logrará um acordo com as grandes potências para a renúncia de passagem, em águas tão importantes, de barcos e submarinos nuclearmente armados. De toda forma a cooperação estratégica faria com que os dois países (e outros da região) se tornassem menos dependentes, em termos de equipamentos e posicionamento estratégico, de uma das grandes potências.
6) E mais longe, o que se pode esperar do bloco Brasil, África do Sul e Índia (e, mais tarde, a possível incorporação de China e Rússia)?
Difícil dizer, pois estes países estão desigualmente inseridos no grande jogo estratégico internacional, com agendas regionais e mundiais próprias, que podem coincidir em alguns pontos com a do Brasil atual (o não-hegemonismo, por exemplo), mas não necessariamente em todos. Brasil e África do Sul não são potências nucleares e não têm, a rigor, pendências com vizinhos ou ameaças estratégicas perceptíveis, o que é diferente dos “perigos” (supostos ou reais) que ameaçam a segurança dos três outros. Não creio, assim, que se possa falar em “bloco”, mas tão simplesmente em diálogo e cooperação para a busca de objetivos comuns, o que se alcança em questões pontuais que não serão necessariamente as mesmas para todos ao mesmo tempo. De toda forma, fica difícil falar in abstracto, sem conhecer as conversações que vêm sendo mantidas com esses países, em torno, hipoteticamente, de alguma agenda comum. Se ela existe, não foi ainda explicitada, além de algumas questões gerais que foram destacadas no período recente: intensificação dos intercâmbios e da cooperação, acordos de liberalização comercial, apoio mútuo em alguns pontos da agenda multilateral, etc.
7) Nesse cenário, qual a força do Brasil e do Mercosul nas negociações da Alca? O que, de fato, mudou nas negociações hemisféricas a partir da ascensão do governo Lula?
A postura deixou o lado das negociações meramente “técnicas” para enfatizar o chamado interesse nacional, com uma visão mais crítica das vantagens e desvantagens da liberalização comercial numa situação relativamente assimétrica com o império. Mas também se deixou a defesa do multilateralismo e do “entendimento único”, que eram dois pontos enfatizados pelo Brasil anteriormente, para uma escolha pela geometria variável, pelo minilateralismo e pela liberalização à la carte, o que de certa forma é compreensível, tendo em vista a própria fragmentação e diferenciação das ofertas dos EUA no esquema da Alca. De certa forma, a Alca, devido à postura do Brasil, “aladizou-se”, com as vantagens e desvantagens desse tipo de arranjo ad hoc e parcial.
8) Cuba e Venezuela têm sido acusados pelos EUA de interferir no cenário regional e de tentar impulsionar movimentos de esquerda (casos da Bolívia, Peru e Equador) . O Brasil se alinha aos dois em vários campos mas tem outra visão dos problemas regionais. De que forma o Brasil pode conduzir a crise regional, conciliando suas relações com os EUA e com a Venezuela e Cuba?
O Brasil procura manter relações corretas com todos os países da região, inclusive com os EUA, busca a reintegração de Cuba ao concerto americano e gostaria de poder contibuir para a pacificação política e militar dos países vizinhos, sem dispor, por outro lado, de condições de intervenção (no bom sentido da palavra) para fazer com que tais objetivos se concretizem. Por outro lado, há uma desconfiança de princípio, em nossos meios militares, de que a atuação dos EUA busca assegurar a preservação de sua hegemonia e influência na região, o que de certa forma poderia limitar a capacidade de influência do Brasil. Não tenho condições de avaliar quais meios e instrumentos poderiam ser mobilizados pelo Brasil, ademais dos tradicionais da diplomacia, para “conduzir a crise regional”. Aliás, não existe “uma” crise regional, mas diversas crises, geralmente internas aos países, algumas remanescentes dos tempos de tratados de fronteiras, não necessariamente administráveis pelos mesmos métodos.
9) O sr. acha que o Brasil tem uma visão antiamericana ou está apenas defendendo seus interesses? Há casos concretos que demonstrem que o governo brasileiro não é antiamericano e implementa parceria com Washington?
O governo brasileiro não é anti-americano, embora haja uma nítida postura anti-americana em diversos, talvez em amplos, setores sociais da base política do partido atualmente no poder. Pesquisas de opinião revelam esse grau de desconfiança e de animosidade em certos meios, mesmo na ausência de qualquer ação “arrogante”, “prepotente” ou unilateralista por parte do império. Foi o que se viu, por exemplo, por ocasião dos ataques terroristas nos EUA, e mesmo atualmente, quando pessoas razoavelmente bem informadas, e supostamente capazes de emitir opiniões racionais em temas de política internacional, expressam a opinião de que os EUA de certa forma, pela sua política ou por atitudes, “fizeram por merecer” esses ataques, o que é obviamente inadmissível do ponto de vista dos direitos humanos e da ética.
O governo, por outro lado, deseja uma boa relação com os EUA, mas também busca uma política de afirmação concreta da defesa dos interesses nacionais, o que por vezes se manifesta de forma algo inusitada, como no caso do fichamento de turistas e visitantes americanos. Independentemente da legalidade da decisão, aliás questionável, de um juiz que manifestamente ultrapassou suas competências, pode-se interrogar sobre a base legal de uma determinação (a portaria do governo) não explícita, e não evidente, quanto à continuidade do fichamento de cidadãos dos EUA ingressando no território brasileiro, na ausência de uma norma administrativa a esse respeito – já que o princípio da reciprocidade requer um mínimo de formalidade jurídica para sua aplicação – e na ausência de uma finalidade expressa para tal tipo de medida.
Que a opinião pública seja majoritariamente a favor da medida, não implicaria, a rigor, que o governo adotasse medidas que apresentam ônus econômico real para as autoridades de fronteira, sem uma finalidade aparente, ou sem que o resultado seja incorporado a qualquer sistema legal de segurança nacional. Neste caso, o governo pode ter desejado atender mais à opinião pública do que alguma norma racional-legal, mas não o fez motivado por anti-americanismo, mas provavelmente pelo desejo de melhorar as condições de entrada e permanência de uma hoje imensa colônia brasileira nos EUA.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de janeiro de 2004
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