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sexta-feira, 9 de julho de 2010
Politica Externa Brasileira: um questionario de maio de 2004
Política externa e Interesse Nacional
Questionário (20 de maio de 2004)
1- Qual é o interesse nacional do Brasil hoje? Há um consenso?
PRA: Não há consenso real sobre o interesse nacional do Brasil, hoje, no passado e provavelmente no futuro, a não ser num nível muito alto de generalidade, em torno dos seguintes elementos possíveis: bem estar da população, com menor desigualdade na distribuição de renda, desenvolvimento sócio-econômico da Nação, segurança e saúde para o maior número possível, capacitação tecnológica do País, inserção econômica internacional, participação nos processos decisórios no plano mundial.
A partir daí, não há mais entendimento possível entre as diversas forças políticas e sociais sobre os meios e formas de como alcançar aquelas metas desejáveis para o país e para o seu povo. Eu colocaria o interesse nacional brasileiro sobretudo na educação de qualidade para o maior número possível de cidadãos, pois entendo tratar-se do problema básico que torna a solução de todos os outos mais difícil.
2- Qual a importância das relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos?
PRA: Fundamental, sem dúvida, como tem sido desde um século aproximadamente, muito embora o Brasil tenha interesse em desenvolver o mais possível suas relações econômicas e comerciais com o maior número de países. Como primeira potência comercial, tecnológica e financeira, os EUA ainda são, e continuarão a ser pelo futuro previsível, a principal fonte de recursos financeiros, de inovações tecnológicas e o maior provedor de oportunidades de mercado para a economia brasileira.
3- Quais são os temas sensíveis do Brasil com relação aos Estados Unidos no âmbito do comércio?
PRA: Do lado americano, o protecionismo setorial (suco de laranja, siderúrgicos, produtos agrícolas, por exemplo), as medidas abusivas de defesa comercial e sobretudo práticas deletérias de subvencionismo agrícola (medidas de apoio interno e subvenções às exportações) e de retorsão comercial. Do lado brasileiro, um protecionismo ainda mais extenso, uma timidez na abertura aos capitais de risco americanos e uma atitude em geral pouco amistosa que se traduz no cerceamento americano a certas necessidades brasileiras em tecnologias sensíveis (sobretudo na área nuclear).
4- Quais são os elementos que interferem no comportamento do Brasil com relação aos Estados Unidos no que diz respeito ao comércio?
5- Nos dias atuais, os Estados Unidos continuam sendo uma parceria estratégica importante para a política externa brasileira?
PRA: Sem dúvida, mas a definição de estratégica tende a variar de acordo com o governo, aqui e nos EUA, alguns mais abertos e reciptivos, outros mais fechados. Por outro lado, cada um dos países ocupa uma posição específica no contexto regional e mundial, do que derivam percepções diferentes sobre a realidade internacional, sobre as necessidades prioritárias de cada um (para o Brasil, desenvolvimento, por exemplo, para os EUA, segurança) e sobre o papel que cada um deve desempenhar nas instâncias multilaterais e regionais.
6- Como é o Brasil hoje sem ALCA?
PRA: Um país com um baixo coeficiente de abertura externa, isto é, pequena participação do comércio exterior na formação do PIB, relativaente protecionista e relutante em acolher investimentos estrangeiros, com temor que isso afete sua soberania ou desnacionalize a sua economia. Sobretudo introvertido e incapaz de resolver graves problemas de ordem macro ou microeconômica (insuficiências na infra-estrutura, por exemplo, ou ainda um sistema tributário pouco propenso a ganhos de produtividade e de competitividade para as empresas, que são penalizadas por deficiências regulatórias e sobretudo pesada carga fiscal), sem um desafio externo que o conduza a empreender essas reformas necessárias, o que poderia ser representado pela Alca.
7- O que mudaria no país, caso a ALCA acontecesse?
PRA: Muita coisa mudaria, algumas positivas absolutamente (como a maior abertura comercial e maior inserção no mundo), outras representando desafios a vencer, como o baixo nível de capitalização das empresas, o chamado “custo Brasil” e outros problemas que poderiam ser potencializados pela Alca.
As maiores mudanças seriam contudo sobretudo de ordem mental, já que o Brasil e os brasileiros continuam a olhar os Estados Unidos com desconfiança, pensando em “hegemonia” quando os americanos pensam essencialmente em negócios.
8- O que significa a ALCA para o Brasil e o que significa para os Estados Unidos?
PRA: Para nós um grande desafio, para eles apenas mais uma conquista comercial no sentido da abertura de outros países aos investimentos de suas empresas. A Alca pode representar metade da nossa interface econômica externa, para os EUA menos do que 10% (embora importante pois se trata de uma das poucas áreas no mundo onde eles fariam saldos superavitários na relação comercial).
9- Quais seriam as modificações na política comercial com os Estados Unidos caso a ALCA aconteça?
PRA: Eles prefeririam que nada mude, nem nas leis comerciais, nem nos regulamentos internos. Para o Brasil seria essencial que os EUA desmantelassem o seu arsenal protecionista e subvencionista na área agrícola, em alguns serviços e sobretudo que eles reformulassem a legislação de defesa comercial para não ocorrer os casos de anti-dumping e salvaguardas abusivos e por vezes ilegais. Duvido, porém, que o Congresso americano esteja propenso a dar estes passos importantes no desarme comercial.
9- Quais foram as principais mudanças que ocorreram da passagem do governo FHC para o governo Lula com relação à política comercial com os Estados Unidos?
PRA: Muito poucas, praticamente nenhuma, apenas uma atitude brasileira ainda menos propensa à abertura ao comércio e aos investimentos. Ocorre, por outro lado, uma certa má vontade em relação aos Estados Unidos por parte da atual administração, revelada, por exemplo, no fichamento de americanos e na tentativa de expulsão do correspondente americano do New York Times.
10- Houve mudanças na agenda e nos objetivos do Brasil com o novo governo?
PRA: Sim, houve, mas menos importantes do que se acredita e do que se proclama. As mudanças são bem mais retóricas do que efetivas. Em meu trabalho encaminhado em anexo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula” eu tento mapear as diferenças reais de postura entre os dois governos.
Feito em Brasília, em 20 de maio de 2004
Paulo Roberto de Almeida
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