terça-feira, 13 de julho de 2010

A tragedia educacional brasileira

O leitor José Marcos ofereceu uma contribuição ao post em que eu transcrevia a matéria sobre os recursos alocados para a educação e a não correspondência em matéria de qualidade de ensino, aqui:

Qualidade da educacao nao é uma questao de dinheiro, apenas
A TRAGÉDIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: GOVERNO LULA NAUFRAGA DE FORMA ESPETACULAR NO DESAFIO DA QUALIDADE
segunda-feira, 5 de julho de 2010

Agradeço ao leitor. Eis a matéria:

Cresce número de professores sem diploma na educação básica do País
Luciana Alvarez, Simone Iwasso
O Estado de S.Paulo, 13 de julho de 2010

Dados do Censo Escolar mostram que a quantidade de docentes sem curso superior lecionando para os ensinos infantil, fundamental e médio saltou de 594 mil em 2007 para 636 mil em 2009; crescimento vai na contramão dos investimentos públicos na área

O número de professores que lecionam no ensino básico sem diploma de curso superior aumentou entre 2007 e 2009, segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação. Atualmente, os professores sem curso superior somam 636 mil nos ensinos infantil, fundamental e médio - o que representa 32% do total. Em 2007, eram 594 mil.

O crescimento vai na contramão das políticas públicas adotadas nos últimos anos para melhorar a formação dos docentes no País. Pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, o Brasil deveria ter todos os seus professores de ensino fundamental e médio com curso superior - projeto de lei atualmente em tramitação no Congresso Nacional prorroga esse prazo por mais seis anos e estende a obrigatoriedade também para o ensino infantil.

A Bahia é o Estado com o maior número de professores que lecionam sem diploma: eles eram 101 mil em 2009, dois terços do total. Mas mesmo em São Paulo ainda há 2.025 docentes sem diploma atuando no ensino médio - teoricamente, a etapa do ensino com mais conhecimentos específicos, como matemática e física, que mais exige uma formação superior.

Para o governo federal, o principal motivo de os índices de professores com formação superior não terem crescido, apesar dos investimentos públicos na formação, está no grande contingente sem diploma na educação infantil, etapa do ensino cuja oferta teve maior aumento no País nos últimos oito anos.

"Devemos fechar este ano com 20% de aumento na oferta de educação infantil. E, até há pouco tempo (2006), as creches eram ligadas à assistência social, portanto a ideia era cuidar, não educar", afirma Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do MEC.

Ensino infantil. O curso superior não é obrigatório no ensino infantil, mas o Plano Nacional de Educação (PNE), de 2001, tinha como meta que 70% dos professores dessa etapa conseguissem o diploma no prazo de dez anos. Pelo Censo de 2009, quase 5 mil professores do ensino infantil têm formação apenas na educação fundamental e mais de 34 mil possuem o ensino médio, mas não da modalidade normal.

"É muito importante que todo o magistério tenha uma formação adequada. E, no Brasil de hoje, ela se dá por meio do curso superior. E ainda nem em todos os cursos superiores", disse o sociólogo Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Mas o especialista afirma que esse quadro será revertido em poucos anos. "As metas podem ser atingidas com bastante rapidez, pois não há mais barreiras econômicas ou geográficas para a formação dos que já atuam como professores", diz Callegari.

O governo federal, em parceria com Estados e universidades, tem um programa de ensino a distância para professores, além de créditos e bolsas para os docentes que entram na faculdade. Atualmente, a maior aposta do governo federal está no Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica.

A intenção é formar, nos próximos cinco anos, 330 mil professores que atuam na educação básica e ainda não são graduados. Parte dos cursos é presencial e a maioria, na Universidade Aberta do Brasil (UAB), que oferece graduação para professores de maneira semipresencial. No total, os recursos para a área somam cerca de R$ 1 bilhão por ano. Os esforços, porém, ainda não aparecem nas estatísticas.

Ensino médio. Outro gargalo para o aumento do índice de professores com diploma está no ensino médio, etapa que passa por um crescimento de matrículas, mas para a qual há carências de quadros qualificados em algumas disciplinas, sobretudo física, química e matemática.

Apesar de ter o menor índice de docentes sem curso superior, a proporção dos sem diploma cresceu em dois anos também nessa etapa: eram 6,6% em 2007 e passaram para 8,7% no ano passado. "Há pesquisas mostrando que há pouco interesse dos jovens pela carreira do magistério e, em algumas áreas, a carência se dá em todo o País", afirma Maria Corrêa Silva, vice-presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consede). "Profissionais de outras áreas acabam assumindo." Com isso, docentes sem formação permanecem em sala de aula.

Maria, porém, diz-se otimista com a reversão do quadro geral. "Agora existem políticas públicas. Claro que cada Estado está em um estágio diferente, mas todos podem melhorar." A secretária do Acre lembra que, em 1999, apenas 26% dos professores do Estado tinham formação superior. Dez anos depois, são mais de 50%.

PARA LEMBRAR
Cursos ruins formam 25% dos docentes
Os cursos de Pedagogia se destacaram nas recentes avaliações do Ministério da Educação pelo crescimento de notas ruins e de oferta.
Dados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) divulgados no ano passado indicam que o número de cursos mal avaliados passou de 28,8% do total (172 cursos), em 2005, para 30,1% (292). Os cursos ruins formam um em cada quatro futuros professores.
Entre 2002 e 2007, a oferta de cursos subiu 85% - um porcentual acima da média geral (63%). Em cinco anos, os cursos de Pedagogia passaram de 1.237 para 2.295. Segundo especialistas, a proliferação ocorre por causa da facilidade de montar um curso.

Para baixo: oportunismo diplomatico (com a desgraca alheia)

Da coluna de Dora Kramer, no Estadão desta terça-feira, 13 de julho de 2010:

Outra freguesia
Se é verdade que o Brasil participou das gestões pela libertação de 52 dos 167 presos políticos de Cuba, como diz o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, se é fato que o Brasil preparou o terreno para uma operação na qual a Espanha só teve participação de última hora, como insinua o assessor especial da Presidência Marco Aurélio Garcia, seria natural que também oferecesse refúgio aos dissidentes.

Como já fizeram Espanha e Chile. Até agora o Brasil nada disse além de ironizar a atuação dos espanhóis por intermédio de Garcia, que só faltou chamá-los de oportunistas. "A bola caiu no pé deles e eles chutaram para dentro", observou o fidalgo assessor.

Para o lado, com todo peso: rumo ao capitalismo de Estado

Vem aí a Segurobrás
Geralda Doca e Danielle Nogueira
O Globo, 13.07.2010

Pressionado pelo calendário eleitoral, o governo está decidido a criar uma nova estatal do ramo de seguros — a Empresa Brasileira de Seguros S.A. (EBS) — via medida provisória (MP). O assunto vinha sendo discutido há pelo menos um ano, e a expectativa é que a MP seja assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas próximas semanas, provocando críticas do setor privado, que já prepara uma proposta alternativa. Se aprovada, será a 12aempresa pública que nasce no atual governo. Em 2002, eram 108 estatais, e agora o número passará a 120.

De acordo com a minuta do texto da MP ao qual o GLOBO teve acesso, a EBS ficará vinculada ao Ministério da Fazenda e poderá explorar operações de seguros em quaisquer modalidades, sobretudo comércio exterior (operações com prazo superior a dois anos), projetos de infraestrutura e de grande vulto, que terão fundos garantidores específicos, também criados pela MP. O texto permite ainda que a EBS crie subsidiárias, instale escritórios, filiais e representações no Brasil e no exterior.
E torna possível que ela comece a funcionar com servidores cedidos ou por contratação temporária.

O governo alega que o setor de seguros não tem capacidade para garantir obras de grande vulto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como a da hidrelétrica de Belo Monte (PA). As seguradoras contestam e já preparam um contraataque.

Está prevista uma reunião, entre amanhã e quinta-feira, com representantes da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg) e assessores do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em Brasília. Eles vão propor que seja retirada da MP a parte que trata da criação da nova estatal, mas que sejam mantidos os fundos garantidores e que estes sejam geridos pelo BNDES.
— O mercado tem plena capacidade para fazer o que o governo quer. A criação de uma estatal é um retrocesso em ações do próprio governo, que quebrou o monopólio do setor de resseguros há cerca de dois anos e meio — afirma Jorge Hilário Gouvêa Vieira, presidente da CNSeg. — Além disso, há um claro conflito de interesses, pois o governo vai assegurar seus próprios contratos.

Setor movimentou R$ 109 bi em 2009
As 196 empresas que integram o setor de seguros no Brasil movimentaram R$ 109 bilhões em prêmios em 2009, e a previsão é que chegue a R$ 150 bilhões em 2012. Também há perspectivas de crescimento do segmento de resseguros, que dá garantias às seguradoras. Com a chegada de grandes multinacionais ao Brasil — são 118 empresas, incluindo resseguradoras e corretoras —, o segmento movimentou cerca de US$ 2 bilhões ou cerca de R$ 3,5 bilhões em 2008, últimos dados disponíveis. A previsão de Paulo Pereira, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Resseguros (Aber), é que o segmento dobre de tamanho em três anos.

— As dez maiores resseguradoras do mundo estão aqui. Com a crise econômica, houve perda do patrimônio de muitas delas, mas isso já foi recuperado. Há vontade de fazer negócios no país. Não vejo por que criar uma estatal — diz Pereira, que também preside a americana Transatlantic Re, a décima maior do mundo.
Segundo técnicos que trabalham na MP, para capitalizar o novo órgão, o Tesouro Nacional deverá utilizar ações de que dispõe em outras empresas públicas, mantendo o controle neste caso, ou emitirá títulos. A fórmula, bem como o tamanho do capital social, explicou uma fonte, vão depender da disponibilidade do Tesouro. Para isso, o governo vai fundir os fundos garantidores de crédito existentes no mercado em apenas três. A MP também abre caminho para que estes três virem apenas um a longo prazo, com pequenos ajustes na legislação, explicou um técnico.

Fundos garantidores vão somar R$ 13 bi
Além de economia de escala — o governo gasta com a administração desses fundos (feita por bancos públicos) — a ideia é alocar melhor os riscos das operações. Atualmente, as operações de cada fundo estão concentradas em um único setor, como é o caso do Fundo de Garantia para a Construção Naval (FGCN), o que não é o ideal no ramo de seguros. Os outros cinco são: Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (FGP), Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHAB ), Fundo de Garantia de Operações (FGO), Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) e Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica (FGEE).

No processo de unificação desses fundos, a MP prevê que eles sejam transferidos para três novos, que serão criados com a EBS: um que vai cobrir diretamente operações de comércio exterior no prazo superior a dois anos; outro que vai garantir operações de seguro também nas exportações; e um terceiro, voltado para infraestrutura. Pela MP, a EBS terá acesso aos recursos. Nos dois fundos voltados para o comércio exterior, a fatia da União será de até R$ 2 bilhões e, no destinado a projetos de infraestrutura, de até R$ 11 bilhões. Esse patrimônio será apartado do capital da EBS. A empresa poderá administrar o fundo destinado a garantir as operações de seguro de comércio exterior.

Os outros dois terão que permanecer administrados por bancos devido às determinações da legislação.

O estatuto da nova empresa terá de ser aprovado por uma assembleia de acionistas a ser convocada pela Procuradoria Geral da Fazenda (PGFN), mesmo a União sendo o único acionista. Neste caso, basta uma simples troca de correspondência entre a PGFN e a secretariaexecutiva do Ministério da Fazenda, segundo técnicos do governo.

O texto da MP abre a possibilidade para que a EBS vire uma empresa de economia mista. A curto prazo, já está cotada para a carteira da EBS, a construção da usina de Belo Monte. Outras obras, como o trem de alta velocidade (TAV), que ligará o Rio a São Paulo, também poderão entrar. Nos próximos dias, o governo enviará ao Congresso projeto de lei criando a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), que será o braço operacional do governo no TAV.

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E como sobremesa:
Governo quer criar estatal para trem-bala
O valor máximo estabelecido para a classe econômica no trecho Rio-São Paulo é de R$ 199.

Para tras, a toda velocidade: rumo a uma economia primario-exportadora

Exagero, por certo, mas muitos comecam a temer a existiencia de um chamado processo de "desindustrialização", ou de commoditização da economia brasileira (no que não acredito, mas isso não é uma questão de fé e sim de dados reais).

BRASIL: "CRESCIMENTO É ESPELHO DA DEMANDA DA CHINA"! "AGRONEGÓCIO QUADRUPLICA PRODUTIVIDADE"!

Trechos do artigo do analista em estratégias, e ex-ministro argentino Jorge Castro – Clarin (04).

1. O crescimento do Brasil é o espelho da demanda chinesa: mais da metade (56%) do índice de ações Ibovespa é composto por empresas produtoras de commodities, que concentram as suas vendas para o mercado Chinês/Asiático. Somente a Petrobras e a Vale representam mais de 25% do Ibovespa, enquanto a China envolve quase todo o aumento da demanda mundial de petróleo e minério de ferro. No índice Dow Jones (EUA), apenas 15% são ações de empresas exportadoras de produtos primários; no índice Nikkei (Japão), menos de 10%. A equação da inserção internacional do Brasil é a seguinte: crescimento brasileiro/aumento nos preços das commodities no mercado mundial/aumento da demanda chinesa.

2. Há um novo escalão produtivo e tecnológico- salto qualitativo- na produção agro-alimentícia brasileira. A FAO estima que a demanda mundial de alimentos vai duplicar em 20 anos e que o Brasil aumentará sua produção e exportação de alimentos em 40% nos próximos 10 anos. Se essa dupla projeção se confirma, seria a maior mudança no fluxo global de comércio nesse período. Em 2008 o Brasil se tornou o segundo maior exportador de alimentos, depois apenas dos EUA, com base em um esforço de 20 anos de inovação tecnológica nos estados centrais (Mato Grosso, Goiás, Paraná). Mas nos últimos dois anos, o agronegócio foi expandido para o Nordeste (Bahia, Piauí, Maranhão), coração do Cerrado (90 milhões de hectares), a última grande reserva de terras férteis não utilizadas no mundo.

3. Aqui, os principais atores do negócio agrário, são os grandes fundos de investimento, principalmente da Europa e EUA, que utilizam as mais avançadas tecnologias. (transgênicos, máquinas automáticas, sistemas de satélite), em grandes extensões de terra (100.000/300.000 hectares), com técnicos e gerentes de qualificação internacional. A produtividade do agro-negócio brasileiro dobrou nos últimos 20 anos. Agora, em dois anos, o novo agro-negócio brasileiro dobra a produtividade alcançada nas últimas duas décadas. O Brasil, em suma, aprofunda sua capacidade de crescimento potencial em longo prazo e faz isso através de mudanças qualitativas que envolvem aumento do nível de inovação tecnológica e do financiamento. E isso ocorre em um contexto de crescente integração com os países Asiáticos (China), que são a espinha dorsal do novo mecanismo de acumulação global, decorrente da crise global e em resposta a ela.

GOVERNO LULA: EM MARCHA BATIDA PARA O SÉCULO 19!

(Folha de SP, 11) Dobra o peso de produto básico nas exportações brasileiras. O peso das matérias-primas nas exportações do Brasil praticamente dobrou na última década, saltando de 22,8% no primeiro semestre de 2000 para o recorde de 43,4% (US$ 38,7 bilhões) em igual período deste ano. O aumento é atribuído à forte demanda da China por commodities como ferro e soja, que juntas representam 25% de todas as vendas brasileiras ao exterior.

A CIA tem cada arma: umas mais letais que as outras

Quando você não tiver uma explicação clara para o que estiver acontecendo, não hesite: coloque a culpa na CIA. Ela é como a Geni, talvez com um pouco mais de armas, mas ainda assim uma agência Smart, como o da série televisa do agente trapalhão.
Concordo em que eliminar opositores com mísseis faz parte de seu repertório habitual, na Bolívia ou no Afeganistão, mas matar por métodos, digamos, ridículos, isso eu ainda não tinha ouvido falar.

MORALES. MÍSSIL E SOMATIZAÇÃO!

1. Na semana passada, um foguete disparado de um caça quase atingiu a nova aeronave presidencial boliviana e Evo Morales foi acometido de repentino desarranjo intestinal. Esses acontecimentos estão sendo interpretados pelo Governo boliviano como tentativas de assassinato do Presidente da República por parte de elementos do próprio MAS. Os Ministros da Presidência e de Governo estão sendo convocados pela Câmara dos Deputados para prestarem esclarecimentos a respeito.

2. Roy Moroni Cornejo, Deputado da oposição, reconheceu que, ”embora o entorno presidencial seja muito imaginativo, não se poderia descartar a possibilidade de o Chefe de Estado estar dormindo com o inimigo”, “pois alguém muito próximo do Governo pretende saborear o poder do primeiro Mandatário”. Morales, em conferência de imprensa, admitiu que, ao longo da vida, nunca adoecera daquela maneira.

Brasil: crescer ou nao crescer, that's a "non" question


Um dos meus trabalhos mais recentes publicados (não sei se já havia anunciado aqui, mas agora a ilustração de primeira página ficou mais aceitável):

979. “Como (Não) crescer a 7%
Espaço Acadêmico (ano 10, n. 110, julho 2010, p. 73-83).
Relação de Originais n. 2155.

Fidel Castro: sugestão de pronunciamento

Fidel Castro: sugestão de pronunciamento
Paulo Roberto de Almeida
(apenas um intermediário...)

Fidel Castro apareceu: asi no más, sem anunciar previamente a ninguém, resolveu conceder uma entrevista televisionada, imediatamente repercutida por todos os meios de comunicação do mundo: a CNN, imparcial, explicou que era sua primeira aparição “pública” em mais de um ano, e que ele exercitou seu esporte favorito, atacar os Estados Unidos. Sim, Fidel Castro responsabilizou os EUA pelo ataque com míssil que afundou o barco de patrulha da Coréia do Sul, provocando a morte de 46 marinheiros. Claro, os EUA, segundo o comandante (alguns dividem esta palavra), tinham interesse em sabotar o processo de paz entre as duas Coréias, continuar com o clima de guerra e assim assegurar a continuidade de sua presença na região. O imperialismo não recua diante de nada para conseguir seus intentos malévolos. Bem, tem gente que até aceita essa hipótese, mas eu não preciso dizer quem é...

Prefiro me dedicar a outro exercício: sugestões de cartas, ou pronunciamentos. Já fiz dois, dirigidos a seu irmão, Raul Castro, mas parece que ele não me atendeu. Sequer deve ter lido, e se leu não pretende, obviamente, seguir meus conselhos. Na última recomendação, eu sugeria a Raul Castro a ser menos Ceausescu e mais Gorbatchev, mas parece que ele não tem intenção de mudar de comportamento (tendo em vista, aliás, que Gorby perdeu seu emprego em pouco tempo, e os irmãos Castro pretendem continuar eternamente no poder, não se sabe bem como...).
Não seja por isso, eu (e vários outros companheiros) sou brasileiro e não desisto nunca. Mesmo que minhas recomendações não sejam seguidas, que eu seja uma nulidade no jogo do poder mundial – no máximo eu poderia me habilitar a disputar concursos mundiais de pingue-pongue e de mahajong – vou ainda assim fazer minha sugestão, desta vez dirigida ao próprio Fidel, já que ele parece em forma outra vez. Eu sugiro que ele faça um pronunciamento ao povo cubano, nestes termos.

Pronunciamento televisionado de Fidel Castro ao povo cubano (no único canal oficial existente, embora a CNN também possa retransmitir e os cubanos vão ver com suas antenas clandestinas)

Pueblo de Cuba, hermanos, compañeros, ciudadanos...

Estamos próximos de mais um 26 de Julho, nossa data máxima, a que comemora o início da revolução popular contra a ditadura de um caudilho do imperialismo, o coronel Fulgencio Batista.
Naquele 26 de julho de 1953, eu e meus companheiros fizemos o assalto ao quartel de Moncada, dando início com isso à nossa luta contra um regime ditatorial e submisso ao imperialismo ianque. Não fomos felizes naquele primeiro assalto, ao contrário: os mercenários da ditadura conseguiram debelar o nosso intento e acabamos na prisão. No julgamento que me condenou pouco depois eu disse aquelas palavras que ficaram na memória do nosso povo: “a História me absolverá”.
De fato, ela me absolveu, assim como fui beneficiado com uma anistia do próprio ditador, e pude me refugiar no México e dar início à luta uma segunda vez. Quase fomos derrotados novamente: dos companheiros que desembarcaram do pequeno bote Granma, hoje o glorioso título de nosso único jornal, poucos se salvaram para buscar refúgio na Sierra Maestra e dali continuar a luta de guerrilhas até a derrota final das forças da ditadura.
Vivemos então dias majestosos e inesquecíveis: pela primeira vez em sua história multissecular, Cuba, que tinha sido colônia espanhola até quase o alvorecer do século 20, e que depois virou uma colônia americana por quase sessenta anos, podia colocar-se de pé e começar a construir seu destino soberanamente. As promessas eram de libertação da ditadura, da dominação imperialista, do analfabetismo, justiça e liberdade para todos, a começar pelos campesinos e pelo povo pobre. Fomos saudados entusiasticamente em nosso desfile triunfal pelas ruas de Santiago e de Havana, todos estavam conosco, e os que se opunham buscaram o exílio ou se aliaram ao imperialismo para tentar derrotar-nos.
Fomos bem sucedidos na primeira tentativa de insurreição contra o poder popular, na invasão dos vermes de Miami, mercenários a soldo da CIA e esbirros da ditadura derrotada. Naquele mesmo momento, Cuba dava início à construção do socialismo, tarefa que tem nos ocupado pelos últimos cinquenta anos.

Pois bem, caros cidadãos de Cuba, o que eu tenho a dizer hoje a vocês é tão histórico quanto meu pronunciamento de abril de 1961, quando anunciei que Cuba era socialista, que estávamos fazendo a opção pelo marxismo-leninismo e que essa decisão era irrevocável. Muitos não concordaram, e o ritmo de saídas acelerou-se em poucas semanas. Todos os que não concordaram com a nossa opção se foram de nossa ilha e pudemos assim construir o socialismo com os que permaneceram.
Durante todo esse tempo, fomos sabotados pelo imperialismo – que manteve um duro embargo contra nossa economia – e não tivemos a compreensão de todos, mas persistimos em nosso ideal. Naquela oportunidade, o socialismo ocupava quase dois terços das terras emersas e grande parte da população mundial. Parecia destinado a enterrar o capitalismo, como vaticinou uma vez um líder da União Soviética, nosso principal aliado e financiador até seu pouco glorioso desaparecimento, vinte anos atrás. Pensávamos que estávamos no sentido da História, e nisso, posso agora confessar, nos enganamos redondamente.
O socialismo foi um sonho, um sonho nobre, em favor do qual tivemos de praticar algumas injustiças – fuzilamentos, restrições à liberdade dos burgueses, controle dos meios de comunicação e dos movimentos políticos e sindicais – mas que eram considerados incômodos passageiros, até atingirmos a situação ideal: um sistema igualitário, o homem novo, a abundância e um futuro radioso para todos.
Vejo agora, caros cidadãos, que nos enganamos terrivelmente, eu me enganei, e continuei enganando vocês durante muito tempo, quanto a que poderíamos conseguir realizar aquilo que pretendíamos, aquilo que tínhamos lido nos livros do marxismo-leninismo, e que nos prometiam um futuro brilhante na via do socialismo.
Não é verdade: o sistema não funciona. E não funciona por um motivo muito simples, independentemente da falta de liberdade e do monopólio político no partido: faltam estímulos às pessoas para produzir e se enriquecerem. Como decretamos a propriedade coletiva dos meios de produção – e de tudo o que fosse patrimônio nacional, inclusive as habitações individuais das famílias cubanas – ninguém mais se sentia responsável pelo aumento da produção, pela criação de riquezas, pela acumulação de novos meios de produção. Todos queriam trabalhar o menos possível e esperar que o Estado, esse monstro insaciável, lhes desse tudo aquilo que necessitavam para viver. Muitos se acomodaram na mediocridade, mas os mais empreendedores foram embora, simplesmente foram buscar em outras terras os meios de enriquecer que lhes faltavam em Cuba.
Os companheiros chineses se aperceberam disso muito rapidamente, mas aquele ditador asiático que respondia pelo nome de Mao Tsé-tung não fez nenhuma reforma prática enquanto ocupou o poder. Todos sabem, hoje – embora os companheiros do Partido Comunista Chinês não o confessem de público – que as loucuras econômicas de Mao foram responsáveis pela morte direta ou indireta de milhões de chineses, sem mencionar o sofrimento adicional trazido pela Revolução Cultural, que simplesmente destruiu as universidades chinesas. Os companheiros chineses se aplicaram nos últimos 30 anos a construir um capitalismo de Estado, e nisso eles tiveram sucesso. Não creio que possamos fazer o mesmo em Cuba.

Caros irmãos, cidadãos,
A situação de penúria, de sofrimento, de falta de liberdade em nossa ilha já alcançou limites insuportáveis, até mesmo para mim, que gozo de uma condição relativamente privilegiada. Não tenho mais aonde ir, nenhum país me estende convites, só me restaram uns poucos ditadores espalhados pelo mundo, alguns em situação ainda pior do que a nossa. Por isso minha decisão irrevocável, agora tomada, só pode ser uma.
A partir de agora, Cuba volta a ser uma república democrática. O Partido Comunista anuncia que não mais detém o controle absoluto do Estado e do país. Serão organizadas eleições livres, todos poderão participar, de acordo com sua vontade organizada em partidos autônomos do Estado, e os eleitos comporão uma Assembléia Constituinte que decidirá soberanamente sobre o nosso futuro, fazendo tabula rasa dos últimos cinquenta anos. Os cubanos decidirão o que querem ser e como vão organizar a economia. Vocês são livres para se manifestarem e se organizarem como desejarem.
Eu devia isto a vocês, e só tenho um pedido a fazer: deixem-me morrer com dignidade em minha terra, sem ter de ir para algum exílio indesejado. Não quero para mim aquilo que obriguei outros a adotar: o caminho do exílio e da reconstrução de suas vidas. Eu não tenho mais vida para construir, apenas um nome para preservar na História. E não quero entrar para a História como esses outros ditadores que depois são vilipendiados nos livros. Qualquer que seja o julgamento da História, gostaria de terminar desta maneira: como o líder máximo que resolveu, ainda que tardiamente, desfazer todos os erros que cometeu ao longo da vida, e pedir sinceramente perdão pelos sofrimentos que causei.
Cidadãos de Cuba, levantem-se, vocês estão livres. Que a História os proteja!

Fidel Castro Ruz (com uma pequena ajuda de um escriba intrometido).
(13.07.2010)

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Cartas anteriores:
Carta aberta a Raul Castro sobre Cuba e o socialismo
Via Política (17.08.2009).

Nova carta a Raul Castro: seja um pouco mais Gorby e menos Ceausescu
Via Política (16.11.2009).

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...