Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
Tendencias da America Latina e papel do Brasil, em revista russa
PEC da Bengala: tratamento diferenciado para o Itamaraty
Por Daniel Rittner
Valor Econômico, 1/10/2015
A desarticulação do governo com seus aliados no Congresso Nacional fez emergir um negociador político de onde menos se esperava. O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, colheu na noite de terça-feira uma vitória pessoal após contatos com mais de 20 lideranças partidárias e parlamentares. Ele conseguiu reverter uma derrota na votação do projeto de lei responsável pela extensão a todo o funcionalismo público das regras da chamada "PEC da Bengala", que ampliou a idade - de 70 para 75 anos - da aposentadoria compulsória para ministros de tribunais superiores.
Fora de sua agenda oficial, Vieira usou o intervalo de menos de 72 horas entre duas viagens ao exterior para fazer uma ofensiva na Câmara dos Deputados, que buscava uma exceção à regra para os servidores do Itamaraty. O chanceler esteve em Assunção até terça-feira da semana passada, onde alinhava a posição do Mercosul nas negociações para o acordo de livre comércio com a União Europeia, e embarcou na sexta-feira com a presidente Dilma Rousseff para participar da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Entre uma coisa e outra, foi para o corpo-a-corpo no Congresso, localizado a aproximadamente 500 metros de seu gabinete.
O chanceler enfrentava uma ameaça de revolta dos diplomatas mais jovens. Na década passada, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva buscava projeção internacional e fazia bombar a política externa brasileira, o Instituto Rio Branco aumentou suas turmas de 40 para 100 alunos por ano. Essa ampliação das turmas, que já foi revertida, levou a um "congestionamento" das promoções na carreira diplomática. O número de vagas de embaixador ou de ministros de segunda classe, que vêm logo em seguida na carreira, continua mais ou menos o mesmo.
Na prática, isso deverá levar a um afunilamento das promoções, já que existe uma quantidade bem maior de jovens tentando chegar aos degraus mais altos da diplomacia do que postos sendo abertos. Segundo fontes do Itamaraty, nos próximos anos, as promoções seriam destravadas apenas em caso de morte de embaixadores da ativa caso a PEC da Bengala tivesse sido aprovado sem nenhuma exceção à regra.
Primeiro, o chanceler negociou uma emenda que excluía totalmente o serviço exterior brasileiro da aplicação da PEC da Bengala. A emenda foi apresentada pela deputada Jô Moraes (PCdoB-MG) e levava a assinatura de mais cinco deputados, como os líderes do PT, Sibá Machado (AC), e do PTB, Jovair Arantes (GO).
Vendo que essa emenda não passaria, um novo texto foi negociado diretamente no plenário da Câmara, horas antes da votação, na semana passada. A redação aprovada prevê uma regra de transição, no Itamaraty, que incorporará totalmente a aposentadoria compulsória aos 75 anos somente em 2025. A cada biênio, a idade-limite atual sobe um ano - vai para 76 anos em 2017, 77 anos em 2019, e assim sucessivamente.
De Nova York, onde já acompanhava a assembleia da ONU, Vieira continuou pilotando as discussões. Encarregou o secretário-geral do ministério, Sérgio Danese, de negociar pessoalmente com os parlamentares. Na terça-feira, o Senado aprovou o texto final, por 65 votos a zero. O próprio autor do projeto, senador José Serra (PSDB-SP), acabou defendendo tratamento diferenciado ao Itamaraty. Silenciosamente, o chanceler desarmou uma revolta na instituição.
Mario de Andrade, um Intelectual, uma Biblioteca, no sentido maior das palavras
CULTURA
Biblioteca Mário de Andrade anuncia funcionamento 24 horas
Local também prepara programação cultural diversificada, que inclui mostra sobre o cineasta italiano Pasolini, de olho no público jovem
Brics, a grande desilusao? - Ana Palacio (Project Syndicate)
Enfim, existe, como existem seres mais pesados que o ar que voam, com a ajuda de motores possantes. Quando esses motores não possuem mais potência, o animal estranho desaba.
Pode ser que isto aconteça com o Brics, mas não seria por isso que ele seria equivocado.
É que esse animal estranho aponta para diversos lados, cada um mais contraditório do que os outros.
Ou seja, não vai sair do lugar...
Paulo Roberto de Almeida
The BRICS Fallacy
Ana Palladio
Project Syndicate, September 30, 2015
MADRID – The recent downgrade of Brazil’s credit rating to junk status was followed by a raft of articles heralding the crumbling of the BRICS (Brazil, Russia, India, China, and South Africa). How predictable: schadenfreude almost always follows bad news about the BRICS, whose members were once hailed as the world’s up-and-coming economic powerhouses and next major political force.
There is something deeper going on here. The world’s seeming obsession with the BRICS’ perceived rise and fall reflects a desire to identify the country or group of countries that would take over from the United States as global leader. But, in searching for the “next big thing,” the world ignores the fact that the US remains the only power capable of providing global leadership and ensuring some semblance of international order.
The story of the BRICS is a familiar one. It began as a technical grouping in 2001, when the British economist Jim O’Neill lumped them together (without South Africa) and gave them their catchy name for the sole reason that they were all large, rapidly growing emerging economies. But, recognizing that economic power could translate into political influence, the BRICS held their first informal meeting in 2006, and their first leaders’ summit in 2009.
The bloc was going places – or so it seemed. But seven years, seven summits, and one new member (South Africa joined in 2010) later, the significance of the BRICS remains hotly debated.
The disparities among the BRICS are well known. China’s economic output is nearly twice that of the rest of the BRICS combined, and roughly 30 times that of South Africa. Their governance models are vastly different, from India’s robust democracy to Russia’s illiberal model to China’s one-party system. Russia and China, both permanent members of the UN Security Council, have offered, at best, lukewarm support for the other BRICS’ aspirations to join them. And then there are its members’ bilateral disagreements, including a heated territorial dispute between India and China.
Nonetheless, the BRICS have acted in concert on more than one occasion. Last March, amid near-universal condemnation of Russia’s annexation of Crimea, the country’s BRICS counterparts – even those that had long supported the inviolability of borders and non-intervention – abstained from a UN General Assembly resolution affirming Ukraine’s unity and territorial integrity.
Three months later, the BRICS released their “Leaders’ Summit Declaration” condemning the imposition of economic sanctions on Russia by the European Union and the US. Most concretely, the long-anticipated New Development Bank, run jointly and equally by the five BRICS countries, opened its doors in Shanghai in July.
Clearly, the BRICS are a thing. They are just not the thing.
The BRICS arose at a time when much of the world, especially the advanced economies, was mired in crisis. The “fall of the West” narrative ran alongside that of the “rise of the rest.” But the story has not played out quite as anticipated.
Economically, the BRICS are facing serious challenges. In addition to a well-documented growth slowdown, China has lately experienced considerable stock-market turmoil and currency devaluation. The Brazilian and Russian economies are contracting; South Africa’s growth has slowed; and India, though maintaining relatively strong growth, must undertake important reforms.
The BRICS have also failed to fulfill their promise of international leadership. At the beginning of the decade, Brazil showed a certain aspiration, along with Turkey, to press ahead with an alternative nuclear deal with Iran. But that proposal fell apart, and, amid pressure from corruption scandals and falling commodity prices, Brazil left the global stage.
South Africa and India also continue to punch below their apparent weight internationally (notwithstanding Indian Prime Minister Narendra Modi’s visibility). As for Russia, the only traditional world leader of the bunch, the Kremlin’s Ukraine policy has done severe damage to the country’s international profile – damage that not even its possible diplomatic coup in Syria can undo.
Only China has displayed an inclination to lead, as exemplified by President Xi Jinping’s visit to Washington, DC last week, which produced major announcements on climate action, cyber security, and international development. China has also been pursuing initiatives like the Asian Infrastructure Investment Bank and the revitalization of the Shanghai Cooperation Organization. But China’s growing assertiveness, particularly in the South China Sea, has fueled the perception that it is more of a threat than a leader. All in all, the BRICS no longer seem to be rising.
At the same time, the core of the West no longer seems to be declining. Although Europe remains mired in crisis and existential self-doubt, and Japan is still finding its feet after two decades of economic stagnation, the US is as relevant as ever. Indeed, no major global challenge – from conflict in the Middle East to climate change to global financial regulation – can be confronted without American engagement.
America’s enduring dominance will rile many, and with good reason. A quarter-century after the Cold War’s end, the world should have arrived at a more equitable and balanced way of getting things done. But it has not, and no other single power is in a position to take America’s place. Europe is too inward looking; China inspires too much suspicion; and India, despite showing signs that it is preparing for a greater global role, lacks enough international authority on its own. As a result, nearly 20 years after former US Secretary of State Madeleine Albright dubbed her country “indispensable,” it remains so.
The imperative now is for the US and the world to recognize this. Rather than focusing our attention on alternatives to US leadership, we should be emphasizing its importance – an approach that would help to spur the US to rededicate itself to its international responsibilities. There have been hints that this impulse still exists – notably, the Iranian nuclear deal – but they remain inadequate to the challenges confronting the world.
The international order is at a crossroads. It needs the US to guide it – with ingenuity, initiative, and stamina – in the direction of peace and prosperity. Obsessing about who might eventually replace America is bound to get us all lost.
Ana Palacio, a former Spanish foreign minister and former Senior Vice President of the World Bank, is a member of the Spanish Council of State, a visiting lecturer at Georgetown University, and a member of the World Economic Forum's Global Agenda Council on the United States.
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
Conteudo local, exigencia nacional: estupidez companheira
Paulo Roberto de Almeida
Conteúdo local rende multa de R$ 87 mi à Petrobras
Por André Ramalho
Valor Econômico, 30/09/2015
A Petrobras pagou recentemente R$ 87,8 milhões em multas por descumprir, ao longo dos últimos anos, os percentuais de conteúdo local durante as atividades de exploração de óleo e gás no Brasil. Dados públicos da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que a estatal tem esbarrado em dificuldades para contratar equipamentos e serviços no país, numa realidade com a qual a companhia tem lidado antes mesmo de a conta da Operação Lava-Jato estourar sobre a cadeia fornecedora nacional.
Levantamento feito pelo Valor, com base em informações do órgão regulador, mostra que a petroleira brasileira leva praticamente uma multa para cada dois projetos de exploração que executa. Ao todo, a companhia já levou 55 punições por desrespeito aos índices de nacionalização, o equivalente a 44% dos projetos da estatal fiscalizados pela agência reguladora.
Dos doze processos administrativos encerrados este ano, a Petrobras pagou multas em onze dos casos, o que lhe rendeu o pagamento de R$ 118 milhões como punição.
Só nas últimas semanas, a petroleira pagou oito multas, num total de R$ 87,8 milhões, relativas a compromissos de nacionalização não atingidos em oito blocos exploratórios arrematados na 7ª e 9ª Rodadas de Licitações da ANP.
As penalidades, aplicadas entre 2014 e 2015, tiveram seus respectivos processos administrativos encerrados recentemente. Em todos os processos, a companhia preferiu pagar sem recorrer, o que lhe deu direito a um desconto legal de 30%.
A maior penalidade, no valor de R$ 36 milhões, foi aplicada devido ao desrespeito aos percentuais de nacionalização de bens e serviços durante a exploração do bloco S-M-405, na Bacia de Santos, onde a empresa apresentou um conteúdo local global de 25%, abaixo do compromisso assumido de 55%. A estatal brasileira foi multada por não atingir os índices de nacionalização também nos blocos SF-T-101, SF-T-103, SF-T-111, SF-T-112 e SF-T-113 (Bacia de São Francisco); C-M-403 (Campos); e REC-T-168 (Recôncavo).
A dificuldade em cumprir os percentuais de conteúdo local é uma realidade não somente da Petrobras, como de outras operadoras. A ANP já recolheu este ano R$ 320 milhões em multas, sendo 36% pagas pela estatal brasileira.
Recentemente, a Repsol Sinopec desembolsou R$ 8 milhões por descumprir o conteúdo local na fase de exploração do bloco S-M-506, na Bacia de Santos, enquanto a britânica BG, no início do ano, pagou R$ 192 milhões.
PEC da bengala tem regra de transicao para diplomatas
Paulo Roberto de Almeida
Senado aprova extensão da 'PEC da Bengala' para funcionalismo público
Ricardo Brito
O Estado de S. Paulo, 30/09/2015
Projeto que aumenta de 70 para 75 anos idade para aposentadoria compulsória de servidores da União, Estados, Distrito Federal e municípios segue agora para sanção da presidente.
Brasília - O plenário do Senado aprovou nesta terça-feira,29, por unanimidade, um projeto de lei complementar que aumenta de 70 para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória dos servidores públicos da União, Estados, Distrito Federal e municípios. O projeto estende a todo o funcionalismo as regras da chamada PEC da Bengala, que ampliou a idade mínima da aposentadoria compulsória para os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos demais tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU).
A proposta, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), seguirá para a sanção presidencial. O texto prevê que a aposentadoria compulsória aos 75 anos será aplicada em todo o serviço público: servidores federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal; juízes, desembargadores e ministros do Judiciário; procuradores e promotores do Ministério Público; defensores públicos; e ministros e conselheiros dos tribunais e conselhos de contas.
"É um projeto ganha-ganha. Ganha o serviço público, os servidores que podem trabalhar mais cinco anos e o governo, que vai economizar R$ 1 bilhão dentro de um tempo", disse José Serra.
Os senadores mantiveram modificações feitas anteriormente pelos deputados federais, que haviam aprovado uma emenda ao texto original que beneficia os policiais. Até hoje, eles têm uma legislação específica para serem aposentados compulsoriamente aos 65 anos com direito aos proventos proporcionais ao tempo de contribuição, independentemente da natureza dos serviços prestados. Com o projeto, eles passam a ser incluídos na nova regra para serem aposentados, com os mesmos critérios, aos 75 anos.
Outra emenda que passou pela Câmara e foi aprovada pelo Senado cria uma transição para a aplicação da regra aos servidores do corpo diplomático brasileiro. A transição prevê que, a cada dois anos, o limite atual de 70 anos sofrerá o acréscimo de um ano até que se chegue aos 75 anos.
Segundo Serra, esse tratamento para o Itamaraty se justifica porque houve um aumento muito grande do número de diplomatas. "Temos hoje um excedente de diplomatas. O tratamento gradual contribuirá para não haver um verdadeiro afogamento da carreira", disse o senador.
Senado aumenta idade- limite para aposentadoria compulsória
CRISTIANE JUNGBLUT
O Globo, 30/09/2015
Servidores da União, estados e municípios poderão trabalhar até os 75 anos
“Ganham o serviço público, os servidores e o governo, que economizará R$ 1 bilhão”
O Senado aprovou ontem, por unanimidade, o projeto de lei complementar que aumenta de 70 anos para 75 anos a idade para aposentadoria compulsória dos servidores público da União, estados e municípios. Por 65 votos favoráveis, os senadores mantiveram as duas alterações feitas pela Câmara: uma que beneficia os policiais civis, incluindo- os na mesma regra, e outra criando uma regra de transição para os diplomatas. O projeto é de autoria do senador José Serra ( PSDB- SP) e vai à sanção da presidente Dilma Rousseff.
O Congresso já havia aprovado uma proposta de emenda constitucional — a chamada PEC da Bengala — elevando para 75 anos a aposentadoria compulsória dos magistrados e determinado que lei complementar trataria do restante das categorias. E é essa justamente a proposta do senador José Serra.
A proposta cria uma nova idadelimite para a aposentadoria dos servidores públicos. Antes, o servidor era obrigado a se aposentar aos 70 anos e agora pode permanecer por mais cinco anos, até os 75 anos. A medida abrange servidores do Executivo, Judiciário, Legislativo, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunais de Contas.
Serra elogiou as mudanças realizadas na Câmara. Ele lembrou que o Itamaraty está com um quadro excessivo de servidores e que a ampliação da permanência no trabalho dos atuais diplomatas poderia agravar o problema. Segundo Serra, no futuro, o governo terá uma economia de R$ 1 bilhão com o adiamento:
— É um projeto ganha- ganha. Ganham o serviço público, os servidores que podem trabalhar mais cinco anos e o governo, que vai economizar R$ 1 bilhão dentro de um tempo. Examinamos as emendas feitas na Câmara e estamos de acordo. O caso do Itamaraty se justifica porque houve o aumento grande no número de diplomatas, Temos um excedente de diplomatas. O tratamento gradual contribuirá para não haver um verdadeiro afogamento da carreira ( dos diplomatas).
O relator do projeto no Senado, senador Lindbergh Farias ( PTRJ), disse que a extensão da idadelimite está de acordo com a realidade atual, na qual os trabalhadores têm plenas condições de trabalhar por mais tempo:
— Esse projeto dá mais eficiência à realidade brasileira. No caso dos diplomatas, há uma regra progressiva para se chegar aos 75 anos. A cada dois anos, é aumentado um ponto, até atingir os 75 anos.
O senador Randolfe Rodrigues ( Rede- AP) apoiou a medida.
— É uma extensão indispensável, principalmente em momentos de crise.
CSNU: essa velha obsessao brasileira - Marcos Troyjo
A fixação brasileira com o Conselho de Segurança da ONU
Se quer mais poder e prestígio, Brasil precisa antes de tudo ser mais rico
Marcos Troyjo
Como é tradição, coube ao Brasil abrir os debates da Assembleia-Geral da ONU na última segunda-feira (28), em Nova York. Alguns dizem que a prática, inaugurada pelo então Chanceler Oswaldo Aranha em 1947, remonta ao contexto da Guerra Fria.
De acordo com tal hipótese, haveria a necessidade de um país neutro funcionar como “algodão entre cristais” ante Estados Unidos e União Soviética. A escolha do Brasil como primeiro orador resultaria de uma ação bem orquestrada do Secretariado da nascente instituição.
É bem verdade que, em fevereiro de 1946, George Kennan, ministro-conselheiro da Embaixada dos EUA em Moscou, já enviara ao Departamento de Estado seu famoso “Longo Telegrama”, publicado mais tarde (julho de 1947) com o título “Fontes da Conduta Soviética” (e assinado sob o pseudônimo “X”), na reputada revista Foreign Affairs.
Kennan argumentava que a política externa da URSS pouco se balizaria por uma suposta solidariedade internacional entre forças socialistas. A Moscou dos comissários do politburo reproduziria algo da lógica geopolítica dos Czares no estabelecimento de “esferas de influência” que, no limite, serviriam como plataformas para expansão global do poderio soviético.
À época do discurso de Oswaldo Aranha, Churchill também já contribuíra com seu “pilar” para a construção da Guerra Fria. Em março de 1946, o líder britânico, derrotado no ano anterior nas eleições para Primeiro-Ministro, proferira no Westminster College (Fulton, Missouri) o famoso discurso em que alude a uma “Cortina de Ferro” baixada pela projeção soviética sobre a Europa Oriental.
No entanto, é de toda probabilidade que o fato do Brasil ter se estabelecido como primeiro orador da Assembleia-Geral não derive de uma estratégia cuidadosamente executada por burocratas da diplomacia multilateral.
Se, por um lado, a desconfiança entre Washington e Moscou coexistira com a aliança de conveniência que ambas forjaram com vistas a derrotar as potências do Eixo, é verdade também que, naqueles três primeiros anos da ONU (1945-47), a Guerra Fria ainda encontrava-se em sua primeira infância.
O mais plausível é que o costume se deva menos a uma ação bem pensada do Secretariado da nascente instituição e mais a um detalhe fortuito. Reza a lenda que um diplomata brasileiro, encarregado de inscrever o País na lista de oradores, equivocou-se no horário de abertura do escritório da ONU que coligia a relação de debatedores, ali chegando mais cedo.
O Brasil ter se apresentado como primeiro da lista caiu bem aos propósitos da ONU, que a cada ano repete o costume de convidar o País para inaugurar o debate.
Além da ordem de oradores, há uma outra tradição que sempre acompanha os nossos discursos na ONU, e isso parece transcender os interesses específicos de diferentes governos brasileiros , sejam eles de extração ditatorial ou democrática: o apego à ideia de que o Brasil deve integrar o Conselho de Segurança da ONU na condição de membro permanente.
A cada setembro, quando o mandatário brasileiro se pronuncia sobre o assunto, a impressão que se tem é de que a reforma do Conselho é iminente. Com Dilma nesta semana não foi diferente.
Após uma reunião com outros postulantes a um assento permanente no Conselho (Alemanha, Japão, Índia que, juntamente com o Brasil, formam um “G4” de candidatos), a presidente manifestou entendimento que o grupo intensificará esforços para a atualização daquele órgão colegiado.
Tais esforços, contudo, dificilmente frutificarão. Atualizar o quadro de membros permanentes e nã0-permanentes, bem como os métodos de trabalho do Conselho, exige anuência dos atuais P5 (EUA, Rússia, Reino Unido, França e China). Imaginar um tal consenso a partir desse grupamento – de interesses marcadamente díspares – é de pouco realismo.
Os EUA manifestam abertamente seu apoio à Índia – e assim esperam relações privilegiadas com Nova Déli–, mas o fazem sabendo que a China não concorda de fato com o ingresso de um outro país asiático no quadro de membros permanentes. Além do que a China opõe-se fortemente à entrada do Japão no grupo.
Mesmo no âmbito europeu, o apoio ao pleito alemão não é consenso. Italianos e espanhóis , por exemplo, no fundo acham que se a Alemanha juntar-se a Reino Unido e França num clube de elite, Roma e Madri seriam capitais de uma Europa de “segunda divisão”. Tampouco na África ou na América Latina existe consenso sobre quais países deveriam representar essas regiões numa sonhada atualização do Conselho.
O desejo de fazer parte de um Conselho reformado não é meta desvencilhada de ônus. Trata-se de investimento volumoso e de alto risco. Nossa diplomacia tem dedicado através das décadas imenso capital intelectual, alocação de tempo, pessoal e outros recursos materiais para fortalecer nossas credenciais a uma eventual reforma.
Exemplo recente de tal direcionamento de esforços é a abertura de 40 novas embaixadas na África Subsaariana, Oriente Médio e Caribe desde 2003 – de que não resultaram grandes ganhos econômicos para o Brasil. Por ela dá-se bem a medida do preço de tal ambição.
É por isso que a questão da atual estrutura do órgão – pouco afeita a mudanças – e as muitas outras urgências do Brasil têm de nos convidar mais do que nunca a uma análise do tipo custo-benefício.
Já é hora do Brasil deixar de gastar tantos ativos diplomáticos na busca de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mais vale fortalecer nossas ações no campo das negociações comerciais e na promoção da atração de investimentos.
Para gozar de mais poder e prestígio no cenário internacional, o Brasil precisa, antes de tudo, ser mais rico.
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