O Intelectual eu não conheci, mas aprendi a admira-lo desde as primeiras leituras adolescentes de alguns de seus poemas coletados em "Pauliceia Desvairada", sobretudo esta pequena estrofe que nunca me saiu da memória, mesmo quando esqueci completamente o poema de onde foram extraídas as duas linhas:
"...progredir, progredimos um tiquinho,
que o progresso também é uma fatalidade..."
A Biblioteca eu frequentei nesses mesmos anos juvenis, quando trabalhava como "office-boy" (esse era o termo empregado na época para auxiliar de escritório) e, entre um banco e algum outro escritório de companhia, eu ingressava sorrateiramente na Mário de Andrade para consultar livros e retirar alguns. Lembro-me perfeitamente de vários livros que retirei, em Português, para ler em casa: Psicologia das Multidões, de Gustave Le Bon, um resumo do Capital, por um comunista francês das Editions Sociales (fiz um resumo do resumo do Capital, em mais ou menos 70 páginas cuidadosamente datilografadas na hora do almoço do meu período de office-boy numa grande empresa multinacional do grupo Bunge y Born); enfim, foram muitos e muitos livros retirados aos quais não se tinha infelizmente acesso senão pelas fichas catalográficas datilografadas depositadas nos grandes arquivos do lobby (e essa é a minha grande reclamação da Mário de Andrade, pois eu sempre gostei de percorrer estantes de bibliotecas).
Junto com a Livraria Kosmos, que ficava ali ao lado (num pequeno shopping que também tinha um restaurante com mesas na calçada), havia também a Livraria Brasiliense (creio que fundada por Monteiro Lobato) e, mais adiante, a da Alliance Française, ambas na Barão de Itapetininga. Frequentava ainda outras bibliotecas, como a circunspecta da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, a do Centro das Indústrias, ainda no centro de São Paulo, e algumas mais distantes, como a do Consulado americano (na verdade da USIA), na Avenida Paulista, e a do CCBEU, Centro Cultural Brasil Estados Unidos, onde me lembro perfeitamente bem de ter retirado um livro que vou comprar novamente, de Carrol Quigley, sobre a evolução das civilizações, uma interpretação semi-Toynbeeiana.
Enfim, essas eram as bibliotecas que eu frequentava quando adolescente e na primeira juventude, e que são responsáveis pelo que sou hoje. A todas elas sou muito grato, sobretudo à primeira, uma infantil, Biblioteca Municipal Anne Frank, no bairro do Itaim-Bibi, onde morava, e que frequentava ainda antes de aprender a ler, na tardia idade de sete anos.
Comecei tarde, mas nunca mais parei desde então.
Viva a Biblioteca Mario de Andrade!
Paulo Roberto de Almeida
CULTURA
Biblioteca Mário de Andrade anuncia funcionamento 24 horas
Local também prepara programação cultural diversificada, que inclui mostra sobre o cineasta italiano Pasolini, de olho no público jovem
Por: Luan Flavio Freires25/09/2015 às 23:00
A seção circulante, com 59 000 livros: 90% dos frequentadores têm menos de 33 anos(Foto: Fernando Moraes)
Com noventa anos completados em janeiro, a Biblioteca Mário de Andrade, a maior da capital, dá sinais de que atravessa um processo de rejuvenescimento. Cerca de 90% dos atuais 1 200 visitantes diários têm menos de 33 anos, índice bem superior ao de épocas anteriores. A nova frequência vem ajudando o espaço a bater recordes de público a cada ano.
Estima-se que o total em 2015 chegue a 440 000 pessoas, 20% de crescimento em relação a 2014 e 250% em comparação com 2013. É uma turma que procura tranquilidade para estudar ou apenas usar o wi-fi gratuito do ambiente, disponível desde agosto do ano passado. Para aumentar ainda mais sua penetração nessa faixa etária e de olho na proximidade de points badalados, como o Paribar, na Praça Dom José Gaspar, a balada Alberta#3, na Avenida São Luís, ou mesmo a Praça Roosevelt e o Baixo Augusta, a instituição está prestes aimplantar várias mudanças.
A principal delas é a adoção, a partir de outubro, do regime de portas abertas em tempo integral todos os dias, por 24 horas (hoje o local fecha às 20h30 durante a semana, às 17 horas aos sábados e não funciona aos domingos nem feriados). O sistema exigirá a contratação de quinze funcionários para atendimento e segurança. “Essa região possui vida cultural efervescente. Queremos fazer parte disso”, justifica o diretor Luiz Armando Bagolin.
Outra novidade é a criação de uma programação mais diversificada. O primeiro teste do novo formato é a série de eventos Demasiado Pasolini, idealizada para relembrar o legado do cineasta italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975). Na estreia, no dia 9, um “sarau erótico” será realizado no terraço a partir das 22 horas: integrantes do grupo teatral Sensus vão sussurrar trechos picantes da obra do diretor no ouvido do público.
Na sequência, uma festa animará o local até as 4 horas. Ainda estão previstos uma exposição e “noitões” para a exibição de filmes do criador de Saló ou 120 Dias de Sodoma aolongo do mês. As ações futuras incluem uma sala direcionada ao público infantil, prevista para 2016. Encontra-se também em andamento o projeto de um restaurante, que se transformaria em bar durante a madrugada. Em paralelo a essas iniciativas, a administração vem investindo no tratamento destinado ao acervo, com a digitalização de periódicos e a automação dos empréstimos.
O diretor Luiz Bagolin com o livro de Matisse: investimento para a recuperação do acervo(Foto: Fernando Moraes)
Os responsáveis pela coleção comemoram o retorno recente de uma das pérolas da biblioteca. Furtado possivelmente em 2006 e mais tarde apreendido pela Polícia Federal argentina, o lendário livro Jazz, do artista francês Henri Matisse, aguardava desde 2011 para voltar à sua casa inicial. Após anos de espera e negociações, isso finalmente ocorreu no último dia 18. “Tive de ir buscá-lo no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde a obra ficou guardada nestes anos”, diz Bagolin.
Instalada em um prédio com arquitetura art déco na Rua da Consolação e com um acervo de 365 000 livros e 52 000 itens raros (veja exemplos ao lado), a Mário de Andrade é um tesouro paulistano. Sua origem é a Biblioteca Municipal, criada em 1925 e fundida à Estadual em 1937. Cinco anos mais tarde, mudou-se da Rua 7 de Abril para o endereço atual, um prédio de 23 andares projetado pelo francês Jacques Pilon. A partir de 1960, adotou o nome do autor de Pauliceia Desvairada. Uma reforma ao custo de 16,3 milhões de reais tomou o lugar entre 2007 e 2010. Após ser reinaugurada, a instituição deixou para trás a pecha de ambiente decadente, relegado às traças e ao mofo, para cair novamente nas graças dos paulistanos.
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