O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

sábado, 12 de agosto de 2006

610) Mais receitas de crescimento para o Brasil: desta vez por sete premios Nobel de economia

Veja, edição 1969, 16 de agosto de 2006

Economia
Por que o Brasil não cresce como a China e a Índia?


Sete ganhadores do Prêmio Nobel de Economia dizem, em entrevistas exclusivas a VEJA, quais são as amarras que impedem o país de crescer como os gigantes asiáticos

A pergunta do título acima resume o tema mais instigante do debate econômico brasileiro atual. Até 1980, o Brasil ponteava entre as nações que mais cresciam no planeta. O país chegou a exibir taxas de crescimento anuais superiores a 10% – em 1973, bateu em 14%. Hoje os brasileiros amargam um dos piores desempenhos comparativos. De 1996 a 2005, China e Índia avançaram a um ritmo anual de 9% e 6%, respectivamente. No mesmo período, a média brasileira foi pouco superior a 2%, enquanto a renda per capita nacional, um dos principais indicadores do padrão de vida de uma sociedade, permanecia estagnada.

Em sua última edição, VEJA esquadrinhou, em uma reportagem especial, o espetacular momento atual da China. Em junho passado, outra reportagem de capa mostrou o despertar da Índia. Nas páginas que se seguem, sete ganhadores do Prêmio Nobel de Economia refletem, a pedido de VEJA, sobre as razões que fizeram a economia brasileira descarrilar tirando o Brasil das primeiras posições hoje ocupadas por China e Índia. Os economistas ouvidos pela revista – Paul Samuelson, James Heckman, Robert Mundell, Douglass North, Robert Solow, Gary Becker e Edward Prescott – formam o time de pensadores que colocou de pé os fundamentos da moderna ciência econômica do pós-guerra. São observadores agudos, com graus diferentes de interesse na realidade brasileira mas com a mesma curiosidade e honestidade intelectual.

Com certa razão, opiniões vindas de fora costumam ser rechaçadas sob o argumento de que quem as profere vai estar longe, protegido, portanto, dos efeitos das receitas que prescreve para os países emergentes. Não é, em absoluto, o caso aqui. Os entrevistados não oferecem receitas prontas para o Brasil. Em seus depoimentos eles se limitam a apontar as medidas, atitudes e reformas que ajudaram outros países em estágio de desenvolvimento semelhante ao brasileiro a acelerar a modernização de sua economia e aumentar dramaticamente o padrão de bem-estar de seus habitantes. Em comum, os depoimentos têm a ênfase em apontar o custo econômico do populismo assistencialista e os prejuízos causados pelo que um deles define como "capitalismo de compadrio". Essa distorção protege grupos econômicos ineficientes e impede a abertura e o florescimento de forças inovadoras na economia. Como era de esperar, o tamanho do Estado e o excesso de burocracia e de regulamentação também foram apontados como entraves graves ao desenvolvimento. Curiosamente, nenhum deles apontou os juros elevados ou a infra-estrutura precária (diagnósticos mais freqüentes no debate nacional) como causas basais do baixo crescimento do país. Como disse, em um de seus parcos acertos, o economista alemão Karl Marx (1818-1883), os países – e também as pessoas – não são aquilo que pensam, mas, sim, como eles são observados. Os depoimentos dos economistas ouvidos para esta reportagem têm o valor intrínseco de ser fruto da observação de mentes poderosas e carregam ainda o valor de terem largo poder de influência sobre os investidores e agentes de mercado.

GARY BECKER
Nacionalidade: americana
Idade: 76 anos
Universidade de Chicago
Nobel de 1992
Feito: deu nobreza à análise econômica dos fenômenos do comportamento humano

Capitalismo de compadrio

• "É mais fácil entender por que a China e a Índia estão crescendo rapidamente do que compreender o que se passa na América Latina e no Brasil. Dos anos 1940 até meados dos anos 1980, os chineses e os indianos praticamente não progrediram. Sob o peso de economias centralizadas e estatais – comunismo na China e um socialismo inespecífico na Índia –, chineses e indianos viram seus países estagnar. Os dois governos detinham controle total sobre os investimentos. A China começou a reformar o setor agrícola no fim dos anos 1970, ao permitir que os camponeses ficassem com parte daquilo que produziam. Gradualmente, o mesmo começou a ser feito com a indústria. Hoje o setor privado é predominante. A tributação é baixa, há menos burocracia e regulamentação. Em vez de fugirem para Taiwan ou Hong Kong, agora os talentos chineses podem ficar no país.

Na Índia a história é parecida. Houve uma abertura no fim dos anos 80 e início dos 90. Atividades foram transferidas à iniciativa privada, a tributação caiu e a burocracia diminuiu. Mas é lógico que ambos os países asiáticos começaram a crescer a partir de um nível muito baixo e, ainda hoje, apesar do salto produtivo, são bastante pobres – especialmente a Índia, cuja renda per capita, de 3 000 dólares por ano, é metade da chinesa. Caso mantenham as reformas de orientação capitalista, esses países têm potencial para avançar rapidamente ao longo das próximas décadas. O Japão cresceu muito durante quarenta anos. Taiwan fez o mesmo ao longo de trinta.

Já a América Latina é um mistério. Há o caso de sucesso do Chile, cujo modelo é similar (até mais extremo) ao chinês e ao indiano – abertura da economia, redução do estatismo e da burocracia, mercado de trabalho mais flexível. Graças a esse modelo, o Chile vem tendo sucesso nos últimos 25 anos. Por que o resto da América Latina não produz os mesmos resultados? A minha opinião é que o Brasil ainda resiste a fazer as reformas executadas pelo Chile. O México, depois dos últimos ajustes, avançou bastante. Sobrou ainda muita burocracia e regulamentação, em especial no mercado de trabalho. Há ainda o que eu chamaria de "capitalismo de compadres" – algumas famílias ou setores privilegiados conseguem favores e empréstimos do governo. No caso mexicano, no setor televisivo e nas telecomunicações. Suspeito que isso também seja verdadeiro em outros países da América Latina, como o Brasil. Eu diria que esse compadrio é uma das principais causas do atraso econômico da região."

JAMES HECKMAN
Nacionalidade: americana
Idade: 62 anos
Universidade de Chicago
Nobel de 2000
Feito: criou métodos precisos de avaliação do sucesso de programas sociais, de educação e de leis trabalhistas

O peso da burocracia e da educação ineficiente

• "O maior obstáculo ao crescimento brasileiro é o excesso de burocracia e regulamentações. Qualquer observador externo percebe isso. Essa característica representa um custo enorme para quem queira fazer negócios. Faltam incentivos para que as pessoas possam ser mais competitivas. É o que a China e a Índia estão fazendo. No Brasil esses estímulos são muito tímidos, predomina um pensamento que lembra o mercantilismo, de viver em um mundo de castas e protegê-lo do jeito que ele é. Não há uma economia competitiva e flexível, na qual as pessoas abram empresas, fechem empresas, contratem bons funcionários, demitam maus funcionários, contratem bons professores, demitam os professores ruins. É uma influência negativa que o país teve dos europeus, de todas aquelas velhas instituições de Portugal e da Espanha. A América Latina tem mais regulamentações do que a Europa. O custo de contratar um funcionário é muito elevado no Brasil, e isso desacelera a economia. Se você tentar evitar que o desemprego aumente nos períodos ruins, o emprego também não vai melhorar muito quando as coisas forem bem. Essa inflexibilidade amarra a economia.

A questão política também afeta o avanço brasileiro. As reformas chilenas demoraram quase dez anos para dar resultados. A existência de um governo autoritário tornou relativamente fácil sustentá-las. Em alguns países, como Nova Zelândia e Inglaterra, as reformas foram feitas em ambiente democrático. A situação era tão difícil que as pessoas perceberam que as coisas não poderiam permanecer daquele jeito. As greves fizeram a população se virar contra os sindicatos. Surgiu um novo sindicalismo, muito mais responsável. O legado de Margaret Thatcher talvez seja um pouco mais de desigualdade social, mas um crescimento econômico muito maior. Tony Blair manteve as mesmas políticas. Não houve reestatização, não apareceram novas estatais. As pessoas perceberam que o modelo estatista, sucesso do pós-guerra, já não funcionava. Isso soa como pregar ao vento na América Latina, se olharmos para o que está acontecendo na Bolívia ou na Venezuela. Há uma onda contrária às reformas na região. As boas lições nunca foram aprendidas de verdade.

Para piorar, os políticos costumam ter uma visão de curto prazo. Querem eliminar a desigualdade, e como fazem isso? Dando dinheiro para os pobres. Essa política pode até reduzir a desigualdade no curto prazo, mas investir nas crianças e na qualidade da escola criaria bases mais sólidas para o aumento na qualidade de vida. O Brasil incrementou os gastos no ensino básico nos últimos anos, mas os níveis ainda são muito baixos. Isso ajuda a perpetuar a diferença de classes, porque os ricos podem pagar por boas escolas, e solapa o potencial de crescimento. Alguns atribuem o forte crescimento da Irlanda, nos últimos vinte anos, à melhora do ensino básico. Uma nova geração, com uma educação superior à de seus pais, ingressou na economia e pôde participar do milagre irlandês. Foi um pré-requisito para o crescimento de hoje."

DOUGLASS NORTH
Nacionalidade: americana
Idade: 86 anos
Universidade Washington, em Saint Louis
Nobel de 1993
Feito: foi pioneiro no estudo do papel virtuoso das instituições na diminuição dos custos de transação que emperram o desenvolvimento

O assalto de grupos de interesses

• "Assim como na maioria dos países do Terceiro Mundo, há no Brasil uma aliança muito próxima entre interesses políticos e econômicos. Um grupo de privilegiados alimenta o outro, e vice-versa. O resultado é uma barreira para a competição e para mudanças institucionais inovadoras e criativas. A meu ver, é isso que impede o Brasil de se tornar um país de alta renda. Trata-se de uma questão de teoria política, não econômica. Sempre que um determinado grupo controla o sistema político, ele o usa para seu próprio benefício, em detrimento dos interesses da população como um todo. O Brasil é um país cheio de promessas e possibilidades, mas que foi tomado de assalto por grupos de interesse que souberam se aproveitar do Estado para seus próprios benefícios. E ainda se aproveitam. Esses grupos se protegem da competição, numa ação que tende a fechar a economia e barrar a eficiência. Justiça seja feita, esse fenômeno também existe na China. É vital notar, no entanto, que, devido ao fato de a abertura ser a pedra de toque do crescimento chinês, o país não sofre tanto com essa distorção quanto o Brasil.

Já conhecemos o potencial das economias chinesa e indiana. Vale a pena apontar as vulnerabilidades, como fiz com relação ao Brasil. A China e a Índia abraçaram os princípios da economia de mercado e começaram a crescer rapidamente. Mas há problemas à vista. No caso chinês, ainda existem muitas empresas nas mãos do governo, negócios pouco eficientes que acumulam grandes prejuízos. Só sobrevivem por causa dos subsídios. O resultado é que boa parte da poupança privada dos chineses é canalizada para negócios ineficientes. É um desequilíbrio que oferece desafios. Há outros dilemas. Os chineses não avançaram em alguns aspectos que considero pré-requisitos para o crescimento de longo prazo, como um direito de propriedade privada claramente definido, independente das vontades de burocratas. Os negócios ainda giram muito em torno de autoridades governamentais que estão sempre tentando interferir no sistema. Por isso acho que, enquanto não houver o respeito às leis e não existir um sistema bem definido de relações impessoais entre empresários e governo, não dá para ter certeza de que a China continuará crescendo tão rapidamente. Os chineses começarão a se defrontar com várias e várias fragilidades daqui para a frente. As pessoas estão se tornando mais ricas, e começam a ser criados grupos de interesse que, a exemplo do Brasil, tentam cada vez mais interferir nas decisões.

A Índia é uma história diferente, porque sempre foi um país repleto de grupos de interesse e privilégios. O que o país está tentando fazer é livrar-se gradualmente dessas limitações e tirar proveito do imenso potencial que suas enormes dimensões lhe propiciam. As perspectivas são boas, mas os indianos sempre se defrontam com seus dilemas históricos. As castas mais influentes podem tentar restabelecer privilégios e, a qualquer momento, podem sair vitoriosas."

ROBERT SOLOW
Nacionalidade: americana
Idade: 82 anos
MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts)
Nobel de 1987
Feito: criou o modelo neoclássico de crescimento econômico com ênfase no progresso tecnológico

O desafio é a estabilidade

• "Não há nenhuma razão intrínseca para que o Brasil não tenha o sucesso dos asiáticos. É uma questão de seguir políticas adequadas, o que é mais difícil quando o governo não tem uma maioria estável no Congresso. Nenhum país com tradições democráticas, como o Brasil, poderia manter, como faz a China, uma enorme população rural em situação de extrema pobreza. Ser um país democrático traz certas limitações. Aqui não vai uma crítica à democracia – só um registro de que, apesar dos méritos inegáveis desse sistema, é mais difícil para o Brasil ter a estabilidade política que lhe permitiria crescer rapidamente. O país tem potencial de sobra para progredir numa velocidade maior. Não 9% ou 10%, como a China – esse é um fenômeno característico dos estágios iniciais do desenvolvimento. Mas a renda per capita brasileira poderia experimentar um salto se boas políticas fossem perseguidas. Por isso a estabilidade é tão crucial. Se os investidores suspeitarem que haverá mudanças, eles tenderão a refrear novos projetos.

Por essa razão, o desafio do Brasil não é imitar a China, mas manter a estabilidade. Não imagino que outros países possam imitar o modelo chinês. A China possui uma enorme e disciplinada força de trabalho, e os salários são muito baixos. Além disso, dispõe de uma situação política que aparenta ser estável. Por essa razão, companhias americanas e européias sentem-se seguras para investir lá, apesar da falta de respeito a direitos autorais e de propriedade – esses problemas inibem alguns investidores, é verdade, mas os ganhos advindos do baixo custo de mão-de-obra são vantajosos e fazem os empresários assumir o risco. Somem-se a isso o fato de a China ter um grande saldo no balanço de pagamentos, algo que dissipa quaisquer dúvidas sobre a transferência dos lucros às matrizes, e o de sua moeda ter permanecido desvalorizada, o que estimula as exportações. O resultado é o despertar econômico que se vê agora. A grande incerteza é por quanto tempo os chineses conseguirão conviver com salários em níveis tão baixos. Já começa a haver alguma tendência de aumento. É um grande paradoxo. Karl Marx pregava que uma das principais fontes de lucro no capitalismo era a existência de um exército de proletários desempregados, o que mantinha os salários sempre baixos. Ironicamente, o maior exemplo jamais visto de um exército de proletários sem emprego vem da China comunista, onde centenas de milhões de pessoas estão fora das grandes cidades, à margem da economia moderna e desesperadas para sair do campo. Salários baixos significam um nível reduzido de consumo doméstico. Há novos ricos e uma classe média se formando na China, é verdade, mas milhões de trabalhadores produzem para consumidores estrangeiros, enquanto gastam muito pouco. Não sei até quando isso pode se manter.

A Índia demorou para começar a crescer, mas vejo grande potencial para o país. Lá as empresas ocidentais se sentem mais seguras do que na China na questão dos direitos de propriedade. E, assim como na China, tiram benefício do baixo custo de mão-de-obra. Além disso, os indianos falam inglês, o que lhes possibilita a inserção no mercado mundial de serviços e de produtos para a informática. Mas no caso da Índia será mais difícil, por questões políticas, evitar que os salários subam conforme o nível de emprego aumente. Ao contrário da China, é um país democrático. As dimensões obviamente não são as mesmas, mas diria que o exemplo de crescimento da Índia guarda semelhanças com o da Irlanda."

ROBERT MUNDELL
Nacionalidade: canadense
Idade: 74 anos
Universidade Colúmbia
Nobel de 1999
Feito: estudos revolucionários sobre as políticas fiscais e de câmbio em economias abertas que levaram, entre outras coisas, à criação do euro

Protecionismo sufocante

• "O Brasil abraçou uma política de desenvolvimento protecionista num momento em que o restante do mundo estava se abrindo internacionalmente. Com as inovações avançando num ritmo vertiginoso, é crucial aceitar essa interdependência mundial e desenvolver as vantagens comparativas naturais de um país. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo, ficou em 81º lugar em um ranking de abertura econômica elaborado pela Heritage Foundation, com informações de 157 países (o mais aberto é Hong Kong). A característica comum a todos os países fechados, como o Brasil, é que eles têm baixa renda per capita. Não há como ter crescimento sem empresários, sem pessoas que iniciem novos negócios. Vários países latino-americanos colocam barreiras ao surgimento de novas empresas. Enquanto nos Estados Unidos uma companhia pode ser constituída em poucas horas, na América Latina isso pode levar meses. Países menos burocráticos, como os Estados Unidos e a China, conseguem atrair o investimento estrangeiro direto, fundamental para o crescimento porque traz consigo capital, tecnologia e mercados. O sistema tributário brasileiro também desestimula os investimentos. Outro requisito é a estabilidade macroeconômica. Sem ela, não há crescimento duradouro. Acredito que, no caso de muitos países, a melhor maneira de obter estabilidade macroeconômica é tornar-se parte de uma grande área de moeda comum. A Europa fez isso ao criar o euro, e a moeda tornou-se tão efetiva quanto o dólar. Várias outras zonas econômicas planejam a união cambial. A América Latina precisa seguir essa iniciativa. Por que lidar com quase 100 moedas na região? O Brasil deveria liderar o Mercosul na direção de uma maior, e não menor, abertura comercial. Além disso, deveria defender a existência de uma moeda única da América Latina. Fiz essa proposição pela primeira vez há quarenta anos, em 1966. Poderiam dizer que cachorro velho não aprende truques novos – mas, nesse caso, eles não precisariam. O Brasil deveria ser o centro de uma moeda sul-americana atrelada ao dólar. Logicamente seria melhor um único sistema monetário internacional, mas não dispomos dele hoje. Tivemos um depois da II Guerra Mundial, quando demos ao Fundo Monetário Internacional o papel de guardião do sistema de paridade cambial. Hoje temos de escolher sistemas monetários internacionais que se adaptem à necessidade da configuração de poder entre as nações. O sistema funciona com base nas duas principais moedas, o dólar e o euro. Talvez seja muito complicado e instável.

Essas são apenas sugestões, talvez não as melhores. O ideal é observar que, nos últimos sessenta anos, ocorreram três casos de milagre econômico: o Japão e a Alemanha no pós-II Guerra e a China, a partir de 1978 e especialmente depois de 1997. Nesses três casos, o crescimento foi liderado pelas exportações num regime de câmbio fixo. Recentemente, sob pressão do FMI, a China flexibilizou um pouco o câmbio. Mas o país não pode arruinar seu modelo permitindo grandes oscilações na cotação de sua moeda, o yuan. O sucesso chinês se deve à sua elevada taxa de poupança, ao enorme influxo de investimento estrangeiro direto, ao superávit na balança de pagamentos e à taxa de câmbio fixa e competitiva. A Índia foi na mesma direção e tira proveito da abertura comercial que fez na década passada, além de se valer do fato de seus habitantes falarem inglês, o que lhes dá vantagem na indústria tecnológica e de software."

EDWARD PRESCOTT
Nacionalidade: americana
Idade: 66 anos
Universidade do Arizona
Nobel de 2004
Feito: comprovou a eficácia de políticas econômicas coerentes a longo prazo

A chave é criar poupança

• "O Brasil conseguirá se aproximar do padrão de vida dos países desenvolvidos somente se os brasileiros estiverem convencidos de que boas políticas serão perseguidas ao longo de vários e vários anos. Não basta implementar as medidas corretas por um curto período. A única esperança que vislumbro é que o Brasil se descentralize. Tenho algumas sugestões. Livrem-se da centralização de poder em Brasília e reduzam drasticamente os impostos federais. Deixem que os estados da federação ganhem autonomia e compitam entre si por investimentos. Se algum deles quebrar, coloquem-no num programa de intervenção, como foi feito com a cidade de Nova York nos anos 70. Ainda que sensibilidades possam se ouriçar, é preciso reconhecer que regimes democráticos, como o brasileiro, não são precondições para o sucesso econômico. Pelo contrário: muitos países saíram da pobreza sob regimes autoritários. Vejam os casos de Pinochet, no Chile, Franco, na Espanha, Park, na Coréia do Sul, ou Chiang Kai-shek, em Taiwan. O Brasil teve sua ditadura, mas ela parece ter piorado as coisas e não alterou a natureza da sociedade – o país não desenvolveu um sistema democrático baseado na propriedade privada e no consumo, integrado aos países avançados. O caso mexicano é similar: a economia evoluiu muito durante o regime autoritário, mas não criou uma ampla e enraizada sociedade privada.

É fundamental que o Brasil estimule a criação de uma sociedade privada. Esse é o motor de qualquer ciclo de expansão sustentável. Já o combustível é a poupança. Nenhum país cresce sem um sistema que induza a formação de poupança. Em Cingapura, o crescimento veio após a introdução de poupanças compulsórias. É condição vital, no entanto, que os recursos sejam bem geridos. Eles não podem ser desperdiçados nas mãos de governos incompetentes. Instituam um sistema de poupança crível e, em 25 anos, o Brasil crescerá rapidamente. Há sempre o risco de o governo expropriar esses recursos, por isso é crucial dar às pessoas a chance de escolher onde pôr o seu dinheiro.

A China claramente não pode continuar crescendo no atual ritmo. Muito de seu rápido avanço se deve simplesmente à transição de um setor agrário tradicional para um setor urbano moderno. Mas a nova economia do país não é tão eficiente assim. A renda per capita da China deverá se estabilizar num nível equivalente a 40% da renda dos países ricos. É minha melhor estimativa. A Índia está crescendo rapidamente porque o sistema econômico se tornou menos ruim, mas o desenvolvimento do país não continuará a não ser que o sistema fique ainda menos ruim. Os indianos provavelmente alcançarão o nível de renda da América Latina se se tornarem mais abertos."

PAUL SAMUELSON
Nacionalidade: americana
Idade: 91 anos
MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts
Nobel de 1970
Feito: lançou as bases da moderna análise econômica nas teorias de crescimento, consumo, comércio internacional e equilíbrio de preços e salários

O preço do populismo político

• "O milagre econômico da China e da Índia reproduz um ciclo historicamente conhecido, por meio do qual tecnologia, conhecimento e técnicas de engenharia e administração são disseminados de países mais ricos para os de menor renda. Isso ocorreu na Europa após a II Guerra Mundial, sobretudo na Alemanha, na Itália e na França. Esses três países se valeram da tecnologia dos Estados Unidos e sua economia começou a crescer mais rápido do que a americana, usando, para isso, a alavanca das exportações. Enquanto os Estados Unidos cresciam entre 3% e 4%, esses países avançaram entre 7% e 8%. Nesse sentido, o principal tema econômico do pós-II Guerra foi a busca desenfreada de outras nações por alcançar o nível de renda americano. Num segundo momento, esse processo também ocorreu na Ásia – inicialmente no Japão e, depois, em Taiwan, Cingapura, Hong Kong e Coréia do Sul. Surpreende que a Índia só tenha se juntado ao ciclo mais tarde. É preciso lembrar, no entanto, que o esforço dos povos mais pobres para atingir o nível de riqueza dos mais ricos antecede a II Guerra Mundial. Como dou aulas há quase setenta anos na Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos, sou testemunha de ciclos econômicos como esse dentro do próprio território americano. Primeiro, os estados do norte da costa leste perderam a indústria de calçados, que migrou para o sul, atraída pelos salários mais baixos. Depois foi a vez da indústria têxtil. Mais tarde, as indústrias que haviam migrado para o sul começaram a se transferir para Porto Rico, México e Ásia. Quando a China se livrou do maoísmo também pôde beneficiar-se desse mecanismo, que, em sua essência, é de mercado. Esse processo só está começando na China. Saindo do triângulo Xangai–Pequim–Hong Kong, ainda há vastas áreas pouco desenvolvidas, com uma grande população. Se o sistema político permanecer estável, o país continuará crescendo. Já a Índia teve um lento início porque importou políticas econômicas erradas, antimercado. A história de nosso tempo é que você pode até não gostar do mercado, mas não apareceu nenhum modelo alternativo capaz de organizar grandes populações. Por isso o processo de equalização de renda entre países ainda continuará por mais tempo. O que me surpreende é que os Estados Unidos, que lideraram esse processo, ajudando a abrir caminho para os que vieram logo em seguida, ainda não foram superados por nenhuma região, em termos de produtividade e renda per capita. Não viverei o suficiente para ver se a China será exceção. Mas acredito que os chineses poderão atingir um nível de renda equivalente ao dos países desenvolvidos.

Quanto à América Latina e ao Brasil, é surpreendente que nunca tenham se beneficiado desse processo de forma integral, apesar de surtos episódicos de crescimento. O padrão político de democracias populistas parece ter sido um fator que inibiu o desenvolvimento. Por que a Argentina e talvez até mesmo o Brasil, onde não restavam muitos nativos indígenas e havia muitos imigrantes europeus, não avançaram como os países asiáticos? Eu buscaria explicações na política. No caso brasileiro, há também questões sociológicas. Vocês herdaram do catolicismo português uma sociedade sem tradições igualitárias. Minha única viagem à América Latina foi ao Peru, em 1980. O país havia acabado de se livrar de uma ditadura, emigrantes estavam retornando e parecia que haveria progresso. Mas logo depois houve disputas internas, tensões, e as esperanças nunca se materializaram. Ciclos de esperança e decepção, como esses, tornaram-se rotina na região. O Chile talvez seja uma exceção."

609) Uma agenda para o crescimento do Brasil, pelo menos em intencao...

Da revista Exame desta quinzena (10.08.2006):


Uma agenda para crescer 9% ao ano

Se derrubar quatro barreiras econômicas, o pais pode entrar para o primeiro mundo
Por Roberta Paduan
EXAME

Quais são as causas do atraso econômico brasileiro? Por que o país não consegue andar no ritmo de Índia e China, os novos líderes do mundo emergente? Quais são, afinal, as principais barreiras ao crescimento do Brasil -- e o que pode ser feito para suplantá-las? As respostas a tais questões farão parte da série de reportagens especiais Caminhos para o Crescimento, que EXAME publica nesta e nas próximas três edições. Baseadas em um estudo exclusivo da consultoria McKinsey, uma das mais prestigiadas do mundo, as quatro reportagens irão muito além de apontar problemas e mostrar como eles minam a capacidade do país de se desenvolver. Elas apresentarão soluções que -- se estudadas, melhoradas e executadas com obstinação -- podem levar o Brasil a uma posição de destaque na economia mundial.

O estudo realizado pela McKinsey aponta a baixa produtividade da economia como a principal causa das diferenças de riqueza entre o Brasil e o mundo desenvolvido. Os técnicos da consultoria foram a campo para medir o desempenho de diversos setores e constataram que a produtividade média do trabalhador brasileiro equivale a apenas 18% da produtividade americana, tomada como parâmetro no estudo. Isso significa que, para produzir a mesma coisa, um trabalhador brasileiro leva cinco vezes mais tempo que um americano. "A produtividade é exatamente a capacidade de gerar riquezas", diz Diana Farrell, diretora do McKinsey Global Institute e uma das coordenadoras do estudo. "É natural que uma economia mais produtiva gere uma sociedade mais rica." Os consultores da McKinsey chegaram aos resultados depois de visitar obras de construção civil, fábricas, hipermercados, bancos e fazendas tanto no Brasil como nos Estados Unidos (veja quadro na pág. 102). Na agropecuária, por exemplo, área em que o Brasil é reconhecidamente líder mundial em diversas categorias, o resultado é péssimo. A produtividade média do trabalhador brasileiro no campo representa apenas 5% da obtida pelo americano -- isso apesar da excelência do país no agronegócio. O aparente paradoxo explica-se pelo enorme contingente de brasileiros -- cerca de 14 milhões -- ainda presos a uma agricultura de subsistência. Podem-se imaginar os lucros do Brasil caso esse setor ganhasse em produtividade. No extremo oposto, os bancos surgem como o setor em que a distância em relação aos americanos é menor. Na verdade, se consideradas apenas as instituições privadas, os bancos brasileiros -- com seus altos investimentos em tecnologia e baixíssima exposição à informalidade -- têm desempenho superior aos dos Estados Unidos.

Constatado o enorme diferencial de produtividade -- e, portanto, de renda --, a pesquisa avançou sobre as causas dessa disparidade. Apenas quatro barreiras respondem por dois terços da diferença de renda entre os dois países. São elas, pela ordem de importância: informalidade, deficiências macroeconômicas, precariedade dos serviços públicos, com destaque para a insegurança jurídica, e carências na infra-estrutura (veja quadro na pág. 100). A boa notícia é que essas barreiras são passíveis de ser demolidas no curto e médio prazos. Há uma quinta barreira, que responde pelos outros 35% da distância em relação aos Estados Unidos, cuja solução levará mais tempo e dependerá, em larga medida, do sucesso no combate às outras quatro. Trata-se do obstáculo imposto pelo próprio atraso no desenvolvimento do país. A pobreza do brasileiro representa um custo enorme em termos de produtividade das empresas -- o baixo valor médio das compras no varejo e das transações bancárias é um exemplo de como essa barreira prejudica os negócios. "O estudo mostra que o país pode dar um salto no curto prazo, desde que se disponha a atacar os problemas", diz Heinz-Peter Elstrodt, sócio-diretor da McKinsey no Brasil. "Ao quantificar os efeitos de cada barreira, o trabalho permite também hierarquizar as políticas -- o ataque à informalidade é absolutamente prioritário, já que se trata da barreira mais importante."

Um plano para o Brasil em 2020
Se o Brasil iniciasse em 2007 um plano de longo prazo para aumentar a produtividade, a renda per capita(1) do país dobraria até 2020
Renda per capita(1) brasileira projetada para 2020 16 400 dólares
Para chegar lá, seria necessário atingir várias metas, entre elas:
- Reduzir a informalidade de 40% para 20% do PIB
- Reduzir a instabilidade macroeconômica, cortando gastos correntes do governo de 30% para 25% do PIB
- Cortar pela metade o tempo de solução e o número de novos processos judiciais
- Melhorar a infra-estrutura, aumentando o percentual de investimentos de 2,4% para 6% do PIB
(1) Renda per capita anual em paridade de poder de compra (ppp): converte em dólares a capacidade de consumo com a moeda local

COM BASE NAS CONCLUSÕES, o estudo adianta algumas medidas para enfrentar cada uma das barreiras. Trata-se, portanto, de uma verdadeira agenda para a promoção do desenvolvimento -- algo que deveria ser analisado com especial interesse pelo próximo governo, seja ele qual for. Caso as recomendações sugeridas pelo estudo fossem adotadas, em pouco tempo o PIB em paridade de poder de compra -- que traduz a capacidade de consumo da população, independentemente das diferenças cambiais -- ganharia fôlego para crescer a taxas chinesas. Segundo a McKinsey, em três anos o país passaria a crescer a um ritmo de 9% ao ano. "O Brasil teria condições de dobrar sua renda per capita em uma década", afirma Bruno Pietracci, coordenador do estudo no Brasil. "Para isso, no entanto, os próximos governos teriam de se manter firmes nas reformas durante os próximos 12 anos." Para garantir que uma agenda de longo prazo não se perca pelo caminho, é vital que as metas sejam claramente definidas nos vários anos à frente -- ou seja, que ela passe a ser um plano de país, e não um plano de governo. A coordenação é importante também porque avanços em algumas áreas dependem do sucesso em outras. A solução para o problema da informalidade, por exemplo, depende da redução da carga tributária -- que só é possível com avanços no front macroeconômico, com a redução da dívida pública.

Também é recomendável criar uma estrutura pública específica para comandar as reformas, uma espécie de grupo de notáveis, com poder para interferir nas ações dos ministérios. "No dia-a-dia da operação do governo, é inevitável que o urgente tome o lugar do importante, e é aí que reformas se perdem", diz Pietracci. "Governos são complicados em qualquer lugar, mas é, sim, possível estabelecer prioridades, traçar metas, monitorá-las e alcançá-las, como se faz na iniciativa privada", afirmou a EXAME Michael Barber, ex-diretor da Delivery Unit, equipe criada em 2001 a pedido do premiê britânico Tony Blair para reformar setores da administração pública. Blair criou uma estrutura diretamente ligada a ele -- com poder, portanto -- para ganhar agilidade e legitimidade nas propostas. O modelo da Delivery Unit do governo inglês foi replicado em Toronto, no Canadá, e na Austrália. Está dando certo lá fora. Tem tudo para dar certo no Brasil.

A produtividade é muito baixa
Compare os níveis de produtividade de trabalho em alguns setores no Brasil com os dos americanos, usados como referência no estudo
(referência: EUA = 100%)
Setor Brasil
Bancos 67%
Automotivo 29%
Construção 28%
Varejo 25%
Agricultura 5%
Fonte: Análise McKinsey

608) As ideias movem o mundo?: reflexoes de um neo-con assumido...


Os neo-cons, como reza o jargão jornalístico americano, são os intelectuais ditos conservadores em política externa -- mas que podem ser perfeitos revolucionários, em sua ânsia de transformar o mundo à imagem e semelhança da América --,que moldaram muito da ofensiva dos EUA contra o terrorismo e os chamados "estados-vilões" (rogue states) na era Bush (I e II, isto é desde 2001).
Abaixo figura uma matéria sobre um desses legítimos representantes intelectuais do militantismo da direita intelectual, que como sempre ocorre nesses casos, podem ter vindo da esquerda dos anos 1950 e 1960.
Normam Podhoretz é bastante conhecido, e assim dispensa maiores apresentações.


THE WEEKEND INTERVIEW

Unrepentant Neocon
Norman Podhoretz stands IV-square for the Bush doctrine
.
BY JOSEPH RAGO
The Wall Street Journal, Saturday, August 12, 2006 12:01 a.m. EDT

EAST HAMPTON, N.Y.--If Waterloo was won on the playing fields of Eton, then Iraq was lost--according, at least, to the conspiracy-minded--on the pages of Commentary magazine and the other house organs of the neoconservative movement. Better yet, blame America's post-9/11 foreign policy on Leo Strauss, Albert Wohlstetter and Allan Bloom, regularly disinterred as the neocon godfathers.

Yet however much one loathes lending credence to talk of a neocon conspiracy--call it Cabal Theory--it does possess a certain element of truth. That is, the Iraq intervention found its genesis not only in the immediate crises of the prewar period, but also in a way of thinking about foreign policy that matured over several decades. In other words, "Ideas shape events. They are the moving force in history," notes Norman Podhoretz, editor in chief of Commentary for the 35 years ending in 1995, and a highly influential adventurer in the world of neoconservatism.

Neoconservatism is hard to pin down as discrete political theory; Mr. Podhoretz suggests even that is too strong a term, preferring "tendency." In any case, as a practical matter, it denotes the mentality of those who moved from somewhere on the political left to somewhere on the right, primarily during the late '70s. It had "two ruling passions," according to Mr. Podhoretz. On the one hand, the neocons were repulsed by the countercultural '60s radicalism that came to dominate the American liberal establishment. On the other, they argued for a more assertive, muscular foreign policy (at the time in response to Soviet expansionism).

It is the latter that consumes Mr. Podhoretz during this late period in his disputatious career. Here at his bucolic summer home, he makes an easy, serene figure; but any outward tranquility is very much at odds with the intensity of his moral and intellectual universe.

He is careful, certainly, to distance himself from policy making. Washington "might as well be the surface of the moon." Rather, he says, "I'm always trying to look at the world in some larger frame." That, today, means "telling the story of what has happened since Sept. 11 with some intellectual distance, to place it as a world-historical development."

The scale and the suddenness of that day, as Mr. Podhoretz sees it, swept away the assumptions of the era that preceded it, both the soft internationalism and the balance-of-power calculations that by turns governed the way America conducted itself in the world. Here was a generational, existential confrontation with militant Islamist antimodernism, international in character and analogous to World War III (known otherwise as the Cold War). The "war on terror," he argues, ought to be rightly understood as "World War IV," demanding a new set of policies and ideas that will allow the U.S. to cope under drastically altered conditions.

The point of his voluminous WWIV essays (currently being expanded into a book) is to limn the ways in which George Bush has done precisely that. "The military face of the strategy is pre-emption and the political face is democratization," he says. "The stakes are nothing less than the survival of Western civilization, to the extent that Western civilization still exists, because half of it seems to be committing suicide."

With the crisis in the Middle East deteriorating, alarmingly fraught, Mr. Podhoretz's WWIV theory assumes further urgency.

On the violence running over the Levant, he is forthright: "I think of it as another battle or field or front in World War IV--the third front that's been opened: Afghanistan, Iraq and now this." With Hezbollah acting as a proxy for Iran, and Israel standing in for the U.S., "what you have here is Iran testing the resolve, the capability, of the enemy, in this case being the entire West--through few seem to understand this, or if they do understand it they want to deal with it with the usual appeasement."

Does the president understand? Grant that there are no easy answers: Hasn't the administration, on the more intractable questions of Syria and Iran, shown by and large the same weakening of resolve? Mr. Podhoretz winces. The question seems to set his teeth on edge. "There are people who ask George Bush to do everything at once," he declares, "instead of picking his shots and moving at a politically viable pace. It's nice as an intellectual exercise, but what is the point of demanding things that no democratic political leader, not even George Bush, could conceivably do at this time? To my mind it's a kind of right-wing utopianism."

Right-wing utopianism--now there is machismo. It is, of course, the very charge most often leveled against the neocons: that they thought (to put it rudely) they could go parading through Arabia and reorder it as a liberal democracy; instead of flowers and sweets they were met with IEDs and sectarian death squads. And this notion has picked up currency of late--particularly among those who consider themselves conservatives without the qualifying prefix.

Mr. Podhoretz is having none of it. "I always knew they didn't like this policy, the Bush doctrine," he says, speaking of increasingly vocal antagonists like George Will and William F. Buckley. "They had doubts about it going in, and not just because it violates in their view conservative principles but, you know, it's hubris, it's Wilsonianism, it goes beyond the limits of power, it's nation-building, and so on. But for reasons of solidarity or because they were not willing to join with the left or the far reaches of the Buchananite right, they were careful, they voiced their doubts only through hints or veiled asides. So when they came, so to speak, out of the antiwar closet, I certainly was not all that surprised.

"They've declared defeat, basically," he continues. "What can I say? I think they're wrong. I think Iraq has gone not badly but well, is not a disaster or a crime or a delusion, but what's more is a noble, necessary effort."

Mr. Podhoretz attributes the troubles of reconstruction as much to our own irresolution as to what he calls "the recalcitrance and obduracy of the region." "The only reason in my opinion that we're having as much trouble as we're having in Iraq is that we're not getting intelligence. You cannot fight a revanchist insurgency and certainly not one that uses terrorist tactics without good intelligence . . . and you can only get that kind of intelligence by squeezing it out of prisoners. That's all there is to it."

Both domestic opposition and the international community, unhappily, are "defining torture down. The things they're calling 'torture' now have never been and have no business being considered torture." He keeps on: "It is an effort to disarm us that's succeeding to a frightening extent. No, it's worse than that. They're trying to make it impossible to fight terrorism. . . . Every weapon that's been developed to protect us from terrorism, and the Iraqis from internal terrorism, is under assault."

Mr. Podhoretz loops back to the allegations that the administration has botched the execution of its Middle East policy. "I get impatient and even angry with this relentless carrying on in the face of setbacks," he says. "Now suddenly even a lot of my neoconservative friends have either lost heart and deserted the cause or devoted themselves mostly to bitching about this and that and the other thing and everything else. Most of these criticisms or attacks have been so unfair as to be completely unreasonable. . . .

"If you stipulate that everything people allege was a mistake in Iraq, even if you stipulate that they all were actually mistakes rather than judgment calls about which reasonable men could differ and could have had worse consequences if they'd gone the other way--even if you stipulate that all the critics are right, these 'mistakes' are chump change compared to the mistakes that were made during World War II by great leaders like Churchill and Roosevelt, and the lives that were squandered, thousands and thousands of lives uselessly squandered. . . .

"But even with these mistakes," he continues, "this country was indispensable in defeating the two great totalitarian threats of the 20th century. It was this despised bourgeois civilization that turned out to be the one bulwark against those monstrous enemies of humanity. I feel the same way today about Islamofascism."

Mr. Podhoretz is not dismissive of the costs the U.S. has incurred, quite; but better, he argues, to endure these convulsions than the previous arrangements. "We've paid an extraordinarily small price by any reasonable historical standard for a huge accomplishment," he says. "It's unseemly to be constantly whining."

The political odyssey of Norman Podhoretz began in the mid-1950s, when he made his mark as a literary critic and heir apparent of the leftward "New York intellectuals"; veered sharply toward radicalism in the early '60s; and ultimately rejected the ascendant hard left for what we now recognize as neoconservatism. "The issue was America," he says. "I was repelled, almost nauseated, by the rise of anti-Americanism on the left. The hatred of this country seemed to me not only wrong, it was disgusting. . . . Everything the left was saying about America was wrong--everything--and wrong by 180 degrees." He likens it to "staging a black mass, with the cross inverted and Christ hanging by his feet."

"There was a heavy price to be paid for my acts of apostasy," he says. Still: He retains an acute sense of longing for the intellectual community in which he grew up, a world--irretrievably lost--with no real equivalent today. It was a world that cared immensely about the life of the mind, and "even though practically everything it held dear was wrong, the fact is that it was exhilarating--you had all these brilliant people who were interested in understanding what historical forces were at work in the world and how they were playing out."

It was perhaps that spirit, more than anything else, that Mr. Podhoretz and his cadre sowed in the conservative mind. The neoconservatives were not simply "new conservatives," swallowed whole by an established system and along for the ride, Jonahs in the belly of a whale; but, more exactly, they deepened and broadened the nature of conservatism by emphasizing larger questions and long views, all seriously considered. The neoconservative enterprise is still in motion, and--like the war on terror, like World War IV, like whatever one wants to call the present danger--it is not done yet.

"It continues," Mr. Podhoretz says. "It never ends." During the Belle Époque of the Clinton years, things seemed to have sufficiently mended for him to turn his attention to literature again; Sept. 11, as he tells it, drew him back into the arena, inexorably, as if carried by the tide. "I'm getting old. I am old," he sighs. "But I'm still at it, and I'll continue." He adds with a laugh: "I especially get a new surge of intellectual energy whenever my own side, as it has been lately, starts to infuriate me."

Mr. Rago is an assistant editorial features editor at The Wall Street Journal.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

607) Ameaca as exportacoes brasileiras de carnes

Muito importante e muito grave...

TCU vê falhas graves na vigilância sanitária
Juliano Basile e Mauro Zanatta
Jornal Valor Econômico - pág. A4, 08/08/2006

O Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu relatório que pode trazer graves implicações ao comércio internacional do Brasil. Em um documento de 83 páginas, auditores do tribunal comprovaram a existência de sérias falhas na vigilância do trânsito de produtos agropecuários no país. Como principais constatações das falhas, o TCU aponta a falta de pessoal para fiscalizar portos, aeroportos e postos de fronteira. Também vê precariedade na infra-estrutura de laboratórios e salas de análise dedicados a impedir a entrada de pragas e doenças. E, além disso, o governo não consegue gastar todo o dinheiro previsto no Orçamento para vigiar a exportação e importação.

Aprovado pelo plenário do TCU na quarta-feira, o documento obtido pelo Valor pode virar um entrave para a ampliação das exportações brasileiras e fornecer pretextos para o crescente protecionismo dos principais clientes do agronegócio nacional. Problemas sanitários e fitossanitários têm sido cada vez mais usados como barreiras não-tarifárias aos produtos brasileiros no exterior.

O ressurgimento da febre aftosa, em 2005, provocou o embargo de 59 países. Um foco da doença de Newcastle em aves de Vale Real (RS) tem custado caro a produtores e exportadores: 38 países já fecharam suas portas ao frango nacional. O fungo que provoca a ferrugem asiática nas lavouras de soja já custou US$ 8 bilhões ao país em custos de produção mais altos, perda de rentabilidade e menor produtividade do grão.



"Dos pontos de vista econômico e social, podem ocorrer perdas de produção e de mercados para exportação, causando prejuízos significativos aos agricultores, à balança comercial e ao nível de emprego no país. A entrada de espécies exóticas pode colocar em risco a diversidade biológica dos ecossistemas naturais do país", afirmou o relator do processo, ministro Benjamin Zymler. Por outro lado, diz o ministro, procedimentos de fiscalização previstos na legislação básica não têm sido realizados ou são feitos de modo ineficiente, em razão do baixo número de fiscais e da falta de infra-estrutura física para a realização dos tratamentos previstos em lei.

Nas 83 páginas, os auditores do TCU descrevem situações curiosas, como o fato de muitos fiscais simplesmente observarem à distância o trânsito de bagagens nos aeroportos. A fiscalização, segundo o TCU, é feita com base no "achismo" desses fiscais, pois não há detectores de material orgânico nos aeroportos. A compra desses equipamentos foi anunciada há meses pelo ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, mas nada foi ainda instalado.

Outro fato contraditório apontado pelos auditores: à falta de pessoal, soma-se um excesso de burocracia entre os fiscais da Receita e da Agricultura, o que prejudica a fiscalização. Os fiscais agropecuários são obrigados, por exemplo, a identificar-se para entrar em áreas controladas pela Receita. Realizam o serviço separadamente e não trocam informações.

Essa pouca importância dispensada à vigilância agropecuária fica clara na análise que o tribunal fez do orçamento do Programa Vigilância Agropecuária Internacional (Vigiagro), criado justamente para impedir a entrada de doenças no país. O governo fez a previsão no orçamento de R$ 5,1 milhões para o Vigiagro em 2005. Conseguiu empenhar somente R$ 3,3 milhões desse valor. De gastos efetivos, porém, foram apenas R$ 1,2 milhão. Em 2004, os desembolsos também foram bastante reduzidos: de um orçamento de R$ 1,3 milhão, somente R$ 600 mil foram gastos.

O ministro Zymler diz no relatório que o baixo investimento na fiscalização contrasta com o grande volume de divisas gerado pelas exportações. O ministro cita os saldos comerciais na balança - de US$ 33,7 bilhões, em 2004, e de U$ 44,7 bilhões, em 2005 - para, em seguida, lamentar a proliferação de pragas no país. "Embora a expansão do comércio internacional de produtos agropecuários entre os países tenha proporcionado a abertura de novos mercados, também propiciou o alastramento de pragas e doenças antes confinadas a suas regiões originais", afirmou.

O TCU relatou alguns exemplos dessa proliferação de pragas. No Porto de Itajaí (SC), fiscais identificaram a entrada de madeira infestada pelo besouro asiático - uma praga que pode destruir florestas brasileiras.

Na Amazônia, os fiscais verificaram o ingresso, pelo Amapá, da "sigatoka negra" - uma praga que afeta a produção de bananas. "Vivemos numa situação de risco", comentou outro auditor.

A falta de fiscais atinge os principais focos de entrada e saída de produtos e de passageiros do país. O Porto de Santos deveria ter 42 agrônomos, mas tem apenas 24. O aeroporto de Guarulhos precisaria de 25 veterinários, mas conta com apenas 13.

No total, o Brasil deveria ter 248 agrônomos na vigilância, mas tem somente 167. Deveriam ser 166 veterinários, mas são apenas 108. Também há falta de agentes de apoio administrativo e de inspeção federal.

Os auditores do TCU fizeram inspeções em portos e aeroportos entre 1º de agosto e 25 de novembro de 2005. Também foram realizadas entrevistas com 542 fiscais federais agropecuários que relataram as absurdas dificuldades. Os fiscais contaram que sofrem ações pessoais de exportadores quando impedem a saída de mercadorias do país. "Isso coíbe a atividades dos fiscais. Eles se sentem vulneráveis e acabam liberando mercadorias", disse um auditor do TCU.

A legislação também é bastante ineficiente. O decreto que impõe multas às empresas é de 1934 e desde então os valores não foram atualizados. O importador de produtos de origem animal sem certificado paga, por exemplo, entre "1 mil e 500 cruzeiros", uma moeda fictícia e sem aplicação.



Para Agricultura, responsabilidade é do Planejamento
De Brasília
08/08/2006

Confrontada com o minucioso relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), a Coordenação-Geral de Vigilância Agropecuária do Ministério da Agricultura (Vigiagro) confirmou todos as informações e detalhes contidos no documento.

O coordenador-geral Oscar de Aguiar Rosa Filho afirmou que "todos os problemas" apontados pelo TCU tiveram origem nas informações prestadas pelo próprio ministério. "Estes dados foram levantados por nós mesmos. Apresentamos as informações de forma transparente. Temos trabalhado para resolver os problemas, mas isso depende da sensibilidade do Ministério do Planejamento em dotar o sistema de um orçamento correspondente à importância do serviço", disse ao Valor.

Em tom de desabafo, o coordenador do Vigiagro reclamou da demora da área econômica do governo para autorizar a realização de concursos públicos. "Temos um déficit de 340 fiscais federais, 170 técnicos de nível médio e 120 funcionários de apoio administrativo em nossas 110 unidades", afirmou. "Não conseguimos fazer um trabalho minimamente satisfatório do ponto de vista técnico. Trabalha-se demais e nunca se consegue solução. O problema, nós sabemos de cor, é uma resistência grave do Planejamento", disse.

Segundo ele, a questão foi "exposta" ao TCU na "esperança" de que alguma medida fosse tomada pelos ministros da área. E avisa: "Qualquer coisa que aconteça se deve à falta de infra-estrutura. Estamos fazendo mágica. Qualquer país que tem uma agropecuária deste tamanho precisa ter investimentos sérios nessa vigilância".

Embora reforce o coro dos descontentes com os parcos recursos federais investidos na defesa agropecuária, Oscar Rosa admite que o Ministério da Agricultura não tem conseguido "gastar a contento" seu orçamento. "Tivemos um total de R$ 8 milhões para este ano, mas vamos gastar, na melhor das hipóteses, algo próximo de R$ 3,2 milhões por causa de contingenciamentos e limitações orçamentárias impostas pelo governo."

Para 2007, o coordenador calcula que seria necessário um orçamento de R$ 16 milhões. "Mas teremos, no máximo, R$ 4 milhões. Temos tentado mostrar que se gastarmos R$ 16 milhões em 2007 deixaremos de gastar alguns bilhões no caso de entrar uma praga ou uma doença no país", afirmou.

Responsável pela coordenação de 515 fiscais federais localizados em 110 unidades espalhadas pelo país, Rosa não tem dúvidas do risco assumido pelo país ao deixar o sistema sem recursos. "Se tiver um foco de influenza (gripe) aviária, por exemplo, o prejuízo poderia custar US$ 34 bilhões, segundo cálculos de consultores independentes, além de milhares de empregos".

O coordenador afirma que o orçamento do Vigiagro é "incompatível" com as demandas da vigilância e que o quadro de pessoal é "completamente deficitário". E exemplifica: em Santos, onde trabalham 25 fiscais, o déficit funcional é de 20 agrônomos e dez veterinários; em Manaus, onde há dez fiscais, seriam necessários mais 28; e no porto de Itajaí, precisaria ter o dobro dos sete fiscais. (MZ e JB)

sexta-feira, 28 de julho de 2006

606) R.I.P Mercosul?: pelo menos é o que pensa a revista Exame...

Da revista Exame, desta semana (as tabelas saírão desformatadas, o que eu procurarei corrigir remetendo ao link original, assim que for possível).


EXAME 27.07.06

10 razões para enterrar o Mercosul
Com show de demagogia, bravatas antiamericanas e nenhum resultado prático, reunião de Córdoba provou que o bloco é cada vez mais obra de ficção

O encontro na Argentina: união aduaneira só em 2009
Por Carolina Meyer

Na última reunião de cúpula do Mercosul, realizada no final de julho em Córdoba, na Argentina, a Venezuela fez sua estréia oficial como país-sócio e o Brasil assumiu para o próximo semestre a presidência da associação. Fora essas formalidades, o encontro teve pouca utilidade prática -- reforçando a idéia de que o bloco é cada vez mais uma obra de ficção. Em Córdoba, foram fechados acordos comerciais com potências econômicas do porte de Paquistão e Cuba, houve overdose de retórica antiamericana (com o reforço da presença de Fidel Castro, convidado de honra do evento) e tomou-se a decisão de adiar mais uma vez a união aduaneira, o que transformaria o Mercosul numa zona de livre-comércio de fato, sem barreiras nas transações entre os países-membros e com uma política comum de tarifas de importação para nações de fora do bloco. Segundo o cronograma original, essa questão já deveria ter sido resolvida em 2001. Agora, ela foi empurrada para 2009.

Criado em 1991 por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, o Mercosul até que teve um início promissor. Num primeiro momento, devido ao acordo de queda de tarifas de importação de uma série de produtos, registrou-se um expressivo aumento de comércio entre os sócios. Mas a coisa parou por aí. As crises econômicas enfrentadas por Brasil e Argentina refrearam os negócios a partir do final da década de 90, que só agora começam a dar sinais de recuperação. Nesse mesmo período, o peso do Mercosul para a balança de exportações da maioria de seus membros caiu pela metade, em média (veja quadros ao lado). Para piorar, é cada vez mais difícil conciliar os interesses dos integrantes. Paraguai e Uruguai falam em deixar o bloco. A Argentina não pára de criar cotas e restrições aos produtos brasileiros. Em troca de seu delirante projeto de liderança política entre os países em desenvolvimento, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem aceitando essas condições. O Mercosul tem uma essência política e ideológica. Mas lhe falta o principal: lógica econômica e de negócios. "Do jeito que está, esse bloco é cada vez mais um problema do que uma solução para o Brasil", afirma Roberto Giannetti da Fonseca, diretor de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Nas páginas a seguir, ele e outros especialistas elencam fatos e argumentos que demonstram por que o Mercosul deveria ser, de uma vez por todas, enterrado.
Relações instáveis
As crises das economias de Brasil e Argentina a partir do final da década de 90 esfriaram as transações comerciais no bloco, que só agora começam a dar sinais de recuperação
Comércio entre os países do Mercosul (em bilhões de dólares)
1991 5
1993 10
1995 14
1997 21
1999 15
2001 15
2003 13
2005 21
Fontes: OMC e Tendências Consultoria Integrada

Importância reduzida
Nos últimos anos, a participação do Mercosul na porcentagem das exportações dos três membros mais importantes caiu pela metade, conforme mostra o gráfico ao lado
Brasil
1998 17%
2005 10%
Argentina
1998 35%
2005 18%
Paraguai
1998 51%
2005 54%
Uruguai
1998 55%
2005 23%
Fontes: OMC e Tendências Consultoria Integrada

1 - O Brasil é grande demais para o Mercosul
É muito difícil harmonizar as relações entre os países-sócios numa situação em que um deles responde por 80% do PIB do bloco (considerando-se a formação original de quatro países). Além do tamanho desproporcional, o Brasil tem uma economia muito mais eficiente e produtiva que a de seus sócios. O parque industrial brasileiro chega a ser cinco vezes maior que o argentino. No caso da União Européia, o problema foi resolvido com a ajuda dos países mais ricos, que financiam os sócios menores até que sua economia se ajuste minimamente às condições da zona de livre-comércio. "Como o governo brasileiro não tem dinheiro para fazer o mesmo, as nações menores do Mercosul sempre vão criar obstáculos à integração", afirma Michel Alaby, presidente da Associação de Empresas Brasileiras para a Integração de Mercados. A experiência européia ajuda a evidenciar que os acordos comerciais, contrariamente ao senso comum, tendem a favorecer mais os países menores. Espanha, Irlanda e Grécia são freqüentemente apontados como os que mais se beneficiaram do acordo.

2 - O bloco dificulta acordos com Estados Unidos e União Européia
Exatamente por seu tamanho, o Brasil teria muito mais a ganhar se fizesse acordos com economias maiores, como os Estados Unidos e a União Européia. Mas acordos com outros mercados precisam necessariamente ser decididos por consenso entre os países do Mercosul. Há dois problemas graves aí. De um lado, as nações menores temem abrir as fronteiras aos americanos e europeus, pois sua indústria é pouco competitiva. Por isso, opõem-se a mais abertura. Nos últimos dez anos, enquanto o Brasil reduziu suas tarifas externas de 14% para 8,8%, em média, Argentina, Uruguai e Paraguai aumentaram as barreiras de proteção em cerca de 20%. Para piorar a situação, com a entrada da Venezuela no bloco e a aproximação de Cuba, a tendência é o Mercosul se afastar ainda mais dos maiores mercados do mundo.

3 - A diplomacia brasileira está acima dos interesses comerciais
Cego por seu projeto de erguer o Mercosul a qualquer custo, o governo brasileiro tem aceitado todas as condições impostas pelos sócios, em especial a Argentina. O caso mais recente foi a aprovação, em fevereiro, do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC). Verdadeira aberração num bloco de livre-comércio, esse instrumento permite a elevação do protecionismo em setores específicos e foi criado basicamente para atender aos interesses dos argentinos. Eles reclamavam que haviam sido invadidos por produtos brasileiros e que sua indústria precisava de alguma proteção para poder crescer e competir em pé de igualdade. Após cinco meses de instituição do MAC, o que ocorreu na prática foi a substituição de artigos brasileiros por similares chineses nas prateleiras argentinas. Um exemplo são os calçados, que estão na relação de produtos atingidos pela medida. No primeiro semestre de 2006, as exportações brasileiras para a Argentina cresceram 0,1% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto as vendas chinesas para o vizinho cresceram 91%. Eventuais perdas de alguns setores fazem parte da própria natureza de uma zona de livre-comércio. É saudável que produtores mais eficientes prevaleçam sobre os demais. No caso brasileiro, setores como o de arroz e o de vinhos perderam espaço para os importados. O que chama a atenção no Mercosul, porém, é que o atual governo aceita a maior parte das restrições comerciais impostas pela Argentina -- que vão contra a própria idéia de livre-comércio -- sem exigir contrapartidas.

4 - O cronograma da integração foi desmoralizado
Segundo o cronograma original do bloco, a união aduaneira já deveria estar em vigor desde 2001. Para atender a interesses setoriais, o prazo acabou prorrogado para 2006 e, agora, 2009. "Os países latino-americanos têm tradição no descumprimento de prazos, o que prejudica a credibilidade do bloco", afirma Félix Peña, ex-secretário de Comércio Exterior da Argentina. Problema semelhante ocorre com os acordos de livre-comércio. Na indústria automotiva, por exemplo, a partir de 2006 o sistema de cotas de exportação deveria ser totalmente extinto. Segundo a regra, a cada 1,95 dólar que o Brasil exporta para a Argentina nessa área, o país tem de importar 1 dólar do vizinho no mesmo setor. No entanto, para atender à grita argentina, o prazo foi renegociado, e o comércio só deverá ser liberalizado em 2009 -- se não vier novo adiamento.

Encrencas comerciais
Algumas disputas que estão atravancando o desenvolvimento do Mercosul
Crise das papeleras
O governo argentino é contra a construção de duas fábricas de papel na região de fronteira com o Uruguai, com o argumento de que prejudicarão o meio ambiente. A crise foi levada ao Tribunal de Haia, com derrota dos argentinos, mas o governo de Néstor Kirchner ainda não se deu por vencido
Dissidentes
Os governos de Uruguai e Paraguai já manifestaram seu desejo de abandonar o bloco e firmar um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. Eles alegam que seus países não têm se beneficiado do Mercosul e, por isso, desejam alcançar outros mercados
Barreiras argentinas
Os empresários brasileiros estão insatisfeitos com as cotas e outros tipos de restrição criados pelos argentinos para limitar a importação de calçados, artigos têxteis e linha branca de eletrodomésticos, entre outros produtos

5 - As normas não são claras
Empresários dos quatro países freqüentemente deparam com súbitas alterações nas regras na hora de exportar para seus vizinhos. O caso mais recente envolveu a gaúcha Marcopolo, fabricante de carrocerias de ônibus e caminhões. A Marcopolo compra chassis de companhias como Mercedes-Benz e Scania e vende os veículos montados para a Argentina. No início de julho, a empresa teve suas exportações suspensas por questões burocráticas. De uma hora para outra, unilateralmente, o governo argentino passou a exigir uma única nota fiscal para a entrada do produto. "Há 15 anos vendemos para lá com duas notas, uma para a carroceria, outra para o chassi, totalizando o preço total do veículo", afirma um executivo da Marcopolo, que não fala oficialmente sobre o problema. O governo brasileiro foi acionado, mas não havia feito nada de concreto até o fechamento desta edição. No total, 68 ônibus da empresa -- e outros 82 das concorrentes -- estão parados na alfândega. Episódios como esse criam um clima de insegurança para as companhias exportadoras. "Muitas delas, que investiram nos últimos anos para ampliar seus negócios no Mercosul, estão agora diversificando a carteira de clientes, com medo de sofrer prejuízos", afirma Eduardo Matias, advogado especializado em direito internacional e autor do livro A Humanidade e Suas Fronteiras -- Do Estado Soberano à Sociedade Global.

6 - Não há punições estipuladas para quem descumpre as regras
Na União Européia, qualquer país que descumpre alguma cláusula dos acordos comerciais do bloco está sujeito a multas pesadas. No Mercosul, como não existem mecanismos semelhantes de punição, os sócios agem de acordo com suas conveniências. Um exemplo recente foi a crise das papeleras entre Argentina e Uruguai. No início do ano, cerca de 40 000 manifestantes bloquearam duas pontes que ligam os dois países, protesto que se arrastou durante quase três meses. O motivo da manifestação foi a construção no Uruguai de duas fábricas de celulose (uma finlandesa e outra espanhola) ao lado da fronteira com a Argentina. Os opositores reclamam que as indústrias vão provocar danos ao turismo e ao meio ambiente. A questão sobre a legalidade da construção das fábricas foi levada ao Tribunal de Haia, na Holanda, com a derrota dos argentinos, mas o caso está longe de ser resolvido. O assunto foi discutido na última reunião de cúpula do Mercosul, em Córdoba, mas não houve acordo entre os dois. O Uruguai prossegue na construção das indústrias de celulose e quer indenização de 300 milhões de dólares do governo argentino pela interrupção do trânsito entre as fronteiras. O presidente argentino, Néstor Kirchner, além de não aceitar o pedido, continua empenhado em embargar a obra.

7 - O órgão de arbitragem do Mercosul para resolver conflitos comerciais não funciona na prática
O Mercosul conta com um Tribunal Permanente de Revisão e um sistema arbitral de solução de controvérsias. Contudo, tais mecanismos raramente são utilizados. Ao longo de oito anos de existência, o sistema julgou apenas dez casos. Desse total, somente dois foram movidos pelo governo brasileiro. "Quando levamos nossos problemas comerciais para o Itamaraty, recebemos a recomendação de aceitar as exigências dos argentinos", afirma um executivo de uma das grandes empresas do setor têxtil. A situação ficou evidente no problema envolvendo os eletrodomésticos de linha branca vendidos pelo Brasil à Argentina. Como os fabricantes brasileiros vinham aumentando sua presença no mercado argentino nos últimos anos (até chegar a quase 60% de participação), os vizinhos, com apoio do governo Kirchner, ameaçaram impor sérias restrições à importação desses produtos. Para evitar um prejuízo maior, os fabricantes brasileiros acabaram aceitando submeter-se a um regime de cotas. Esse sistema, que acabou em março, vigorou durante aproximadamente um ano e meio para geladeiras, fogões e máquinas de lavar. Calcula-se que a participação brasileira nesse mercado na Argentina tenha caído pela metade no período.

8 - O Mercosul vem perdendo relevância para os países-sócios
Apesar de o volume de negócios no Mercosul ter crescido de 5 bilhões de dólares em 1991 para 21 bilhões em 2005, a participação relativa do bloco nas exportações da maioria dos sócios vem despencando. No Brasil, por exemplo, o Mercosul responde por apenas 10% das vendas externas. As crises por que têm passado os membros do bloco deixaram algumas empresas com medo de investir na região. Foi o que aconteceu com a Hering. A companhia havia investido no estabelecimento de 65 franquias na Argentina nos anos 90. Boa parte delas foi à falência durante a recente crise econômica do país. Hoje, a empresa aposta nos países do Oriente Médio para continuar crescendo. "Devido ao ambiente muito instável da América do Sul, os empresários estão dando prioridade a outras regiões do mundo", afirma Dante Sica, diretor da consultoria argentina Abeceb. Em conseqüência disso, as negociações com as nações de fora do bloco evoluem num ritmo muito mais rápido. Entre 1998 e 2005, Argentina e Brasil quase quadruplicaram suas vendas para a China. No mesmo período, o peso das vendas para o Mercosul na balança de exportações dos dois países caiu à metade.

9 - Perde-se tempo na criação de instituições pouco relevantes
Na última reunião de Córdoba, os governos de Argentina e Venezuela apresentaram um projeto para a criação do Banco do Sul. A idéia mais que pretensiosa é que ele substitua organismos internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o próprio Fundo Monetário Internacional. De acordo com o projeto, os países do Mercosul poderiam ter acesso a um socorro financeiro mais barato, bancado principalmente pelos petrodólares de Hugo Chávez, que já se candidatou a ser o financiador da instituição. Pior do que o banco de Chávez é certo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem). Ele deverá promover projetos de infra-estrutura na região, a exemplo do que já faz o Banco Mundial e o próprio BNDES. Se a idéia for aprovada pelos sócios, o Brasil vai ter de arcar com 70% dos 100 milhões de dólares que estão previstos para compor esse fundo.

10 - Acordos bilaterais são mais eficazes
O Chile é o melhor exemplo disso. Em 2003, o país firmou um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. Com isso, as exportações chilenas para os americanos passaram de 3,7 bilhões de dólares em 2003 para 6,7 bilhões em 2005, um aumento de 80%. O volume de vendas do Brasil para os Estados Unidos é muito maior (22,5 bilhões de dólares por ano), mas evoluiu apenas 30% no período. Segundo muitos especialistas, o Mercosul deveria ser enterrado para dar lugar a uma zona de livre-comércio, nos moldes do Nafta, que envolve Estados Unidos, México e Canadá. A idéia foi encampada no projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que morreu de inanição dada a falta de interesse mostrada pelos países mais importantes da região -- incluindo o Brasil e os Estados Unidos. A falência da Alca e a tentativa algo desesperada de sustentar o combalido Mercosul evidenciam que, num continente onde sobram demagogia e confusão, nem sempre o método mais simples e racional de integração comercial é o que faz parte dos sonhos dos dirigentes.

Com reportagem de Felipe Seibel e Suzana Naiditch

605) Anti-globalizadores super-globalizados...

Eu também queria ser um anti-globalizador profissional, sobretudo desses que têm todas as suas despesas pagas por generosas ONGs de países ricos, recebendo convites a torto e a direito, só tendo de computar as milhagens aéreas, como forma de fazer minha "acumulação primitiva" de passagens gratuitas até o final da minha vida, pelo menos (ou quem sabe até?, alguns anos mais...).
Não se trata de meros "turistas acidentais", mas de viajantes "with a cause", e essa causa é a luta contra a globalização, dita assimétrica.
A julgar pela lista de encontros já programados para este ano e o próximo, o pessoal promete esquadrinhar cada recanto do globo possível e imaginável.
Na verdade, à parte esse furtivo desejo de também viajar bastante, já que sou um nômade inveterado, não tenho nenhuma inveja desse pessoal, que se reúne invariavelmente para produzir muita transpiração e pouquíssima, inspiração, if any, a julgar pela ausência completa de propostas factíveis para diminuir os efeitos eventualmente perversos da tal de "globalização assimétrica".
Todas as propostas deles, invariavelmente, tornariam o mundo em desenvolvimento mais pobre e mais precário, isolado dos grandes fluxos comerciais, financeiros ou tecnológicos mundiais, esses mesmos que estão transformando rapidamente certos países em desenvolvimento que desprezam as recomendações estapafúrdias dos anti-globalizadores.
Em todo caso, ninguém consegue vencê-los em matéria de turismo anarco-protestatário...
Vejam a lista de viagens:


Fóruns sociais pelo mundo

VII FSM: de 20 a 25 de janeiro de 2007 em Nairobi, Quênia.

Fórum Social Uganda, de 31 de julho a 3 de agosto de 2006, Uganda
I Fórum Social do Trabalho Social, 1 e 2 de setembro de 2006, Santiago, Chile
III Fórum Social Paraná Médio, de 8 a 10 de setembro de 2006, Argentina
II Foro Social Juvenil, de 14 a 16 de setembro de 2006, Paraná, Entre Ríos, Argentina
Primeiro Fórum Social Regional Saguenay-Lac-Saint-Jean, de 22 a 24 de setembro de 2006, Séminaire Marie-Reine du Clergé, Métabetchouane, Quebec, Canadá
Fórum Social Fronteiriço. Mudança de data: de 13 a 15 de outubro de 2006, Ciudad Juarez, México
I Fórum Social Internacional: Sabedorias Ancestrais, de 12 a 15 de outubro de 2006, Cochabamba, Bolívia
II Fórum Social Português, de 13 a 15 de outubro de 2006, Almada, Portugal
Fórum Social Noruega, 19 a 22 de outubro de 2006, Oslo, Noruega
III Fórum da Cultura Solidária, 15 a 22 de outubro de 2006, Lima, Peru
Fórum Social Moçambicano, 6 a 10 de novembro de 2006, Maputo, Moçambique
Fórum Social Índia, de 9 a 13 de novembro de 2006, Delhi, Índia
Fórum Social de Porto Rico, 17 a 19 de novembro de 2006, Rio Píedras, Porto Rico
Fórum Social Chile, de 18 e 19 de novembro de 2006, Santiago de Chile
Fórum Social Algéria, 14 e 15 de dezembro de 2006, na Algéria
V Fórum de Autoridades Locais, 24 de janeiro de 2007, Nairóbi, Quênia
Fórum Social Quebec, junho de 2007, Quebec, Canadá
Fórum Social EUA, de 27 de junho a 1 de julho de 2007, Atlanta, Geórgia, Estados Unidos
Fórum Social Maghreb, em 2007
Para mais informações, clique no link http://www.forumsocialmundial.org.br/dinamic.php?pagina=foruns_nacionais_por.


PS.: Ei, psiu, algum anti-globalizador folgado, que tenha internet e calculadora: daria, por favor, para me calcular as milhagens aéreas acumuladas a partir de vôos, ida e volta a partir de Brasília, a todos esses lugares fantásticos da anti-globalização militante?
Fico aguardando respostas neste mesmo lugar...

Paulo Roberto de Almeida
um globalizador com poucas milhagens disponíveis...

604) Ainda o problema das cotas: um belo artigo de Ali Kamel...

Meu aprendizado
ALI KAMEL
O Globo, 28 de julho de 2006

Eu era ainda criança e estudava inglês no Curso Oxford. No livro de gramática, havia um pequeno texto sobre racismo, em que uma criança branca e outra negra, depois do primeiro encontro, numa sociedade racista como a americana, diziam uma para a outra: “It is just skin.” A professora, uma senhora inglesa que havia muito vivia no Brasil, teve de nos explicar por que aquelas crianças demoraram tanto tempo se medindo para chegar a uma conclusão tão óbvia, que nós, brasileiros, sempre conhecemos: a diferença entre um branco e um negro é só a cor da pele. Eu tinha sete anos, e a professora nos falou de Martin Luther King, do seu assassinato recente, da sua luta pelos direitos civis. Aquilo me marcou.

Antes que eu receba e-mails irados dizendo que essa história é a prova de que sou um privilegiado de berço, corro para dizer que meu pai, analfabeto, tendo fugido da miséria em sua Síria natal, trabalhava numa quitanda, das duas da manhã, quando saía para fazer o mercado, até as oito da noite, quando jantava e caía na cama, exausto. Tinha três sócios, o que fazia a renda da loja mal ser suficiente para sustentar uma família de oito pessoas: ele, minha mãe, meus avós maternos e os quatro filhos. Com uma sabedoria imensa, porém, tudo o que ganhava gastava na educação dos quatro filhos, pelo que seremos gratos a ele eternamente. Ele perdeu a saúde, mas nos legou uma lição que, acredito, a maior parte dos pais deixa para os filhos: educação e trabalho, eis a chave para que alguém alcance seus desejos.

Essas duas pequenas histórias explicam um pouco por que me dedico tanto a escrever sobre cotas: eu acredito que todos devemos ter as mesmas oportunidades, que ninguém é melhor do que ninguém, que a educação é o motor para superar obstáculos e que o trabalho é a fonte de renda que mais satisfação dá a uma pessoa. Nossa legislação já nos garante direitos iguais, e na era republicana sempre garantiu. Vivemos num país em que a miscigenação era, até bem pouco, uma realidade que costumávamos comemorar. A educação é ainda um flagelo, mas se investirmos nela, com seriedade, os brasileiros de todas as cores e de todas as origens terão chances iguais de superar as suas dificuldades e de se realizarem em seus trabalhos. Querer dividir o país em raças, repito, é um erro, porque antes das elites, o que se cindirá será a pobreza: a cor da pele dará privilégio a um pobre e o negará a outro. Isso é explosivo.

Como disse no meu artigo de terça-feira, o meu sonho é o de Martin Luther King: quero viver numa sociedade em que as pessoas sejam julgadas pelo seu caráter, jamais pela sua cor. Há anos se debate nos EUA se King, hoje, apoiaria ou rejeitaria cotas, o que é uma discussão estéril: o herói está morto, e querer extrair dele um pensamento numa ou noutra direção é algo a que todos têm direito sem que, no entanto, tenham jamais inteira razão.

John David Skrentny, sociólogo americano da Universidade da Califórnia, San Diego, escreveu o que é considerada a mais completa pesquisa histórica sobre políticas afirmativas nos EUA: “Ironias das ações afirmativas: política, cultura e justiça na América”, livro que comentarei num próximo artigo. Perguntei a ele o que achava do debate que se trava hoje no Brasil. Ele me respondeu que acredita que, privadamente, King e outros líderes achavam que ações de preferência racial ajudariam os negros americanos. Mas acrescentou: “No entanto, creio também não ser de muito interesse o que eles pensavam ou discutiam reservadamente. O importante foram suas ações públicas, seu ativismo político. Quando estudei a história desses fatos, quis saber o que os líderes do movimento de direitos civis reivindicavam ou exigiam do governo federal. Não consegui encontrar um só caso em que King reivindicasse ou exigisse do governo uma política preferencial de emprego com base em raça.” Skrentny é simpático a políticas afirmativas.

O que ninguém discute é que o cerne do pensamento de King é que uma sociedade não deve dividir as pessoas em raças, porque somos todos iguais, temos todos os mesmos direitos e devemos ter todos as mesmas oportunidades. Não assinei o manifesto contra as cotas nem ajudei a redigi-lo, porque isso não me cabe como jornalista. Mas, se o tivesse feito, teria também usado o trecho do discurso de King, porque considero que ele é absolutamente adequado àquilo que o manifesto prega: uma sociedade mais igualitária, mais justa, que equipe os pobres, negros ou brancos, para que tenham, de fato, igualdade de oportunidades.

Em seu artigo de quarta-feira, sem me citar, Elio Gaspari volta ao tema, e com acusações ainda mais pesadas aos que são contrários às cotas. Em relação a um professor americano contrário a políticas de preferência racial, Elio escreveu: “Wood é contra as ações afirmativas, mas é um sujeito decente. Entrou na briga sem um tostão no bolso.” O que ele quis dizer com isso? Que os brasileiros contrários às cotas são indecentes e que se manifestam por dinheiro? Que reação posso eu ter diante disso? Dizer que indecente é a mulher do padre ou que corrupto é a mãe do vizinho? Não, não farei isso.

Elio é uma pessoa decentíssima, honestíssima, acima de qualquer suspeita. Quando trabalhei com ele na “Veja”, aprendi muito, e devo muito a esse aprendizado. Ele me ensinou que não se acusa sem provas, e que as palavras devem ser medidas para que não soem como calúnias.

Vou continuar a discutir o assunto, porque ele é fundamental para o país. Mas vou debater apenas idéias. Como aprendi, vou passar ao largo do que não é essencial.

ALI KAMEL é jornalista. E-mail: ali.kamel@oglobo.com.br

domingo, 23 de julho de 2006

603) "Contracupula dos povos", em Cordoba: seriam factiveis as propostas?

À margem, mas não mais marginas, eis o que poderia ser dito dos "alternativos" que se reuniram em Córdoba, na Argentina, ao mesmo em que se realizava mais uma cúpula do Mercosul. nos dias 20 e 21 de julho de 2006.
Suas demandas podem até ser legítimas, embora em alguns casos sejam mera cristalização e consolidação de velhas agendas de movimentos contra alguma coisa, o capitalismo, o mercado, o imperalismo, etc.
Eles estão deixando de ser apenas "do contra", para se lançar em propostas concretas, alternativas ao modelo de integração pelos mercados que dominou até agora o processo de integração na região (e fora dela, aliás).
Resta saber se são factíveis e economicamente sustentáveis as propostas dos alternativos: não basta querer, seria preciso demonstrar tambem que o custo dessas propostas não seria insustentável e praticamente inviável.
Uma vez que se abandonam mecanismos de mercado para viabilizar qualquer iniciativa que apresenta custos que devem ser repartidos, o mais provável é que se gerem ineficiências setoriais e, sobretudo, corrupção, quando essas atividades passam a ser geridas de forma centralizada, pelos Estados nacionais.
Já vimos esse filme antes: ele não costuma ter um final feliz.
Em todo caso, vejam a matéria sobre a "contra-cúpula".


"MERCOSUL: Contracúpula dos movimentos sociais reúne 8 mil em Córdoba

Cúpula dos Povos ocorreu como um evento paralelo ao encontro de chefes de Estado do Mercosul, em Córdoba, Argentina. Como eixo central, movimentos deixaram de se colocar como mera resistência ao neoliberalismo e aprofundaram debate sobre integração.

Sebastián Valdomir - Carta Maior

Córdoba – Paralelamente à Cúpula dos Estados membros do Mercosul, que começou nesta quinta (21) e prossegue até sexta em Córdoba, Argentina, movimentos sociais do Cone Sul, articulados na organização hemisférica Aliança Social Continental, promoveram mais uma edição da Cúpula dos Povos, evento que já se tornou tradicional como contraface dos encontros oficiais, e que se articulou em 2000 como força de resistência à tentativa de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Desta vez menos centrada na oposição a projetos pontuais do Mercosul e mais preocupada em debater aspectos da integração regional, a Cúpula dos Povos pela Soberania e a Integração Sul-americana centrou os debates em quatro frentes: luta pela terra, onde confluíram os movimentos ligados à Via Campesina e às organizações indígenas - que devem criar um Movimento Nacional Indígena e Campesino na Argentina -, e um fórum sobre água, convocado por organizações da Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil e Canadá articuladas na Rede Vida, e frentes menores sobre povos originários, saúde e gênero.

Como resultado principal deste evento, que se segue às outras edições da Cúpula dos Povos em Santiago de Chile (1989), Quebec (2001) e Mar del Plata (2005), realizadas paralelamente aos encontros presidenciais da OEA, os organizadores acreditam que começou a se conformar uma articulação regional concreta que está se convertendo em metodologia de trabalho para os principais movimentos sociais, como resultado dos êxitos da Campanha Continental contra a Alca e a interferência do neoliberalismo estadunidense na região.

Terra e água
As atividades realizadas em Córdoba mostraram que as duas frentes de luta que mais avançaram no duplo esforço de resistir e propor alternativas são o movimento campesino e aqueles que trabalham o tema da água, contra sua privatização e por novos modelos de gestão e administração social participativa.

Um dos propulsores da organização do Cúpula dos Povos, os camponeses argentinos tiveram papel protagonista também nos debates. Similar ao Brasil, o modelo produtivo rural argentino se caracteriza por ter mais de 80% dos produtores na agricultura familiar, que ocupa somente 13% das terras cultiváveis. 4% da atividade agropecuária concentram 65% da terra produtiva. Para a Cúpula dos Povos, chegaram mais de 400 integrantes destes movimentos, que realizaram cursos de formação para jovens e mulheres, uma estratégia clássida da Via Campesina e dos movimentos que lutam pela terra no Brasil.

Como a coordenação da Via Campesina facilita a consolidação organizativa e política dos movimentos, no Cone Sul a campanha de resistência regional ao modelo do agronegócio cresceu muito nos últimos meses, transformando este tipo de encontro em momentos para denunciar massivamente seus efeitos. Assim como disse um jovem do MOCASE, para eles quase não há diferença entre Santiago del Estero e o Iraque, já que as máquinas demolidoras que derrubam suas casas para expulsá-los das terras ocupadas – algo muito comum nesta província, além das milícias armadas dos latifundiários – têm os mesmos “pés de ferro” que os blindados e tanques do deserto.

Outra articulação presente à Cúpula foi a contrária à privatização da água, que pretende excluir o recurso dos acordos comerciais, incluindo as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Desde o Fórum Alternativo da Água realizado em paralelo ao IV Fórum Mundial da Água no Méximo, em março deste ano, os movimentos exigem no âmbito do Mercosul que os “governos da Argentina, Brasil e Paraguai subscrevam a declaração da água apresentada no Fórum do México, assinada pela Bolívia, Cuba, Venezuela e Uruguai”, onde se estabelece a condição da água como um direito humano, que deve estar fora de qualquer tipo de negociações comerciais.

As redes presentes à Cúpula dos Povos foram a Coordenadora em Defesa da Água de Cochabamba, a Comissão da Água do Uruguai, as Assembléias Provinciais de Santa Fé e de Córdoba contra as privatizações, e o grupo de trabalho sobre água da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

Os movimentos que trabalham com o tema da água também estão passando da resistência às privatizações, onde obtiveram muitas vitórias em alguns países, à elaboração de alternativas para assegurar a gestão do recurso na esfera pública, com participação social dos trabalhadores e dos consumidores.

De Mar del Plata a Santa Cruz
A marcha de encerramento realizada quinta-feira (20) transcorreu com normalidade. Houve a participação de mais de oito mil pessoas, o que politicamente foi bastante positivo para o evento. A Cúpula dos Povos em Córdoba ocorre num período importante - entre a Cúpula de Mar del Plata, onde se tentou ressuscitar a ALCA, e a Cúpula pela Integração dos Povos, agendada para dezembro na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra.

Ali novamente os movimentos e organizações sociais que integram as redes regionais se encontrarão com a tarefa de aprofundar o debate sobre alternativas aos processos de integração que hoje estão em curso, e enfrentam alguns problemas, como a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul.

O ingresso da Venezuela no Mercosul traz novas possibilidades para o bloco, mas ainda assim os movimentos sociais defendem que muitos de seus aspectos sejam alterados. Em geral, dizem eles, ainda não há diferenças entre o Mercosul da década de 90, em pleno auge neoliberal, e o Mercosul do século XXI.

A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco.

Outra questão importante para os movimentos sociais refere-se à participação. Uma delegação da Cúpula dos Povos fora convidada oficialmente a assistir a seção de ministros e da sociedade civil, no prédio oficial da Cúpula, quando iria entregar a declaração final. Mas, ao chegar ao prédio onde ocorria o evento, não foi permitida a sua entrada, sob argumento de que os integrantes da delegação não portavam credenciais formais. O convite havia sido assinado pelo embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração da Argentina e por Hugo Varsky, representante especial par a Integração e a Participação Social, dentro da presidência temporária da Argentina no Mercosul.

Segundo integrantes da delegação consultados pela Carta Maior, membros de delegações governamentais de outros países intervieram em prol da entrada dos representantes da Cúpula dos Povos, mas sem assim foi possível.

De qualquer maneira, é opinião geral dos participantes da Cúpula dos Povos de que o balanço é positivo e de que o encontro foi um fato político importante. A vigilância dos movimentos e organizações sociais sobre os processos de integração regional já está "nas ruas", o mesmo lugar onde teve de ficar a delegação que tentou integrar o documento."

sábado, 22 de julho de 2006

602 Balanco de Pagamentos, 2003-2006

Balanço de Pagamentos
Base: De Janeiro de 2003 até Junho de 2006
Fonte: BCB

Balança Comercial
Série história de nossa balança comercial com base na média/ano foi como segue: 85/89 (superávit de US$ 13,5 bilhões = 4,57% do PIB); 90/94 (superávit de US$ 12,1 bilhões = 2,70% do PIB); 95/02 (déficit de US$ 1,1 bilhão = -0,16% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (superávit de US$ 35,1 bilhões = 5,23% do PIB).

Necessidade de Financiamento do Balanço de Pagamentos
Série histórica de nossa necessidade de financiamento de balanço de pagamentos com base na média/ano foi como segue: 85/89 (US$ 13,4 bilhões = 4,56% do PIB); 90/94 (US$ 17,4 bilhões = 3,89% do PIB); 95/02 (US$ 50,9 bilhões = 7,86% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (US$ 24,7 bilhões = 3,68% do PIB).

Investimentos Externos Líquidos (Diretos e Indiretos)
Série histórica dos investimentos externos líquidos (diretos e indiretos) com base na média/ano foi como segue: 85/89 (negativo de US$ 6,3 bilhões = -2,14% do PIB); 90/94 (positivo de US$ 7,0 bilhões = 1,57% do PIB); 95/02 (positivo de US$ 23,9 bilhões = 3,69% do PIB). De janeiro de 2003 até junho de 2006 (negativo de US$ 1,5 bilhão = -0,23% do PIB).

Arquivos oficiais do governo brasileiro estão disponíveis aos leitores.
Ricardo Bergamini
(48) 4009-2091
ricoberga@terra.com.br
rbfln@terra.com.br
http://paginas.terra.com.br/noticias/ricardobergamini

601) Fidel e o Mercosul

Reflexos da reuniao paralela...
A integracao virou isso:
Castro encerrou o ato ao ar livre onde havia um cenário com uma gigantesca bandeira onde se lia: "A integração é nossa bandeira antiimperialista".


Em visita à Argentina, Fidel diz que Mercosul "moverá o mundo"
Reuters, 22/07/2006 - 11h40

CÓRDOBA, Argentina (Reuters) - Em sua quarta visita à Argentina, o presidente cubano, Fidel Castro, atraiu milhares de pessoas num ato que reuniu militantes políticos e estudantes.

Fidel fez um de seus enormes discursos em um parque da cidade de Córdoba, aonde chegou na quinta-feira para participar de uma cúpula de presidentes do Mercosul e para assinar um acordo comercial com o bloco, que foi ampliado recentemente com a adesão da Venezuela.

Vestido com o uniforme militar verde oliva que é sua marca registrada, Fidel elogiou o novo perfil político do Mercosul, num momento em que os presidentes da região adotam um discurso de esquerda.

"Mercosul social, não se esqueçam destas palavras. O que significa e o que se pode fazer... Elas vão mover este continente, e ao mover este continente vão mover o mundo", declarou o líder da revolução cubana de 1959.

Às vésperas de completar 80 anos, quando são comuns rumores sobre seu estado de saúde, Castro demonstrou novamente sua capacidade oratória e falou sobre vários episódios dos tempos da Guerra Fria, tendo sempre os Estados Unidos como alvo.

Seu discurso encerrou um evento paralelo à cúpula do Mercosul, que reuniu os presidentes de Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e que marcou a entrada formal da Venezuela, governado pelo afilhado político de Fidel, Hugo Chávez.

Romina Varas, uma estudante de história de 22 anos, disse que "é a primeira vez que isso está acontecendo depois das ditaduras e dos governos neoliberais. É a primeira vez que é exigida uma independência real a partir da base, do povo".

Castro movimentou o evento em Córdoba desde que chegou à cidade em dois aviões, cercado por um grande número de assessores. "Ele é uma lenda viva e pode ser que não tenhamos outra oportunidade de vê-lo", disse Varas.

Castro encerrou o ato ao ar livre onde havia um cenário com uma gigantesca bandeira onde se lia: "A integração é nossa bandeira antiimperialista".

O presidente cubano disse que deu instruções para que a ilha compre cerca de 300 milhões de dólares em produtos de países do Mercosul.

Castro, que foi companheiro de armas do revolucionário Ernesto "Che" Guevara, nascido na Argentina e naturalizado cubano, já havia visitado a Argentina em 1959, em 1985, para uma cúpula sul-americana, e em 2003, para a posse do atual presidente Néstor Kirchner

600) SG do Itamaraty quer Brasil armado...

Do site Opinião e Notícia, 22 julho 2006:

Chefe do Itamaraty quer Brasil armado
22/07/2006

"Samuel Pinheiro Guimarães defende em livro a retomada de investimentos bélicos e talvez até a bomba atômica para o Brasil, já que critica a adesão do país ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear.

Pinheiro Guimarães é secretário-geral do Itamaraty e número dois na hierarquia do Ministério das Relações Exteriores. Ele afirma que os investimentos bélicos e a ampliação do poderio bélico seriam em prol do desenvolvimento do país.

Sempre tivemos um Ministro das Relações Exteriores. Hoje em dia temos três. Celso Amorim, nominalmene o ministro, Pinheiro Guimarães, que parece ser quem administra a casa, e Marco Aurélio Garcia, que é em quem Lula parece confiar. Pedindo desculpas por abandonar o nosso texto geralmente sóbrio, é "o samba do crioulo doido"."

Essa nota remete a matéria do jornal O Globo, neste link.

599) Cuba no Mercosul? E a clausula democratica?

Trechos de discursos do presidente Lula em Córdoba, na cúpula do Mercosul realizada nos dias 20 e 21 de julho de 2006:

LULA
"O Mercosul vai agora da Terra do Fogo (Argentina) ao Caribe (Venezuela) e confirma sua vocação natural para acolher novos parceiros da região e construir associações mais ambiciosas".

"Com compreensão, quero convencer o Evo Morales (presidente da Bolívia) e outros países a virem ao Mercosul, para ter todo mundo falando em Mercosul do México à Patagônia, e trazendo Cuba também. Essa oportunidade não depende de nossos inimigos, mas de estarmos juntos, de construirmos juntos. Não há nenhuma saída individual para os países da América".

Alguém se lembrou de que existe, entre os instrumentos adotados pelo Mercosul, uma "Declaração de San Luís" (1997) e um "Protocolo de Ushuaia" (1998), ambos tratando da plena vigência das instituições democráticas no Mercosul?

sexta-feira, 21 de julho de 2006

598) Uma estratégia alternativa de integracao (e seus efeitos praticos)...

Movimentos alternativos são, em geral, marginais, isto é, pouco importantes para as transformações que contam na vida das sociedades.
Na América Latina, eles proliferam, como nunca, e começam a receber o apoio de certos governos.
Suas causas, em geral, são irrealistas, como "um outro mundo possível", uma "outra integração", que nunca ninguém consegue explicar do que seriam feitos, como seriam construídos.
As capacidades propositivas desses movimentos são, assim, inversamente proporcionais a sua capacidade opositora, e negativa: contra isso e mais aquilo.
Quando eles conseguem o apoio de governos, a agenda se altera.
Retiro, da matéria abaixo, da conhecida agência alternativa que é simpática às causas dos anti-globalizadores, estes trechos, que podem indicar ações concretas que eventualmente serão adotadas por certos governos:

"A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco."

============================

MERCOSUL
Contracúpula dos movimentos sociais reúne 8 mil em Córdoba


Cúpula dos Povos ocorreu como um evento paralelo ao encontro de chefes de Estado do Mercosul, em Córdoba, Argentina. Como eixo central, movimentos deixaram de se colocar como mera resistência ao neoliberalismo e aprofundaram debate sobre integração.

Sebastián Valdomir - Carta Maior

Córdoba – Paralelamente à Cúpula dos Estados membros do Mercosul, que começou nesta quinta (21) e prossegue até sexta em Córdoba, Argentina, movimentos sociais do Cone Sul, articulados na organização hemisférica Aliança Social Continental, promoveram mais uma edição da Cúpula dos Povos, evento que já se tornou tradicional como contraface dos encontros oficiais, e que se articulou em 2000 como força de resistência à tentativa de criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).

Desta vez menos centrada na oposição a projetos pontuais do Mercosul e mais preocupada em debater aspectos da integração regional, a Cúpula dos Povos pela Soberania e a Integração Sul-americana centrou os debates em quatro frentes: luta pela terra, onde confluíram os movimentos ligados à Via Campesina e às organizações indígenas - que devem criar um Movimento Nacional Indígena e Campesino na Argentina -, e um fórum sobre água, convocado por organizações da Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil e Canadá articuladas na Rede Vida, e frentes menores sobre povos originários, saúde e gênero.

Como resultado principal deste evento, que se segue às outras edições da Cúpula dos Povos em Santiago de Chile (1989), Quebec (2001) e Mar del Plata (2005), realizadas paralelamente aos encontros presidenciais da OEA, os organizadores acreditam que começou a se conformar uma articulação regional concreta que está se convertendo em metodologia de trabalho para os principais movimentos sociais, como resultado dos êxitos da Campanha Continental contra a Alca e a interferência do neoliberalismo estadunidense na região.

Terra e água
As atividades realizadas em Córdoba mostraram que as duas frentes de luta que mais avançaram no duplo esforço de resistir e propor alternativas são o movimento campesino e aqueles que trabalham o tema da água, contra sua privatização e por novos modelos de gestão e administração social participativa.

Um dos propulsores da organização do Cúpula dos Povos, os camponeses argentinos tiveram papel protagonista também nos debates. Similar ao Brasil, o modelo produtivo rural argentino se caracteriza por ter mais de 80% dos produtores na agricultura familiar, que ocupa somente 13% das terras cultiváveis. 4% da atividade agropecuária concentram 65% da terra produtiva. Para a Cúpula dos Povos, chegaram mais de 400 integrantes destes movimentos, que realizaram cursos de formação para jovens e mulheres, uma estratégia clássida da Via Campesina e dos movimentos que lutam pela terra no Brasil.

Como a coordenação da Via Campesina facilita a consolidação organizativa e política dos movimentos, no Cone Sul a campanha de resistência regional ao modelo do agronegócio cresceu muito nos últimos meses, transformando este tipo de encontro em momentos para denunciar massivamente seus efeitos. Assim como disse um jovem do MOCASE, para eles quase não há diferença entre Santiago del Estero e o Iraque, já que as máquinas demolidoras que derrubam suas casas para expulsá-los das terras ocupadas – algo muito comum nesta província, além das milícias armadas dos latifundiários – têm os mesmos “pés de ferro” que os blindados e tanques do deserto.

Outra articulação presente à Cúpula foi a contrária à privatização da água, que pretende excluir o recurso dos acordos comerciais, incluindo as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Desde o Fórum Alternativo da Água realizado em paralelo ao IV Fórum Mundial da Água no Méximo, em março deste ano, os movimentos exigem no âmbito do Mercosul que os “governos da Argentina, Brasil e Paraguai subscrevam a declaração da água apresentada no Fórum do México, assinada pela Bolívia, Cuba, venezuela e Uruguai”, onde se estabelece a condição da água como um direito humano, que deve estar fora de qualquer tipo de negociações comerciais.

As redes presentes à Cúpula dos Povos foram a Coordenadora em Defesa da Água de Cochabamba, a Comissão da Água do Uruguai, as Assembléias Provinciais de Santa Fé e de Córdoba contra as privatizações, e o grupo de trabalho sobre água da Rede Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip).

Os movimentos que trabalham com o tema da água também estão passando da resistência às privatizações, onde obtiveram muitas vitórias em alguns países, à elaboração de alternativas para assegurar a gestão do recurso na esfera pública, com participação social dos trabalhadores e dos consumidores.

De Mar del Plata a Santa Cruz
A marcha de encerramento realizada quinta-feira (20) transcorreu com normalidade. Houve a participação de mais de oito mil pessoas, o que politicamente foi bastante positivo para o evento. A Cúpula dos Povos em Córdoba ocorre num período importante - entre a Cúpula de Mar del Plata, onde se tentou ressuscitar a ALCA, e a Cúpula pela Integração dos Povos, agendada para dezembro na cidade boliviana de Santa Cruz de La Sierra.

Ali novamente os movimentos e organizações sociais que integram as redes regionais se encontrarão com a tarefa de aprofundar o debate sobre alternativas aos processos de integração que hoje estão em curso, e enfrentam alguns problemas, como a Comunidade Andina de Nações (CAN) e o Mercosul.

O ingresso da Venezuela no Mercosul traz novas possibilidades para o bloco, mas ainda assim os movimentos sociais defendem que muitos de seus aspectos sejam alterados. Em geral, dizem eles, ainda não há diferenças entre o Mercosul da década de 90, em pleno auge neoliberal, e o Mercosul do século XXI.

A Declaração final da Cúpula dos Povos sugere pontos em que o atual Mercosul deveria ser modificado: "a não ratificação - e conseqüente anulação - do Tratado de Livre Comércio com Israel", "a anulação dos tratados de proteção de investimentos que os Estados renovam periodicamente", a abolição do tribunal de solução de controvérsias do Banco Mundial - Ciadi -, onde as empresas transnacionais acionam os Estados e obtém ressarcimentos logo que são expulsas de países, e finalmente que se reverta a situação de pobreza e exclusão em que vivem milhões de pessoas nos países do bloco.

Outra questão importante para os movimentos sociais refere-se à participação. Uma delegação da Cúpula dos Povos fora convidada oficialmente a assistir a seção de ministros e da sociedade civil, no prédio oficial da Cúpula, quando iria entregar a declaração final. Mas, ao chegar ao prédio onde ocorria o evento, não foi permitida a sua entrada, sob argumento de que os integrantes da delegação não portavam credenciais formais. O convite havia sido assinado pelo embaixador Eduardo Sigal, subsecretário de Integração da Argentina e por Hugo Varsky, representante especial par a Integração e a Participação Social, dentro da presidência temporária da Argentina no Mercosul.

Segundo integrantes da delegação consultados pela Carta Maior, membros de delegações governamentais de outros países intervieram em prol da entrada dos representantes da Cúpula dos Povos, mas sem assim foi possível.

De qualquer maneira, é opinião geral dos participantes da Cúpula dos Povos de que o balanço é positivo e de que o encontro foi um fato político importante. A vigilância dos movimentos e organizações sociais sobre os processos de integração regional já está "nas ruas", o mesmo lugar onde teve de ficar a delegação que tentou integrar o documento.