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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

1714) Autoritarios nunca desistem, inimigos da liberdade tampouco

Incrivel como em plena vigência do regime democrático no Brasil, inimigos da liberdade pretendam submeter o país a regime similar ao que vigora em ditaduras ditas socialistas.

Nova investida contra a democracia
Editorial O Estado de S.Paulo, Terça-Feira, 19 de Janeiro de 2010

Vem aí mais um ataque à liberdade de informação e de opinião, preparado não por skinheads ou outros grupos de arruaceiros, mas por bandos igualmente antidemocráticos, patrocinados e coordenados pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A 2ª Conferência Nacional de Cultura, programada para março, foi concebida como parte de um amplo esforço de liquidação do Estado de Direito e de instalação, no Brasil, de um regime autoritário. O controle dos meios de comunicação, da produção artística e da investigação científica e tecnológica é parte essencial desse projeto e também consta do Programa Nacional de Direitos Humanos, outra desastrosa proposta do governo petista. O texto-base da conferência poderia figurar num museu de teratologia política, como exemplo do alcance da estupidez humana. Antes de enviá-lo para lá, no entanto, será preciso evitar a sua conversão em roteiro oficial de uma política de comunicação, ciência e cultura.

A palavra cultura, naquele texto, é usada com tanta propriedade quanto o verbo "libertar" na frase famosa "o trabalho liberta", instalada sobre o portão de Auschwitz. "O monopólio dos meios de comunicação", segundo o documento, "representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos." É verdade, mas não existe esse monopólio no Brasil nem nas verdadeiras democracias. Um regime desse tipo existe em Cuba, como existiu noutras sociedades submetidas a regimes totalitários, sem espaço para a informação, a opinião e o confronto livre de ideias. Muitos dos companheiros do presidente Lula, entre eles alguns de seus ministros, nunca desistiram da implantação de algo semelhante no País. Segundo Lula, sua carreira política teria sido impossível sem a liberdade de imprensa, mas hoje essa liberdade é um empecilho a seus projetos de poder.

O documento defende "maior controle social" sobre a gestão de rádios e TVs públicas. Mas "controle social", em regimes sem liberdade de informação e de opinião, significa na prática o controle total exercido pelo pequeno grupo instalado no poder. Nenhum regime autoritário funcionou de outra forma. Também a palavra "social", nesse caso, tem um significado muito diferente de seu valor de face.

É preciso igualmente controlar a tecnologia: este princípio foi adotado desde o começo do governo Lula. Sua aplicação só não liquidou a Embrapa, um centro de tecnologia respeitado em todo o mundo, porque a maioria da comunidade científica reagiu. A imprensa teve papel essencial nessa defesa da melhor tradição de pesquisa. Isso a companheirada não perdoa. No caso do presidente Lula, o desagrado em relação à imprensa é reforçado por uma espécie de alergia: ele tem azia quando lê jornais.

Mas o objetivo não é apenas controlar a pesquisa. É também submetê-la a certos "modelos". "No Brasil, aprendemos pouco com as culturas indígenas; ao contrário, o País ainda está preso ao modelo colonial, extrativista, perdulário e sem compromisso com a preservação dos recursos naturais", segundo o documento.

Cultura extrativista, ao contrário do imaginado pelo companheiro-redator desse amontoado de bobagens, era, sim, a cultura indígena. O agronegócio brasileiro, modernizado, eficiente e competitivo, não tem nada de colonial, nem na sua organização predominante nem na sua tecnologia, em grande parte fornecida pela pesquisa nacional de mais alta qualidade. Ou talvez o autor daquela catadupa de besteiras considere colonial a produção de automóveis, tratores, equipamentos industriais e aviões. Não deixa de ter razão. Os índios não fabricavam nenhum desses produtos, mas indígenas das novas gerações não parecem desprezar essas tecnologias.

Segundo a secretária de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, Silvana Lumachi Meireles, nenhuma proposta contida no documento pode gerar polêmica. Todos os itens, argumentou, foram referendados em conferências regionais. Mas conferências desse tipo não têm o poder de transformar tolices em ideias inteligentes nem propostas autoritárias em projetos democráticos. O governo insistirá, a imprensa continuará resistindo. A oposição poderia ajudar a conter esse projeto insano, se deixasse o comodismo e mostrasse mais disposição para defender a democracia do que mostrou diante do ameaçador decreto dos direitos humanos.

1713) Falacias Academicas: 13, so far...

Comecei, no segundo semestre de 2008, uma série de trabalhos sobre as "falácias acadêmicas" mais comuns, ou seja, aqueles equívocos mais frequentemente presentes em trabalhos típicos de universitários e soi-disant intelectuais, no Brasil e em geral.
A lista é enorme, e eu suspeito que isso vai levar muito tempo para completar.
Como interrompi temporariamente a série, para terminar outros trabalhos, permito-me listar abaixo, em ordem inversa, as "falácias" já publicadas.

2047. “Falácias acadêmicas, 13: o mito do socialismo de mercado na China”, Brasília, 17 setembro 2009, 12 p.; revisão: Paris, 4 outubro 2009. Continuidade do exercício serial, com abordagem sintética da experiência chinesa em matéria de transição renovada ao capitalismo. Postado no site, link: http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/2047Falacia13SocMercadoChina.pdf. Espaço Acadêmico (ano 9, n. 101, outubro 2009; ISSN 1519-6186 (on-line); p. 41-50; link: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8295/4691). Relação de Publicados n. 926.

2040. “Falácias acadêmicas, 12: o mito da exploração capitalista”, Brasília, 26 agosto 2009, 11 p. Continuidade do exercício serial, contestando o caráter nocivo da exploração, tanto do homem pelo homem, quanto das sociedades pobres pelas ricas. Espaço Acadêmico (ano 9, n. 100, setembro 2009, ISSN: 1519-6186; p. 142-150; link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/8068/4581). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 30, setembro de 2009; link: http://www.espacodasophia.com.br/publicacoes/doc_view/21-falacias-academicas-12-o-mito-da-exploracao-capitalista?tmpl=component&format=raw). Relação de Publicados n. 916.

2029. “Falácias acadêmicas, 11: o mito da transição do capitalismo ao socialismo”, Brasília, 26 julho 2009, 20 p. Continuidade do exercício serial, com partes do trabalho 158. “A Transição do Socialismo ao Capitalismo” (Genebra, 27.03.1988. Estudo sobre o processo de transição do socialismo ao capitalismo, com base nas experiências chinesa e soviética, usado na redação de “Retorno ao Futuro”). Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 99, agosto 2009, p. 76-90; ISSN: 1519-6186; pdf: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/7792/4456). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 29, agosto 2009, p. 1-20; ISSN: 1981-318X; link: http://www.espacodasophia.com.br/publicacoes/doc_view/82-falacias-academicas-11-o-mito-da-transicao-do-capitalismo-ao-socialismo?tmpl=component&format=raw). Relação de Publicados n. 916.

2019. “Falácias acadêmicas, 10: mitos sobre o sistema monetário internacional”, Brasília, 23 junho 2009, 9 p. Décimo artigo da série especial, sobre a fragilidade das recomendações pretensamente keynesianas a partir da crise econômica internacional. Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 98, julho 2009, p. 15-21; link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/7445/4364). Revista Espaço da Sophia (ano 3, n. 28, julho 2009; link: http://www.espacodasophia.com.br/publicacoes/doc_view/93-falacias-academicas-10-mitos-sobre-o-sistema-monetario-internacional?tmpl=component&format=raw). Relação de Publicados n. 905.

2009. “Falácias acadêmicas, 9: o mito do socialismo do século 21”, Brasília, 24 maio 2009, 17 p. Nono artigo da série especial, desta vez sobre as loucuras econômicas de certos conselheiros do príncipe. Espaço Acadêmico (vol. 9, n. 97, junho 2009, p. 12-24; http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/7184/4136). Espaço da Sophia (ano 3, n. 27, junho 2009; link: http://www.espacodasophia.com.br/publicacoes/doc_view/104-falacias-academicas-9-o-mito-do-socialismo-do-seculo-21?tmpl=component&format=raw). Relação de Publicados n. 902.

2002. “Falácias acadêmicas, 8: os mitos da utopia marxista”, Brasília, 3 maio 2009, 15 p. Continuidade da série proposta, enfocando os principais equívocos do pensamento marxista nos campos do materialismo histórico e da análise econômica. Publicado na revista Espaço Acadêmico (ano 9, n. 96, maio 2009; link: http://www.espacoacademico.com.br/096/96esp_pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/096/96pra.pdf). Relação de Publicados n. 899.

1990. “Falácias acadêmicas, 7: os mitos em torno do movimento militar de 1964”, Brasília-Rio de Janeiro, 20 março 2009, 23 p. Continuidade do exercício, tocando no maniqueísmo construído em torno do golpe ou da revolução de 1964, condenando a historiografia simplista que converteu-se em referencia nos manuais didáticos e paradidáticos. Espaço Acadêmico (ano 9, n. 95, abril 2009; link: http://www.espacoacademico.com.br/095/95pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/095/95pra.pdf). Dividido em quatro partes e publicado sucessivamente em Via Política: Os mitos em torno do movimento militar de 1964 (1): Uma historiografia enviesada (12.04.2009; link 1: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=93); (2) Mitos do Governo Goulart (19.04.2009; link 2: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=94); (3) Análise das alegadas ‘reformas de base’ (26.04.2009; link 3: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=95); (4) Balanço econômico do Governo Goulart (03.05.2009; link 4: http://www.viapolitica.com.br/diplomatizando_view.php?id_diplomatizando=96). Reproduzido na Revista Acadêmica Espaço da Sophia (ano 3, n. 26, maio 2009; link: http://www.espacodasophia.com.br/publicacoes/doc_view/115-falacias-academicas-7-os-mitos-em-torno-do-movimento-militar-de-1964?tmpl=component&format=raw). Relação de Publicados n. 898.

1986. “Falácias acadêmicas, 6: o mito da Revolução Cubana”. Brasília, 1 de março de 2009, 17 p. Continuidade do exercício, tocando nos problemas do socialismo em Cuba. Publicado em Espaço Acadêmico (ano 8, n. 94, março 2009; link: http://www.espacoacademico.com.br/094/94esp_pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/094/94esp_pra.pdf). Reproduzido, sob o titulo de “Os Mitos da Revolução Cubana”, na revista Acadêmica Espaço da Sophia (Tomazina, PR; ISSN: 1981-318X, Ano 3, n. 25, p. 1-17, março de 2009 (edição eletrônica); link: http://www.espacodasophia.com.br/publicacoes/doc_view/125-os-mitos-da-revolucao-cubana?tmpl=component&format=raw). Relação de Publicados n. 894.

1976. “Falácias acadêmicas, 5: O mito do complô dos países ricos contra o desenvolvimento dos países pobres”, Brasília, 20 janeiro 2009, 11 p. Continuação da série, tratando desta vez das teses do economista Ha-Joon Chang. Publicado em Espaço Acadêmico (ano 8, n. 93, fevereiro 2009; link: http://www.espacoacademico.com.br/093/93pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/093/93pra.pdf). Reproduzido, sob o título de “Sobre o complô dos ricos contra os pobres”, no site Dom Total (16.04.2009; link: http://www.domtotal.com/colunistas/detalhes.php?artId=598). Relação de Publicados n. 891.

1952. “Falácias acadêmicas, 4: o mito do Estado corretor dos desequilíbrios de Mercado”, Brasília, 15 novembro 2008, 12 p. Da série programada, com críticas a economistas keynesianos. Espaço Acadêmico (ano VIII, nr. 91, dezembro 2008, link: http://www.espacoacademico.com.br/091/91pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/091/91pra.pdf).

1931. “Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico”, Buenos Aires-Brasília, 30 setembro 2008, 6 p. Da série programada, com algumas criticas a filósofos famosos. Espaço Acadêmico (ano VIII, nr. 89. outubro 2008, link: http://www.espacoacademico.com.br/089/89pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/089/89pra.pdf). Relação de Publicados nº .

1922. “Falácias acadêmicas, 2: o mito do Consenso de Washington”, Brasília, 3 setembro 2008, 16 p. Considerações em torno dos equívocos conceituais, históricos e empíricos de setores acadêmicos com respeito ao CW. Espaço Acadêmico (n. 88, setembro 2008, link: http://www.espacoacademico.com.br/088/88pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/088/88pra.pdf). Republicado no blog Ordem Livre (24.03.2009; link: http://www.ordemlivre.org/?q=node/528). Relação de Publicados nº 857.

1912. “Falácias acadêmicas, 1: o mito do neoliberalismo”, Brasília, 26 julho 2008, 9 p. Considerações em torno de equívocos conceituais, históricos e empíricos de acadêmico selecionado para avaliação crítica. Espaço Acadêmico (n. 87, agosto 2008, link: http://www.espacoacademico.com.br/087/87pra.htm; arquivo em pdf: http://www.espacoacademico.com.br/_bd.pdf/87pra.pdf). Reproduzido em março de 2009 no site Ordem Livre (http://www.ordemlivre.org/?q=node/512), que passa a ter seção com meus artigos (http://www.ordemlivre.org/taxonomy/term/203).

1930. “Falácias acadêmicas: a série”, Buenos Aires, 29 setembro 2008, 1 p. Lista de 20 mitos a serem desenvolvidos como falácias ao longo das próximas semanas, dois dos quais já desenvolvidos, sob os números 1912 (neoliberalismo) e 1922 (Consenso de Washington). Em curso de desenvolvimento.

1712) Livro Maquiavel revisitado - lancamento virtual


A Editora Freitas Bastos e Paulo Roberto de Almeida convidam para o lançamento virtual do livro (editado em forma eletrônica):

O Moderno Príncipe (Maquiavel revisitado)
(Rio de Janeiro: Freitas Bastos, edição eletrônica, 2009, 191 p.; ISBN: 978-85-99960-99-8); R$ 12,00;

disponível online neste link.

O lançamento, virtual, sob a forma de chat com o autor, será feito no próximo sábado, 23 de janeiro, das 17 as 18hs,
no site do Editora: www.freitasbastosebooks.com.br

Mais informacoes sobre o livro neste link.

1711) Assim caminha o Mercosul...

...ou não...

MAIS DO MESMO
Rubens Antonio Barbosa
O Estado de São Paulo, 12.01.2010

Em seu “Breviário dos Políticos”, o Cardeal Mazarin ensina que, em uma comunidade de interesses, o perigo começa quando um dos membros se torna muito poderoso. É o que está acontecendo com o Mercosul.
A Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, discursando na reunião do Conselho de Presidentes, disse “é chegado o momento de discutir os desequilíbrios do Mercosul, simplesmente analisando os números de suas economias”. Pensando no Mercosul e no Brasil, mas referindo-se à União Européia, disse que “o grande peso da integração foi carregado pela Alemanha, não por que os alemães eram mais europeus do que os outros, mas por que o tamanho da sua economia e o peso do seu capital permitiram que as demais nações tivessem a possibilidade de incorporar infra-estrutura e desenvolver um potente comércio intra-zonal”.
A diplomacia da generosidade e a paciência estratégica não são suficientes. O Brasil está se tornando tão forte que, na visão argentina, tem a obrigação de carregar os parceiros mercosulinos, inclusive a Venezuela.
Sob uma perspectiva histórica, a 38ª. Reunião do Conselho do Mercosul, realizada em Montevidéu, no inicio de dezembro, poderá ser vista como o momento em que o Brasil passou a admitir a irrelevância do grupo sub-regional para seus interesses econômicos e comerciais, ao contrário do discurso oficial muito positivo do atual governo.
Repetindo a retórica vazia que tem caracterizado os pronunciamentos dos lideres políticos sobre o Mercosul, os presidentes (incluindo Hugo Chaves), em longa Declaração Conjunta, reafirmaram seus compromissos com os princípios do Tratado de Assunção, entendendo que o fortalecimento do Mercosul é o caminho para uma inserção internacional mais sólida e uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento das sociedades de seus países.
Na realidade, os resultados da reunião foram decepcionantes e apontam em outra direção. O governo brasileiro se encarregou de esvaziar a reunião com a ausência dos seus principais representantes. O Presidente Lula fez um pit stop de dez horas em Montevideu, pronunciou um discurso de dez minutos, não participou do almoco de despedida do Presidente Tabare Vasques do Uruguai e voltou correndo a Brasilia. Em ostensiva coordenação, os Ministros Guido Mantega, da Fazenda, e Henrique Meirelles, Presidente do Banco Central, não compareceram. O Ministro Celso Amorim tampouco se deu ao trabalho de viajar ao Uruguai, onde se fez representar pelo Secretário Geral do Itamaraty, Embaixador Antonio Patriota.
Os Presidentes da Argentina, Cristina Kirchner, e do Paraguai, Fernando Lugo, aproveitaram para cobrar do Brasil uma ação mais forte para a redução das assimetrias de modo a promover o crescimento dos parceiros. O Presidente da Venezuela utilizou, mais uma vez, o Mercosul como uma plataforma politica para criticar os EUA (“vão declarar guerra a toda a América do Sul”) e à Colômbia. O Secretário Geral do Itamaraty, jejuno nos assuntos do Mercosul, em mais um exemplo da distância entre a retórica oficial e a realidade, afirmou que o bloco terá um período mais promissor, dadas as boas perspectivas de crescimento do Brasil até 2014. O incremento do comércio regional, a partir de julho de 2009, reforçaria essas previsões otimistas. Em sua avaliação, esse novo cenário criaria uma janela de oportunidade para uma mais uma reflexão construtiva sobre o futuro do Mercosul e sobre as alterações institucionais que devem ser realizadas para enfrentar as novas circunstâncias do cenário internacional; o ambiente positivo favoreceria a integração produtiva e adequação das questões da dupla tributação da TEC e à necessidade de que o bloco "olhe para fora". Para tanto, exortou os países a examinarem suas posições na Rodada de Doha e a trabalharem conjuntamente em negociações com terceiros, especialmente na retomada das negociações com a UE por meio de uma necessária abordagem política. Adicionalmente, Patriota observou que o Parlamento do Mercosul será fortalecido com a contribuição do Brasil, que flexibilizou - isto é, cedeu mais uma vez - a posição no tema da proporcionalidade das representações nacionais. Finalmente, advogou a aprovação de concessões tarifárias ao Haiti em alguns produtos têxteis para apoio a sua estabilização econômica e política, proposta vetada pelo Paraguai.
As únicas medidas efetivas tomadas são protecionistas e contrárias ao livre comércio:
- adiamento da eliminação da lista de exceção da TEC, prevista para desaparecer em 2010 e que agora, por pressão argentina e aceitação resignada do Brasil, deverá ocorrer somente em 31/12/2011. Na realidade, já se pode imaginar que, quando chegar essa data, acabaremos aceitando nova postergação.
- aumento de tarifas, a pedido do Brasil, para fios e filamentos têxteis de 14 para 18%, e para 11 produtos lácteos (leite em pó e tipos de queijo) de 11 para 28%. A pedido da Argentina, para mochilas, malas e bolsas de 16 para 35%.
A Argentina propos a ampliação do uso da moeda local nas transações comerciais intra-regionais e a Venezuela saudou a constituição do Banco do Sul, medidas que encontram grandes dificuldades técnicas e politicas para serem implementadas.
Foi aprovado o aumento do orçamento do Fundo de Conversão Estrutural (FOCEM) para 2010 com maior contribuição do Brasil, apesar das dificuldades criadas pela Argentina para a aprovação do projeto da construção de linha de transmissão entre o Brasil e o Uruguai, em virtude da disputa sobre a construção da fábrica de celulose no Uruguai.
Para culminar essa comédia de equívocos, o Presidente Lula anunciou publicamente que o Senado brasileiro iria aprovar a adesão da Venezuela ao Mercosul naquele dia, o que só veio a ocorrer duas semanas mais tarde.

Rubens Barbosa, Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

1710) Os Brics (na pratica...)

Governo deve elevar hoje sobretaxa para calçados da China
Paula Nunes
Folha de S. Paulo, 19.01.2010

Medida tende a elevar preços; Abicalçados diz que tributação estancou prejuízos e freou demissões

Está marcada para hoje a audiência final que irá decidir se a sobretaxação provisória de US$ 12,47 para cada par de sapatos fabricado na China será mantida. Ela foi definida em setembro do ano passado e, de acordo com análise técnica de mais de 40 mil páginas produzida pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e comércio exterior), o valor da sobretaxação tende a subir para US$ 18,44.
Milton Cardoso, presidente da Abicalçados (Associação Brasileira da Indústria de Calçados), entidade que iniciou a ação, afirma que a tributação estancou as perdas do setor e brecou as demissões. Não detectamos nenhum efeito negativo com a medida.
Ivan Ramalho, ministro interino do MDIC, diz que o governo tem trabalhado para reduzir o prazo das investigações antidumping. Ramalho diz confiar que a taxação será mantida e que isso será uma vitória do setor calçadista no Brasil.
A sobretaxação é aplicada pela Camex (Câmara de comércio exterior) quando se verifica a prática de comércio desleal em determinado setor, como preços no mercado internacional menores que os praticados nos países fabricantes.

Consumo
O consumidor vai sentir no bolso a mudança. Tênis de alta performance, todos fabricados na China, tendem a encarecer ainda mais se a taxa for repassada ao cliente final. Já os sapatos nacionais também ficarão, em média, 3% mais caros a partir da próxima estação.

1709) Os Brics (na teoria...)

Brics estão longe da liderança, diz FT
Daniela Milanese
O Estado de S. Paulo, 19.01.2010

Jornal britânico vê diferença de interesses entre os países do grupo

Coloque uma onça, um urso, um tigre e um panda juntos e você poderá ter um bom espetáculo, mas não terá uma vida sossegada. Essa é a definição do Financial Times para a situação dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), na série especial preparada pelo jornal britânico sobre o grupo dos principais emergentes do mundo.

Na avaliação do FT, apesar do avanço econômico dos últimos anos, esses países ainda não estão prontos para liderar uma mudança do centro de poder global, principalmente em razão das fortes diferenças existentes entre eles. Uma década de crescimento rápido não é suficiente para os Brics pegarem o bastão da liderança econômica global dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, diz o FT. O grupo pode ter surpreendido o mundo com o seu progresso nos últimos dez anos, mas será preciso uma melhora qualitativa, assim como mais crescimento, para consolidar a mudança de poder, avalia a publicação.

Conforme o Goldman Sachs, que inventou o acrônimo, a China deve se tornar a maior economia mundial antes de 2030. Atualmente, o grupo já tem a maior fatia do comércio. O movimento é reconhecido pelos investidores: as ações dos Brics encerraram a década valendo mais que o dobro de 2005, diz o jornal. Há uma década, apenas um deles tinha grau de investimento, hoje todos têm. Há 12 anos, o calote da Rússia e a crise cambial brasileira balançavam o mundo, agora esses países acumulam vastas reservas.

O desempenho levanta questionamentos sobre uma mudança do centro de gravidade da economia e governança globais. É este o centro de rotação como aconteceu na Segunda Guerra Mundial, quando os confiantes e inovadores Estados Unidos colocaram de lado as fracas e endividadas economias da Europa e refizeram a arquitetura financeira global?, questiona o FT. A resposta mais provável é: ainda não. Para o jornal, o grupo é tão desigual que qualquer generalização é problemática. Assim como uma boy band, os países podem ter sido escolhidos mais por suas diferenças do que similaridades, compara o FT.

A China, membro dominante do grupo, ainda está baseada em um modelo econômico dependente da demanda externa. A Índia é conhecida pelo setor de software e serviços para negócios. O Brasil, apesar de alguns fabricantes bem-sucedidos, permanece como um dos exportadores de produtos agrícolas mais eficientes. E a Rússia, após algumas tentativas de diversificação, continua essencialmente vendendo apenas petróleo e gás.

A falta de interesses comuns também impede uma política conjunta, apesar das reuniões dos Brics a partir de 2008, na tentativa de fechar posição sobre questões econômicas. Temas como política cambial, modelo econômico e comércio mostram divergências. Um exemplo é o câmbio desvalorizado na China, que contraria os interesses do Brasil. (Os Brics) devem reconhecer que, conforme ficam mais ricos e mais poderosos, se amontoar na bandeira de solidariedade de países em desenvolvimento não ajudará nem a eles nem à economia mundial, afirma o editorial do FT, que também trata do tema.

1708) Desarmamento nuclear (para quem acredita...)

O desarmamento nuclear
José Goldemberg
Opinião O Estado de São Paulo, Segunda-Feira, 18 de Janeiro de 2010

Em 6 de agosto de 1945 um único avião lançou sobre Hiroshima, no Japão, uma bomba atômica que provocou a destruição que mil aviões de bombardeio com 50 toneladas de explosivos (e bombas incendiárias) causariam, matando cerca de 140 mil pessoas (civis, e não combatentes). Três dias depois outra bomba arrasou Nagasaki.

Os Estados Unidos, na época, acreditavam que conseguiriam manter o monopólio da posse de armas atômicas por muitos anos, o que não ocorreu. Apenas três anos depois, em 1948, a União Soviética produziu bombas com poder explosivo maior do que a bomba de Hiroshima, o que foi também conseguido logo após pela Inglaterra, pela França e, depois, pela China.

A corrida armamentista nuclear que se seguiu foi baseada na teoria da "destruição mútua", em que cada uma das potências nucleares (principalmente Estados Unidos e União Soviética) garantia sua segurança ameaçando seus adversários de destruição, caso fosse atacada com essas armas. Segundo alguns analistas, foi essa política de "deterrência" que impediu que a guerra fria se transformasse numa guerra nuclear, que provavelmente destruiria a civilização moderna como a conhecemos. Só para dar uma ideia de quão real seria essa possibilidade, mais de mil testes nucleares foram feitos antes que fossem proibidos por tratado internacional, uma vez que estavam "envenenando" a atmosfera com substâncias radioativas.

O horror causado pela destruição de Hiroshima e Nagasaki, no entretanto, deu início a um amplo movimento para a eliminação das armas nucleares. Antes disso, os próprios cientistas que as construíram haviam proposto ao governo dos Estados Unidos que não fossem utilizadas. Essas propostas não só foram ignoradas, mas ridicularizadas como provenientes de pacifistas ingênuos que não entendiam a realidade dos confrontos internacionais.

Decorrido mais de meio século, eis que surge nos Estados Unidos uma nova proposta de eliminação das armas nucleares, desta vez feita não por pacifistas, mas por experimentados "guerreiros" da guerra fria, como Henry Kissinger, ex-secretário de Estado, e William Perry, ex-secretário de Defesa, além de outros.

O que Kissinger e outros estão propondo agora é o que o Brasil e a Argentina fizeram em 1992, e que é frequentemente citado como um bom exemplo de como resolver o problema da competição nuclear: os dois países abandonaram programas de desenvolver armas nucleares porque decidiram que poderiam garantir melhor sua segurança com vizinhos que não possuíssem essas armas.

A motivação da proposta de Kissinger, considerado um "realista", é a seguinte: do ponto de vista técnico, é impossível impedir a proliferação das armas nucleares e eventualmente elas cairão nas mãos de países com governos problemáticos e até de terroristas, que não hesitarão em usá-las. Durante a guerra fria, os grandes adversários, Estados Unidos e União Soviética, possuíam estoques de mais de 50 mil bombas nucleares, muito mais poderosas do que a que destruiu Hiroshima, mas o papel delas era convencer o adversário de que não deveria usá-las, ou seja, elas eram, na realidade, "armas de dissuasão", que, efetivamente, nunca foram usadas. A "dissuasão", contudo, não se aplica a grupos terroristas, que não têm nada a perder, uma vez que não representam nações, cujos governantes hesitariam em usar armas nucleares sabendo que suas cidades seriam arrasadas em retaliação.

As grandes potências ? Estados Unidos, União Soviética (hoje Rússia), Inglaterra, França e China ? tentaram em 1968 evitar a proliferação nuclear a outros países, por meio do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP). Uma das premissas básicas desse tratado era a de que os "países não-nucleares" (na época) não desenvolveriam armas nucleares em troca do direito de desenvolverem energia nuclear para fins pacíficos, para o que poderiam contar com a ajuda tecnológica dos países nucleares (artigo IV).

Os que desenvolvessem armas não teriam essa ajuda e a Agência Internacional de Energia Atômica foi encarregada da fiscalização, para que isso não ocorresse. O recente acordo dos Estados Unidos com a Índia, promovido pelo governo Bush, desmoralizou essa premissa. A Índia desenvolveu armas nucleares e está recebendo ampla ajuda nessa área. É evidente que os outros países, como o Paquistão, estão reivindicando igual tratamento e até o Irã tem utilizado o artigo IV do TNP para justificar seus esforços para desenvolver um projeto de enriquecimento de urânio em grande escala. Como compensação, os "países não-nucleares" signatários do TNP receberam ? ao abrirem mão do desenvolvimento de armas nucleares ? a promessa de que os países que possuíam tais armas iniciariam "logo" negociações "em boa-fé" para cessar a corrida atômica e promover o desarmamento nuclear (artigo VI). Essa promessa nunca foi cumprida.

Esperar, portanto, que o TNP impeça completamente a proliferação de armas nucleares a outras nações não é uma opção muito realista. Uma solução mais pragmática seria eliminar as armas nucleares, proibir seu uso e reduzir, assim, os estímulos para obtê-las. Essa, em poucas palavras, é a proposta de Kissinger e seus colegas.

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em sua campanha eleitoral prometeu eliminar armas nucleares a "médio prazo", bem como reduzir a "curto prazo" ? conjuntamente com a Rússia ? os amplos estoques de armas nucleares, que são hoje mais de 5 mil em cada um desses países.

A nova política nuclear dos Estados Unidos deverá ser anunciada brevemente e veremos então se o "novo realismo nuclear" é de fato para valer ou uma figura retórica.

José Goldemberg é professor da Universidade de São Paulo

1707) Por que o mundo é como é (e como ele poderia ser melhor...)

Volta ao mundo em 25 ensaios: 1. Por que o mundo é como é (e como ele poderia ser melhor...)
Paulo Roberto de Almeida
Ordem Livre, 18.01.2010

Imaginemos um viajante estratosférico, vindo para a Terra em sua espaçonave, procurando compreender o que vê, em aproximações sucessivas. Primeiro visualizaria aquele planeta azul de que falam os astronautas, depois veria enormes manchas cinzas ou verdes, segundo os oceanos focalizados, manchas interrompidas aqui e ali por grandes ou pequenas massas de cores distintas, correspondendo às regiões dos cinco ou seis continentes entrevistos do espaço: verde para as densas florestas tropicais, o amarelo ou ocre dos espaços desérticos, as tonalidades mais claras das regiões temperadas e o branco dos pólos. Depois, teria a grande variedade de cores exibida pelas implantações agrícolas e construções urbanas das distintas sociedades humanas.

Chegando mais perto, ele veria que algumas dessas explorações rurais exibem um quadriculado perfeito, correspondendo ao que chamamos de agronegócio, enquanto outras estão dispersas em vastas zonas de ocupações irregulares, com muita destruição dos recursos naturais em volta e alguma degradação ambiental: são as unidades de exploração familiar, de subsistência e de baixa produtividade, geralmente nas regiões tropicais. Quanto às zonas urbanas, nosso viajante extraterrestre teria todos os tipos de paisagens: enormes cidades modernas, repletas de grandes edifícios modernos, cortadas por vias expressas; pequenas cidades do interior, de arquitetura mais tradicional; e uma variedade de grandes ou pequenas cidades com todos os tipos de habitações: condomínios de luxo, mansões espetaculares, mas também favelas urbanas e ajuntamentos periféricos, revelando a imensa desigualdade da condição humana nas sociedades que se distribuem por todas essas regiões e continentes.

Planando, agora, a baixa altura sobre essas cidades, nosso visitante exterior teria todas as combinações possíveis à sua disposição: pessoas de alta renda se deslocando em carros de luxo ou em helicópteros pessoais, cidadãos de classe média fazendo compras em shoppings multicoloridos pelos neons atrativos, trabalhadores especializados concentrados em fábricas ou escritórios, empregados informais em situação de exploração abjeta em negócios não registrados, capitalistas do campo aqui, agricultores miseráveis e trabalhadores volantes ali, em regiões de agricultura primitiva e de baixa produtividade. Nas ruas e semáforos, ele se depararia com carros fechados, passantes apressados, vendedores de ocasião e uma quantidade variável de pedintes andrajosos, dependendo do país ou região que estivesse sobrevoando. Nas zonas tropicais os contrastes seriam certamente mais fortes do que nas temperadas, embora as migrações humanas, legais e clandestinas, venham colorindo todo o planeta de todas as gradações possíveis no imenso leque de riquezas e misérias humanas.
(...)

Leiam o texto completo neste link.

Relação de originais n. 2071 e relação de publicados n. 947.
Outros textos do autor no Ordem Livre, neste link.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

1706) Haiti e ajuda humanitaria (4)

O Haiti não precisa de circo
Coluna do Augusto Nunes
16 de janeiro de 2010

Assim que o perigo passou, Nelson Jobim apareceu na zona conflagrada pronto para o que desse e viesse. Em caso de tsunami, baixaria numa praia do Haiti com a farda de almirante que ganhou na Rússia. Em caso de invasão espacial, sobrevoaria o Caribe com o traje de gala de brigadeiro francês. Como se tratava de um caso de terremoto, o ministro da Defesa incorporou o general Jobim e irrompeu em Porto Príncipe enfiado num uniforme de campanha.

A missão foi cumprida em três dias. No primeiro, o destemido forasteiro recomendou aos sobreviventes que hospitalizassem os feridos e enterrassem os mortos. No segundo, determinou aos militares brasileiros em ação na cidade sem água nem mantimentos que dessem de beber a quem tem sede e de comer a quem tem fome. No terceiro, descobriu que o governo brasileiro sofrera uma perda muito mais dolorosa que as provocadas pelo terremoto.

Jobim manteve a placidez de quem prepara um chimarrão no fim da tarde ao comentar a morte em combate da doce guerreira Zilda Arns, do diplomata Luiz Carlos da Costa e dos 14 jovens heróis engajados na força de paz da ONU. Isso acontece, sugeriu o sorriso de aeromoça. O que lhe pareceu insuportável foi a perda do controle do aeroporto da capital. “Não podemos admitir o comando unilateral dos Estados Unidos”, avisou ao saber que militares americanos, ao toparem com o aeroporto em colapso e sem comando efetivo, haviam assumido as rédeas e normalizado o tráfego dos aviões sem pedirem licença ao Brasil.

Irritado com a insolência, Jobim perdeu a paciência de vez com a notícia de que cargueiros da FAB haviam sido impedidos de pousar na capital haitiana por controladores de voo ianques, que lhes recomendaram aterrissar em pistas menos inseguras. “Tudo isso pode ser visto como algo natural” concedeu o chanceler Celso Amorim, “mas é importante ter a clareza de que nós estamos sendo tratados com a prioridade adequada”. Agora nas montanhas de escombros, o Itamaraty continua a procurar o atalho que leva à vaga no Conselho de Segurança da ONU.

O espetáculo do oportunismo rastaquera foi engrossado na sexta-feira pela embaixadora do Brasil na ONU, Maria Luísa Viotti. “Estou em busca de informações sobre o caráter da presença das tropas americanas em Porto Príncipe”, revelou a diplomata, fustigada pela suspeita de sempre: depois de ter arrendado a Colômbia, o império de Barack Obama talvez tente a anexação do Haiti. Aliviou-se com a descoberta de que a missão é humanitária, mas ainda não sossegou. No momento, quer saber da Casa Branca se existe o risco de “interferências na missão de paz comandada por militares brasileiros”.

Segundo a ONU, uma nação miserável foi devastada pela maior tragédia ocorrida desde a fundação da entidade há 60 anos. Mergulhado no pesadelo incomparável, desprovido de tudo, o Haiti precisa de muito pão, mas no momento não precisa de circo. A trupe do governo está liberada para envergonhar o Brasil em outras paragens.

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Nossa embaixatriz: notas sobre a atuação diplomática
Blog: Pesquisadores da Unicamp no Haiti
16 de Janeiro de 2010

Após conversar com nossos colegas do Viva Rio, diante da chegada de novos quadros desta organização em Porto Príncipe e em função de uma situação volátil, que muda a cada instante do que diz respeito ao acesso à água e comida, optamos por pedir abrigo à embaixada do Brasil. Diga-se de passagem, há dias amigos e parentes do Brasil insistem em que deveríamos recorrer à embaixada. Afinal, somos um grupo de brasileiros que viu seu trabalho no Haiti interrompido pela violência do terremoto, e estamos na expectativa do que fazer: ficamos e ajudamos? Podemos ajudar? Ou devemos partir para o Brasil em meio uma situação incerta e que se agrava todos os dias? E se decidimos partir, como partir? Seguindo a orientação de nossos colegas do Viva Rio, nos preparamos para seguir para a embaixada hoje pela manhã. Acordamos às 6 da manhã, após mais uma noite dormindo no jardim, e nos preparamos para esperar o veículo que viria nos buscar.

Ela irrompeu o portão do Viva Rio por volta das 8:30 da manhã e pediu que nos chamassem. Trazia um vestido curto algo entre o roxo e o verde, quase um furta cor, apresentava uma expressão rígida e abatida. Na certa estava tocada pelos últimos eventos. Os cabelos devidamente penteados pra trás, uma maquiagem excessiva e um colar de ouro ostensivo. Enquanto permanecíamos na sombra, ela se manteve no sol. Aos poucos, enquanto sua proeminente testa e suas bochechas se enchiam de suor, ela discorreu sobre grandes temas, aliando ciência, religião e política de maneira única. Em poucos minutos, a embaixatriz do Brasil no Haiti explicou por que um rabino, as placas tectônicas, seu marido, os mortos e o Brasil eram interdependentes.

Ela não nos perguntou nada. Não sabia quem éramos, ou o que fazíamos aqui. Quando soube que de um grupo da Unicamp se tratava, não titubeou: “A EMBAIXADA NÃO TEM NENHUM COMPROMISSO COM A UNICAMP. O EMBAIXADOR PROIBIU QUE FOSSEM HOSPEDADOS EM NOSSAS DEPENDÊNCIAS. ELE É O EMBAIXADOR, ELE MANDA; SE HOSPEDAMOS VOCÊS TEMOS QUE HOSPEDAR TODOS”.

E seguiu, com pérolas: “A EMBAIXADA NÃO VAI EVACUAR NINGUÉM PORQUE EU NÃO VOU SAIR DAQUI. VOCÊS DEVEM VOLTAR PARA O BRASIL COMO VIERAM. VOCÊS SABEM ONDE FICA O AEROPORTO, COMPREM PASSAGEM; VOCÊS SABEM ONDE FICA A RODOVIÁRIA, DE LÁ SAEM ÔNIBUS PARA A REPÚBLICA DOMINICANA”. E prosseguiu com a máxima: “NÃO TEMOS NENHUMA RESPONSABILIDADE SOBRE VOCÊS. VOCÊS ESTAVAM NO LUGAR ERRADO NA HORA ERRADA, SINTO MUITO”.

Poderíamos reproduzir detalhes de suas observações sobre a situação atual do Haiti ou sobre a política haitiana. Não o fazemos porque, com franqueza, sentimos vergonha alheia. Seu auto-centramento e sua falta de sensibilidade quanto aos impasses vividos pelos haitianos não fizeram nada além de nos constranger: ela pode ocupar a posição que ocupa?

Nos restringiremos àqueles elementos que nos afetam diretamente: pode uma embaixatriz simplesmente dizer “VOCÊS ESTÃO PROIBIDOS DE SE HOSPEDAR NA EMBAIXADA”? Ela não nos perguntou nada, não sabe da nossa situação, nada. Suponhamos que tivéssemos passagens de avião saindo de Porto Príncipe. Como chegar ao aeroporto? Não há transporte, não há combustível. Porto Príncipe é uma cidade grande e destruída. A “rodoviária”, na verdade, não existe, é a garagem da Caribe Tours, de onde saem os ônibus diários para Santo Domingo, e fica em Pétionville. Como chegar a Pétionville? Há lugares no ônibus? Os telefones estão colapsados. Pode o Brasil ter como representante neste país alguém que manifesta tamanho descaso por seus concidadãos abdicando das obrigações mínimas de uma embaixada em qualquer lugar do mundo? O que o Haiti pode esperar de embaixador e embaixatriz que atuam desta maneira? O que aconteceu conosco não tem a menor importância. Só é revelador do lugar que o Haiti parece realmente ocupar no universo de nossas relações internacionais.

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Devido ao fato de termos postado este texto hoje pela manha alguns minutos antes de viajarmos, pois nao tivemos acesso a internet ontem (dia 15/01), esquecemos de colocar nossas assinaturas. Assinam este texto:

Omar Ribeiro Thomaz, Otavio Calegari Jorge, Diego Bertazzoli, Werner Garbers, Joanna da Hora, Cris Bierrembach, Daniel Santos, Rodrigo C. Bulamah, Marcos Rosa

domingo, 17 de janeiro de 2010

1705) Haiti e ajuda humanitaria (3)

Rottweiler sem dentes
Clovis Rossi
Folha de S.Paulo, 17.01.2010

O Brasil mudou de complexo. Antes, abrigava n’alma o de vira-lata, segundo Nelson Rodrigues, o notável escafandrista da alma brasileira. Agora, na crise haitiana, mostra complexo de rottweiler.
Pena que não tenha dentes. Refiro-me à ciumeira de autoridades brasileiras em relação a rápida e decidida ação do governo norte-americano. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reage com pura masturbação diplomática, ao dizer que se trata de “assistencialismo unilateral”.
Qualquer pessoa que não tenha perdido o senso comum sabe que os haitianos não estão preocupados com a cor do assistencialismo, se unilateral, bilateral, multilateral. Querem que funcione.
No aeroporto da capital, está funcionando, conforme relato desta Folha: “Depois que os americanos assumiram o aeroporto, os voos aumentaram e também o envio de medicamentos e alimentos”.
É claro que precisa haver coordenação, como cobra o chanceler Celso Amorim, mas é bobagem resmungar sobre os Estados Unidos assumirem um papel mais relevante que o das forças da ONU. É brigar com os fatos da vida. Os EUA podem mais que qualquer outro país, o que é escandalosamente óbvio.
Ajuda-memória aos resmungões, extraída do texto de Sérgio Dávila: os EUA enviaram vários navios da Guarda Costeira com helicópteros, o porta-aviões Carl Vinson, com 19 helicópteros, 51 leitos hospitalares, três centros cirúrgicos e capacidade de tornar potáveis centenas de milhares de litros de água por dia.
Nos próximos dias, chegam mais dois navios com helicópteros e uma força-anfíbia com 2.200 fuzileiros e um navio-hospital.
O Brasil tem condições de chegar a um décimo disso? Não. Então que pare de rosnar e reforce o seu pessoal no Haiti, que fez e está fazendo notável trabalho, dentro de seus limites bem mais modestos.

Comentário:
CELSO AMORIM É SÓ UM HOMEM RIDÍCULO
Reinaldo Azevedo, 17/01/2010

Não é meu, não. É de Clóvis Rossi, da Folha. Quando se trata de avaliação política, não me lembro de ter concordado com Rossi antes. E ele e seus admiradores podem ficar tranqüilos: não pretendo macular a sua reputação junto a certo leitorado — e, eventualmente, eleitorado — elogiando-o. Em benefício de Rossi, farei de tudo para que isso não aconteça. E sei que alguns se esquecerão de ligar a tecla SAP para ler o texto.

Ocorre que há circunstâncias em que as pessoas que têm compromisso com os fatos — independentemente do lugar que ocupem no espectro ideológico ou das opiniões que tenham sobre isso ou aquilo — são obrigadas a constatar… os fatos!!!

A canalha esquerdopata se fingiu de chocada quando escrevi o texto “Haiti: palco e atoleiro”, em que acusei, de pronto, o assanhamento protagonista de Lula. Escrevi depois um outro texto afirmando que não será a tragédia a me impedir de pensar. Alguns pessoas até de boa fé e muitos bocós vieram me dar conselhos: “Pô, numa hora como essa, você diz essas coisas; os haitianos estão precisando…” Como se eu estivesse contra o auxílio àqueles pobres coitados, vítimas dos homens, vítimas da natureza…

Não! Eu sou favorável à ajuda, é evidente. Eu só percebi a mobilização assanhada para tentar desempenhar o papel de um grande líder — e nada posso fazer, a não ser relatar a vocês o que vejo, se fui mais rápido do que os outros; admito que tem acontecido com freqüência. Acontece que a tragédia era imensamente maior do que a jactância de Lula e Celso Amorim. Pedia a intervenção de alguém acostumado a se comportar como sede do Império (alguns acham ruim; eu, como sou imperialista, acho bom). Em questão de horas, os EUA tinham conseguido mobilizar recursos para nós inimagináveis porque intangíveis — não, melhor usar uma palavra mais forte: INEXISTENTES.

E Celso Amorim fez o quê? Começou a rosnar. Ficou à beira de gritar: “Abaixo o imperialismo” quando os EUA resolveram botar ordem no caos do espaço aéreo, uma precondição para se tentar fazer alguma coisa no espaço terrestre, onde o inferno persiste. E passou a bater os pezinhos de anão enciumado (refiro-me à sua estatura interna, não à externa, como sempre). A inenarrável tragédia haitiana abria uma janela de oportunidades para o nosso… protagonismo!!! Ou melhor: “deles”. Abro uma janela para falar nos soldados brasileiros e retorno ao ponto.

Os soldados brasileiros
Não! Isso nada tem a ver com o duro trabalho, certamente heróico, dos nossos soldados naquele país. Muitos perderam a vida. Mesmo antes do terremoto, faziam um trabalho meritório, embora lutassem, NÃO POR VONTADE DAS FORÇAS ARMADAS, a guerra errada. Já estavam lá por causa desse complexo de rottweiler desdentado, enviados pelo governo Lula. Nelson Jobim diz agora que o Brasil deve ficar mais cinco anos por lá… Ele está chutando. Se não sabia, no caos relativo, quanto tempo permaneceríamos nos comportando como polícia em Cité Soleil, como vai saber agora, no caos absoluto? Ele fala o que lhe dá na telha.

A ONU, para não variar, largou o Haiti ao Deus-dará. E o Brasil ficou pendurado na brocha. Nos quase seis anos de intervenção, quase nada havia mudado por lá. O país continuava praticamente sem instituições. As tropas da ONU, lideradas pelos soldados brasileiros, já se viam obrigadas a intervir, militarmente mesmo, em confrontos armados entre gangues. Antes desse terremoto, houve outros, só que políticos. A pá de cal no país foi jogada por um ex-padre esquerdista, doidivanas e, tudo indica, ladrão também chamado Jean-Bertrand Aristide, que governou o país, pela última vez, entre 2001 e 2004. A grande idéia deste cretino para evitar a instabilidade militar foi extinguir as Forças Armadas… Sabem o que isso significava e significa? Que as forças da ONU haviam assumido esse papel. Cinco anos? Jobim não tem noção do que está falando. Agora, Aristide diz estar pronto para deixar seu conforto na África do Sul, onde está exilado, e voltar ao país. Será que sobrou alguma cadeia na parte do país não atingida pelo terremoto?

Retorno ao ponto
A crítica política — assim como a econômica, a gastronômica ou outra qualquer — não deve ser insensível aos dramas humanos. Ao contrário: a rigor, eles são a razão essencial que nos leva a escrever sobre qualquer assunto: de um tratado de engenharia a um tratado moral. Em tese ao menos, estamos todos empenhados em melhorar a vida do homem.

E uma das formas que a crônica e a análise política têm de demonstrar a sua sensibilidade é acusar a manipulação, a marquetagem, a patifaria. O mundo viu o senhor Celso Amorim tentando medir forças com o governo dos EUA para ver quem iria liderar a ajuda ao Haiti. O gigante não entendeu, até agora, o que é integrar forças da ONU. Por qualquer razão, ele passou a se comportar como uma espécie de governo de fato do Haiti, cobrando que os EUA lhe dessem satisfações sobre os seus atos. É um despautério.

O Haiti pede todos os esforços que estiverem ao nosso alcance. Mas nem aquela tragédia terá feito o número de mortos que um terremoto humano no Sudão chamado Omar Hassan al-Bashir já fez. Este é o nome do ditador daquele país: responde por, ATENÇÃO!!!, 300 MIL MORTOS. E o Brasil de Celso Amorim, não o nosso, nega-se sistematicamente a votar contra o déspota na ONU. Ao contrário: já atuou para protegê-lo. Por quê? Porque quer o apoio dos países islâmicos, especialmente árabes, para ser membro permanente do Conselho de Segurança. Entenderam?

Em nome do protagonismo, o governo Lula tanto pode ignorar os 300 mil mortos de Darfur como pode reivindicar uma espécie de mando sobre os estimados 100 mil mortos do Haiti. Montanhas de cadáveres não são fronteira para as ambições de Lula e Celso Amorim.

E eu continuarei a chamar as coisas pelo nome que as coisas têm. Ainda que isso aborreça muita gente. É o compromisso que tenho firmado com os meus leitores.

1704) Haiti e ajuda humanitaria (2)

Amorim nunca me deixa errar. Nunca!
Reinaldo Azevedo, 16/01/2010
(a propósito do post anterior, 1703)

É, meus caros, Tio Rei não é, assim, um Matusalém, mas já viveu o bastante para antecipar alguns lances do jogo. Escrevi ontem o post “Haiti, palco e atoleiro”, em que acusei a lentidão do governo brasileiro no atendimento às vítimas das enchentes em contraste com a prontidão em tentar assumir a liderança na ajuda ao Haiti. E, obviamente, deixei claro que o erro não estava em prestar socorro aos haitianos, mas na desídia com os brasileiros. E apontei, vejam lá, o esforço para fazer da tragédia haitiana um palco para protagonismo. Aí a canalha gritou: “Está explorando politicamente a tragédia!!!” Eu???

Então releiam o post abaixo e observem o que diz este sem-noção e sem-limite chamado Celso Amorim. Reparem como ele especula sobre a liderança do Brasil, a atuação dos outros países, a cobertura da imprensa estrangeira. E, no auge da inconveniência, Amorim resolve moderar as críticas porque, oh!!!, mais importante é socorrer as vítimas.

Por mais severo que eu seja, Celso Amorim é o homem que nunca me deixa errar. Que os brasileiros destacados para ajudar os haitianos dêem o melhor de si. Isso não faz com que o chanceler brasileiro deixe de ser quem é. Ele se define por suas palavras. E não teme a escala que vai da tolice à abjeção. Não, meus caros, eu não estava sendo muito severo. Estava sendo apenas realista.

1703) Haiti e ajuda humanitaria (1)

Itamaraty critica ajuda financeira de países ricos
DENISE CHRISPIM MARIN
Agencia Estado, quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

BRASÍLIA - Em plena fase de articulação de uma Conferência de Doadores para o Haiti, o Itamaraty criticou hoje a promessa de ajuda financeira de países ricos ao Haiti. Mostrou-se igualmente preocupado com a montagem de canais para que os recursos cheguem ao país atingido pelo terremoto da última terça-feira.

Descontadas as ofertas do Brasil, de US$ 15 milhões, e dos Estados Unidos, que prometeu US$ 100 milhões, a diplomacia brasileira considerou "acanhada" a ajuda prometida pela União Europeia, de 4 milhões de euros, e do Canadá, de US$ 5 milhões. "Consideramos que os países ricos poderiam ser mais generosos", afirmou um diplomata que acompanhou as reuniões internas do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Segundo o diplomata, o Itamaraty iniciou hoje conversas com os cerca de 20 países e com os organismos internacionais que compõem o grupo de doadores para o Haiti. A boa recepção do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, teria dado o aval para o começo dessas articulações. Em abril do ano passado, a mesma agrupação havia prometido a remessa de um total de US$ 324 milhões para ajudar o país, que havia enfrentado a passagem de vários furacões em 2008.

Em princípio, o Itamaraty considera que a ideia da realização da conferência está em linha com a sugestão do presidente francês, Nicolas Sarkozy, de convocar uma reunião entre a França, Estados Unidos e Brasil para tratar da reconstrução do Haiti.

Minustah
Membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas desde 1º de janeiro, o Brasil já começou a se movimentar também para a alteração do mandato da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti (Minustah), força que foi criada em 1993 e que sempre esteve sob o comando brasileiro.

O Itamaraty avalia que os militares da Minustah, dentre os quais os brasileiros, assumirão funções que não estão previstas no mandato original e terão de se coordenar com forças que não a compõem. Entre elas, as tropas enviadas ao Haiti pelo governo Obama no porta-aviões Carl Vinson, da Quarta Frota americana.

Embora Obama tenha dito claramente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que os soldados americanos se coordenariam com os brasileiros, o Itamaraty está ciente que, por doutrina, as tropas dos Estados Unidos não se subordinam a oficiais de outros países.

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Brasil recua nas críticas de falta de ajuda internacional ao Haiti
Márcio Falcão
Folha Online, 15.01.2010

O governo brasileiro mudou o tom do discurso e recuou nas críticas ao valor das doações de países, especialmente europeus, para ajudar na reconstrução do Haiti –atingido por um forte terremoto na última terça-feira.

O ministro Celso Amorim (Relações Exteriores) afirmou nesta sexta-feira que o momento é de “solidariedade” e que muitos países prometem reforçar a ajuda financeira ao longo do processo de reconstrução do país.

Amorim afirmou ainda que a ideia lançada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a convocação de uma reunião dos países doadores foi bem recebida pela comunidade internacional. O encontro deve ocorrer na sede da ONU (Organização das Nações Unidas).

O ministro evitou comentar se as doações de países desenvolvidos estão tímidas. Até agora, Brasil ofereceu US$ 15 milhões, Estados Unidos US$ 100 milhões, Austrália US$ 10 milhões, e Canadá US$ 5 milhões. Outros países, em especial europeus, doaram entre US$ 1 milhão e US$ 5 milhões. Nos bastidores, integrantes do ministério afirmavam que as doações de alguns países estavam um pouco “acanhadas” diante da necessidade dos haitianos.

“Eu não vou comentar. É momento de solidariedade. Eu acho que os EUA, o número prometido é bastante substancial, de US$ 100 milhões. O Brasil está proporcional, até um pouco mais, um número adequado levando em conta o nosso interesse. Alguns países podem complementar, alguns dizem que a cooperação é inicial”, disse.

Amorim lembrou que a doação brasileira recebeu destaque internacional. “O sentido geral de solidariedade é muito grande. Eu acho que a percepção do que nós temos feito é muito grande não só no Brasil, mas no mundo. BBC deu destaque à oferta brasileira, aos aviões brasileiros, o que é normal e é importante que ocorra”, afirmou.

O ministro disse que ficou surpreso com o empenho do governo australiano. “Falei hoje com autoridades australianas e o país está dando colaboração de US$ 10 milhões, o que é importante, país que está longe da situação”, disse.

Segundo o chanceler, a reunião do grupo de doadores pode ocorrer nos próximos dias. A avaliação do governo brasileiro é de que o encontro é importante para evitar o confronto de ações.

“O importante é coordenar para evitar problemas no terreno, evidentemente, porque às vezes muita gente querendo ajudar esbarra um no outro e não dá certo. [...] Eu não excluo que se possa convocar [uma reunião] nos próximos dias, se chegar à conclusão que a necessidade de recursos até mesmo para emergência é muito grande. Isso estamos conversando permanentemente com todos os interlocutores”, disse Amorim.

O ministro defendeu que o controle das ações seja da ONU. “É preciso que alguém coordene. E acho que quem tem que coordenar do ponto de vista das definições das necessidades são a própria Nações Unidas. Só as Nações Unidas têm as informações que chegam de todos os lados”, disse.

1703) Direitos humanos recicláveis - Demétrio Magnoli

Direitos humanos recicláveis
Demétrio Magnoli
O Estado de S. Paulo, 17/01/2010

Conceito deixou de se aplicar a indivíduos reais para exprimir prerrogativas de coletividades imaginadas

Samuel Pinheiro Guimarães, o número 2 do Itamaraty feito secretário de Assuntos Estratégicos, renomeou os direitos humanos como "direitos humanos ocidentais" e qualificou a sua defesa como uma política que dissimula "com sua linguagem humanitária e altruísta as ações táticas das grandes potências em defesa de seus próprios interesses estratégicos". O ataque frontal aos direitos humanos é ineficaz e desqualifica o agressor. Os inimigos competentes dos direitos humanos operam de outro modo, pela sua usurpação e submissão a programas ideológicos estatais. O Plano Nacional de Direitos Humanos há pouco anunciado é uma ilustração acabada dessa estratégia. Desgraçadamente, os movimentos e ONGs que falam em nome dos direitos humanos não são apenas cúmplices, mas inspiradores da ofensiva de âmbito internacional.

A política internacional de direitos humanos nasceu de fato com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. O texto célebre inscreve-se na tradição da filosofia política das Luzes, que se organiza ao redor do indivíduo. Ele proclama direitos das pessoas, não de coletividades étnicas, sociais ou religiosas. Tais direitos circulam na esfera política, mesmo quando se referenciam no mundo do trabalho ou da cultura. Por esse motivo, a sua defesa solicita, sempre e inevitavelmente, o confronto com o poder político que viola ou nega direitos. A Declaração de 1948 é, essencialmente, um instrumento de proteção dos indivíduos contra os Estados. Não é fortuito que seus detratores clássicos sejam os arautos das utopias totalitárias: o fascismo, o comunismo, o ultranacionalismo, o fundamentalismo religioso.

Na sua fase heroica, as ONGs engajadas na defesa dos direitos humanos figuravam na lista de desafetos dos Estados, inclusive das democracias ocidentais. Elas denunciavam implacavelmente a censura, a repressão política, as detenções ilegais e as torturas promovidas pelos regimes tirânicos, mas também as violações cometidas pelos serviços secretos das potências democráticas, a pena de morte, a discriminação oficial contra imigrantes, o preconceito racial nos sistemas judiciário e policial. Nada disso servia para a obtenção de financiamentos de governos, instituições multilaterais ou fundações filantrópicas globais. O ramo dos direitos humanos não era um bom negócio.

O giro estratégico começou há menos de duas décadas, por meio de uma reinterpretação fundamental dos direitos humanos. As ONGs inventaram a tese útil de que os direitos humanos, tal como expressos na Declaração de 1948, representam apenas direitos "de primeira geração". Eles deveriam ser complementados por direitos econômicos, "de segunda geração", e direitos culturais, "de terceira geração". A operação de linguagem gerou um oceano de direitos indefinidos, um livro vazio a ser preenchido pelos detentores do poder de preenchê-lo. Simultaneamente, propiciou a aliança e a cooperação entre as ONGs de direitos humanos e os Estados.

Sob o amplo guarda-chuva dos direitos "de segunda geração", quase todas as doutrinas políticas podem ser embrulhados no celofane abrangente dos direitos humanos. A reforma agrária promotora da agricultura camponesa converte-se num direito humano, tanto quanto a coletivização geral da terra, que é o seu oposto, segundo a vontade soberana do poder estatal de turno. O Plano de Direitos Humanos apresentado pelo governo Lula declara o "neoliberalismo", rótulo falseador usado como referência genérica às políticas de seu antecessor, como um atentado aos direitos humanos. As políticas assistenciais de distribuição de dinheiro transfiguram-se em princípios indiscutíveis de direitos humanos. Aqui ao lado, em nome dos direitos "de segunda geração", Hugo Chávez destrói meticulosamente aquilo que resta da economia produtiva venezuelana.

Os direitos "de terceira geração", por sua vez, funcionam como curingas dos tiranos e das lideranças políticas que fabricam coletividades étnicas, raciais ou religiosas. A perseguição à imprensa independente, nas ditaduras e nos regimes de caudilho, adquire a forma da proteção de direitos sociais contra o "poder midiático". A introdução de plataformas ideológicas no sistema educacional é envernizada com a cera dos direitos culturais. O mesmo pretexto propicia um discurso legitimador para a implantação de políticas de preferências étnicas ou religiosas no acesso aos serviços públicos, ao ensino superior e ao mercado de trabalho. O Plano de Direitos Humanos contém um pouco de tudo isso, refletindo a intrincada teia de acordos firmados entre o governo, os chamados movimentos sociais e redes diversas de ONGs.

A revisão do significado dos direitos humanos empreendida por iniciativa das ONGs esvaziou o sentido original da política internacional de direitos humanos. Eles deixaram de exprimir direitos dos indivíduos reais para se transfigurarem em direitos de coletividades imaginadas. O "negro" ou "afrodescendente" genérico, supostamente representado por uma organização política específica, tomou o lugar do indivíduo realmente esbulhado pela discriminação racial. O "índio" abstrato, "representado" pelo Instituto Sócio-Ambiental, sequestrou a voz do grupo indígena concreto que não tem acesso a remédios ou escolas. O Plano de Direitos Humanos contempla todas as coletividades fabricadas pela "política de identidades", inclusive as quebradeiras de coco. Ao reconhecimento oficial de cada uma dessas coletividades vitimizadas corresponde uma promessa de privilégios para seus "representantes", que são ativistas internacionais do próspero negócio dos direitos humanos.

Os direitos humanos de "segunda geração" e "terceira geração" diluíram os direitos humanos. As ONGs de direitos humanos incorporaram-se à paisagem geopolítica das instituições multilaterais e seus ativistas ingressaram numa elite pós-moderna de altos funcionários do sistema internacional. Em contrapartida, pagaram o preço de uma renúncia jamais explicitada, mas nítida e evidente, a fustigar as violações de direitos humanos praticadas pelos Estados.

A "guerra ao terror" de George W. Bush, com suas operações encobertas de transferência de presos para ditaduras cruéis, suas prisões off-shore e suas técnicas heterodoxas de interrogatório, escapou relativamente incólume do bombardeio das ONGs amestradas. A submissão do sistema judicial da Rússia de Vladimir Putin às conveniências políticas do Estado quase desapareceu dos radares dos ativistas. A vergonhosa deportação dos boxeadores cubanos por um governo brasileiro disposto a violar tratados internacionais precisos não mereceu uma denúncia no âmbito da OEA. O fechamento de emissoras de TV e a nova figura dos prisioneiros políticos na Venezuela não merecem manifestações significativas dos altos executivos de direitos humanos. A agressão recente à blogueira cubana Yoani Sánchez não gera nem mesmo uma protocolar nota de protesto das organizações que redigiram junto com Paulo Vannuchi o Plano de Direitos Humanos. De certo modo, Samuel Pinheiro Guimarães triunfou.

1702) Corrida ao ouro...

Well, sort of. Nada de garimpagem, depredação do meio ambiente, homens brutos atrás da pepita salvadora, bebendo demais em bares miseráveis, assediando mulheres e filhas do local, não, nada disso.
Uma corrida civilizada, só para quem tem dinheiro para investir. Bem, pode-se perder dinheiro, também, mas muitos vão tentar...

L'or dure, mais...
Le Monde, 16.01.2010

Matières premières

Ruez-vous sur l'or, car la fête de l'once ne devrait pas se prolonger au-delà de cette année. C'est Philip Klapwijk, le président du cabinet GMFS réputé pour le sérieux de ses études sur les métaux précieux, qui l'a dit, mercredi 13 janvier à Londres, en présentant les perspectives du marché : "La lune de miel ne sera pas éternelle."

Quelle lune de miel ? L'or devrait retrouver et battre son record historique de décembre 2009 à 1 226,56 dollars. Vendredi, l'once est retombée à 1 131 dollars à Londres, mais M. Klapwijk "pense qu'au second semestre, nous pourrions voir les prix pousser au-delà des 1 300 dollars". A condition qu'un courant vigoureux d'argent frais se dirige vers le marché de l'or, "en provenance des institutions comme les compagnies d'assurances, les fonds de pension et les fonds souverains de plus en plus actifs".

Qu'est-ce qui inciterait ces riches moutons de Panurge à miser sur le métal précieux ? "La peur d'une rechute dans la récession, la persistance d'énormes déficits publics, une politique monétaire très laxiste et la conviction qu'une inflation forte, sinon galopante, va faire son retour", explique le patron de GMFS. "Comme la reprise économique sera molle, poursuit-il, il y aura donc peu ou pas de tour de vis monétaire dans les grandes économies cette année, et cela soulève de sérieuses questions sur la solvabilité des gouvernements."

"Cela tisse une toile de fond qui reste très favorable à l'investissement or", poursuit-il. Autrement dit, la vocation de coffre-fort de l'or devrait se confirmer de façon éclatante. C.Q.F.D.

Mais alors pourquoi M. Klapwijk parle-t-il de "lune de miel" qui pourrait tourner mal ? Pourquoi, après nous avoir fait miroiter un eldorado, parle-t-il de "possibilité d'une correction significative dans les six prochains mois" ?

D'abord parce que, comme tous les prévisionnistes, il se protège en disant que le contraire de ce qu'il annonce peut arriver. On ne sait jamais. Ensuite, parce que la pierre philosophale pourrait tout à fait fonctionner à l'envers, changeant l'or en métal plus vulgaire.

Si le dollar redresse la tête, parce que l'euro pâtit des malheurs de la Grèce, les investisseurs miseront sur le billet vert et plus sur l'or. Si les belles Indiennes persistent à snober la bijouterie en or devenue hors de prix (- 23 % pour la demande mondiale en 2009), l'argent en profitera.

Sauve-qui-peut
Si la production minière (+6 % en 2009) et le recyclage (+27 %) continuent à doper l'offre d'or, les investisseurs pourraient y voir les prémices d'une baisse des cours et se lancer dans un sauve-qui-peut.

Si la reprise économique et un retour du goût pour le risque se confirment, on verra les capitaux quitter le douillet refuge de l'or et se placer dans des valeurs de vraie croissance.

Combien pariez-vous que le cours du beau métal qui ne craint "ni la rouille ni les vers" sera tout sauf un long fleuve tranquille en 2010 ?

Alain Faujas
Article paru dans l'édition du 17.01.2010

1701) Como a internet mudou a minha vida...

A crônica de Janer Cristaldo se refere às perguntas anuais do site The Edge.
Para quem não conhece, é um forum de debates sobre questões científicas, que todo ano faz uma provocação com seus associados, instando-os a responder uma pergunta incisiva.
Já fiz, de minha parte, uma resposta unilateral, aqui consignada:

Em que você mudou de opinião? E por quê?, Via Política, 17.02.2008 (Trabalho 1861)

Janer Cristaldo é um colunista independente, no sentido mais libertário da palavra. Vale uma visita ao seu site.
O que vai abaixo é sua resposta à pergunta do final de 2009 do The Edge.
Paulo Roberto de Almeida (17.01.2010)

COMO A INTERNET MUDOU MINHA VIDA
Janer Cristaldo
Terça-feira, Janeiro 12, 2010

Um amigo me envia um site chamado Edge, que funciona como um "salão" de pensadores (físicos, psicólogos, neurocientistas, matemáticos, artistas, jornalistas, filósofos...) do qual fazem parte alguns nomes relativamente famosos como Nassim Taleb, Richard Dawkins e Steven Pinker. Durante todo o ano os participantes escrevem sobre assuntos relacionados especialmente ao seu trabalho, e a cada ano o fundador, John Brockman, faz uma pergunta que todos, ou quase todos, respondem com um texto. Este ano a pergunta foi "Como a Internet mudou a sua forma de pensar?", e apareceu em diversos lugares das media mundiais.

Para quem quiser dar uma olhada, a página inicial do site, relacionada à pergunta do ano, é http://www.edge.org/q2010/q10_index.html. Os textos realmente começam em http://www.edge.org/q2010/q10_1.html. Perguntas passadas do site incluem:

- No que você acredita, mas não pode provar?
- Qual é sua idéia perigosa?
- A respeito de quê você mudou de idéia? Por quê?


São questões que fazem pensar. Quanto à pergunta deste ano, minha resposta é singela. A Internet não mudou em nada minha forma de pensar. Quando cheguei à Internet já tinha bem mais de 50 anos e uma visão de mundo consolidada. A questão não é muito feliz. Não vejo como uma forma de comunicação possa mudar a maneira de pensar de alguém. Se me perguntassem o que mudou em minha vida, bom, aí eu teria muito a dizer.

Para começar, na vida de um jornalista a Internet se tornou sinônimo de liberdade de expressão. Os jornais enchem a boca falando de imprensa livre, mas nenhuma imprensa é realmente livre. Todos os jornais têm interesses a defender – que mais não seja, os interesses dos anunciantes – e sempre censuram, de uma ou outra forma, seus redatores. Você até pode xingar o governo. Mas não pode xingar o anunciante. Nos dias em que escrevi em papel, sempre me autocensurei um pouco. Sabia que certas afirmações não podiam ser publicadas. Então, para não incomodar-me, as deixava de lado.

Hoje, mudou o trote da mula. Na Internet, você pode escrever o que quiser. Claro que continua submetido à legislação. Se cometer crime de calúnia ou difamação, estará incurso nas mesmas penalidades que um conversador de boteco. Mas pode-se xingar o papa à vontade, denunciar a manipulação da grande imprensa, abordar temas-tabu. Verdade que alguns juízes já se alertaram para esta brecha e começam a censurar blogs. Mas, uma vez destapada a garrafa, o gênio não volta à garrafa. Censurar a Internet é como tentar parar a chuva a golpes de sabre.

Neste sentido, minha vida mudou e muito. Nossas vidas mudaram. Hoje, qualquer jornalista pode fazer jornalismo sem depender de jornal algum. Furar um jornal não exige maior esforço. Os jornais saem sempre amanhã. O blogueiro escreve agora. Além do mais, faz sua própria pauta e não depende de patrão algum. A liberdade de imprensa, tão apregoada pelos jornais, só surge a meu ver com a Internet.

Outra mudança em meus dias: hoje, não recebo mais cartas. A não ser de bancos e empresas ou entidades públicas. Carta virou peça de museu. Em 2000, passando por Évora, em Portugal, comprei dois pesados estribos de madeira. Não que pretendesse cavalgar. É que me pareceram muito adequados para guardar cartas. O que não me ocorreu é que, naqueles dias, eu já não recebia cartas. Enfim, para algo servem. Para guardar aqueles papeluchos que infestam minha escrivaninha, contas de luz, água e telefone.

Posso até ter saudades das cartas, mas não me queixo. Email é mais rápido e não precisamos ir ao correio, entrar em filas, lamber selos, postar. Podemos enviar sons e imagens em poucos segundos. Neste sentido, a Internet mudou a vida de todo mundo.

Outra mudança fundamental, particularmente para quem vive em pequenas cidades: você quer um livro ou filme que jamais iria encontrar em sua aldeia? Simples. Alguns cliques e uma ou duas semanas depois chega em sua casa aquele livro ou DVD que só existem em Paris ou Nova York. Isso sem falar nos ebooks. Por um livro eletrônico não preciso esperar uma semana. Ele chega em segundos às minhas mãos. Você precisa consultar já uma obra de Platão? Estão todas na rede. Alguns toques de teclado e o livro está em suas mãos, mesmo que você viva na mais remota aldeia do país.

Sim, havia um certo charme na correspondência epistolar. Em meus dias de Paris, na correspondência com minhas amigas, eu escolhia um papel bonito, envelope idem, comprava um selo significativo, caprichava na datilografia e tinha um especial prazer em despachar minhas cartas. Sem falar na tensão da espera. Uma semana depois, a resposta. Buscar correspondência na caixa do prédio era sempre uma expectativa prazerosa. Hoje, basta ligar o computador.

Não, não deploro os tempos modernos. Mas aqueles outros tempos também eram muito bons. De minha epistolografia parisiense fiz um grosso volume, de umas trezentas páginas. (Hoje caberia num disquete, se é que disquete ainda existe). Guardo este volume como uma relíquia do passado, uma espécie de diário de dias em que era feliz e não sabia.

Passagens, reservas de hotéis, roteiros de viagem. Hoje, posso fazer tudo isto sentado em minha casa. Antes da Web, estas diligências exigiam horas de consultas a um agente de turismo. Outra mudança importante em minha vida foi o reencontro de amigos e amigas que não via há trinta ou mais anos. (Já encontrei pessoa que não via há 45 anos). Sem a Internet, jamais os reencontraria.

Isso sem falar nos amigos que surgem. Se nem sempre temos idéia do que pode interessar a nosso vizinho de porta, é muito fácil encontrar na rede quem participe de nossa Weltanschauung, mesmo que viva nas antípodas. Hoje, alguém que vive em outro continente está potencialmente mais perto de mim do que alguém que vive a meu lado. Nestes dias, temos mais amigos no planetinha do que no prédio onde vivemos.

A Internet não mudou em nada minha forma de pensar. Mas tornou minha vida mais ágil e rápida. Acho que voltarei ao assunto.

- Enviado por Janer @ 8:28 PM

sábado, 16 de janeiro de 2010

1700) Carreira diplomatica: especializacao e escolha de lotacao e postos...

Carreira Diplomática: Geral ou Especializada?
Respondendo a dúvidas legítimas

Paulo Roberto de Almeida

Um leitor de meu blog, eventualmente de meu site, interessado na carreira diplomática, me escreve para formular perguntas em torno de uma das mais legítimas dúvidas que assaltam candidatos à carreira, e que já possuem algum interesse por áreas específicas, tentando saber, ou antecipar, se poderão, ou não, se dirigir, no trabalho profissional, para essas áreas de interesse, ou se terão de seguir o itinerário normal de uma carreira passavelmente burocrática, mas, também, amplamente diversificada. Na verdade, muitas pessoas gostariam de poder continuar fazendo, na diplomacia, o que já vem fazendo na vida profissional, ou acadêmica, ou então enveredar por um tipo determinado de trabalho, à exclusão de alguns outros, que poderiam lhe ser atribuídos sem possibilidade de escolha ou de recusa, trabalho que seria uma extensão preferencial de seus desejos pessoais, o que é amplamente legítimo e respeitado em diversas outras esferas de trabalho.
Concretamente, meu correspondente me coloca a seguinte questão:
“A minha dúvida não é sobre a prova, mas sim sobre o encaminhamento da carreira. Por mais que o senhor diga que o diplomata é um generalista, é possível direcionar a carreira para a área de interesse - formação? No meu caso, meu sonho é trabalhar com cooperação cultural internacional, na interface cultura e desenvolvimento - como se daria este caminho dentro do Ministério das Relações Exteriores?”
Continua ainda o meu correspondente, candidato à carreira:
“Se não for inconveniente (ou seja, pedir demais), também gostaria de saber em que ponto anda a atuação do Departamento Cultural do MRE em relação às discussões e parâmetros da UNESCO. Acompanho os Informes Mundiais de Cultura, e gostaria de saber se isso está no dia-a-dia da prática do referido departamento, ou se ele está voltado unicamente à ação cultural. Eu pesquisei no site do MRE na internet mas gostaria de uma impressão mais ‘de dentro’ a respeito do assunto. Além de eu querer entrar para a carreira, meu TCC da pós-graduação deverá ser a respeito de algum desses temas, para não criar um ‘estudo esquizofrênico’.”

Muito bem, expostas as dúvidas e colocadas as questões, vejamos o que eu poderia elaborar em torno delas. Eu o farei na medida de minhas possibilidades, posto que nunca trabalhei na área cultural, tendo orientado minha carreira para a área econômica, que constitui, justamente, uma de minhas afinidades eletivas.
A primeira pergunta, portanto, seria esta: “é possível direcionar a carreira para a área de interesse - formação?”
Respondo de imediato: é possível, sim, mas isso dentro de certos parâmetros e condicionantes, nem todas administráveis pelo jovem diplomata segundo seus interesses primários ou imediatos. Concretamente, como se dá o processo de escolha ou atribuição de funções, dentro da Secretaria de Estado (MRE, em Brasília) ou nos postos no exterior?
Toda a carreira diplomática, ou quase toda, é guiada por uma (famigerada?) lista de antiguidade, um expediente de tipo confuciano que nos posiciona no processo de ascensão funcional e nas movimentações ao longo do tempo. Concretamente, quando se faz o concurso e se é admitido na carreira – atualmente desde o ingresso no Instituto Rio Branco, a alma mater de formação e de socialização do jovem diplomata – se entra numa fila, cuja ordem de precedência é dada pela colocação nos resultados finais do exame de ingresso. Ou seja: os novos ingressantes terão o número que lhes cabe, em função das vagas disponíveis no Serviço Exterior, o que significa que os entrantes se distribuirão nos últimos postos da classe de Terceiro Secretário.
Ao sair do Instituto Rio Branco, aprovados obviamente, eles continuam a ter um número, mas este resultará de sua classificação final. Ainda durante o curso, eles farão estágios nas diversas Divisões ou Coordenadorias do MRE, uma escolha ou atribuição supostamente segundo essa classificação inicial e continuada: ou seja, os primeiros colocados provavelmente terão maior amplitude de escolha, e os últimos terão de se conformar com as vagas existentes: se for na Divisão do Arquivo terá de ser, pelo menos inicialmente na Divisão do Arquivo. Nada de muito dramático, pois sempre será possível solicitar e negociar uma mudança ao cabo de algum tempo, digamos depois de um ano. Em princípio, havendo vaga e disposição do chefe na Divisão de interesse, sempre será possível negociar a ida para essa área. A rigor, a burocracia se combina com certo grau de liberdade para determinar a lotação – esta a palavra técnica – do funcionário, numa determinada área.
Da mesma forma, a destinação exterior em algum posto também depende, em grande medida, da classificação do candidato em questão e das vagas disponíveis: todo e qualquer posto tem um quadro de funcionários relativamente estável (tantos secretários, alguns conselheiros, um ou dois ministros, para os maiores, e assim por diante). Nem sempre é possível, digamos, ir para a Unesco em Paris segundo sua própria vontade, mas é possível negociar uma ida em algum momento da carreira, desde que se consiga planejar e consolidar algumas escolhas nos momentos certos.
Digo isto porque o Itamaraty, ademais de ser essencialmente burocrático, num sentido institucionalmente weberiano, tem algum grau de arbítrio, o que o aproxima de uma burocracia feudal, no sentido de responder a determinações dos “barões” da Casa: a chefia política (ministro de Estado, secretário-geral) dispõe de grande poder de “lotação”, assim como a própria chefia do Serviço Exterior. Algumas regras estão codificadas (tempo de posto no exterior, alternância entre postos A, B, C etc.), outras regras dependem mais de um processo político de negociação e de mérito.
De fato, a carreira toda é marcada por algumas características próprias a toda carreira de Estado – como a dos militares, por exemplo – e algumas peculiaridades da diplomacia: em princípio, o mérito é reconhecido, mas as relações humanas, ou sociais, também contam na trajetória funcional. Um diplomata reconhecidamente sério e trabalhador receberá convites para trabalhar em determinadas funções de responsabilidade, embora outros possam receber esses convites também em função de algum vinculo familiar ou o famoso QI, quem indica (ou pistolão). Isso existe e não se pode negar: aliás, mesmo no setor privado, as relações humanas se combinam a trabalho para determinar o sucesso, ou não, de um determinado funcionário.
Portanto, a lotação de um diplomata, no começo ou no meio da carreira, dependerá tanto de seu posicionamento na lista de antiguidade, quanto de seu reconhecimento funcional, tanto por mérito próprio como pela rede de relacionamento que ele possa ter, sendo este último fator mais importante, talvez, nos escalões mais avançados da carreira. Isto vale para a área cultural como para qualquer outra área.
Em meu caso, tanto por preferência pessoal, como por convites, fui orientado e orientei-me bem mais para os setores de economia do que outras áreas, mas talvez eu pudesse ter trabalhado em áreas diferentes (política, cultural, jurídica), se tivesse interesse ou inclinação para fazê-lo. De minha parte, eu poderia facilmente trabalhar numa área política, de segurança internacional, de tecnologia, mas jamais teria me orientado, por vontade própria, para áreas jurídicas (por incompetência, talvez), para o cerimonial (falta de jeito, provavelmente) ou para a administração (simples falta de gosto, confesso, embora reconheça a importância).
Da mesma forma, nunca procurei, nem nunca pedi, para trabalhar em New York, na sede da ONU, pois (provavelmente por preconceito) eu acho o “grand machin” (como a ela se referia o General De Gaulle) essencialmente burocrática e “enrolativa”, preferindo Genebra (também ONU, mas mais orientada a temas econômicos, como o GATT e outros organismos). Da mesma forma, me dei muito bem na área de integração (Aladi, em Montevidéu, e em Brasília, idem) e na econômico-financeira (em Brasília e Washington, acompanhando FMI e Banco Mundial). Se alguém me convidasse para chefiar o cerimonial ou a administração em Brasília, eu provavelmente recusaria, mas nem sempre se pode recusar essas áreas no exterior, quando o posto é pequeno e as escolhas mais reduzidas.
No geral, é possível sim, mesmo se a carreira não oferece, oficialmente, nenhuma especialização, construir a sua própria especialização: de minha parte isso foi possível, não todo o tempo, mas most of the time... Esse debate, ou dilema, entre generalidades e especialização é em grande medida artificial, pois, a despeito de certas limitações inerentes a qualquer carreira burocrática, é possível manter certo gosto por certas áreas e ser capaz de exercer (e desfrutar) essas preferências.

Em contrapartida, eu não consigo responder adequadamente a questão do trabalho na área cultural, e suas relações com a Unesco, posto que nunca trabalhei nessa área. Suponho, como no caso de outros organismos internacionais, que existe um mix de formulação de agenda de trabalho que combina o peso burocrático desses organismos – e alguns deles são verdadeiramente “dinossáuricos”, stricto et lato sensi – e sugestões ou exigências dos países membros. Todo e qualquer organismo internacional possui uma agenda própria de trabalho, derivada de seu mandato original, e uma agenda composta das demandas dos países, formuladas nas delegações ou nas capitais. Pessoalmente eu considero a Unesco um desses dinossauros parisienses, que provavelmente gasta mais dinheiro em Paris do que na destinação final, e suposta, de seu trabalho de promoção da cultura ‘universal’. Mas, esse deve ser outro preconceito meu. Gostaria de poder responder mais concretamente, mas não consigo fazê-lo sem um conhecimento preciso (e “especializado”) da área.
Voilà, eis o que eu poderia responder e espero que satisfaça meu correspondente candidato à carreira.
Felicidades na carreira, muito estudo até ingressar e sucesso em sua vida pessoal e profissional.

Brasília, 16 de janeiro de 2010.

1699) Transversalidade: argh!... eu também tenho horror dessas bobagens

Sempre tive uma bronca particular de certos modismos culturais, certas inovações terminológicas, certas importações falsificadas, que vem direto de Paris, como se descessem de algum nirvana filosófico, algum nec plus ultra intelectual, ao qual devêsssemos aderir de maneira contemplativa, beata, submissa, apenas porque representariam, sei lá, a mais recente benfeitoria conceitual da qual não poderíamos nos passar.
Sempre considerei esse tipo de colonialismo acadêmico uma impostura intelectual, e me revolto com esses universitários ingênuos que não fazem nenhum esforço de compreensão da realidade à sua volta, e que preferem "soltar" o seu Foucault, o seu Derrida, o seu Deleuze, como se esses gurus tivessem algo de inteligente a dizer para este pobres tupinambás que somos nós.
Passons!. Esta pequena introdução pedante, apenas para transcrever um post do Reinaldo Azevedo que encontro particularmente feliz em face do festival de bobagens conceituais que nos vem servido sob a forma do último Programa (!) Nacional (!!) de Direitos Humanos (!!!). Sinto pelas exclamações, mas é que tenho alergia à burrice e mais alergia ainda à estupidez, e o PNDH nosvem apresentado com fortes doses de ambos...
Paulo Roberto de Almeida (16.01.2010)

TRANSVERSALIDADE, A CARA DO MODERNO TOTALITARISMO. OU: VOCÊ ENTREGARIA TODO O PODER AOS CARDIOLOGISTAS?
Reinaldo Azevedo, 15/01/10

Caras e caros, vamos dar seqüência a nosso trabalho, que é demonstrar que, se a essência das coisas coincidisse com a sua aparência, os idiotas seriam os cientistas, e os cientistas, os idiotas. Acho que o texto que segue é daqueles que ajudam, sei lá, a formar o pensamento. Avaliem.

Aqui e mundo afora, uma palavrinha e sua derivação substantivada entraram na ordem do dia dos movimentos sociais e das ONGs, que roubaram, não raro, o público das antigas esquerdas (tornando-se as novas esquerdas): “transversal” e “transversalidade”. Em francês: “transversal/transversalité“. No inglês, conserva a sua origem latina: “transversal/transversality“. A palavra é o xodó das tentações totalitárias contemporâneas. Na origem, designa o que tem sentido oblíquo em relação a um referente qualquer. Nas ciências humanas, passou a designar um tema que atravessa perpendicularmente a sociedade. Dou exemplos:
- “Os direitos humanos devem ser vistos na sua transversalidade”;
- “O meio ambiente deve ser visto na sua transversalidade”;
- “A igualdade é um tema transversal da sociedade humana“.

O que isso significa? Que todas as ações e todas as áreas da vida teriam de estar pautadas segundo a agenda dos direitos humanos, do meio ambiente ou da igualdade — apenas para citar os mais famosos fetiches do pensamento contemporâneo. E antes que alguém resolva dar pulinhos de ignorância, sem paciência para ler o que vem, recomendo sossego. Pense, só para se acalmar, que os direitos humanos, o meio ambiente, a igualdade ou qualquer outro assunto tornado influente NÃO SÃO manifestações da natureza, MAS construções humanas. Estão sempre sujeitos ao controle de grupos de pressão. SÃO UMA ESCOLHA, NÃO UMA VERDADE ABSOLUTA. Adiante.

Tive o capricho de ver quantas vezes essas palavras aparecem naquele texto comuno-fascistóide que se quer um Programa Nacional de Direitos Humanos. Vejam o resultado:
1 - (…) Direitos Humanos constitui princípio transversal a ser considerado em todas as políticas públicas.
2 - As diretrizes deste capítulo discorrem sobre a importância de fortalecer a garantia e os instrumentos de participação social, o caráter transversal dos Direitos Humanos (…)
3 - (…)monitoramento das políticas públicas em Direitos Humanos, num diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais (…)
4 - Garantia da participação e do controle social das políticas públicas em Direitos Humanos, em diálogo plural e transversal entre os vários atores sociais.
5 - Fortalecimento dos Direitos Humanos como instrumento transversal das políticas públicas e de interação democrática.
6 - PNDH-3 orienta-se pela transversalidade, para que a implementação dos direitos civis e políticos transitem pelas diversas dimensões;
7 - No PNDH-3, essa concepção se traduz em propostas de mudanças curriculares, incluindo a educação transversal e permanente nos temas ligados aos Direitos Humanos
8 - transversalização incluída nos projetos acadêmicos dos diferentes cursos de graduação e pós-graduação,
9 - cursos com a transversalização dos Direitos Humanos nos projetos políticos pedagógicos;
10 - Incentivo à transdisciplinariedade e transversalidade nas atividades acadêmicas em Direitos Humanos.

Acho que chegarei ainda mais perto do meu objeto se der uma exemplo, para voltar depois para a conceituação mais pura. Pensem, leitores: vocês acham que deveríamos, por exemplo, deixar os cardiologistas governar o mundo? Ou alguém aí não considera, por acaso, a saúde cardíaca um tema “transversal”. Não devemos consumir bacon em excesso — na verdade, quanto menos, melhor; de preferência, nada! Sal provoca retenção de líquidos e eleva a pressão sangüínea. A vida sedentária faz mal para o coração. Excesso de peso provoca sobrecarga e eleva os fatores de risco… O estresse e o cigarro são um veneno…

Imaginem como poderia ser a vida se déssemos todo poder aos cardiologistas. A saúde do coração seria um tema TRANSVERSAL, a atravessar perpendicularmente todas as nossas atividades. E seria impossível dizer que eles estariam buscando o nosso mal. Ao contrário. Comitês de especialistas se formariam para, por exemplo, examinar se as novelas estariam sendo “cadiologicamente corretas”. As feijoadas seriam atividades clandestinas, já que é impossível alegar que aquela, afinal de contas, é uma comida saudável. Os sedentários seriam denunciados como fatores de elevação do custo da saúde pública, dado que sua preguiça os predispõe a determinados males que têm repercussão da vida da coletividade. O mesmo se diga dos fumantes (bem, isso já está em curso, é bom notar).

Músicas e manifestações culturais que induzissem a comportamentos alimentares de risco deveriam ser consideradas manifestações de preconceito contra a saúde. As seções de culinária dos jornais e revistas teriam de ser submetidos a uma comissão de acompanhamento editorial. A vigilância sobre as TVs, que são concessões públicas, seria redobrada. Quem insistisse em exibir comportamento que ameaçasse a saúde do coração teria a licença cassada. Em uma década, o Brasil poderia ser o país com os corações mais saudáveis do planeta, embora a vida pudesse ser uma merda de tão chata. Algum rebelde se lembraria de perguntar: “Pô, tudo bem, é legal esse papo de proteger o coração, mas como fica a liberdade?” E alguém poderia responder, também com uma indagação, à moda de Lênin: “Liberdade pra quê?”

Estamos longe disso? Nem tanto, é bom deixar claro. A Confecom, aquela porcaria inventada por Franklin Martins reunindo pequenos candidatos a tiranos, aprovou resolução contra a publicidade que induza o consumismo — seja lá o que isso signifique — e produtos atentatórios à saúde. A Anvisa já andou encrencando com propaganda de biscoito e refrigerante. É que a saúde, gente, vocês sabem, é uma “tema transversal”…

Ditadores
“Transversalidade” é a palavra de ordem dos novos candidatos a ditadores. Aproveitam-se do fato de que certos temas são consensos da sociedade — porque, na verdade, são matéria de mero bom senso — e transformam a sua particular leitura do assunto num valor absoluto. Ora, quem é ou há de ser contra os direitos humanos, a preservação do meio ambiente ou a saúde? Ninguém! Mas que outros valores da nossa cultura, inclusive a política, temos a preservar?

É aceitável que, em nome da suposta “transversalidade” de um tema, se jogue, por exemplo, a democracia no lixo? Ou o Estado de Direito? Quando o sr. Paulo Vannuchi, ex-terrorista da ALN, propõe que se casse dos juízes o chamado “poder de cautela”, tentando impedir que concedam liminares de reintegração de posse, ele está, como já demonstrei aqui, TENTANDO FRAUDAR A CONSTITUIÇÃO. E de várias maneiras. Em nome do quê? “Ah, da transversalidade dos direitos humanos”. O que se esconde nesse discurso vigarista é que o direito de propriedade também é, afinal, um… direito humano! Foi Vannuchi e a aliança ALN-VPR-MR-8 que decidiram transformar uma agenda ideológica em “direitos humanos”, cassando, para tanto, os direitos de outros humanos.

Também é assim no caso do meio ambiente. Em muitos momentos, o que se tem é nada menos do que uma agenda autoritária e atentatória… aos direitos humanos! Se o Brasil aplicasse todas as leis ambientais que aí estão, faltaria terra para a agricultura. São Paulo, por exemplo, teria de perder uns 20% da área plantada. A economia iria para a breca, o preço dos alimentos subiria, os pobres seriam os mais prejudicados. “Ah, ele é contra o meio ambiente!” Uma ova! Sou contra a “transversalidade” que não tem um respeito mínimo pela realidade.

O único tema “transversal” que eu realmente reconheço é a liberdade, nos marcos de uma sociedade democrática. O resto é tentativa de imposição de uma agenda de grupos consideram a sua metafísica superior à de outros. Sei que os tempos andam bicudos para falar nesse assunto. Não dou a mínima. Não me importaria, se fosse o caso, em ser o último homem do século passado — o século que venceu os velhos totalitarismos.

Não darei, neste século, consentimento a ninguém para novos totalitarismos.