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domingo, 1 de julho de 2012

Negociacoes internacionais: diplomacia do governo Lula (PRA-2005)

Uma antiga apresentação, que talvez ainda tenha alguma validade: 
1483. “A agenda negociadora internacional do Brasil: temas diplomáticos nos contextos regional e multilateral”, Brasília, 18 out. 2005, 11 p. Transcrição em documento de apresentação em PowerPoint para apoiar palestra proferida na Task Force sobre Negociações Internacionais da American Chamber-SP, em 20/10/2005.

A agenda negociadora internacional do Brasil:
temas diplomáticos nos contextos regional e multilateral

Paulo Roberto de Almeida

Sumário:
Posições do Governo Lula e contrapontos possíveis:
1. Política mundial: multilateralismo e equilíbrio de poderes
2. Organização das Nações Unidas: Conselho de Segurança
3. Globalização e volatilidade financeira internacional
4. OMC e negociações comerciais multilaterais
5. Relações Sul-Sul - países em desenvolvimento
6. Crises financeiras e acordos com o FMI
7. Brasil como “líder” regional e mundial
8. O Mercosul e a inserção internacional do Brasil
9. Relações com a República Argentina
10. Comunidade Sul-Americana de Nações
11. Relações com a União Européia
12. Relações com os Estados Unidos
13. A questão do terrorismo
14. Negociações em torno de uma Alca
15. O papel do instrumento diplomático

1. Política mundial:
Multilateralismo e equilíbrio de poderes
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Forte ênfase no sistema político multilateral;
> Reafirmação tradicional da soberania nacional;
> Ênfase na igualdade soberana dos países (Rui Barbosa);
> Busca uma “mudança no eixo do poder mundial” (Viagem à Rússia: “O debate nas Nações Unidas, o debate na Organização Mundial do Comércio e o debate em outros foros multilaterais demonstram que somente o trabalho conjunto dos países emergentes pode criar uma nova geografia política, econômica e comercial.”);
> Persegue uma estratégia de alianças estratégicas com algumas potências médias e outras nações emergentes de postura independente.
< O multilateralismo é inoperante para muitos problemas;
< Mundo atual é caracterizado pela interdependência efetiva;
< Certo, mas alguns sempre serão “mais iguais” do que outros;
< Será conseqüência da relevância do país, não efeito da vontade;
< O sistema mundial é hoje mais diversificado e os interesses nacionais nem sempre são coincidentes, sobretudo na esfera econômica.


2. Organização das Nações Unidas:
Conselho de Segurança
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Grande prioridade à conquista de uma cadeira permanente;
> Multiplicação de apoios a essa pretensão, inclusive de membros do próprio CSNU;
> Contrapartida: necessidade de o País assumir novas e maiores responsabilidades, em termos de segurança, de assistência humanitária e de cooperação ao desenvolvimento de países pobres;
> Maiores encargos financeiros e diplomáticos;
> Grandes investimentos e frustração pela não reforma em 2005.
< Pedidos de apoio já revelam problema de representatividade e de legitimidade da demanda;
< Os apoios manifestados podem ter sido meramente retóricos;
< Dificuldades: o Brasil não tem “excedentes de poder”, em termos de forças militares, e solidez econômica e financeira para cooperação técnica internacional, além de ainda manter o status de “país em desenvolvimento”;
< Dificuldades fiscais previsíveis, agora e no futuro;
< Situação de impasse deve persistir pelo futuro previsível.


3. Relações econômicas internacionais
Globalização e volatilidade financeira internacional
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Adesão inicial às teses do Foro Social Mundial: “um outro mundo é possível”;
> Condenação explícita da globalização capitalista;
> Sim a Porto Alegre; não a Davos;
> De fato: diálogo realista com os dois mundos, os alternativos de Porto Alegre e  os capitalistas de Davos;
> Combate à fome e a pobreza mundial: taxas sobre os fluxos de capitais ou o comércio de armas;
> Recusa explícita do chamado “consenso de Washington”;
> Proposta de um “consenso de Buenos Aires”;
> Preferência pela sustentabilidade social do governo.
< Balanço de 30 meses: “Por um mundo mais justo”, o que implica que o atual é aceitável, com alguns ajustes;
< Fim da retórica anti-capitalista: política econômica responsável;
< “Ponte” entre  Porto Alegre e Davos;
< Na prática, os antiglobalizadores não têm nada de muito prático a propor, como revelado nas manifestações;
< Pouco sucesso no “fome zero mundial”: apenas uma taxa, de adesão voluntária, sobre as passagens aéreas;
< A China é o maior e melhor exemplo do “consenso de Washington”;
< Aceitação quase nula do “consenso de Buenos Aires”: teses vagas;
< Ações sociais não têm dependência direta da situação econômica.


4. Sistema multilateral de comércio
OMC e negociações comerciais multilaterais
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Ativismo diplomático: formação do G-20, em Cancun (setembro de 2003): fim dos subsídios internos e das subvenções às exportações de produtos agrícolas;
> Enfática defesa da soberania econômica nacional e de políticas nacionais, macroeconômicas e setoriais, para o desenvolvimento nacional;
> Ofensivo na demanda de acesso a mercados agrícolas, mas defensivo na abertura e liberalização dos setores industriais e de serviços nacionais.
< Vitória mais de procedimento do que de substância: interesses internos dos países membros são contraditórios e defensivos; amarram o Brasil a posições menos ofensivas;
< Fraco entendimento nacional sobre o que são políticas nacionais e setoriais de desenvolvimento: inconsistências temporais e substantivas na definição de políticas adequadas ao momento;
< Necessidade de maior equilíbrio negociador e construção de consenso interno em favor de abertura e liberalização progressiva do setor comercial.


5. Relações políticas bilaterais
Relações Sul-Sul - países em desenvolvimento
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Grande arco de alianças estratégicas: China, Índia, Rússia;
> Formação do G3 (África do Sul e Índia);
> Concertação política, econômica e até estratégica com a China e a Rússia (Viagem à Rússia: “A política externa brasileira tem a Rússia como parceiro estratégico.”);
> Tentativa de coordenação política, além do desejo de aprofundar os laços econômicos, tecnológicos e de cooperação técnica;
> Política de ativa solidariedade com a África (reconhecimento pelos séculos de tráfico, de escravidão e de exclusão interna dos “afro-brasileiros”).
< “Alianças estratégicas” devem ser condicionadas a interesses nacionais;
< Um formato em busca de algum conteúdo;
< Diferenciais de poder e de presença internacional dificultam o intento;
< Os países sempre adotam uma postura pragmática (e não principista) na definição de suas propostas e ações diplomáticas e de cooperação;
< Dúvidas quanto à consistência histórica e moral da “dívida para com a África” (gerações atuais nada tiveram a ver com o tráfico e a escravidão).


6. Sistema financeiro internacional
Crises financeiras e acordos com o FMI
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
>  FMI: um dos principais objetos da demonologia econômica da esquerda;
> O PT opõe-se a qualquer acordo que “limite a soberania brasileira”;
> Mudança de postura durante a campanha eleitoral: aceitação relutante (mas desconfiança silenciosa);
>  Postura pragmática do ministro Palocci;
>  O PT teve de aprovar, em 2003, a renovação do acordo de 2002;
>  Mas, convivência (de má vontade) com esse acordo, tolerado apenas e tão somente enquanto era absolutamente indispensável para o equilíbrio das contas externas;
>  Alívio com a não recondução do acordo com o FMI: em compensação, foram mantidos os níveis do superávit primário.
<  Não ao FMI: uma das grandes bobagens do “pensamento” econômico da esquerda;
<  A “limitação de soberania” se dá por inadimplência, não por acordo com o FMI;
<  Oportunismo eleitoral: depois assunção de todos os princípios e práticas de uma gestão econômica responsável;
<  Não há outra atitude a tomar;
<  Com muita oposição interna e bastante desconforto público;
<  O governo do PT promoveu a mais dramática melhoria da situação das contas externas conhecida na história econômica brasileira, não só por mérito próprio, mas ajudado pela economia internacional;
<  O governo continua praticando a mais exemplar ortodoxia econômica já operada no Brasil nas últimas décadas.


7. Ativismo diplomático
Brasil como “líder” regional e mundial
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Um dos grandes objetivos políticos, não necessariamente limitado à região, mas podendo estender-se ao mundo todo;
> Esse papel pode ser conquistado com o ativismo diplomático e as alianças estratégicas, com países selecionados, que estão sendo desenvolvidas;
> Não parecem existir, a priori, limitações estruturais (orçamentárias e militares) a essa pretensão à liderança;
> Na prática, o exercício da liderança é mais difícil do que o antecipado nos discursos para consumo público.
> O elemento da liderança aparece nas relações com os vizinhos, mas também  com os países africanos e, de modo geral, para o mundo em desenvolvimento.
< Raramente, em diplomacia, se afirma liderança diretamente, mas se espera que ela seja reconhecida, em bases concretas;
< A liderança deve resultar de uma gradual preeminência econômica do País, em primeiro lugar na própria região, estendendo-se eventualmente, a outras regiões;
< Deve haver uma avaliação clara da limitação dos recursos efetivamente disponíveis para a ação externa do Estado;
< Na prática, não há disponibilidade de recursos financeiros, ou sequer militares e diplomáticos, para isso.
< Existem limites, derivados da capacidade econômica do Brasil, a essa liderança, bem como restrições dadas pelas percepções dos parceiros (a começar pela Argentina);


8. Integração regional
O Mercosul e a inserção internacional do Brasil
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> A prioridade mais importante da diplomacia brasileira: importância estratégica do Mercosul como base material para a união política da América do Sul;
> Região deveria estar livre de influências “externas” (grande irmão do Norte) e das limitações hegemônicas por ele impostas (notadamente no âmbito da Alca);
> Mercosul como fortaleza defensiva contra as investidas do império;
> O social e o político assumem precedência no processo de integração;
> Mercosul passou a ser buscado não como um meio para realizar objetivos de política externa, mas como um fim em si mesmo: Brasil assume custos e responsabilidades da ênfase no Mercosul. Falta de recursos financeiros para a integração física;
>  Assimetrias internas tem de ser superadas mediante programas compensatórios, num esquema similar ao dos fundos europeus de convergência.
<  Determinismos geográficos geralmente não são bons conselheiros em matéria de inserção internacional: o ideal a ser buscado é o universalismo sem restrições;
<  A idéia de uma exclusividade regional e de supostas ameaças externas não combinam muito com a realidade de um mundo globalizado, ao qual a região deve aderir;
<  Mercosul como plataforma para o exercício de uma interdependência assumida;
< Na ausência de progressos econômicos e comerciais fica difícil sustentar a integração;
<  A integração e o Mercosul não podem ser convertidos em fins, em si mesmos, mas servir de base para o atingimento de outros objetivos de desenvolvimento nacional. O Brasil não dispõe de recursos suficientes, mas oferta de capitais não é o problema;
<  Assimetrias internas são mais importantes do que as existentes entre os países do Mercosul, e elas de fato constituem a base da integração regional (David Ricardo).

A integração sul-americana não pode ser construída unicamente com base em instituições criadas politicamente, mas sim deve responder a necessidades concretas da economia.

9. Relações políticas bilaterais
Relações com a República Argentina
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> “O” parceiro estratégico: tolerância excessiva em relação a salvaguardas contra produtos brasileiros;
> Consultas freqüentes e busca de posições comuns (na Alca, por exemplo);
> Aceitação prévia da meta da moeda comum e da união política (parlamento do Mercosul diretamente eleito);
> “Consenso de Buenos Aires”: mais no plano simbólico do que em ações reais;
> A identidade de posições e a política de compreensão deveriam conduzir ao reforço do Mercosul, à consolidação da união sul-americana e a uma maior projeção internacional.

< A “diplomacia da generosidade” não pode ser feita em detrimento dos interesses dos industriais brasileiros;
< A coordenação de posições não consegue alcançar todos os pontos;
< Renúncia de soberania (implícita e explícita no projeto da moeda comum) precisa ter justificativa muito forte;
< Não há muitas alternativas em termos de políticas econômicas;
< Na prática, o Mercosul  foi fragilizado pela inobservância de regras básicas, a Argentina nunca aderiu à tese da América do Sul e vem obstaculizando, quanto possível, o projeto da cadeira no CSNU.


10. Diplomacia regional
Comunidade Sul-Americana de Nações
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
>  Não apenas relações são estratégicas, mas abundam as iniciativas políticas: visitas a todos e recebimento em Brasília de todos os chefes de Estado da região;
>  Ampliação das negociações regionais de comércio entre a CAN e o Mercosul, mas acordos de efeitos limitados e dificuldades para a formação de uma área de livre comércio (poder de atração dos EUA);
>  Liderança proclamada na região recebeu menor carga retórica no segundo ano
>  Estratégia arriscada nas negociações hemisféricas da Alca; reintegração de Cuba ao concerto americano (dificuldades);
>  Esquema da IIRSA parcialmente aceito pelo governo Lula, que prefere financiamento bilateral pelo BNDES (limitações de recursos enfrentadas pela diplomacia na materialização dos projetos concebidos).
<  Abandono de uma postura tradicionalmente mais discreta na região pode redundar em resistências que estavam sendo superadas;
<  Região é vista como cenário de atuação exclusiva da diplomacia brasileira, em competição com os Estados Unidos, mas os demais países preferem manter suas opções abertas, em vista das diferenças de poder;
<  Reconhecimento das limitações à liderança regional, inclusive por razões históricas;
<  Sucesso na paralisação da Alca pode representar uma frustração para os demais países, que esperam acesso ao mercado EUA;
<  A Comunidade não tem ainda estrutura definitiva e os esquemas de financiamento não são a maior dificuldade, e sim a existência, ou não de bons projetos, com capacidade gerencial para levá-los a bom termo, o que depende dos Estados nacionais.
As relações cooperativas com todos os países da região devem partir de dados concretos: pacificação política e militar dos países vizinhos, estabilidade social e perspectivas de crescimento econômico na região.

11. Relações políticas fora da região
Relações com a União Européia
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Atribui à União Europa um papel político compensatório em uma espécie de “aliança estratégica” contra o unilateralismo dos EUA, para uma mudança no “eixo do poder mundial”;
> Visão de um acordo comercial entre o Mercosul e a UE como dotado de maiores benefícios potenciais do que aquele negociado com os EUA e demais parceiros no âmbito do projeto da Alca.
< A Europa permanece basicamente atlantista (OTAN), a despeito de alguns desentendimentos ocasionais com os EUA (Iraque), e não pretende mudar as “relações de força” no plano mundial;

< As relações de comércio entre o Mercosul e a UE são basicamente do tipo Sul-Norte (produtos primários contra manufaturados) e os europeus são bem mais protecionistas na área agrícola.


12. Relações políticas bilaterais
Relações com os Estados Unidos
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Relação importante, mas considerada não essencial para os objetivos brasileiros;
> Desacordos são nítidos, tanto políticos quanto econômicos;
> No plano da política mundial, se busca concretamente a emergência da multipolaridade;
> Reciprocidade estrita (revelado no fichamento de turistas americanos);
> Governo Lula não é anti-americano, mas há uma nítida postura anti-americana em diversos setores da base política do PT.
< De fato, subsiste uma grande desconfiança, ainda que se reconheça a importância dos EUA;
< Parco trabalho conduzido para eliminar ou diminuir os desacordos.
< Correto, mas unipolaridade resulta não da vontade própria dos EUA, mas da incapacidade dos demais;
< Concepção equivocada da reciprocidade (discriminação ilegal);
< A sociedade brasileira manifesta sentimentos ambivalentes e contraditórios em relação aos EUA, feitos de admiração e receio.


13. Segurança internacional
A questão do terrorismo
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> Discurso de Lula em 10 de julho de 2003:

“Não será militarmente que vamos acabar com o terrorismo, nem tampouco com o narcotráfico. Vamos enfrentar isso com muito mais densidade na hora em que a gente atacar o problema crucial que é a pobreza no mundo.”

> Assembléia Geral da ONU setembro 2003:

“Existe, hoje, louvável disposição de adotar formas mais efetivas de combate ao terrorismo, às armas de destruição em massa, ao crime organizado. (…) Não podemos confiar mais na ação militar do que nas instituições que criamos com a visão da História e a luz da Razão. (…) O verdadeiro caminho da paz é o combate sem tréguas à fome e à miséria, numa formidável campanha de solidariedade capaz de unir o planeta ao invés de aprofundar as divisões e o ódio que conflagram os povos e semeiam o terror.”
<  O problema do terrorismo está em que ele não deriva apenas ou essencialmente de condições de pobreza ou sequer de injustiça, mas de percepções peculiares sobre o problema da dominação política e a impotência da ação democrática, sendo respaldado por grupos de ativistas que em geral possuem uma visão fundamentalista do mundo.

< Os movimentos terroristas não são, em geral, dissuadidos por ações sociais ou humanitárias, ainda que no longo prazo eles possam ser vencidos pela gradual conscientização das comunidades nas quais se inserem. No curto prazo, porém, a segurança tem de ser assegurada pela dissuasão preventiva ou pela ação repressiva.



14. Negociações comerciais hemisféricas
 Negociações em torno de uma Alca
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
> PT sempre se opôs ao esquema velado de “dominação imperial”: Alca seria um “projeto de anexação”;
> Plebiscito contra a Alca com amplo apoio de setores do PT e de sindicatos identificados com o partido), mas o PT retirou seu patrocínio explícito;
> Aceitação muito relutante do princípio do “livre-comércio”;
> Barganha ainda mais dura na mesa de negociações: vários impasses negociais ao longo de 2003 e início de 2004. Alca parada desde então;
> “Interesse nacional” e desvantagens da liberalização comercial assimétrica;
> Minilateralismo e liberalização à la carte: de fato, a Alca “aladizou-se”.

< As razões não derivavam de uma análise de cunho econômico, mas de uma ação essencialmente política;
< A oposição continuou plena no âmbito da base social e dos grupos de apoio, mas no governo ela se manteve bastante discreta;
< De fato se buscou diversificar o comércio, para não ser “dependente”;
< Ação cautelosa contra a Alca feita no interior do próprio processo negocial, com base em novos requerimentos para alcançar resultados;
< Não há acordo sobre o interesse nacional e sobre eventuais resultados;
< Qualquer novo progresso depende de resultados na Rodada Doha (OMC).


15. Questões institucionais
O papel do instrumento diplomático
Posições do Governo Lula:
Contrapontos possíveis:
>  Itamaraty partilha a formulação e execução da política externa com assessores presidenciais (partidários) e outros atores escolhidos de forma ad hoc;
>  Diplomacia presidencial implícita (conceito recusado por sua identificação com a administração anterior);
>  Coordenação política com países em desenvolvimento e “alianças estratégicas” com alguns deles;
>  Liderança regional e internacional para mudar substantivamente o mundo, e implantar uma “nova geografia comercial”;
>  Participação no mundo globalizado, com preservação da soberania nacional.
<  Problema da unidade conceitual e da uniformidade de concepção e formulação da política externa, com preservação de um discurso unificado em temas sensíveis;
<  Grande ativismo do chefe de Estado gera o problema da instância política de recuo ou de retificação das ações empreendidas;
<  Em diplomacia, posturas adotadas a priori podem não ser as mais adequadas, uma vez que se deve preservar flexibilidade na ação;
<  A implementação das mudanças não depende apenas do discurso diplomático, mas de condições efetivas de influência e de ação;
<  A soberania se defende, justamente, com maior participação na interdependência global.


Livro sobre relacoes Brasil-EUA (2005): entrevista PRA - Jornal da Caixa

A entrevista abaixo também pode ser considerada inédita. Pelo menos nunca vi o jornal da Caixa Econômica Federal que a transcreveu, mas tinha recebido a transcrição da minha entrevista para corrigir algum eventual erro ou imprecisão.
O livro em questão é este aqui: http://www.pralmeida.org/01Livros/2FramesBooks/65RelBrEUA.htm (abaixo transcrevo o sumário).



Relações Brasil-Estados Unidos
Em entrevista ao Jornal da Caixa, o diplomata Paulo Roberto de Almeida fala sobre a ligação dos dois países e elogia iniciativa do CAIXA Internacional.

Brasília, 6 de agosto de 2005.

O diplomata Paulo Roberto de Almeida lançou em Brasília/DF, no projeto Sempre um Papo, o livro “Relações Brasil-EUA: Assimetrias e Convergências” (Ed. Saraiva). É ele o primeiro convidado da série de entrevistas a serem realizadas pelo Jornal da Caixa com os debatedores do projeto.

Em seu depoimento, o diplomata discorre sobre a ligação entre os dois países, seus conflitos e assimetrias. Quanto à publicação, esclarece que ela é fruto de um seminário realizado em junho de 2003, quando ele era ministro-conselheiro, servindo sob a chefia de Rubens Antônio Barbosa (co-organizador do livro), então embaixador do Brasil nos EUA (1999-2004).

Exatamente um ano depois, a Caixa lançava, em Nova York, o CAIXA Internacional, serviço de remessas de recursos voltado para os brasileiros. “Acredito que a Caixa faz um trabalho excelente”, afirma.

JC – Qual a origem das relações Brasil-EUA?
Paulo Roberto - O Brasil mantém, com os EUA, a mais longa relação diplomática da história do País. Afinal, os norte-americanos foram os primeiros a reconhecer a independência brasileira, em 1824. Desde então, as relações têm sido positivas, mas existem questões conflituosas, como o projeto de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

JC - Pode-se mensurar essa relação; ou seja, existem mais assimetrias ou convergências entre os dois países?
Paulo Roberto - Existem assimetrias estruturais; basta comparar o peso econômico dos dois países. Os EUA são uma potência tecnológico-militar, com um PIB de U$ 12 trilhões, enquanto o do Brasil é de apenas U$ 500 bilhões. A renda per capita deles é de U$ 36 mil, a nossa não alcança U$ 5 mil. Sobre as convergências: são duas economias capitalistas, de mercado, duas democracias interessadas na estabilidade regional, na paz, na não-proliferação de armas, no combate ao narcotráfico, ao crime organizado, engajados na prevalência de um mundo mais estável.

JC – Então, os conflitos são comerciais?
Exato. Existem conflitos entre EUA e Brasil que não são políticos, nem diplomáticos, mas comerciais, como existem conflitos entre EUA e União Européia, Canadá, China e Japão. Os EUA são uma grande economia, um país muito aberto, mas que contêm, em sua sociedade, lobbies, interesses protecionistas concentrados em algumas áreas, geralmente na área agrícola, na qual o Brasil é muito competitivo, ou em algumas indústrias tradicionais baseadas nas forças de trabalho, como as têxteis, siderúrgicas e de calçados, nas quais o Brasil tem também grande competitividade. Nas áreas em que eles dominam, eles querem a total liberalização do comércio, dos serviços financeiros, da alta tecnologia, da informática, da indústria de lazer (cinema, música). Naquelas em que nós somos mais competitivos, eles impõem restrições setoriais ou salvaguardas abusivas a produtos brasileiros.

JC – Daí o impasse da ALCA? Ela tem futuro?
Paulo Roberto - A ALCA tem um passado: em 1889, os EUA fizeram uma primeira proposta de união aduaneira das Américas, na qual o Brasil entrou como Monarquia e saiu como República, porque a reunião ocorreu entre outubro de 1889 e março de 1990. A proposta não obteve resultado, na época, mas prenunciou outras tentativas ao longo do século XX. A ALCA, como a conhecemos, vem de uma iniciativa do George Bush pai, em 1990. Em 2002, Brasil e EUA assumiram a fase decisiva das negociações, mas manifestaram posições divergentes em vários pontos: os EUA não se comprometem com a total abertura dos mercados agrícolas, com a eliminação dos subsídios da produção agrícola e das subvenções às exportações desses produtos, além de outras questões de protecionismo residual. Por outro lado, desejam a abertura ampla dos países da América Latina nas áreas em que são mais competitivos: serviços, bens tecnológicos sofisticados e maior proteção à propriedade intelectual, combate à pirataria, liberdade para os investimentos estrangeiros, acesso a compras governamentais no Brasil – todas áreas em que o Brasil tem restrições por desejar reservar espaços nacionais para o desenvolvimento. A ALCA, portanto, está em relativo impasse. O acordo deveria ocorrer neste momento, porque, em 1994, os presidentes se comprometeram a fechar as negociações em 2005, para colocá-la em prática em 2006, o que dificilmente ocorrerá.

JC – Para os leigos, o Brasil é submisso à vontade norte-americana. Essa impressão procede?
Eu não acredito em submissão do ponto de vista diplomático. Se houve um certo alinhamento, isso se deu na época da Guerra Fria, por causa do confronto ideológico. O que há, sim, é uma dependência financeira. O Brasil é um país que sempre importou capitais, inicialmente capitais ingleses e, posteriormente, americanos, tanto de investimento direto, para o estabelecimento de nossas indústrias, quanto para fins de financiamento governamental – balanço de pagamentos, dinheiro do FMI, do BIRD, fontes comerciais etc. O Brasil enfrentou crises financeiras e, nessas fases críticas, os EUA deram um apoio substancial ao Brasil, especialmente em 1998, 2001 e 2002. Por isso o País não quebrou, como a Rússia e nações asiáticas – Tailândia, Coréia, Indonésia, etc. O Brasil recebeu um pacote de apoio financeiro, que permitiu que ele continuasse solvente nas suas obrigações externas. Atribuo isso a um interesse próprio dos EUA, sem dúvida, porque uma quebra do Brasil afetaria, em primeiro lugar, empresas americanas que operam no Brasil, assim como os bancos americanos presentes no seu mercado financeiro, cuja exposição é muito grande.

JC – O livro que o senhor acaba de lançar é, portanto, um balanço sobre essa relação?
Paulo Roberto – A história do livro se confunde com as atividades acadêmicas do embaixador Rubens Antônio Barbosa, com minha assistência, à frente da Embaixada do Brasil nos EUA (1999-2004). Nesse período, nós mantivemos vários seminários sobre o Brasil com a comunidade acadêmica americana, com meios empresariais, entidades de pesquisa e setores governamentais voltados para as relações Brasil-EUA ou para o conhecimento sobre o Brasil nos EUA que, evidentemente é limitado. O seminário que originou a publicação foi de uma espécie de balanço e propostas de políticas para o relacionamento bilateral, pouco antes da visita de trabalho do presidente Lula aos EUA, em junho de 2003. Foi um evento dividido em quatro grandes blocos: relacionamento histórico e diplomático; desenvolvimento econômico comparado; relações e negociações comerciais bilaterais; e questões de segurança e estratégicas. Em cada um desses blocos, tivemos um americano e um brasileiro discorrendo sobre o tema, com liberdade, e pelo menos mais um brasileiro e um americano para comentar os temas apresentados e discutir, publicamente, propostas e relações concretas.

JC – Qual a importância, para o senhor, do CAIXA Internacional?
Paulo Roberto – Iniciativas no sentido de facilitar a transferência de recursos e diminuir as comissões dos agentes financeiros são extremamente bem-vindas. Acredito que a Caixa faz um trabalho excelente. Eu, quando estava em Washington, pude observar os primeiros passos do governo brasileiro para orientar o trabalho em torno da facilitação dessas transferências de recursos e legalizá-las. Foram feitas reuniões entre governos e instituições financeiras para facilitar essa transferência de recursos, que é essencial para a América Latina e para o Brasil. Para nosso país, ela é a segunda ou a terceira fonte de recursos externos. Depois da Embraer, que é o primeiro item das exportações brasileiras, e eventualmente de uma ou outra commodity, como minério de ferro, remessas de imigrantes brasileiros são os principais aportes para a balança de pagamentos, na faixa de U$ 4 a 5 bilhões por ano. A Caixa, portanto, tem todo o interesse, em benefício do brasileiro, em estender esse serviço, especialmente nas cidades de maior concentração de brasileiros: costa leste dos EUA – na faixa da Nova Inglaterra, entre Boston e Nova York -, na Flórida, e, crescentemente, no sudoeste: Texas, Novo México e Califórnia.

1476. “Relações Brasil-Estados Unidos: Entrevista ao Jornal da Caixa”, Brasília, 6 out. 2005, 3 p. Entrevista sobre o livro lançado pela Saraiva sobre relações Brasil-EUA.

Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências
Paulo Roberto de Almeida e Rubens Antônio Barbosa (organizadores)
(São Paulo: Editora Saraiva, 2005, 298 p.; ISBN: 85-02-05385-X)
Sumário:
 Expediente, Prefácio e Sumário (pdf)
 Rubens Antônio Barbosa
  1. Novas relações para um novo século: a parceria Brasil-Estados Unidos
  Paulo Roberto de Almeida e Rubens Antônio Barbosa                                 
      Primeira Parte
Relações Brasil-Estados Unidos em perspectiva histórica
2. As relações do Brasil com os Estados Unidos em perspectiva histórica
Paulo Roberto de Almeida
3. Variações do nacionalismo: meio século de relações brasileiro-americanas
 Lincoln Gordon
  Comentários: Thomas E. Skidmore; Eduardo Viola                
Segunda Parte
Processos paralelos de desenvolvimento e de interdependência econômica
4. Etapas iniciais do desenvolvimento e da interdependência econômica
John DeWitt
5. Uma perspectiva macroeconômica do crescimento brasileiro: comparações internacionais
  Eliana Cardoso
     Comentários: Joseph Love
Terceira Parte
Comércio bilateral e regional e negociações hemisféricas e multilaterais
6. As relações econômicas Brasil-Estados Unidos e as negociações comerciais
Rubens Antônio Barbosa
7. As relações comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil numa nova era  Jeffrey Schott
    Comentários: Marcelo de Paiva Abreu e Paolo Giordano
Quarta Parte
Perpectivas futuras das relações bilaterais
8. Perspectivas do Brasil como modelador das relações bilaterais com os     Estados Unidos
    Thomaz Guedes da Costa
 9. As relações Brasil-Estados Unidos: a parceria indefinida
     Peter Hakim
Apêndices:
Cronologia das relações Brasil-EUA no contexto regional e mundial, 1994-2004
Atos bilaterais e mecanismos de consulta entre os dois países