O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

sábado, 27 de outubro de 2018

O Antagonista resume o momento atual: politico e eleitoral


E aproveita para tentar vender seu novo produto, a revista digital Crusoé.
Recolho da matéria apenas a parte expositiva, sobre a situação do Brasil, e deixo de transcrever toda a sua publicidade em prol da nova revista (da qual já sou assinante, e recomendo).
Paulo Roberto de Almeida 

Bolsonaro enfrentará fortes turbulências, e o país juntamente com ele. Você precisa estar preparado
Caro leitor,
Bolsonaro está muito perto da Presidência.
Muito perto de derrotar o petismo e seu projeto de poder.
Eleito, ele enfrentará fortes turbulências, e o país juntamente com ele, prevê Mario Sabino, na Crusoé.
Por causa do estilo de paraquedista que salta atirando do capitão do Exército.
Porque ele é declaradamente de direita, fato inadmissível para tanta gente bonita e democrática que acha que o “anti-humano” deve ser “varrido da face da Terra”.
Para lidar com a turbulência, Sabino apresenta uma série de recomendações ao virtual presidente eleito.
É coisa séria.

Eleito, Bolsonaro deveria, entre outras recomendações:
   dizer já na comemoração da vitória que será o presidente de todos os brasileiros
   vigiar os filhos Eduardo, Flávio e Carlos
   colocar mulheres no ministério
   deixar 1964 no passado
   empenhar-se para diminuir drasticamente a criminalidade já no primeiro ano de governo

O seu futuro pessoal e o do Brasil como nação dependem fortemente da capacidade de Bolsonaro de lidar com essa turbulência e liderar a mudança no país.
Afinal, a partir de agora, só resta ao Brasil um dos seguintes caminhos:
1— Ou o país retoma as rédeas do crescimento, com a aprovação das reformas estruturais necessárias para resgatar a economia do limbo;
2— Ou retrocede à antiga matriz populista, responsável pelas atuais mazelas como desemprego, inflação, falência da indústria e total desajuste nas contas públicas.
Mas, apesar da importância histórica destas eleições, a imprensa não está falando toda a verdade para você.
Não espere para ser pego de surpresa.
Pense que diferença faria se todos estivessem vigilantes há exatos quatro anos.
Às vésperas da reeleição de Dilma Rousseff, em outubro de 2014, as verdadeiras intenções da ex-presidente não eram plenamente conhecidas.
E o resultado foi catastrófico:

O que Dilma prometeu em out/2014
Baixar a conta de luz
Retomada do crescimento
Controlar a inflação
Não elevar juros
Geração de emprego

Impacto na economia até o impeachment
Apagão e tarifaço
O PIB despencou e chegou a 3,85% negativos
A inflação saltou de 6,40% para 10,67%
A Selic chegou a 14,25%
A taxa de desemprego cresceu 90%

Economia não admite experiências de laboratório. Erros cobram seu preço e as consequências podem se estender por gerações.

InfoMoney — outubro 2016

Depois será tarde para você se dar conta que não conhecia toda a verdade.


 (...)

Mensagem de solidariedade e de conforto - Paulo Roberto de Almeida

Mensagem de solidariedade aos vencidos

Paulo Roberto de Almeida

Nas vésperas do segundo turno eleitoral, venho apresentar, preventivamente, minhas sinceras expressões de solidariedade e de condolências (se o termo se aplica) aos que saem frustrados deste mais recente embate político em nosso país, certamente o mais polarizado, o mais aguerrido e o que mais trouxe animosidade e mesmo cizania na sociedade.
O ideal seria que o presidente eleito fizesse um apelo à acalmia dos ardores políticos, chamasse seus próprios eleitores, e os do seu adversário à razão, e conclamasse todos ao imenso trabalho de soerguimento da nação, ainda nos esforços de recuperação da maior crise econômica jamais vista no Brasil.
Aos eleitores de Bolsonaro, se ele for eleito, não creio que se tenha de fazer qualquer recomendação especial, pois a imensa maioria está muito distante daqueles conceitos abusivamente empregados durante semanas a fio pela campanha opositora — fascismo, nazismo, homofobia, racismo, elitismo, antiambientalismo, misoginia, etc. —, uma vez que a principal motivação era apenas afastar a volta do PT ao poder, e quase todos se sentirão recompensados na noite de domingo. Os poucos que exibirem qualquer um dos traços estereotipados acima, deverão ser isolados e contidos.
Aos eleitores de Haddad, que aparentemente vai perder, cabe mais exatamente esta mensagem de solidariedade, pois eles se sentirão frustrados, raivosos e talvez até exibam sentimentos vingativos.
Se ouso consolá-los, eu diria que eles tiram, dessa derrota, pelo menos uma vantagem: terão uma poupança extra, mesmo indireta, uma vez que deixarão de ser roubados, como todos nós fomos nos treze anos e meios de cleptocracia petralha, e também porque o Estado deixará de extrair menos recursos para aplicação em políticas totalmente equivocadas, como foi o caso durante a gestão inepta e corrupta do regime companheiro. 
Ufa! Já é uma enorme vantagem saber que não continuaremos a ser indevidamente extorquido por um Estado obeso e ineficiente, um ogro famélico que contribui, justamente, para a concentração de renda em favor dos mais ricos, como tem sido a marca das políticas públicas sob os governos desastrosos da organização criminosa travestida de partido político que tomou o poder de assalto no Brasil, entre 2003 e 2016.
Com estas palavras, encerro minha mensagem de congratulações aos vencedores, quaisquer que eles sejam, e de sincera solidariedade aos vencidos.
Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 27/10/2018

Matias Spektor: pressões externas contra Bolsonaro (FSP)

Matias Spektor
Descrição de chapéu Eleições 2018

Pressão externa contra Bolsonaro será pequena no início do governo

Caso candidato do PSL seja eleito, suas decisões não enfrentarão oposição cerrada


Folha de S. Paulo, 25.out.2018 às 2h00 

Se eleito, Jair Bolsonaro encontrará um ambiente internacional permissivo a sua agenda de governo. Os ventos do mundo lhe são favoráveis.
Suas decisões não enfrentarão oposição cerrada de nenhum país ou organismo internacional com influência imediata sobre o Brasil.
Comecemos pelos Estados Unidos: embora seja impossível prever quão fluida será a relação interpessoal de Bolsonaro com Trump, o próximo governo brasileiro gozará, ao menos no início, da anuência tácita de Washington.
Mesmo que a lua de mel com o mercado financeiro dure pouco, o tom oficial na capital americana se parecerá mais ao último editorial positivo do jornal The Wall Street Journal que ao negativo do diário The New York Times.
Na Argentina, Mauricio Macri não poderá alardear intimidade com Bolsonaro (o sistema político argentino não tolera o radicalismo do capitão).
Mas Macri, enfraquecido, tampouco pode se dar ao luxo de provocar o Brasil. Se Bolsonaro chegar propondo uma parceria na segurança das fronteiras, tema caro à Casa Rosada, o governo em Buenos Aires tende a engolir a seco as diferenças e a seguir o Planalto a reboque.
 China, por sua vez, é o país que mais tem a perder se Bolsonaro implementar suas promessas de campanha. Nada indica, no entanto, que Pequim vá correr para as trincheiras. Antes, trabalhará nos bastidores para diminuir arestas e encontrar convergências.
Muito menos se ouvirão críticas de Vladimir Putin (Rússia) ou Narendra Modi (Índia). A empatia dos governantes dos Brics com Bolsonaro já está contratada: assim como ocorre com o capitão, eles são alvo da imprensa internacional e da opinião de intelectuais.
oposição externa a Bolsonaro virá, no primeiro momento, de movimentos sociais transnacionais, organizações não-governamentais e imprensa. A comunidade de cientistas na área de mudança do clima também tende a vocalizar suas críticas.
Esses atores buscarão influenciar governos estrangeiros, parlamentares e organismos internacionais mundo afora.
Burocracias de instituições tais como Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio, Nações Unidas e União Europeia são candidatas naturais a ecoar argumentos críticos em relação a uma administração Bolsonaro. Governos de países como França, México e Canadá tendem a ser particularmente sensíveis a isso.
A pressão externa, portanto, será fraca no início. A implicação prática é que, ao menos em 2019, os contrapesos necessários para manter o prumo democrático terão de vir aqui de dentro. O resto do mundo será passivo no primeiro momento.
O impossível de prever agora é durante quanto tempo.


E o PT criou Bolsonaro - Rudolfo Lago e Wilson Lima (IstoE)

Revista ISTO É

E o PT criou Bolsonaro

O recado da sociedade é inequívoco: em busca do novo, tentando enterrar a política do compadrio, da corrupção e da mentira disseminada pelo lulopetismo, o País está prestes a eleger como presidente Jair Bolsonaro, antagonista que o próprio Lula gerou

26/10/18 - 09h00
Ilustração: SattuFoi durante um pesadelo que a escritora inglesa Mary Shelley buscou a inspiração para, aos 19 anos, escrever a obra prima da literatura de horror. No livro, o médico Viktor Frankenstein ousa brincar de Deus recriando a vida a partir de uma criatura que constroi a partir de partes de corpos humanos. Logo, porém, o médico percebe que o ser que julgava ter criado era na verdade uma criatura que, logo no primeiro momento após a vida, se voltaria contra seu criador. Há um parentesco óbvio entre a obra de Mary Shelley e o desenlace da disputa presidencial. Em boa parte, foi o PT quem engrossou o caldo de cultura responsável pela provável eleição de Jair Bolsonaro, candidato do PSL. O ex-presidente Lula, que já se comparou a Jesus Cristo, fez de tudo para transformar o pleito numa eleição polarizada. Acabou gerando sua própria antítese, que se revelou nas urnas um líder de massas, como ele. Inicialmente, Lula imaginava que o eleitorado brasileiro iria ungí-lo novamente. Sabendo que não poderia ser candidato, com base na Lei da Ficha Limpa, sancionada por ele mesmo quando presidente, considerou que conseguiria transferir sua popularidade para um preposto, como fez com Dilma Rousseff em 2010. Posaria de vítima, reafirmando que sua prisão era política. Ao final, apostava que essa narrativa seria consagrada nas urnas. Era a eleição plebiscitária com que sonhava. Ao contrário da Justiça, que o condenava, as urnas, acreditava, o absolveria. De roldão, viriam juntos absolvidos todos os demais petistas condenados e denunciados.


Ricardo Moraes/Reuters; Fabio Rodrigues-Pozzebom/Ag. Brasil; Geraldo Bubniak/agb; Juca Rodrigues/Framephoto; Jorge Araújo/Folhapress; Ricardo Stuckert; VANESSA CARVALHO/BRAZIL PHOTO PRESS; AFP PHOTO/Raysa Leite; Reprodução

Armadilha
À medida em que avançava nesse projeto, o PT e Lula radicalizavam o discurso e a postura de vítimas. Afrontavam a Justiça e outras instituições na conformação da sua narrativa. Iam, assim, juntando as peças do seu Frankenstein político. Quando o Frankenstein acordou, revelou-se algo bem mais virulento do que previam. Como reação à radicalização do discurso petista, surgiu em contraposição Jair Bolsonaro, do PSL, um candidato radical, de discurso por vezes perigoso, mas que parece encarnar aos olhos do eleitor justamente a contraface do que, para ele, o PT representa. “Bolsonaro é uma armadilha que o PT inicialmente não previa”, considera o analista político Leopoldo Vieira, da empresa de consultoria IdealPolitik.
O que torna complicada a situação para o PT é que boa parte do eleitorado de Bolsonaro declara saber dos riscos que ele representa. Mas fez a escolha por rejeição ao PT. O efeito teflon migrou de Lula para Bolsonaro. Para o analista político, um dado importante desse fato incontestável é que alguns dos defeitos que o PT aponta em Bolsonaro, o próprio eleitor de Bolsonaro enxerga no PT. Se o aspirante do PSL ao Planalto, agora, é acusado de ter criado uma ampla rede na internet para propagar fake news, antes era o PT quem montava uma estrutura de disseminação de notícias e perfis falsos. Se Bolsonaro às vezes demonstra ter pendores antidemocráticos, expostos por diversas declarações suas e de seus filhos, Eduardo e Flávio, o PT foi além: financiou governos que em nada respeitavam os princípios básicos da democracia, como Cuba e Venezuela. Se o candidato do PSL provoca sobressaltos, capazes de pôr em vigília instituições como o Supremo Tribunal Federal, o PT assustava ao ameaçar levar a cabo atitudes revanchistas caso vencesse as eleições – consubstanciadas na frase do ex-ministro José Dirceu, para quem o partido não iria vencer a disputa, mas “tomar o poder”.
Embriagado pela ideia de reescrever a história e redimir Lula, o PT, portanto, não enxergou os sinais de que a história de radicalização que vinha construindo tinha grande chance de refluir para o nascimento de um contraponto igualmente radical. Atônitos para o que antes do domingo 28 parece já ser uma derrota inevitável, hoje integrantes do partido e de seus aliados, como PDT e PSB, admitem que deveriam ter prestado mais atenção ao que começou a transparecer no país a partir dos protestos de 2013, durante a Copa das Confederações. “A gente pareceu esquecer que tudo começou como reação a aumentos de passagens de ônibus, trem e metrô na gestão do próprio Haddad na Prefeitura de São Paulo”, observa agora um parlamentar do PT.
Em algum momento da trilha para o fracasso nas urnas, Lula tentou promover uma espécie de evangelização de seus aliados e correligionários. Foi quando comparou-se a Cristo. “Jesus Cristo foi condenado à morte sem dizer uma palavra, recém-nascido. E, se o José não corre, ele tinha sido morto. E olhe que não tinha empreiteira naquele tempo, não tinha Lava Jato”, disse. Às vésperas de ser preso, o petista autoproclamou-se uma “ideia”. “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês”, proclamou. “Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Vocês são milhões de Lulas”. No seu entender, ele havia ascendido à dimensão divina. Agora ele encontra no extremo oposto e “com a mão na faixa presidencial”, o antagonista gestado por ele próprio – embora nem Bolsonaro seja capaz de encarnar o “mito”, alardeado pelo seu séquito, nem Lula possa arvorar-se de ente divino, como querem crer os fanáticos petistas.
Dentro do próprio PT, integrantes da sigla admitem que o antipetismo chegou a um nível tão grande que dificilmente ele será dissipado nas próximas eleições. A grande questão é que esse antipetismo foi fomentado, justamente, por ações do próprio partido. A autocrítica cobrada por muitos, Fernando Haddad só começou a fazer, de forma tímida, na reta final da campanha eleitoral. Para um integrante da Executiva Nacional do PT, um grande equívoco agora seria o partido desistir de aprofundar essa revisão dos seus erros. Ainda que, no que parece hoje improvável, o PT venha a virar as eleições, a autocrítica precisará ser feita. E, no caso mais provável de derrota, será essencial para que o partido não acabe minguando nos próximos anos. Hoje, parte do PT ressente-se de não ter feito o que o ex-ministro Tarso Genro propôs quando presidia o partido logo após o escândalo do mensalão, uma revisão profunda, que chamava de “refundação”. “Éramos para ter cortado na própria carne enquanto havia tempo”, diz o petista.
Ao contrário, o PT não apenas renegou seus erros como passou a atacar todos aqueles que os explicitavam. A começar pela imprensa, passando pelo juiz Sérgio Moro, condutor da Operação Lava Jato, por todos os juízes em todas as instâncias, até chegar ao próprio Supremo Tribunal Federal (STF), e alguns de seus integrantes, como o ex-ministro Joaquim Barbosa, relator do mensalão. Para tanto, valeu-se de uma ampla rede de blogueiros e influenciadores digitais. No esforço para estabelecer uma narrativa distorcida da realidade, o PT acabou criando em contraposição outra realidade igualmente distorcida. Assim, a racionalidade foi ficando de lado e as paixões afloraram.
Outro sinal que hoje os petistas admitem ter ignorado foi a reeleição de Dilma Rousseff em 2014. Estava clara ali uma profunda divisão do país, a partir da constatação de que Dilma vencia o pleito com somente pouco mais da metade dos votos. Deveria ter sido feito, avaliam petistas hoje, um aceno de conciliação. Não foi feito. Nem cogitado. Dilma passou a campanha incutindo nas pessoas o temor de que perderiam suas conquistas sociais caso não fosse reeleita. E de que ela era a única alternativa para evitar a recessão e a crise. Mais uma mentira deslavada propagada pelo PT. Tão logo tomou posse, Dilma passou a fazer exatamente o que dizia que seus adversários fariam. Ali apareceu uma figura que, dizem, hoje Bolsonaro explora: a do petista arrependido. “Quando tentamos rever posições, ele cola na gente a ideia do petista arrependido”,diz um integrante do partido. Ou seja: estabelece uma falta de firmeza e de convicção, em vez de um reconhecimento de erro.
No processo de impeachment de Dilma, já parecia claro, pela falta de reação mais forte das ruas, que a narrativa do golpe não ganhava eco na sociedade. Foi outro sinal ignorado. Com efeito contrário, a manutenção de tal discurso reforçou o antipetismo. Na prisão de Lula, a intensidade só aumentou. Finalmente, o erro fatal: a manutenção da candidatura de Lula pelo máximo de tempo possível quando já se sabia da sua impossibilidade legal. A visão colhida até mesmo de petistas é que, ao insistir em uma candidatura que todos sabiam insustentável, Haddad ficou sem tempo de construir a sua própria identidade. Quando entrou, não era como um candidato próprio à eleição. Era como um reserva de Lula. “Lula é Haddad”, dizia o slogan da campanha. “Com o arrefecimento do antipetismo, Haddad herdou mais a rejeição de Lula do que os seus votos”, observa o analista Leopoldo Vieira. Como disse Ciro Gomes, do PDT, era dançar “uma valsa à beira do abismo”. Às vésperas do segundo turno, o PT exibe o que chama de “face perigosa” de Bolsonaro. A essa altura, o eleitor parece decidido. Prefere correr o risco com Bolsonaro, do que endossar a volta do PT ao poder, cujas práticas ele conhece bem e quer ver extirpadas do País.
STF sob ataques
“Eu já adverti o garoto”, disse Bolsonaro

Numa reação orquestrada, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram duros. Entenderam que precisavam se impor como instituição e deixar claro os limites democráticos de um presidente, por maior que seja sua popularidade. O vídeo que começou a circular no fim de semana, em que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, fala que bastam “um cabo e um soldado” para fechar o STF chocou os ministros. “Eu já adverti o garoto”, desculpou-se Bolsonaro.
Em julho, durante uma palestra para estudantes, Eduardo Bolsonaro foi perguntado sobre o que aconteceria se o STF impugnasse a candidatura de seu pai. “Aí vai ter que pagar pra ver. Pessoal até brinca lá, cara, se quiser fechar o STF sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe, manda um soldado e um cabo”, disse Eduardo. Diversos ministros reagiram. Para o ministro Celso de Mello, a fala foi “inconsequente e golpista”. Para o presidente do STF, Dias Toffoli, “atacar o Judiciário é atacar a democracia”.
As reações mostram uma ação combinada de defesa da ordem institucional. Mas não foi a primeira vez que o STF foi atacado. Como reação à prisão de Lula, petistas também falaram em “fechar” o Supremo. Defendiam diminuir a importância da Suprema Corte. “Temos que redesenhar o papel do Poder Judiciário. Temos que fechar o STF. Fazê-lo virar corte constitucional”, disse o deputado Wadih Damous (PT-RJ). Em entrevista a um portal do Piauí, o ex-ministro José Dirceu foi na mesma linha. “É preciso tirar poderes do STF para ser só corte constitucional”, disse. “Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só existem dois, que são eleitos: o Legislativo e o Executivo”. Afrontar as instituições, bem como ameaçar a imprensa, é moda perigosa e precisa ser duramente combatida.
A criatura
ADEMIR PHOTOGRAFO/FUTURA PRESSDe escândalo em escândalo, o chamado “quadrilhão do PT” – termo usado pelo STF para investigar os petistas que comandaram o maior esquema de corrupção já desvendado no Brasil – acabou sendo responsável pelo empoderamento dos grupos que orbitavam em torno de Bolsonaro, como a bancada evangélica (que clamava contra a crise nos costumes), a bancada de bala (inconformada com a onda de violência) e a bancada ruralista (insatisfeita com o crescente desprestígio do agronegócio). Foi o rio caudaloso onde desaguou o capitão reformado


sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Uma nova travessia do deserto? - Paulo Roberto de Almeida

Uma nova travessia do deserto? O Brasil nos próximos quatro anos

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: nova especulação sobre o futuro; finalidade: previsões imprevidentes]
Ouro Preto, 26 de outubro de 2018

Introdução: uma aposta feita ao início do regime lulopetista
Em 2003, ao iniciar-se o primeiro governo do lulopetismo, fiz uma aposta com um amigo acadêmico sobre como seriam os quatro anos seguintes da nova orientação governamental. Ele era naturalmente propenso a encarar positivamente a administração que recém começava; eu, de conformidade com minha habitual postura desconfiada, de ceticismo sadio como eu a chamo, mantinha um moderado pessimismo quanto aos resultados efetivos do novo governo. O objeto eram as políticas sociais: se elas seriam favoráveis aos objetivos proclamados, de melhorias significativas para a população mais pobre, como pretendia o meu amigo, ou se, como eu antecipadamente suspeitava, não teriam efeitos significativos na vida das camadas mais humildes da população. 
Não que eu fosse um pessimista absoluto. Ao contrário. No decorrer do ano eleitoral de 2002, já antevendo meses antes a vitória companheira, eu até me dediquei a escrever uma série de artigos saudando as boas perspectivas, textos que coletei ainda antes do final de outubro para integrar um livro que intitulei, de modo sugestivamente otimista, A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil(São Paulo: Códex, 2003). Nele eu mantinha a confiança de que o PT pudesse fazer, uma vez chegado ao poder, uma espécie de Bad Godesberg, de revisão à la New Labour, e de inaugurar uma administração resolutamente moderna, bem mais parecida com a de Felipe González, na Espanha, do que com a de Salvador Allende, no Chile, esta, aliás, terminada em desastre. Na verdade, não tinha esse tipo de preocupação, pois no livro eu antecipava que os companheiros iriam manter a mesma política econômica “neoliberal” da administração anterior. Eu achava que eles poderiam aprender alguma coisa exercendo tais altos cargos, ainda que cometessem alguns desatinos econômicos.
Mas, conhecendo quão péssimos eram os economistas do PT, como também quão profundos eram os equívocos conceituais, doutrinais e práticos dos dirigentes do partido – mais afeitos ao keynesianismo tosco dos latino-americanos, ao peronismo de botequim dos sindicalistas, ao neobolchevismo dos seus guerrilheiros reciclados e a uma imitação do desenvolvimentismo estatizante do regime militar, com um stalinismo industrial já anacrônico, que eles, no entanto, admiravam –, eu previa resultados pífios para a sua gestão, que imaginava encerrada ao cabo desses únicos quatro anos. Minha aposta com meu amigo acadêmico era muito simples: eu especulava que, ao contrário das promessas grandiloquentes dos dirigentes petistas, ao término do mandato, em 2006, a redução das desigualdades e a prosperidade prometidas pelo PT aos mais pobres não se materializariam, e que, ao fim e ao cabo, os maiores benefícios seriam recolhidos por quem já era rico e privilegiado, pois tudo na política econômica do partido indicava a continuidade do modelo estatizante admirado por eles. Meu amigo recusava essa minha visão pessimista de que o PT daria mais dinheiro à burguesia do que aos pobres, e acreditava que haveria uma grande inversão nas tendências tradicionalmente concentradoras do modelo brasileiro de crescimento e desenvolvimento.
Ambos nos enganamos redondamente, como se pode constatar: a situação dos mais pobres conheceu alguma melhora durante os anos de euforia mantidos a custa de uma alta demanda chinesa por nossas commodities de exportação e de um exacerbado incentivo ao consumo e ao crédito subsidiado, situações não sustentáveis, portanto, uma vez que o crescimento só pode se sustentar à base de investimentos produtivos e de empregos criados pelo setor privado, Mesmo o decréscimo no índice de Gini (que mede o grau de concentração da renda) ocorrido na era Lula foi inferior ao registrado no governo anterior de FHC. Por outro lado, eu estava absolutamente correto quanto a minha principal previsão – a de que o PT beneficiaria mais os ricos do que os pobres – mas os dados estatísticos disponíveis em 2006 não permitiam (naquele momento) trazer evidências nesse sentido. O fato é que todos os grandes programas concebidos e implementados exclusivamente pelo PT – Fome Zero, Primeiro Emprego, políticas industriais e tecnológicas, parcerias público-privadas, etc. – se revelaram um rotundo fracasso. O único programa bem sucedido consistiu, apenas e tão somente, na junção no Bolsa Família de vários programas setoriais já existentes, criados no governo anterior, mas que sob a administração companheira – e assim foi concebido pelos apparatchiks que conceberam o novo expediente político – tinha como real objetivo criar um grande curral eleitoral: ele sempre foi incapaz de eliminar a pobreza, já que sua principal função consiste, única e exclusivamente, em subsidiar o consumo dos mais pobres.
Tanto é assim, e continua cada vez mais sendo assim, que o mapa eleitoral do PT deslocou-se gradativamente das regiões mais urbanizadas, industrializadas e já “desenvolvidas”, para as regiões rurais, mais pobres e educacionalmente atrasadas, ou seja, aquilo que se chama “grotões”, antigamente dominados pelo voto de curral dos coronéis e oligarcas latifundiários, modernamente colocados sob a influência mentirosa da propaganda petista (ao associar a figura do chefão do partido a distribuição das benesses sob a forma de subsídio direto ao consumo). Cabe, no entanto, reconhecer que, naquele primeiro mandato não se tinha ainda começado a deformar a política econômica em vigor no governo anterior, e vários “tucanos” participavam do regime lulopetista, o que pelo menos assegurou alguma racionalidade a certas medidas implementadas. A demanda chinesa, a valorização da moeda, a retomada do crescimento – preparada por todas as políticas seguidas até 2002 – a taxas mais elevadas do que na década anterior, todas as boas notícias econômicas, e a enorme propaganda petista, trouxeram enorme sustentação ao regime, que conseguiu a reeleição mesmo enfrentando o mais grotesco, apenas o primeiro, caso de corrupção na história política do país: o Executivo, por meios escusos, comprando, literalmente, parlamentares e bancadas inteiras, à custa de recursos públicos roubados descaradamente de entidades públicas (Banco do Brasil, ao que se soube, nessa primeira fase), o que, em circunstâncias normais deveriam redundar num pedido de impeachment do presidente, claramente o responsável pela prática delituosa. Por razões diversas, o chefão mafioso escapou das garras da lei.
A oposição, acovardada ou castrada por práticas similares em outras instâncias e circunstâncias, não teve coragem para conduzir um processo de impeachment, assim como eximiu-se, na prática, de fazer oposição, demonstrando pusilanimidade, covardia, ou total falta de percepção sobre a natureza do regime criminoso que começava a se consolidar no país. O Mensalão não foi senão um pequeno aperitivo para coisas ainda mais grotescas que estavam sendo montadas clandestinamente no coração do Estado: o assalto total aos recursos públicos pela quadrilha mafiosa travestida de partido político. A partir do Mensalão, eu tomei consciência de que os companheiros não eram apenas ineptos na condução dos negócios públicos, mas profundamente corruptos e criminosos.

O começo do meu longo exílio de mais de uma década sob o lulopetismo
Antes mesmo do início do regime companheiro eu já tinha escrito e publicado artigos demonstrando como o PT era um típico partido esquerdista latino-americano, com um anti-imperialismo infantil e um antiamericanismo anacrônico, e como suas propostas de política externa eram totalmente inadequadas do ponto de vista de uma diplomacia servindo de modo equilibrado ao interesse nacional. Durante os primeiros três anos do regime não deixei de expressar tais ideias, minha contrariedade com certas posições tomadas na frente externa, em artigos publicados em boletins digitais ou em revistas impressas. Tampouco deixei de expressar publicamente minha opinião sobre certas opções de “alianças estratégicas”, como a preferência míope por uma diplomacia “Sul-Sul”, a parceria com atores “não-hegemônicos” e iniciativas de constituição de novas entidades de coordenação ou de integração regional num sentido claramente anti-imperialista e mesmo antiamericano. Em suma: fiquei contra o lulopetismo diplomático.
Não recebi nenhuma punição explícita por parte do regime companheiro, a não ser um veto, completo mas não declarado, a qualquer cargo na Secretaria de Estado, a despeito de oferecimentos feitos em uma ou outra área do Itamaraty. Tendo recusado uma oferta para dirigir uma embaixada no exterior, fiquei reduzido, durante anos e anos seguidos, ao chamado “DEC”, o Departamento de Escadas e Corredores, fazendo então da Biblioteca o meu gabinete de trabalho. Não preciso dizer que minha carreira ficou totalmente prejudicada por esse ostracismo informal, ainda que eu possa, sinceramente, agradecer aos meus algozes a oportunidade assim dada a uma dedicação quase integral à leituras e aos escritos que passaram a ocupar meu tempo útil na Biblioteca do Itamaraty. 
A travessia do deserto, iniciada no primeiro mandato lulopetista, prolongou-se por todo o segundo mandato, um isolamento completo de quaisquer atividades na carreira, o que a rigor constituía uma irregularidade administrativa, e poderia ter dado ensejo a um processo contra a instituição, o que no entanto nunca considerei fazer, embora tenha buscado informação a respeito. Afinal de contas, eu continuava recebendo um salário – reduzido ao vencimento mínimo, que me equiparava a escalões inferiores da carreira – sem qualquer contrapartida que seria devido ao serviço público. Foi apenas no último ano do segundo mandato, com a aposentadoria compulsória do Secretário Geral do Itamaraty – o mesmo que me tinha vetado para um cargo no Instituto Rio Branco ao início do regime lulista –, me foi finalmente oferecido um serviço provisório no Consulado em Xangai, mas para trabalhar no pavilhão do Brasil por ocasião da Exposição Universal de 2010 naquela cidade chinesa. Foram quase oito meses de estada na China, um país em profundas transformações, quando aproveitamos, Carmen Lícia e eu, para viajar para diferentes cidades do país – aproveitando também para visitar Hong Kong, Macau e Japão –, conhecendo um pouco mais as imensas mudanças em curso numa das regiões mais dinâmicas do planeta.
Enquanto eu atravessava solitariamente o meu deserto funcional, não por vontade própria mas por imposição dos companheiros no controle da diplomacia, o lulopetismo diplomático conhecia o seu momento de maior glória, aparentemente gozando da aprovação unânime dos grandes formadores de opinião, nos meios de comunicação, entre os acadêmicos, na imprensa internacional, junto aos principais interlocutores estrangeiros, em especial nos vínculos com os parceiros estratégicos. A diplomacia lulopetista conheceu, de fato, um grande prestígio junto a todos esses observadores, estudiosos e dirigentes estrangeiros. Cabe, no entanto, proceder a um exame detalhado quanto às fontes e sustentáculos dessa fama, num determinado momento representada pela imagem do Cristo Redentor disparando em direção das alturas, como figurando numa capa da Economist: não importa, aqui, que essa imagem fosse substituída, posteriormente, pelo mesmo Cristo caindo vertiginosamente dos céus, ou que, no ano seguinte, aparecesse o desenho de uma passista de Carnaval, presa num pântano sombrio. Essa foi a trajetória do lulopetismo, do triunfo ao fracasso.
A fase especialmente positiva no crescimento da economia mundial – que se manteve até a crise de 2008 – favoreceu igualmente o Brasil, mas numa velocidade inferior ao da média mundial, à da própria taxa de crescimento da América Latina (na qual países fizeram mais e melhor do que o Brasil) e sobretudo no confronto com o ritmo mais vigoroso da expansão econômica em curso na região da Ásia Pacífico. O bom conceito da diplomacia lulopetista se deveu muito mais à transpiração do que à inspiração, sempre apoiada em doses maciças de autopropaganda e de mistificação. Ocorreu um investimento exacerbado na promoção da imagem do presidente, com um enorme volume de recursos públicos aplicados nos meios de comunicação, nacionais e estrangeiros, inclusive com a mobilização do apoio do formadores de opinião nesses meios e entre os progressistas acadêmicos para a concessão, exageradamente ridícula, de dezenas de doutorados honoris causaea quem não tinha, numa teve, e nunca terá, manifestamente, nenhum contribuição relevante aos anais da ciência, segundo os critérios relevantes que deveriam guiar a concessão desse tipo de honraria. 
Até aquele momento, nem a opinião pública, de forma geral, nem os meios de comunicação do Brasil e do exterior tinham sido alertados para o imenso rol de crimes econômicos, ou de crimes comuns, que estavam sendo cometidos pelos companheiros no comando do Estado brasileiro, a despeito de investigações e denúncias que já tinham sido formuladas esporadicamente em relação a casos que apareciam como estranhos, para dizer o mínimo: construção superfaturada de grandes obras no Brasil, aquisição suspeita de uma ou duas refinarias no exterior, utilização delituosa da principal empresa pública – a Petrobras – em operações potencialmente prejudiciais à própria companhia e ao Brasil, além de dezenas de outros casos apenas “bizarros”, e que só seriam revelados alguns anos à frente, por investigações policiais e judiciais. Tampouco se tinha então conhecimento perfeito da mobilização do BNDES no apoio financeiro a governos corruptos e a várias ditaduras da região e de outros continentes, países com os quais os dirigentes brasileiros mantinham relações muito “acima” dos vínculos diplomáticos “normais”, indo a um mundo obscuro de transações comerciais e de investimentos muito distantes de normas técnicas, para encobrir operações altamente prejudiciais aos povos de todas as partes envolvidas, pois que redundando em fartas propinas encaixadas por esses dirigentes envolvidos em gigantescos atos de corrupção. 
Conhecedor razoável do modo de funcionamento dos assuntos de governo, logo percebi que o extremo ativismo dos lulopetistas com parceiros selecionados envolvia um lado encoberto, não devidamente registrado em documentação oficial ou em despachos diplomáticos. A partir de certo momento – tão cedo quanto contemporâneo ao Mensalão, em 2005 – tive plena consciência de que a gestão companheira encobria um grau inusitado de corrupção, muito além e acima dos níveis geralmente “aceitáveis” de corrupção nos meios políticos. Também conhecedor do submundo da esquerda – por ter mantido relações com várias tribos de opositores do regime militar, e por isso mesmo ter passado sete anos num autoexílio europeu durante os anos 1970, quando continuei a conviver, e a conhecer melhor vários representantes dessa esquerda que depois voltaria ao Brasil com a anistia de 1979 –, também tinha plena consciência da corrupção em que sempre viveu o meio sindical no Brasil, bem como dos instintos “neobolcheviques” de muitos dos guerrilheiros reciclados que depois se associaram ao PT na redemocratização. Isso me levou rapidamente à conclusão de que estávamos em face de uma mudança qualitativa na natureza da corrupção política, inclusive porque já tinha ficado meridianamente claro, durante o Mensalão, que o PT colocou a corrupção geral do sistema político (e junto aos meios empresariais também) a serviço de um projeto monopólico do poder, deformando o funcionamento das instituições.
Desde então me tornei um opositor resoluto da organização criminosa que se travestia de partido político, e deixava transparecer tal certeza disfarçadamente em vários dos meus escritos, publicados em veículos disponíveis ou divulgados através de minhas ferramentas sociais (meu site pessoal e o blog Diplomatizzando, que se tornou praticamente uma espécie de quilombo de resistência intelectual que prevalecia quase inconteste nos meios acadêmicos e jornalísticos). Esses foram os motivos que sem dúvida estiveram na base de minha continuada estada no deserto do ostracismo funcional durante todo o decorrer do regime companheiro, até, precisamente, o ato de impeachment da mandatária fantoche do quarto e último governo lulopetista. Apenas quando houve a derrocada oficial do nefando regime, fui novamente convocado a ocupar uma função no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Esse meu segundo exílio, não voluntário, havia durado exatamente o dobro do exílio voluntário durante o regime militar, e nas duas oportunidades fui levado a assinar artigos em meu próprio nome, arriscando, possivelmente, alguma retaliação formal, mas também a publicar outros textos de forma anônima, ou sob “noms de plume”. 

Estamos a caminho de uma nova travessia do deserto? Depende...
No momento em que escrevo estas linhas – antes do segundo turno das eleições presidenciais – não temos certeza de nada, não exatamente de quem será o presidente eleito, pois parece estar pacificado, mas de quais serão as políticas a serem praticadas nesse próximo governo, quais serão os seus dirigentes, como o Brasil se relacionará com os demais países e como reagirá a uma agenda internacional que não depende exatamente da vontade ou das preferências dos dirigentes do país, mas que já está posta na mesa, por meio de acordos, conferências e reuniões programadas, em caráter bilateral, regional ou multilateral, e em relação aos quais o país precisa tomar uma posição, que não pode ser apenas reativa, passiva, defensiva.
Como sempre ocorreu, durante toda a minha vida intelectual, e no exercício de minhas atividades profissionais, pretendo preservar meu ceticismo sadio em face de todas as políticas e medidas a serem implementadas pelo novo governo. Pretendo, como sempre fiz, examinar cada orientação, cada iniciativa, cada política com olhar crítico, avaliar aquilo que os economistas chamam de custo-benefício – mais fácil, em todo caso, de estimar, do que um vago custo-oportunidade, que envolve variáveis que não podemos medir com precisão –, para contribuir em prol de uma boa gestão de governo, dizendo, claramente, aquilo que me parece correto e apropriado, em face dos problemas e questões que afligem o país e a sociedade. Como também sempre fiz, quero formular minhas observações em total independência de pensamento, ainda que não em completa autonomia de ação (pois ainda sou funcionário de Estado, eventualmente servindo a um governo determinado). Essa última condição não me impedirá, por certo, de pensar, e de expressar a minha opinião, salvo naqueles temas e circunstâncias muito sensíveis, que envolvem questões de segurança nacional ou de confidencialidade negociadora. 
Imaginando que estamos ingressando numa fase de novas grandes mudanças – não sei avaliar ainda se serão tão importantes quanto aquelas a que assistimos, e outras que sequer percebemos, a partir de 2003 –, pretendo uma vez mais, e sempre, utilizar o meu quilombo de resistência intelectual como uma espécie de fortaleza da livre expressão e do livre pensamento, a partir do qual vou continuar exercendo meu espírito crítico, independentemente do que possam pensar, ou reagir, gregos e troianos, ou seja, amigos e inimigos do novo governo. Prefiro manter uma postura independente, como corresponde a um espectador engajado nos debates de ideias do tempo presente, sem concessões ao politicamente correto, ou a qualquer oportunismo funcional. Não sei, nessas circunstâncias, se serei levado a me exilar novamente num outro tipo de limbo, uma nova jornada através do deserto, que pode durar alguns anos, uma espécie de ostracismo auto-assumido, imposto unicamente pelas circunstâncias ou pela minha percepção do que teremos pela frente na próxima gestão governamental. 
Como já disse várias vezes, não sou homem de partido, de facções ou de tribos, não me filio a seitas ou correntes, mas sou sim uma pessoa capaz de tomar partido por certas causas, que eu mesmo escolho como sendo prioritárias em função de minhas preferências intelectuais. Minha área prioritária de atividades, independentemente das atribuições profissionais, sempre esteve ligado ao estudo, ao ensino, à pesquisa, à reflexão, aos escritos, à divulgação de ideias e ao debate em torno de questões relevantes da vida nacional. É o que sempre fiz e é o que continuarei fazendo enquanto o ânimo persistir e as condições externas assim o permitirem. 
Não pretendo, não desejo, não é o meu feitio, assumir funções e encargos executivos, ainda que eu não relute em cumprir tarefas que estejam dentro de minhas competências e atribuições profissionais; mas é porque tais atividades requerem certa submissão a princípios de autoridade, a imposições hierárquicas, que se coadunam mal com meu espírito libertário, talvez até anárquico. Prefiro continuar livre de pensamento e de ação, tanto quanto for possível dentro das restrições burocráticas às quais estou adstrito. Assumo responsabilidade pelo que escrevo e divulgo voluntariamente, e já não sou obrigado a escrever textos para outros assinarem, como era o caso em fase precoce da carreira. Vivo minha vida intelectual unicamente em função daquilo que eu mesmo decido que me é interessante, no plano do prazer intelectual e da liberdade pessoal. 
Não farei nenhuma aposta desta vez, com quem quer que seja, apenas confiando em que os novos líderes políticos e dirigentes do governo que se instalará no Brasil a partir de janeiro de 2019 saibam pacificar o país, empreender as reformas necessárias, e conduzir o Brasil a um novo processo de crescimento sustentado, com base numa macroeconomia estável, numa microeconomia competitiva, numa boa governança – e aqui a responsabilidade maior incumbe ao poder judiciário, atualmente estraçalhado pelas más escolhas petistas durante o seu regime e por desagradáveis surpresas vindas de anos anteriores –, numa alta qualidade dos recursos humanos – embora eu seja singularmente pessimista quanto às possibilidades reais de se corrigir as imensas distorções da educação brasileira em prazo razoável – e, finalmente, numa plena abertura econômica e integração à interdependência global, com liberalização até unilateral ao comércio e aos investimentos internacionais. Essa seria a minha aposta comigo mesmo e contra o próprio país, mas confesso que a considero extremamente ambiciosa nas circunstâncias presentes. Em todo caso, minhas próximas atividades se concentrarão na realização desses objetivos.
Em qualquer hipótese, permanecerei atento aos novos desenvolvimentos em meu quilombo de resistência intelectual e de observação crítica, que é constituído pelo blog Diplomatizzandoe pelas demais ferramentas sociais. De certa forma, meu deserto sou eu mesmo quem determina sua extensão e feitio: ele é uma dimensão de minha própria liberdade. Veremos quando terá começo e quanto tempo durará...

Paulo Roberto de Almeida
Ouro Preto, 26 de outubro de 2018

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

CIEX: o Itamaraty e a ditadura militar - Fabiano Post (Opera)

Ciex: A espúria relação do Itamaraty com os porões da ditadura

por Fabiano Post | Revista Opera
(Foto: Diego Baravelli)
Uma elaborada e austera malha de proteção – de desinformação e escamotagem – institucionalizada pelo Ministério das Relações Exteriores, que serviu de cortina de fumaça e supriu de forma eficaz, durante anos, o vazamento de informações sobre a íntima e vergonhosa relação de cooperação e conluio do Itamaraty com o regime militar. Associação essa que sempre foi negada, veementemente, pela instituição máxima da diplomacia nacional.
A luz esclarecedora dos fatos chegou no mês de julho de 2007, a partir da análise de 20 mil páginas de documentos secretos – acumulados ao longo de 19 anos -, e a partir dos quais foram produzidas uma série de reportagens pelo Correio Braziliense, que tiveram no entanto pouca visibilidade na mídia nacional.
Escancarou a inglória e nefasta operação que foi secretamente conduzida nos anos de chumbo no gabinete 410, 4º andar, do anexo I do palácio do Itamaraty, e que colocou em “xeque” os brios da imagem “ilibada” da diplomacia brasileira.
O Ciex (Centro de Informações do Exterior), pouco ou nada conhecido do grande público em geral, ainda hoje, foi uma poderosa agência de inteligência nos moldes do M16 e CIA, tutelada pelo SNI (Serviço Nacional de Inteligência) no âmago do corpo diplomático brasileiro, o Itamaraty, que atuou nas sombras, entre 1966 e 1985.
Seu mentor e criador foi o ultraconservador, conspirador, colaborador da CIA e apoiador do Golpe de 64, o embaixador Manoel Pio Corrêa – ungido e amigo dos déspotas Humberto de Alencar Castello Branco e Golbery do Couto e Silva – que do Uruguai, em 66, onde foi embaixador, engendrou o “plano piloto” do que viria a ser o CIEX.
No mesmo ano, Pio Corrêa foi nomeado secretário-geral do Itamaraty. Todo poderoso, trava um caçada “moral”, política e pessoal a diplomatas que considerava “inadequados”, como “pederastas, bêbados e vagabundos” – o poeta Vinicius de Morais foi uma das vítimas – e leva a cabo a materialização de seu sonho ultranacionalista; o Centro de Informações do Exterior, através de portaria¹, oficialmente batizado de Assessoria de Documentação de Política Exterior (ADOC).
Para saber mais sobre a personalidade do “pai do Ciex”, vale a leitura esclarecedora de seu livro de memórias, “O mundo em que vivi”, onde Pio escancara sua caixa de pandora pessoal com a soberba e empáfia típicas dos reacionários.
Mais do que um simples órgão de informação, o Ciex foi o aparato de repressão, da ditadura, responsável por espionar, no exterior, os brasileiros exilados e banidos pelo regime militar; políticos, militares, intelectuais, guerrilheiros, estudantes, que tiverem seu ir e vir, fora do país, monitorados de perto, passo a passo.
João Goulart, Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso, Brizola – considerado extremamente perigoso, foi o exilado brasileiro mais monitorado – Miguel Arraes, Darcy Ribeiro: são essas algumas das personalidades vítimas da rede de espionagem do Itamaraty.
As missões dos arapongas da diplomacia incluíam “repatriação involuntária”, através de sequestro, e “delivery na bandeja” dos asilados nas mãos de seus algozes, para depoimentos e longas e sádicas sessões de tortura.
Constam nos arquivos do Ciex o nome de pelo menos 64 dos 380 cidadão brasileiros vítimas², mortos ou desaparecidos durante os anos de chumbo no Brasil. Foi uma atroz “caça as bruxas” patrocinada pela diplomacia brasileira.
Para tanto, se fez valer do recrutamento e aliciamento de diplomatas, agentes e informantes para compor sua ampla malha de atuação no exterior, que se estendia da América Latina, passando pela Europa, antiga União Soviética e norte da África.
Como pré-requisito eram muito “bem vindos” diplomatas – com viés “traíra” – que promoviam perseguições políticas em embaixadas brasileiras, que tivessem curso de planejamento estratégico da ESG (Escola Superior de Guerra), ou treinamento de agente da ESNI (Escola Nacional de Informações).
Consta que os diplomatas “espiões” eram malquistos entre os seus, porém subiam rapidamente na escadaria hierárquica da diplomacia tupiniquim, cortando caminho por “lamberem coturno”. Nos corredores do Itamaraty, existia uma espécie de hierarquia de “castas diplomáticas”, sub-dividida em três grupos distintos.
Os diplomatas “destiladores da quinta essência”, “doutos” e aplicados em temas jurídicos, politica internacional e defesa comercial; a baixo deles, os chamados “estivadores”, ou burocratas, atolados em toneladas de papel; e por fim, um degrau a baixo, chafurdando na lama, se encontravam os “lixeiros”, o pessoal capitaneado para o trabalho de informação e contra-informação, a arapongagem.
Os malfadados espiões jogaram no lixo as mais pétreas tradições da diplomacia internacional, com a sistemática prática de ações extralegais, onde deliberadamente violaram o direito internacional e o princípio da soberania, fazendo o monitoramento de cidadão estrangeiros, contrários ao Estado de exceção no Brasil, em seus países de origem.
O grande diferencial do “modus operandi” do Ciex versus seu tutor “bronco”, o SNI, era a sua abordagem sofisticada no campo da espionagem, muito por conta do nível intelectual e cultural de seus colaboradores e de uma ampla e sólida noção hierárquica – o contexto em que estava imersa ia além da simples operação de espionagem. Uma teia simbiótica sofisticada de informações, contra-informações e intrigas extremamente bem elaboradas tornavam as operações quase sempre um grande sucesso.
Os integrantes do Ciex faziam os agentes da SNI parecem ordinários guardas de trânsito. Em sua “távola hermética” os espiões do Itamaraty acreditavam compor uma elite de espiões dentro do aparato de informação da repressão.
É inegável que o alto escalão do Itamaraty sabia de tudo o que acontecia. Isso quer dizer que figuras bem dimensionadas de nossa diplomacia, reconhecidas internacionalmente, foram coniventes com a barbárie e respaldaram em níveis diferentes as operações ilegais do Ciex. O que contraria ética e moralmente aquilo que se espera e deseja do corpo diplomático de um país; uma ferramenta fomentadora da paz.
Coube ao embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima – secretário-geral entre 1985 e 1990 – salvaguardar a destruição, a contra gosto do SNI, do constrangedor material, uma chaga aberta da diplomacia nacional, composto por 32 arquivos com 8 mil informes.
Aqui consta uma lista de “distintos” diplomatas brasileiros colaboradores, ex-membros, do alto escalão do Ciex.
Interpretar empiricamente o turbulento momento político-econômico-social, pelo qual o país atravessa, se faz necessário. A quimera trevosa do autoritarismo novamente espreita a nação partida, e ameaça a nossa democracia com “esperanças” vazias. Nessa horas nebulosas as instituições fragilizadas, em bico de sinuca, se tornam alvo fácil para o aparelhamento ideológico austero e com finalidades vis.
Que sirva de alerta e lição o lamentável e vergonhoso episódio histórico ocorrido no tutano da diplomacia brasileira, através do Ciex. Que estejamos atentos e cientes sobre os impactos profundos, para o bem e para o mal, que nossas escolhas políticas – no conjunto da sociedade – podem ter sobre nossas vidas; afinal, a democracia não vive de trivialidades tampouco admite desaforos.
Notas:
1. O documento de classificação ultrasecreto sobre a criação do Ciex se encontra em um cofre colossal no subsolo do Itamaraty, segundo apurou o Correio Brasiliense com ex- integrantes do órgão.
2. O número oficial de vítimas – entre mortos e desaparecidos – segundo o relatório final da Comissão da Verdade seria de 434 pessoas. Algumas fontes dizem que esses números são bem mais expressivos, mas de difícil investigação, e que não foram contemplados pela CNV.

Venezuela: uma gigantesca cleptocracia

El País, Madri – 24.10.2018
Armando.Info
Poco sabríamos hoy de la magnitud y la mecánica ordinaria del saqueo bolivariano en Venezuela, de no ser por el trabajo de periodistas de investigación tan sagaces
Ibsen Martínez

Un satírico criollo del siglo XIX publicó en Caracas unas octavillas que compendiaban humorísticamente, en décimas octosílabas, la historia política de la Venezuela republicana. Las tituló con picardía Del saqueo como causa remota.
Después de leerlas, el tirano de turno tardó un tiempo en catarles el sentido, pero tan pronto lo hizo ordenó encarcelar al cronista guasón cuyas razones valdrían aún para este primer cuarto del siglo XXI. Veamos.
Según las bien averiguadas cuentas de concienzudos economistas, en los años que fueron de 1998 a 2017, el negocio petrolero generó para Venezuela 1.01 billones de dólares. El catastrófico colapso de la economía y la atroz emergencia humanitaria que vive uno de los países virtualmente más ricos del planeta lleva a preguntar adónde se fue todo ese dinero.
La respuesta más a la mano es que ha habido despilfarro, incuria, ineptitud y corrupción en la ejecución de los faraónicos planes de redención continental de Hugo Chávez. Tengo para mí, sin embargo, que un examen más detenido quizá mostraría al deliberado, rabioso, sistemático y masivo saqueo de la era chavista como único, exclusivo culpable de la tragedia venezolana.
Sea como fuere, poco sabríamos hoy de la magnitud y la mecánica ordinaria del saqueo bolivariano, de no ser por el trabajo de periodistas de investigación tan sagaces y denodados como los que animan el portal digital Armando.Info. Desde 2014 este portal produce reportajes con profundidad sobre la corrupción en Venezuela.
En febrero pasado, Armando.Info publicó un informe sobre Alex Saab Morán, el avispado empresario colombiano que lucró del hambre y la escasez que agobia a Venezuela con las célebres cajas CLAP, acrónimo de Comités Locales de Abastecimiento y Producción.
El informe revelaba que desde Veracruz, en México, la empresa Group Grand Limited, registrada hace años en Hong Kong por Saab y un asociado, había vendido, desde 2016 hasta aquella fecha, no menos de siete millones de cajas CLAP al gobierno de Venezuela.
Cada caja Saab —así son ya conocidas— era surtida por proveedores mexicanos y de otros países con productos alimenticios que tenían ya vencida la fecha de expiración.
Armando.Info hizo analizar por un laboratorio de la Universidad Central de Venezuela el contenido nutricional de la leche en polvo que viajaba en las cajas y halló que no solo no cubría requerimientos mínimos, sino que su ingestión es potencialmente letal para los humanos. El sobreprecio de cada caja llegó a ser de un 112 % por sobre su valor verdadero. Una denuncia hecha en septiembre pasado por la Asamblea Nacional venezolana calcula que, en tan solo un año, el gobierno de Maduro gastó 5000 millones de dólares en cajas CLAP.
Reportar sobre las cajas CLAP le valió a Armando.Info, en la persona del periodista marabino Joseph Polizuk, no solo el Premio Knight que otorga el prestigioso Centro Internacional de Periodismo ( ICFJ, por sus siglas en inglés) sino también que Saab demandase a sus fundadores —Ewald Scharfenberg, Joseph Polizuk, Roberto Deniz y Alfredo Meza— ante un tribunal penal de Caracas por “difamación e injuria agravadas”.
La falta de garantías procesales, característica de la justicia instrumental chavista, llevó a los cuatro periodistas a optar por el exilio sin por ello abandonar su empeño. El programa de asistencia corporeizado en las cajas CLAP se inspira, como muchas otras supercherías chavistas, en una utopía comunal, pero en la práctica propicia una red transnacional de lavado de dinero al servicio de la sanguinaria cleptocracia venezolana.