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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 15 de maio de 2024

Como deve se comportar um presidente da Petrobras de Lula, por Carlos Graieb (Antagonista)

Jornalismo de verdade, explicativo e opinativo. PRA 

O “desafio zero” de Magda Chambriard

Carlos Graieb - colunista O Antagonista


Único desafio para quem preside a Petrobras é resistir à instrumentalização da petroleira por Lula. A nova ocupante do cargo não fará isso.

Tem gente falando dos “desafios” que Magda Chambriard terá de enfrentar como nova presidente da Petrobras. 


O desafio importante para quem ocupa essa posição, possivelmente o único, é resistir à instrumentalização da petroleira para fins políticos. 


Como Magda foi escolhida com o endosso de Rui Costa, pela proximidade com Dilma Rousseff e por ter crenças “nacionalistas”, é forçoso concluir que ela não gastará um segundo de seu tempo (muito bem remunerado) tentando domar a sanha de Lula para mandar na estatal.


Só Lula manda


O recém-demitido Jean Paul Prates saiu atirando contra seus desafetos no primeiro escalão do governo – o próprio Rui Costa e o hiperambicioso ministro das Minas e Energia Alexandre Silveira. Disse que eles se “regozijaram” com a sua demissão. 


Não duvido que seja assim. Mas a pressão desses adversários não deve ser superestimada. Sobretudo a de Silveira, que não é petista. Ninguém derrubaria um presidente da Petrobras respaldado por Lula. Supõe-se que Magda tenha equacionado a “questão Silveira” antes de sentar na cadeira. 

Que ninguém se engane: Prates só caiu porque desagradou a Lula. 


No episódio do bloqueio à distribuição de dividendos, o agora ex-CEO recusou-se a validar a escolha do Palácio do Planalto. Não aderiu ao desejo de Lula, para quem acionistas minoritários não são gente que decidiu confiar numa empresa, mas apenas e tão somente “o mercado financeiro”, essa abstração. 


Prates foi defenestrado por cometer o erro de se posicionar contra uma ordem de Lula relativa à Petrobras, o fetiche máximo do chefão petista. 


Em todo o resto, ele foi um cordeirinho. Mesmo assim, foi chutado. 


Prates, o cordeirinho


Como Lula prometeu na campanha eleitoral, Prates “abrasileirou” o preço dos combustíveis, Em outras palavras, desmontou a política de paridade de preço de importação, não para aperfeiçoá-la (o que seria possível) mas para definir reajustes sem critérios transparentes.


Atenção, esse foi o verdadeiro sentido do “abrasileiramento”: a substituição de um critério claro por cálculos obscuros, de conveniência política.


Prates também retomou a agenda de investimentos que no passado, sob governos petistas, foi sinônimo de corrupção e perdas financeiras para a Petrobras. 


Em meados de março, ele celebrou o encerramento da licitação que propicia a retomada das obras na refinaria de Abreu e Lima, símbolo máximo do esquema de cartel e desvio de dinheiro público desvendado pela Lava Jato.


Vencedoras do certame, por meio de subsidiárias, as empreiteiras Andrade Gutierrez e Novonor (a eterna ex-Odebrecht) puderam voltar ao local de seus crimes.


Pisar no acelerador


O que Magda Chambriard precisa fazer? Pisar no acelerador. Usar o peso mastodôntico da Petrobras para tirar do papel mais obras, mais investimentos. 


Talvez o desastre ambiental do Rio Grande do Sul tenha tornado difícil neste momento fazer avançar a exploração de petróleo na foz do Amazonas, dado o estigma anti-ecológico que a empreitada carrega. 


Magda deverá tirar do papel em breve até mesmo o incentivo eternamente fracassado a uma indústria naval, de plataformas e de sondas, que faça uso prioritário de conteúdo nacional.


Isso, sem se importar com o fato de que nem secou ainda a tinta do pedido de falência da fabricante de sondas Sete Brasil, outro delírio/falcatrua petista desmascarado pela Lava Jato.


Alma de intervencionista


Como os interesses do governo e da poderosa Federação Única de Petroleiros (FUP) estão em grande parte alinhados, Magda Chambriard não deverá encontrar grandes resistências internas na Petrobras. Ela mesma tem uma longa história profissional na empresa, o que ajuda.


Se entendeu direitinho a missão e beijou a mão de Lula, a nova presidente da Petrobras não tem desafios de monta a superar. No máximo, driblar algumas regras internas de conformidade e ignorar os interesses dos acionistas minoritários, tratando-os como inimigos.


Para quem tem alma de intervencionista, está fácil.

Carlos Graieb - colunista

O Antagonista - Jornalismo vigilante

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Sob Lula, Itamaraty advoga para assassinos - Carlos Graieb (Antagonista)

 Artigo interpretativo (PRA);

Sob Lula, Itamaraty advoga para assassinos

Presidente trabalhar para desmontar um dos poucos mecanismos de dissuasão de que o mundo dispõe contra perpetradores dos piores crimes

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Carlos Graieb, Antagonista, 3/04/2024

Lula vive dizendo que é preciso mudar “o modelo vigente de governança global”, porque “as instituições multilaterais faliram”. Mas o que faz o presidente quando as decisões de um organismo internacional vão contra os seus interesses? Busca um jeito de enfraquecê-lo, é claro. 

Lula transformou o Itamaraty em escritório de advocacia de todos os tiranos que atropelaram os direitos humanos nas duas últimas décadas. Pôs a diplomacia brasileira a serviço de açougueiros que planejam e executam as piores atrocidades mundo afora.  

E para quê? Para que possa estender o tapete vermelho a Vladimir Putin na reunião do G20 que acontece no fim deste ano, no Rio de Janeiro. 

Putin

Putin tem contra ele um mandado de prisão por crimes de guerra, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Se o gângster russo pisar em um país signatário do tratado que rege o TPI, como é o caso do Brasil, esse país está obrigado a fazer valer a ordem de detenção. 

Como sabe o leitor do Antagonista, Lula quer fugir desse dever. Por isso, mandou seus diplomatas encaminharem ao Conselho de Direito Internacional da ONU o argumento de que, se um país não reconhece o TPI, seus representantes não poderiam ser atingidos por mandados do tribunal quando em viagens internacionais. Sendo esse o caso da Rússia, Putin estaria imune. 

É importante insistir nesse ponto: em razão de um interesse transitório e mesquinho de Lula, o Brasil quer facilitar a vida de quem comete ou autoriza a execução de assassinatos em massa, estupros coletivos, rapto de crianças, tortura, alistamento de soldados infantis e gentilezas que tais. Esse é o tipo de crime julgado pelo TPI. 

Viagens prlo mundo

Segundo o parecer da diplomacia lulista, liberar “agentes estatais” para viagens pelo mundo, mesmo quando suspeitos de perversidades como essas, é fundamental “para promover entendimentos pacíficos de disputas internacionais e relações amigáveis entre os Estados, inclusive na medida em que permite que funcionários de Estados participem em conferências internacionais e missões em países estrangeiros”

Acredite se quiser. 

A beleza, digamos assim, do TPI é que ele julga pessoas, em vez de Estados. Justamente em razão da ineficácia de órgãos multilaterais como o Conselho de Segurança da ONU, criou-se um tribunal internacional capaz de mirar, individualmente, facínoras que se converteram em chefes de governo ou ocupam alguma outra posição de mando.  Isso não impede país nenhum, como um todo, de se engajar na política internacional.

Enfraquecimento do TPI 

Diante da perversidade demonstrada por alguns dos alvos do TPI, como Putin, Muamar Kadafi (o ditador líbio) e Omar Al-Bashir (perpetrador de um genocídio no Sudão), limitar a liberdade dessa gente de passear pelo mundo é um preço irrisório. Mas Lula quer livrá-los até mesmo desse constrangimento. 

Tenho repetido que a política externa é um aspecto verdadeiramente asqueroso do governo Lula. Mas desta vez ele se superou. Em meio a todo o lero-lero hipócrita sobre “fortalecer a governança global” e “promover a paz”, ele se volta a desmontar um dos poucos mecanismos de dissuasão de que o mundo dispõe contra Putin e companhia.

para isso o chefão petista instrumentaliza o Itamaraty.

Carlo Graieb

Antagonista, 3/04/2024


segunda-feira, 10 de abril de 2023

Um debate espontâneo no programa Latitudes, do Antagonista e revista Crusoé - Visão Holística, Paulo Roberto de Almeida



O Brasil tem futuro? Um debate no programa Latitudes

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)

Notas sobre um comentário feito no programa Latitudes 19.

  

No dia 1º de abril – e não era mentira – foi veiculado o programa Latitudes 19, gravado alguns dias antes, com os jornalistas Rogério Ortega e Duda Teixeira, como registrado nesta minha ficha de trabalho: 

4347. “Faz sentido o Brasil se aproximar de China e Rússia?”, Programa Latitudes n. 19, 1 abril 2023, 1h de conversa com os jornalistas Rogério Ortega e Duda Teixeira sobre as posições adotadas pela diplomacia petista em relação aos grandes temas da política internacional, como a invasão da Ucrânia e a retórica belicista da China (link: https://www.youtube.com/watch?v=3S2n8_pCtrw); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/04/faz-sentido-o-brasil-se-aproximar-de.html). Relação de Publicados n. 1501.

 

Nos muitos comentários – a maior parte elogiosos – a essa entrevista, deparei-me com um longo comentário, abaixo transcrito, de autor desconhecido, que só fui ler na madrugada desta segunda-feira 10 de abril. Transcrevo a seguir, e depois formulo alguns poucos comentários pessoais, não sobre todos os pontos, pois o texto é realmente abrangente e instigante, mas sobre alguns deles, a começar, ou a terminar, pela pergunta do final do comentário: “Será que existirá Brasil daqui 200 anos?”

Esclareço desde já que não disponho de NENHUMA informação sobre esse autor, resguardado atrás desse nome provocador, “Visão Holístca”; digo apenas que o quadro que enfeita sua página no Facebook é de um pintor suíço, cuja enorme tela, uma vista de uma das majestosas montanhas suíças dos Alpes, creio já ter visto no museu de Berna, mas cujo nome me escapa; sua página não contém absolutamente nada, a não ser uma ilustração inicial que contém as seguintes palavras: “Só observando e opinando sobre coisas do mundo... Não pertenço a bolhas de realidade!!”

Vamos ao texto, portanto, antes de meus comentários: 

 



Visão Holística

há 1 dia (dia 8/04/2023)

 

“O período glorioso das nações latinas europeias acabou com a ascensão das nações anglo-saxãs, a revolução industrial foi o golpe de misericórdia. O Brasil teve a sua formação e evolução sob o guarda-chuva das nações latinas europeias (principalmente Portugal, mas também Espanha). Apesar de ser um gigante, sempre foi um gigante aquém do seu potencial (pelo menos, o Brasil se percebe assim). Desde o império, como se vê pelo comentário do embaixador, o Brasil esteve submetido à influência e vontade das nações anglo-saxãs, assim como Portugal, Espanha e Itália. Assim, o Brasil sempre se reconheceu como país ocidental, mas um país com papel menor, um primo pobre que é deixado meio de lado, esnobado pelos demais. O Brasil olha para os Estados Unidos com admiração e ressentimento ao mesmo tempo, por isso fica nessa posição meio ambígua em relação a ele. Na primeira metade do século XX, o Brasil tentou uma aproximação com os países fascistas, mas mudou de ideia ao ter navios brasileiros bombardeados. Acabou como país aliado, não por convicção democrática, mas por força dos acontecimentos. Depois da guerra, fez um longo debate se deveria se posicionar com país ocidental nas relações internacionais ou simplesmente com país neutro, optou pela neutralidade e se afastou dos grandes acontecimentos do século (durante a Guerra Fria sofreu as consequências da escolha pela neutralidade). Agora, no século XXI, permanece neutro numa situação análoga aquela do século XX, coloca-se novamente diante do Brasil a mesma necessidade de posicionamento e, mais uma vez, o Brasil busca aliança com regimes autoritários, tentando encontrar espaço para exibir sua suposta grandeza e obter reconhecimento. Provavelmente, mais uma vez, se alinhará ao Ocidente não por convicção, mas por força dos acontecimentos. Por que o Brasil tem que agir assim? Será que o Brasil acha que pode se colocar a altura dos Estados Unidos ou enfrentá-lo? Nem a Europa e Japão conseguiram, ambos aceitaram a posição que lhes restaram na história como aliados na defensa da liberdade e democracia, deixando aos Estados Unidos a parte suja do processo. No final, o que se conclui de tudo isso é que nossa atitude faz com que exista certa desconfiança em relação a nós, sem que isso nos traga qualquer benefício verdadeiro (o Brasil não consegue acordos de transferência de tecnologia com facilidade, por exemplo). O Brasil não é um país de muita confiança para o Ocidente, porque se apresenta como esse negócio meio estranho que não tem convicção, meio amoral e que vive com um pé em cada barco (sempre!). Será que existirá Brasil daqui 200 anos?

 

Retomo (PRA):

Permito-me, em primeiro lugar, agradecer ao distinto e misterioso comentarista a excelência de seus argumentos expostos no texto acima e postados na URL do programa. Digo que concordo com a maioria deles, em especial este aqui: “Na primeira metade do século XX, o Brasil tentou uma aproximação com os países fascistas, mas mudou de ideia ao ter navios brasileiros bombardeados. Acabou como país aliado, não por convicção democrática, mas por força dos acontecimentos.” Ou seja, o Estado Novo estaria muito bem com as ditaduras, se elas não ameaçassem o Brasil, como o fizeram, e talvez por isso acabamos nos “rendendo” à realidade: o peso dos EUA era bem maior e mais prometedor, mas sobretudo a partir da ação decisiva de Oswaldo Aranha (ex-embaixador em Washington, 1934-1937), como tive a oportunidade de expor em minhas introduções tópicas a várias partes desta obra que editei quando era diretor do IPRI-Funag, no Itamaraty: Sérgio Eduardo Moreira Lima; Paulo Roberto de Almeida; Rogério de Souza Farias (orgs.): Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro, Brasília, Funag, 2017, 2 volumes; disponíveis na Biblioteca digital da Funag: volume 1, 568 p.; ISBN: 978-85-7631-696-1; link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=913; volume 2, 356 p.; ISBN: 978-85-7631-697-8; link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=914.

Não sei se o Brasil pode ser chamado de “país neutro”, dependendo do que esse termo signifique ou represente para o comentarista. Tentamos nos inserir dentro da ordem internacional, em alguns momentos de maneira alinhada, em outros, os mais frequentes, em busca de uma autonomia difícil, pois que somos dependentes de capitais e investimentos estrangeiros, e também há que contar com nosso tradicional anticomunismo e o ainda mais renitente conservadorismo oligárquico. Nos poucos momentos em que fomos “desalinhados”, a coisa não andou bem: sofremos retaliações, até golpe de Estado, ou então perdemos oportunidade de obter vantagens na cooperação de mais alto nível, justamente por essa busca de autonomia que levou ao cerceamento de nosso acesso a tecnologias sensíveis, o que dependia de nossa aceitação da OCDE e das regras da interdependência econômica e política, o que nunca quisemos fazer. 

Na verdade, a Europa e o Japão só se alinharam porque foram vencidos na guerra e ocupados militarmente (aliás, a metade mais infeliz pela União Soviética, o que demorou mais 40 anos). Nós não fomos levados a isso, nem precisávamos, mas faltou visão de futuro a nossas elites medíocres e protecionistas (como sempre fomos). Agora, quanto à sua pergunta – “Será que existirá Brasil daqui 200 anos?” –, respondo que sim, mas com muito atraso ainda, sobretudo do ponto de vista social, pois que o escravismo e a miopia das elites impedem ou dificultam um avanço mais decisivo em direção do progresso econômico e social. Fico com a estrofe de Mário de Andrade, num poema curioso, de 1924, “O poeta come amendoim”, no qual ele afirma isto: “Progredir, progredimos um tiquinho / Que o progresso também é uma fatalidade”. Eis aí, temos pelo menos a fatalidade de progredir, mas dificilmente vamos ser inovadores se não qualificarmos educacionalmente a população mais pobre (claro, os ricos já estão integrados à modernidade).

Gostaria de continuar o debate, mas ele já está longo. Fica para outra vez.

 

Foi isso o que respondi ao Holístico interlocutor. Estou aberto ao debate...

 

PS.: O quadro se chama “Der Wanderer über dem Nebelmeer”, e o pintor é Caspar David Friedrich, sendo que a tela faz parte do acervo do Hamburger Kunsthalle, em Hamburgo.

 

==========

 

Aproveito para responder aqui, antes que se percam, duas perguntas do Chat, que foram feitas durante a emissão, e que eu não respondi por não ter tido acesso no momento, por não saber, e talvez também porque não houve tempo aos jornalistas de selecionarem algumas. Respondo agora, in fine, a estas perguntas mais desafiadoras:  


Denis Santossobre a guerra, pq ninguém fala q a culpa é da OTAN, pq pós seg guerra houve acordo de não expansão para o Leste.

PRA: Nunca houve acordo formal, apenas conversas entre dirigentes europeus e russos. Não foi a OTAN que se expandiu. Foram os países que pediram, desesperadamente, para ingressar na OTAN, pois já tinham sido invadidos e dominados pelo Império soviético. Ninguém entrou forçado, todos quiseram entrar, pois não gostavam do abraço do urso russo.

 

4C RIPPortugal foi neutro durante as grandes guerras, certo?

PRA: Não! Portugal foi neutro apenas na 2ª Guerra; na primeira foi participante e até enviou soldados nas frentes de combate do norte da França. Um eminente historiador, Jaime Cortesão, que depois fugiu da ditadura do Estado Novo de Salazar (que começou entre 1928 e 1932), esteve lutando em 1917, e foi gravemente ferido por gás alemão, se recuperou e voltou a brilhar em Portugal. Foi preso e se refugiou no Brasil, onde fez brilhante carreira de historiador, pesquisador e professor do Instituto Rio Branco no RJ. Foi autor de obra brilhante, como “Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri” (1953).


 Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4359: 10 abril 2023.

domingo, 27 de novembro de 2022

Onde se esconderam os democratas liberais? - Augusto de Franco (Antagonista)

Uma primeira "crônica" de Augusto de Franco como novo Antagonista:  

Onde se esconderam os democratas liberais?

Se não houver pluralidade de forças, a política se resumirá ao perde-ganha bipolar, com mais características de guerra do que de política
Onde se esconderam os democratas liberais?
Montagem

Sempre que se usa a palavra liberal é necessário advertir que isso não tem nada a ver com as doutrinas do liberalismo-econômico ou com chamado neoliberalismo. Para todos os efeitos práticos, liberal – no sentido político do termo – significa hoje apenas uma coisa: não-populista. No primeiro turno de 2022 muitos estavam convencidos de que seria preciso construir um centro democrático liberal (quer dizer, não-populista) no Brasil. A candidatura de Simone Tebet, de certo modo, expressou esse desejo.

Com o afunilamento da disputa entre o populismo-autoritário bolsonarista e o neopopulismo lulopetista, esse desejo parece ter se esfumado. Ficou a impressão de que a (incorretamente) chamada terceira via (outra designação para o centro democrático) não passava de marketing eleitoral. Muitos que queriam apostar numa alternativa a Bolsonaro e a Lula ficaram pendurados na broxa quando várias lideranças, após declararem – corretamente – apoio a Lula no segundo turno, começaram a costear o alambrado para aderir ao novo governo. Como se dissessem: “Agora a conjuntura mudou: a gente entra no novo governo e só volta com esse papo de centro democrático (ou de terceira via) em 2026”.

Apoiar Lula no segundo turno foi a opção democrática correta, de vez que era a única maneira de impedir a reeleição de Bolsonaro – que só não aconteceu, aliás, por um triz. Mas aderir ao governismo não é a consequência necessária de ter removido eleitoralmente Bolsonaro. Ou um centro democrático – no sentido de centro de gravidade da política e não de posição geometricamente equidistante dos polos ditos de direita ou extrema-direita e de esquerda – é necessário para o bom funcionamento da democracia, ou não é.

Já que Lula foi eleito, isso não é mais necessário? Pelo contrário. Continua sendo necessário um centro de gravidade democrático liberal ou não-populista. Mas se todos os que viam essa necessidade vão embarcar no novo governo, quem articulará tal alternativa (não em 2026, mas em 2023, 2024, 2025)? Se os democratas liberais se esconderem da política, imaginando que o país vai ficar parado até o próximo pleito, então de nada valeram seus esforços e promessas no primeiro turno.


quarta-feira, 23 de março de 2022

A derrota da China na guerra da Ucrânia - Mario Sabino (Antagonista)

Mario Sabino, excelente jornalista,  embora não sinologista ao que se saiba, faz uma excelente matéria sobre como fica a situação da China, e de Xi Jinping, a partir do atoleiro de Putin na Ucrânia.

A derrota da China na guerra da Ucrânia

Ao aliar-se a Vladimir Putin, Xi Jinping demoliu a estratégia de "multilateralismo" e o conflito na Europa deverá causar danos à economia chinesa, caso se prolongue

China também perdeu a guerra na Ucrânia. O acordo de “parceria privilegiada” que Xi Jinping assinou com Vladimir Putin (foto), no início de fevereiro, ultrapassa o aspecto comercial, como ficou evidente depois da agressão de Moscou Kiev. É um pacto com entrelinhas militares. A China apoia a Rússia nas suas pretensões territoriais no leste da Europa; a Rússia apoia a China numa eventual invasão de Taiwan. Tudo sob o manto do “multilateralismo”, que é como Xi Jinping e Vladimir Putin chamam o objetivo de enfraquecer a influência dos Estados Unidos e expandir os seus tentáculos no mundo.

Vladimir Putin vendeu a Xi Jinping a ideia de que a invasão da Ucrânia seria um passeio. Que ele ocuparia rapidamente o país vizinho, por meio de uma blitzkrieg, e que, em certas regiões ucranianas, as suas tropas seriam até mesmo recebidas como “libertadoras” de um povo oprimido por um regime “nazista”, cujo presidente, Volodymyr Zelensky, contava com baixíssima popularidade. Vladimir Putin mostraria a Xi Jinping, principalmente, que, assim como ocorreu em 2014, com a invasão da Crimeia, o Ocidente esbravejaria um pouco, mas não abriria mão dos seus interesses comerciais para defender a Ucrânia — e que, da mesma forma, permaneceria inerte se a China se arriscasse em Taiwan. O erro de cálculo foi gigantesco. O exército russo se revela incompetente para avançar sobre as linhas adversárias, a resistência da Ucrânia é não menos do que heróica, além de estrategicamente brilhante, e mesmo entre os ucranianos de língua russa, os invasores estão sendo vistos como o que realmente são: um bando de criminosos fardados que aterroriza a população civil. Quanto a Volodymyr Zelenskygraças à sua coragem e à sua capacidade de comunicação, para além da sua esperteza, ele tem hoje a admiração e a confiança de praticamente a unanimidade dos seus compatriotas e se tornou referência internacional. Por último, o Ocidente, que demorou a mostrar os dentes para Vladimir Putin, já demonstrou que não se comportará como em 2014.

A política da China para aumentar a sua influência planetária vinha sendo feita por meio de investimentos de infraestrutura no Terceiro Mundo, em especial na África, e pelo estreitamento de parcerias comerciais com os países democráticos da Europa, por meio do estabelecimento da chamada “rota da seda”. Tais iniciativas, sim, vinham incomodando os Estados Unidos, porque diversos países, independentemente do regime, começaram a ver na China, a outra superpotência econômica, dona de um mercado consumidor infinito, um polo de atração que contrabalançaria a dependência dos americanos. Em razão das vantagens oferecidas pelos chineses, esses mesmos países fecharam os olhos para os abusos do totalitarismo chinês, considerado uma peculiaridade impossível de ser exportada.

guerra na Ucrânia mudou tudo. Como confiar numa potência que firmou um pacto com a Rússia, para chancelar uma agressão militar de contornos imperialistas, e que ajuda a difundir fake news vergonhosas, como a de que os Estados Unidos se associaram à Ucrânia para desenvolver armas biológicas? E isso, enfatize-se, depois de toda a falta de transparência de Pequim na investigação promovida pela OMS, para tentar descobrir a origem do vírus da Covid-19. Como lembrou o francês Phillipe Le Corre, especialista em China e Hong Kong, o então secretário de estado adjunto americano Robert Zoellick lançou a seguinte interrogação, em 2005: “A China poderia se tornar um ator responsável na cena mundial?” A julgar pela atuação na guerra da Ucrânia, a resposta é não.

A irresponsabilidade da China demoliu o seu “multilateralismo” e, no plano imediato, deverá causar prejuízos à sua economia, se a agressão à Ucrânia se prolongar. A alta do preço do petróleo e a escassez de alimentos que se avizinha, frutos diretos do conflito, têm o potencial de afetar duramente muitos países que importam produtos chineses. Tudo bastante inteligente, como se vê, inclusive a parceria privilegiada comercial com a Rússia, em detrimento do estreitamento dos laços que estreitava com a União Europeia. Xi Jinping hoje morde e assopra quando o assunto é a guerra na Ucrânia, porque não sabe o que fazer. Perdeu, juntamente com Vladimir Putin.


segunda-feira, 15 de abril de 2019

Nota pública sobre a censura à Crusoé - Mario Sabino (Antagonista)

15 de Abril de 2019

Nota pública sobre a censura à Crusoé


Fomos surpreendidos na manhã desta segunda-feira, 15 de abril de 2019, pela decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de censurar a reportagem “O amigo do amigo de meu pai”, publicada na sexta-feira passada pela revista Crusoé. 

A reportagem revela, com base em documento da Lava Jato reproduzido pela revista, que Marcelo Odebrecht, ao utilizar o codinome em mensagem a executivos da sua empreiteira, disse à Força Tarefa da operação que se referia a Antonio Dias Toffoli, na época Advogado Geral da União e hoje presidente do Supremo Tribunal Federal.
Além de censurar a revista, o ministro Alexandre de Moraes determinou que a Polícia Federal tomasse depoimentos dos jornalistas.
Nossos advogados entrarão com recurso ao colegiado do STF, para tentar reverter esse atentado contra a liberdade de imprensa, aspecto fundamental da democracia garantido pela Constituição. Na nossa visão, trata-se de ato de intimidação judicial. A liberdade de imprensa só se enfraquece quando não a usamos. Continuaremos a lutar por ela.
Mario Sabino
Publisher da Crusoé 


URGENTE: MINISTRO DO STF CENSURA CRUSOÉ


Desde o fim da manhã desta segunda-feira, 15, Crusoé está sob censura, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.
Passava pouco das 11 horas da manhã quando um oficial de Justiça a serviço da corte bateu à porta da redação para entregar cópia da decisão.
Alexandre de Moraes determina que Crusoé retire “imediatamente” do ar a reportagem de capa da última edição, intitulada “O amigo do amigo de meu pai”.
A decisão é extensiva a O Antagonista.
Moraes também ordena que a Polícia Federal intime os responsáveis pela publicação da reportagem “para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas”.
O ministro afirma haver “claro abuso no conteúdo da matéria veiculada”.
A reportagem de que trata a decisão do ministro foi publicada com base em um documento que consta dos autos da Operação Lava Jato.
Nele, o empreiteiro Marcelo Odebrecht responde a um pedido de esclarecimento feito Polícia Federal, que queria saber a identidade de um personagem que ele cita em um e-mail como “amigo do amigo de meu pai”.
Odebrecht respondeu tratar-se de Dias Toffoli, conforme revelou Crusoé em sua edição de número 50, publicada na última sexta-feira, 12.
No despacho de três páginas, Alexandre de Moraes primeiro menciona o inquérito aberto por Toffoli em março, e dentro do qual a decisão foi tomada: “Trata-se de inquérito instaurado pela Portaria GP No 69, de 14 demarço de 2019, do Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente, nos termos do art. 43 do Regimento Interno desta CORTE, para o qual fui designado para condução, considerando a existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e asegurança do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão”.
Em seguida, ele afirma que ainda na sexta-feira, dia da publicação da reportagem, Dias Toffoli “autorizou” a investigação sobre a reportagem. O ministro reproduz a mensagem que recebeu de Toffoli:
“Exmo Sr Ministro Alexandre de Moraes, Permita-me o uso desse meio para uma formalização, haja vista estar fora do Brasil. Diante de mentiras e ataques e da nota ora divulgada pela PGR que encaminho abaixo, requeiro a V. Exa. Autorizando transformar em termo esta mensagem, adevida apuração das mentiras recém divulgadas por pessoas e sites ignóbeis que querem atingir as instituições brasileiras.”
Toffoli, no pedido para que a reportagem fosse objeto de apuração, alegando tratar de “mentiras” destinadas a atingir as “instituições brasileiras’, se refere a nota oficial divulgada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) dizendo não ter recebido, ainda, cópia do documento enviado à Lava Jato por Marcelo Odebrecht e revelado por Crusoé.
É justamente à nota de Raquel Dodge que Alexandre de Moraes se apega para ordenar a censura, alegando que a reportagem é “um típico exemplo de fake news”.
Diz o ministro:
“Obviamente, o esclarecimento feito pela PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA tornam falsas as afirmações veiculadas na matéria “ O amigo do amigo de meu pai”, em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário, pois, repita-se, a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não constitui cláusula de isenção de eventual responsabilidade por publicações injuriosas e difamatórias, que, contudo, deverão ser analisadas sempre a posteriori, jamais como restrição prévia e genérica à liberdade de manifestação.”
Em seguida, observando que “a plena proteção constitucional da exteriorização da opinião (aspecto positivo) não significa a impossibilidade posterior de análise e responsabilização por eventuais informações injuriosas, difamantes, mentirosas e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”, Alexandre de Moraes passa a decidir.
“É exatamente o que ocorre na presente hipótese, em que há claro abuso no conteúdo da matéria veiculada, ontem, 12 de abril de 2019, pelo site O Antagonista e Revista Crusoé, intitulada “O amigo do amigo de meu pai. A gravidade das ofensas disparadas ao Presidente deste SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no teor da matéria, acima mencionada, provocou a atuação da PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA”, escreve o ministro.
Eis a ordem para que a reportagem seja imediatamente retirada do ar:
“Em razão do exposto. DETERMINO que o site O Antagonista e a revista Cruzoé (sic) retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada “O amigo do amigo de meu pai” e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), cujo prazo será contado a partir da intimação dos responsáveis. A Polícia Federal deverá intimar os responsáveis pelo site O Antagonista e pela Revista CRUSOÉ para que prestem depoimentos no prazo de 72 horas. Cumpra-se imediatamente. Servirá esta decisão de mandado.”
Crusoé reiteira o teor da reportagem, baseada em documento, e registra qud a decisão se apega a uma nota da Procuradoria Geral da República sobre um detalhe lateral e a utiliza para tratar como “fake news” uma informação absolutamente verídica, que consta dos autos da Lava Jato.
Importa lembrar, ainda, que, embora tenha solicitado providências ao colega Alexandre de Moraes ainda na sexta-feira, o ministro Dias Toffoli não respondeu às perguntas que lhe foram enviadas antes da publicação da reportagem agora censurada.