O Brasil tem futuro? Um debate no programa Latitudes
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, professor
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com; pralmeida@me.com)
Notas sobre um comentário feito no programa Latitudes 19.
No dia 1º de abril – e não era mentira – foi veiculado o programa Latitudes 19, gravado alguns dias antes, com os jornalistas Rogério Ortega e Duda Teixeira, como registrado nesta minha ficha de trabalho:
4347. “Faz sentido o Brasil se aproximar de China e Rússia?”, Programa Latitudes n. 19, 1 abril 2023, 1h de conversa com os jornalistas Rogério Ortega e Duda Teixeira sobre as posições adotadas pela diplomacia petista em relação aos grandes temas da política internacional, como a invasão da Ucrânia e a retórica belicista da China (link: https://www.youtube.com/watch?v=3S2n8_pCtrw); divulgado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2023/04/faz-sentido-o-brasil-se-aproximar-de.html). Relação de Publicados n. 1501.
Nos muitos comentários – a maior parte elogiosos – a essa entrevista, deparei-me com um longo comentário, abaixo transcrito, de autor desconhecido, que só fui ler na madrugada desta segunda-feira 10 de abril. Transcrevo a seguir, e depois formulo alguns poucos comentários pessoais, não sobre todos os pontos, pois o texto é realmente abrangente e instigante, mas sobre alguns deles, a começar, ou a terminar, pela pergunta do final do comentário: “Será que existirá Brasil daqui 200 anos?”
Esclareço desde já que não disponho de NENHUMA informação sobre esse autor, resguardado atrás desse nome provocador, “Visão Holístca”; digo apenas que o quadro que enfeita sua página no Facebook é de um pintor suíço, cuja enorme tela, uma vista de uma das majestosas montanhas suíças dos Alpes, creio já ter visto no museu de Berna, mas cujo nome me escapa; sua página não contém absolutamente nada, a não ser uma ilustração inicial que contém as seguintes palavras: “Só observando e opinando sobre coisas do mundo... Não pertenço a bolhas de realidade!!”
Vamos ao texto, portanto, antes de meus comentários:
há 1 dia (dia 8/04/2023)
“O período glorioso das nações latinas europeias acabou com a ascensão das nações anglo-saxãs, a revolução industrial foi o golpe de misericórdia. O Brasil teve a sua formação e evolução sob o guarda-chuva das nações latinas europeias (principalmente Portugal, mas também Espanha). Apesar de ser um gigante, sempre foi um gigante aquém do seu potencial (pelo menos, o Brasil se percebe assim). Desde o império, como se vê pelo comentário do embaixador, o Brasil esteve submetido à influência e vontade das nações anglo-saxãs, assim como Portugal, Espanha e Itália. Assim, o Brasil sempre se reconheceu como país ocidental, mas um país com papel menor, um primo pobre que é deixado meio de lado, esnobado pelos demais. O Brasil olha para os Estados Unidos com admiração e ressentimento ao mesmo tempo, por isso fica nessa posição meio ambígua em relação a ele. Na primeira metade do século XX, o Brasil tentou uma aproximação com os países fascistas, mas mudou de ideia ao ter navios brasileiros bombardeados. Acabou como país aliado, não por convicção democrática, mas por força dos acontecimentos. Depois da guerra, fez um longo debate se deveria se posicionar com país ocidental nas relações internacionais ou simplesmente com país neutro, optou pela neutralidade e se afastou dos grandes acontecimentos do século (durante a Guerra Fria sofreu as consequências da escolha pela neutralidade). Agora, no século XXI, permanece neutro numa situação análoga aquela do século XX, coloca-se novamente diante do Brasil a mesma necessidade de posicionamento e, mais uma vez, o Brasil busca aliança com regimes autoritários, tentando encontrar espaço para exibir sua suposta grandeza e obter reconhecimento. Provavelmente, mais uma vez, se alinhará ao Ocidente não por convicção, mas por força dos acontecimentos. Por que o Brasil tem que agir assim? Será que o Brasil acha que pode se colocar a altura dos Estados Unidos ou enfrentá-lo? Nem a Europa e Japão conseguiram, ambos aceitaram a posição que lhes restaram na história como aliados na defensa da liberdade e democracia, deixando aos Estados Unidos a parte suja do processo. No final, o que se conclui de tudo isso é que nossa atitude faz com que exista certa desconfiança em relação a nós, sem que isso nos traga qualquer benefício verdadeiro (o Brasil não consegue acordos de transferência de tecnologia com facilidade, por exemplo). O Brasil não é um país de muita confiança para o Ocidente, porque se apresenta como esse negócio meio estranho que não tem convicção, meio amoral e que vive com um pé em cada barco (sempre!). Será que existirá Brasil daqui 200 anos?”
Retomo (PRA):
Permito-me, em primeiro lugar, agradecer ao distinto e misterioso comentarista a excelência de seus argumentos expostos no texto acima e postados na URL do programa. Digo que concordo com a maioria deles, em especial este aqui: “Na primeira metade do século XX, o Brasil tentou uma aproximação com os países fascistas, mas mudou de ideia ao ter navios brasileiros bombardeados. Acabou como país aliado, não por convicção democrática, mas por força dos acontecimentos.” Ou seja, o Estado Novo estaria muito bem com as ditaduras, se elas não ameaçassem o Brasil, como o fizeram, e talvez por isso acabamos nos “rendendo” à realidade: o peso dos EUA era bem maior e mais prometedor, mas sobretudo a partir da ação decisiva de Oswaldo Aranha (ex-embaixador em Washington, 1934-1937), como tive a oportunidade de expor em minhas introduções tópicas a várias partes desta obra que editei quando era diretor do IPRI-Funag, no Itamaraty: Sérgio Eduardo Moreira Lima; Paulo Roberto de Almeida; Rogério de Souza Farias (orgs.): Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro, Brasília, Funag, 2017, 2 volumes; disponíveis na Biblioteca digital da Funag: volume 1, 568 p.; ISBN: 978-85-7631-696-1; link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=913; volume 2, 356 p.; ISBN: 978-85-7631-697-8; link: http://funag.gov.br/loja/index.php?route=product/product&product_id=914.
Não sei se o Brasil pode ser chamado de “país neutro”, dependendo do que esse termo signifique ou represente para o comentarista. Tentamos nos inserir dentro da ordem internacional, em alguns momentos de maneira alinhada, em outros, os mais frequentes, em busca de uma autonomia difícil, pois que somos dependentes de capitais e investimentos estrangeiros, e também há que contar com nosso tradicional anticomunismo e o ainda mais renitente conservadorismo oligárquico. Nos poucos momentos em que fomos “desalinhados”, a coisa não andou bem: sofremos retaliações, até golpe de Estado, ou então perdemos oportunidade de obter vantagens na cooperação de mais alto nível, justamente por essa busca de autonomia que levou ao cerceamento de nosso acesso a tecnologias sensíveis, o que dependia de nossa aceitação da OCDE e das regras da interdependência econômica e política, o que nunca quisemos fazer.
Na verdade, a Europa e o Japão só se alinharam porque foram vencidos na guerra e ocupados militarmente (aliás, a metade mais infeliz pela União Soviética, o que demorou mais 40 anos). Nós não fomos levados a isso, nem precisávamos, mas faltou visão de futuro a nossas elites medíocres e protecionistas (como sempre fomos). Agora, quanto à sua pergunta – “Será que existirá Brasil daqui 200 anos?” –, respondo que sim, mas com muito atraso ainda, sobretudo do ponto de vista social, pois que o escravismo e a miopia das elites impedem ou dificultam um avanço mais decisivo em direção do progresso econômico e social. Fico com a estrofe de Mário de Andrade, num poema curioso, de 1924, “O poeta come amendoim”, no qual ele afirma isto: “Progredir, progredimos um tiquinho / Que o progresso também é uma fatalidade”. Eis aí, temos pelo menos a fatalidade de progredir, mas dificilmente vamos ser inovadores se não qualificarmos educacionalmente a população mais pobre (claro, os ricos já estão integrados à modernidade).
Gostaria de continuar o debate, mas ele já está longo. Fica para outra vez.
Foi isso o que respondi ao Holístico interlocutor. Estou aberto ao debate...
PS.: O quadro se chama “Der Wanderer über dem Nebelmeer”, e o pintor é Caspar David Friedrich, sendo que a tela faz parte do acervo do Hamburger Kunsthalle, em Hamburgo.
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Aproveito para responder aqui, antes que se percam, duas perguntas do Chat, que foram feitas durante a emissão, e que eu não respondi por não ter tido acesso no momento, por não saber, e talvez também porque não houve tempo aos jornalistas de selecionarem algumas. Respondo agora, in fine, a estas perguntas mais desafiadoras:
Denis Santos: sobre a guerra, pq ninguém fala q a culpa é da OTAN, pq pós seg guerra houve acordo de não expansão para o Leste.
PRA: Nunca houve acordo formal, apenas conversas entre dirigentes europeus e russos. Não foi a OTAN que se expandiu. Foram os países que pediram, desesperadamente, para ingressar na OTAN, pois já tinham sido invadidos e dominados pelo Império soviético. Ninguém entrou forçado, todos quiseram entrar, pois não gostavam do abraço do urso russo.
4C RIP: Portugal foi neutro durante as grandes guerras, certo?
PRA: Não! Portugal foi neutro apenas na 2ª Guerra; na primeira foi participante e até enviou soldados nas frentes de combate do norte da França. Um eminente historiador, Jaime Cortesão, que depois fugiu da ditadura do Estado Novo de Salazar (que começou entre 1928 e 1932), esteve lutando em 1917, e foi gravemente ferido por gás alemão, se recuperou e voltou a brilhar em Portugal. Foi preso e se refugiou no Brasil, onde fez brilhante carreira de historiador, pesquisador e professor do Instituto Rio Branco no RJ. Foi autor de obra brilhante, como “Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri” (1953).
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4359: 10 abril 2023.