Uma nova travessia do deserto? O Brasil nos próximos quatro anos
Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: nova especulação sobre o futuro; finalidade: previsões imprevidentes]
Ouro Preto, 26 de outubro de 2018
Introdução: uma aposta feita ao início do regime lulopetista
Em 2003, ao iniciar-se o primeiro governo do lulopetismo, fiz uma aposta com um amigo acadêmico sobre como seriam os quatro anos seguintes da nova orientação governamental. Ele era naturalmente propenso a encarar positivamente a administração que recém começava; eu, de conformidade com minha habitual postura desconfiada, de ceticismo sadio como eu a chamo, mantinha um moderado pessimismo quanto aos resultados efetivos do novo governo. O objeto eram as políticas sociais: se elas seriam favoráveis aos objetivos proclamados, de melhorias significativas para a população mais pobre, como pretendia o meu amigo, ou se, como eu antecipadamente suspeitava, não teriam efeitos significativos na vida das camadas mais humildes da população.
Não que eu fosse um pessimista absoluto. Ao contrário. No decorrer do ano eleitoral de 2002, já antevendo meses antes a vitória companheira, eu até me dediquei a escrever uma série de artigos saudando as boas perspectivas, textos que coletei ainda antes do final de outubro para integrar um livro que intitulei, de modo sugestivamente otimista, A Grande Mudança: consequências econômicas da transição política no Brasil(São Paulo: Códex, 2003). Nele eu mantinha a confiança de que o PT pudesse fazer, uma vez chegado ao poder, uma espécie de Bad Godesberg, de revisão à la New Labour, e de inaugurar uma administração resolutamente moderna, bem mais parecida com a de Felipe González, na Espanha, do que com a de Salvador Allende, no Chile, esta, aliás, terminada em desastre. Na verdade, não tinha esse tipo de preocupação, pois no livro eu antecipava que os companheiros iriam manter a mesma política econômica “neoliberal” da administração anterior. Eu achava que eles poderiam aprender alguma coisa exercendo tais altos cargos, ainda que cometessem alguns desatinos econômicos.
Mas, conhecendo quão péssimos eram os economistas do PT, como também quão profundos eram os equívocos conceituais, doutrinais e práticos dos dirigentes do partido – mais afeitos ao keynesianismo tosco dos latino-americanos, ao peronismo de botequim dos sindicalistas, ao neobolchevismo dos seus guerrilheiros reciclados e a uma imitação do desenvolvimentismo estatizante do regime militar, com um stalinismo industrial já anacrônico, que eles, no entanto, admiravam –, eu previa resultados pífios para a sua gestão, que imaginava encerrada ao cabo desses únicos quatro anos. Minha aposta com meu amigo acadêmico era muito simples: eu especulava que, ao contrário das promessas grandiloquentes dos dirigentes petistas, ao término do mandato, em 2006, a redução das desigualdades e a prosperidade prometidas pelo PT aos mais pobres não se materializariam, e que, ao fim e ao cabo, os maiores benefícios seriam recolhidos por quem já era rico e privilegiado, pois tudo na política econômica do partido indicava a continuidade do modelo estatizante admirado por eles. Meu amigo recusava essa minha visão pessimista de que o PT daria mais dinheiro à burguesia do que aos pobres, e acreditava que haveria uma grande inversão nas tendências tradicionalmente concentradoras do modelo brasileiro de crescimento e desenvolvimento.
Ambos nos enganamos redondamente, como se pode constatar: a situação dos mais pobres conheceu alguma melhora durante os anos de euforia mantidos a custa de uma alta demanda chinesa por nossas commodities de exportação e de um exacerbado incentivo ao consumo e ao crédito subsidiado, situações não sustentáveis, portanto, uma vez que o crescimento só pode se sustentar à base de investimentos produtivos e de empregos criados pelo setor privado, Mesmo o decréscimo no índice de Gini (que mede o grau de concentração da renda) ocorrido na era Lula foi inferior ao registrado no governo anterior de FHC. Por outro lado, eu estava absolutamente correto quanto a minha principal previsão – a de que o PT beneficiaria mais os ricos do que os pobres – mas os dados estatísticos disponíveis em 2006 não permitiam (naquele momento) trazer evidências nesse sentido. O fato é que todos os grandes programas concebidos e implementados exclusivamente pelo PT – Fome Zero, Primeiro Emprego, políticas industriais e tecnológicas, parcerias público-privadas, etc. – se revelaram um rotundo fracasso. O único programa bem sucedido consistiu, apenas e tão somente, na junção no Bolsa Família de vários programas setoriais já existentes, criados no governo anterior, mas que sob a administração companheira – e assim foi concebido pelos apparatchiks que conceberam o novo expediente político – tinha como real objetivo criar um grande curral eleitoral: ele sempre foi incapaz de eliminar a pobreza, já que sua principal função consiste, única e exclusivamente, em subsidiar o consumo dos mais pobres.
Tanto é assim, e continua cada vez mais sendo assim, que o mapa eleitoral do PT deslocou-se gradativamente das regiões mais urbanizadas, industrializadas e já “desenvolvidas”, para as regiões rurais, mais pobres e educacionalmente atrasadas, ou seja, aquilo que se chama “grotões”, antigamente dominados pelo voto de curral dos coronéis e oligarcas latifundiários, modernamente colocados sob a influência mentirosa da propaganda petista (ao associar a figura do chefão do partido a distribuição das benesses sob a forma de subsídio direto ao consumo). Cabe, no entanto, reconhecer que, naquele primeiro mandato não se tinha ainda começado a deformar a política econômica em vigor no governo anterior, e vários “tucanos” participavam do regime lulopetista, o que pelo menos assegurou alguma racionalidade a certas medidas implementadas. A demanda chinesa, a valorização da moeda, a retomada do crescimento – preparada por todas as políticas seguidas até 2002 – a taxas mais elevadas do que na década anterior, todas as boas notícias econômicas, e a enorme propaganda petista, trouxeram enorme sustentação ao regime, que conseguiu a reeleição mesmo enfrentando o mais grotesco, apenas o primeiro, caso de corrupção na história política do país: o Executivo, por meios escusos, comprando, literalmente, parlamentares e bancadas inteiras, à custa de recursos públicos roubados descaradamente de entidades públicas (Banco do Brasil, ao que se soube, nessa primeira fase), o que, em circunstâncias normais deveriam redundar num pedido de impeachment do presidente, claramente o responsável pela prática delituosa. Por razões diversas, o chefão mafioso escapou das garras da lei.
A oposição, acovardada ou castrada por práticas similares em outras instâncias e circunstâncias, não teve coragem para conduzir um processo de impeachment, assim como eximiu-se, na prática, de fazer oposição, demonstrando pusilanimidade, covardia, ou total falta de percepção sobre a natureza do regime criminoso que começava a se consolidar no país. O Mensalão não foi senão um pequeno aperitivo para coisas ainda mais grotescas que estavam sendo montadas clandestinamente no coração do Estado: o assalto total aos recursos públicos pela quadrilha mafiosa travestida de partido político. A partir do Mensalão, eu tomei consciência de que os companheiros não eram apenas ineptos na condução dos negócios públicos, mas profundamente corruptos e criminosos.
O começo do meu longo exílio de mais de uma década sob o lulopetismo
Antes mesmo do início do regime companheiro eu já tinha escrito e publicado artigos demonstrando como o PT era um típico partido esquerdista latino-americano, com um anti-imperialismo infantil e um antiamericanismo anacrônico, e como suas propostas de política externa eram totalmente inadequadas do ponto de vista de uma diplomacia servindo de modo equilibrado ao interesse nacional. Durante os primeiros três anos do regime não deixei de expressar tais ideias, minha contrariedade com certas posições tomadas na frente externa, em artigos publicados em boletins digitais ou em revistas impressas. Tampouco deixei de expressar publicamente minha opinião sobre certas opções de “alianças estratégicas”, como a preferência míope por uma diplomacia “Sul-Sul”, a parceria com atores “não-hegemônicos” e iniciativas de constituição de novas entidades de coordenação ou de integração regional num sentido claramente anti-imperialista e mesmo antiamericano. Em suma: fiquei contra o lulopetismo diplomático.
Não recebi nenhuma punição explícita por parte do regime companheiro, a não ser um veto, completo mas não declarado, a qualquer cargo na Secretaria de Estado, a despeito de oferecimentos feitos em uma ou outra área do Itamaraty. Tendo recusado uma oferta para dirigir uma embaixada no exterior, fiquei reduzido, durante anos e anos seguidos, ao chamado “DEC”, o Departamento de Escadas e Corredores, fazendo então da Biblioteca o meu gabinete de trabalho. Não preciso dizer que minha carreira ficou totalmente prejudicada por esse ostracismo informal, ainda que eu possa, sinceramente, agradecer aos meus algozes a oportunidade assim dada a uma dedicação quase integral à leituras e aos escritos que passaram a ocupar meu tempo útil na Biblioteca do Itamaraty.
A travessia do deserto, iniciada no primeiro mandato lulopetista, prolongou-se por todo o segundo mandato, um isolamento completo de quaisquer atividades na carreira, o que a rigor constituía uma irregularidade administrativa, e poderia ter dado ensejo a um processo contra a instituição, o que no entanto nunca considerei fazer, embora tenha buscado informação a respeito. Afinal de contas, eu continuava recebendo um salário – reduzido ao vencimento mínimo, que me equiparava a escalões inferiores da carreira – sem qualquer contrapartida que seria devido ao serviço público. Foi apenas no último ano do segundo mandato, com a aposentadoria compulsória do Secretário Geral do Itamaraty – o mesmo que me tinha vetado para um cargo no Instituto Rio Branco ao início do regime lulista –, me foi finalmente oferecido um serviço provisório no Consulado em Xangai, mas para trabalhar no pavilhão do Brasil por ocasião da Exposição Universal de 2010 naquela cidade chinesa. Foram quase oito meses de estada na China, um país em profundas transformações, quando aproveitamos, Carmen Lícia e eu, para viajar para diferentes cidades do país – aproveitando também para visitar Hong Kong, Macau e Japão –, conhecendo um pouco mais as imensas mudanças em curso numa das regiões mais dinâmicas do planeta.
Enquanto eu atravessava solitariamente o meu deserto funcional, não por vontade própria mas por imposição dos companheiros no controle da diplomacia, o lulopetismo diplomático conhecia o seu momento de maior glória, aparentemente gozando da aprovação unânime dos grandes formadores de opinião, nos meios de comunicação, entre os acadêmicos, na imprensa internacional, junto aos principais interlocutores estrangeiros, em especial nos vínculos com os parceiros estratégicos. A diplomacia lulopetista conheceu, de fato, um grande prestígio junto a todos esses observadores, estudiosos e dirigentes estrangeiros. Cabe, no entanto, proceder a um exame detalhado quanto às fontes e sustentáculos dessa fama, num determinado momento representada pela imagem do Cristo Redentor disparando em direção das alturas, como figurando numa capa da Economist: não importa, aqui, que essa imagem fosse substituída, posteriormente, pelo mesmo Cristo caindo vertiginosamente dos céus, ou que, no ano seguinte, aparecesse o desenho de uma passista de Carnaval, presa num pântano sombrio. Essa foi a trajetória do lulopetismo, do triunfo ao fracasso.
A fase especialmente positiva no crescimento da economia mundial – que se manteve até a crise de 2008 – favoreceu igualmente o Brasil, mas numa velocidade inferior ao da média mundial, à da própria taxa de crescimento da América Latina (na qual países fizeram mais e melhor do que o Brasil) e sobretudo no confronto com o ritmo mais vigoroso da expansão econômica em curso na região da Ásia Pacífico. O bom conceito da diplomacia lulopetista se deveu muito mais à transpiração do que à inspiração, sempre apoiada em doses maciças de autopropaganda e de mistificação. Ocorreu um investimento exacerbado na promoção da imagem do presidente, com um enorme volume de recursos públicos aplicados nos meios de comunicação, nacionais e estrangeiros, inclusive com a mobilização do apoio do formadores de opinião nesses meios e entre os progressistas acadêmicos para a concessão, exageradamente ridícula, de dezenas de doutorados honoris causaea quem não tinha, numa teve, e nunca terá, manifestamente, nenhum contribuição relevante aos anais da ciência, segundo os critérios relevantes que deveriam guiar a concessão desse tipo de honraria.
Até aquele momento, nem a opinião pública, de forma geral, nem os meios de comunicação do Brasil e do exterior tinham sido alertados para o imenso rol de crimes econômicos, ou de crimes comuns, que estavam sendo cometidos pelos companheiros no comando do Estado brasileiro, a despeito de investigações e denúncias que já tinham sido formuladas esporadicamente em relação a casos que apareciam como estranhos, para dizer o mínimo: construção superfaturada de grandes obras no Brasil, aquisição suspeita de uma ou duas refinarias no exterior, utilização delituosa da principal empresa pública – a Petrobras – em operações potencialmente prejudiciais à própria companhia e ao Brasil, além de dezenas de outros casos apenas “bizarros”, e que só seriam revelados alguns anos à frente, por investigações policiais e judiciais. Tampouco se tinha então conhecimento perfeito da mobilização do BNDES no apoio financeiro a governos corruptos e a várias ditaduras da região e de outros continentes, países com os quais os dirigentes brasileiros mantinham relações muito “acima” dos vínculos diplomáticos “normais”, indo a um mundo obscuro de transações comerciais e de investimentos muito distantes de normas técnicas, para encobrir operações altamente prejudiciais aos povos de todas as partes envolvidas, pois que redundando em fartas propinas encaixadas por esses dirigentes envolvidos em gigantescos atos de corrupção.
Conhecedor razoável do modo de funcionamento dos assuntos de governo, logo percebi que o extremo ativismo dos lulopetistas com parceiros selecionados envolvia um lado encoberto, não devidamente registrado em documentação oficial ou em despachos diplomáticos. A partir de certo momento – tão cedo quanto contemporâneo ao Mensalão, em 2005 – tive plena consciência de que a gestão companheira encobria um grau inusitado de corrupção, muito além e acima dos níveis geralmente “aceitáveis” de corrupção nos meios políticos. Também conhecedor do submundo da esquerda – por ter mantido relações com várias tribos de opositores do regime militar, e por isso mesmo ter passado sete anos num autoexílio europeu durante os anos 1970, quando continuei a conviver, e a conhecer melhor vários representantes dessa esquerda que depois voltaria ao Brasil com a anistia de 1979 –, também tinha plena consciência da corrupção em que sempre viveu o meio sindical no Brasil, bem como dos instintos “neobolcheviques” de muitos dos guerrilheiros reciclados que depois se associaram ao PT na redemocratização. Isso me levou rapidamente à conclusão de que estávamos em face de uma mudança qualitativa na natureza da corrupção política, inclusive porque já tinha ficado meridianamente claro, durante o Mensalão, que o PT colocou a corrupção geral do sistema político (e junto aos meios empresariais também) a serviço de um projeto monopólico do poder, deformando o funcionamento das instituições.
Desde então me tornei um opositor resoluto da organização criminosa que se travestia de partido político, e deixava transparecer tal certeza disfarçadamente em vários dos meus escritos, publicados em veículos disponíveis ou divulgados através de minhas ferramentas sociais (meu site pessoal e o blog Diplomatizzando, que se tornou praticamente uma espécie de quilombo de resistência intelectual que prevalecia quase inconteste nos meios acadêmicos e jornalísticos). Esses foram os motivos que sem dúvida estiveram na base de minha continuada estada no deserto do ostracismo funcional durante todo o decorrer do regime companheiro, até, precisamente, o ato de impeachment da mandatária fantoche do quarto e último governo lulopetista. Apenas quando houve a derrocada oficial do nefando regime, fui novamente convocado a ocupar uma função no âmbito do Ministério das Relações Exteriores. Esse meu segundo exílio, não voluntário, havia durado exatamente o dobro do exílio voluntário durante o regime militar, e nas duas oportunidades fui levado a assinar artigos em meu próprio nome, arriscando, possivelmente, alguma retaliação formal, mas também a publicar outros textos de forma anônima, ou sob “noms de plume”.
Estamos a caminho de uma nova travessia do deserto? Depende...
No momento em que escrevo estas linhas – antes do segundo turno das eleições presidenciais – não temos certeza de nada, não exatamente de quem será o presidente eleito, pois parece estar pacificado, mas de quais serão as políticas a serem praticadas nesse próximo governo, quais serão os seus dirigentes, como o Brasil se relacionará com os demais países e como reagirá a uma agenda internacional que não depende exatamente da vontade ou das preferências dos dirigentes do país, mas que já está posta na mesa, por meio de acordos, conferências e reuniões programadas, em caráter bilateral, regional ou multilateral, e em relação aos quais o país precisa tomar uma posição, que não pode ser apenas reativa, passiva, defensiva.
Como sempre ocorreu, durante toda a minha vida intelectual, e no exercício de minhas atividades profissionais, pretendo preservar meu ceticismo sadio em face de todas as políticas e medidas a serem implementadas pelo novo governo. Pretendo, como sempre fiz, examinar cada orientação, cada iniciativa, cada política com olhar crítico, avaliar aquilo que os economistas chamam de custo-benefício – mais fácil, em todo caso, de estimar, do que um vago custo-oportunidade, que envolve variáveis que não podemos medir com precisão –, para contribuir em prol de uma boa gestão de governo, dizendo, claramente, aquilo que me parece correto e apropriado, em face dos problemas e questões que afligem o país e a sociedade. Como também sempre fiz, quero formular minhas observações em total independência de pensamento, ainda que não em completa autonomia de ação (pois ainda sou funcionário de Estado, eventualmente servindo a um governo determinado). Essa última condição não me impedirá, por certo, de pensar, e de expressar a minha opinião, salvo naqueles temas e circunstâncias muito sensíveis, que envolvem questões de segurança nacional ou de confidencialidade negociadora.
Imaginando que estamos ingressando numa fase de novas grandes mudanças – não sei avaliar ainda se serão tão importantes quanto aquelas a que assistimos, e outras que sequer percebemos, a partir de 2003 –, pretendo uma vez mais, e sempre, utilizar o meu quilombo de resistência intelectual como uma espécie de fortaleza da livre expressão e do livre pensamento, a partir do qual vou continuar exercendo meu espírito crítico, independentemente do que possam pensar, ou reagir, gregos e troianos, ou seja, amigos e inimigos do novo governo. Prefiro manter uma postura independente, como corresponde a um espectador engajado nos debates de ideias do tempo presente, sem concessões ao politicamente correto, ou a qualquer oportunismo funcional. Não sei, nessas circunstâncias, se serei levado a me exilar novamente num outro tipo de limbo, uma nova jornada através do deserto, que pode durar alguns anos, uma espécie de ostracismo auto-assumido, imposto unicamente pelas circunstâncias ou pela minha percepção do que teremos pela frente na próxima gestão governamental.
Como já disse várias vezes, não sou homem de partido, de facções ou de tribos, não me filio a seitas ou correntes, mas sou sim uma pessoa capaz de tomar partido por certas causas, que eu mesmo escolho como sendo prioritárias em função de minhas preferências intelectuais. Minha área prioritária de atividades, independentemente das atribuições profissionais, sempre esteve ligado ao estudo, ao ensino, à pesquisa, à reflexão, aos escritos, à divulgação de ideias e ao debate em torno de questões relevantes da vida nacional. É o que sempre fiz e é o que continuarei fazendo enquanto o ânimo persistir e as condições externas assim o permitirem.
Não pretendo, não desejo, não é o meu feitio, assumir funções e encargos executivos, ainda que eu não relute em cumprir tarefas que estejam dentro de minhas competências e atribuições profissionais; mas é porque tais atividades requerem certa submissão a princípios de autoridade, a imposições hierárquicas, que se coadunam mal com meu espírito libertário, talvez até anárquico. Prefiro continuar livre de pensamento e de ação, tanto quanto for possível dentro das restrições burocráticas às quais estou adstrito. Assumo responsabilidade pelo que escrevo e divulgo voluntariamente, e já não sou obrigado a escrever textos para outros assinarem, como era o caso em fase precoce da carreira. Vivo minha vida intelectual unicamente em função daquilo que eu mesmo decido que me é interessante, no plano do prazer intelectual e da liberdade pessoal.
Não farei nenhuma aposta desta vez, com quem quer que seja, apenas confiando em que os novos líderes políticos e dirigentes do governo que se instalará no Brasil a partir de janeiro de 2019 saibam pacificar o país, empreender as reformas necessárias, e conduzir o Brasil a um novo processo de crescimento sustentado, com base numa macroeconomia estável, numa microeconomia competitiva, numa boa governança – e aqui a responsabilidade maior incumbe ao poder judiciário, atualmente estraçalhado pelas más escolhas petistas durante o seu regime e por desagradáveis surpresas vindas de anos anteriores –, numa alta qualidade dos recursos humanos – embora eu seja singularmente pessimista quanto às possibilidades reais de se corrigir as imensas distorções da educação brasileira em prazo razoável – e, finalmente, numa plena abertura econômica e integração à interdependência global, com liberalização até unilateral ao comércio e aos investimentos internacionais. Essa seria a minha aposta comigo mesmo e contra o próprio país, mas confesso que a considero extremamente ambiciosa nas circunstâncias presentes. Em todo caso, minhas próximas atividades se concentrarão na realização desses objetivos.
Em qualquer hipótese, permanecerei atento aos novos desenvolvimentos em meu quilombo de resistência intelectual e de observação crítica, que é constituído pelo blog Diplomatizzandoe pelas demais ferramentas sociais. De certa forma, meu deserto sou eu mesmo quem determina sua extensão e feitio: ele é uma dimensão de minha própria liberdade. Veremos quando terá começo e quanto tempo durará...
Paulo Roberto de Almeida
Ouro Preto, 26 de outubro de 2018