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sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Putin enterrou legado de Gorbachev com guerra na Ucrânia - Anton Troianovski (OESP)

 Putin enterrou legado de Gorbachev com guerra na Ucrânia

Conhecido por chamar o fim da URSS de tragédia genuína, líder russo culpa Mikhail Gorbachev por se curvar às demandas de um Ocidente traiçoeiro e desonesto

Por Anton Troianovski
O Estado de S. Paulo, 31/08/2022

No dia em que a Rússia invadiu a Ucrânia, 24 de fevereiro, o legado de Mikhail Gorbachev pairou sobre o discurso proferido pelo presidente Vladimir Putin antes do amanhecer. “A paralisia do poder e da vontade é o primeiro passo na direção da degradação completa e do esquecimento”, entoou Putin, referindo-se ao colapso da União Soviética. “Perdemos nossa confiança apenas por um instante, mas isso foi suficiente para perturbar o equilíbrio de forças no mundo.”

Para Putin, o fim da União Soviética foi a “maior catástrofe geopolítica do século”, uma “tragédia genuína” para os milhões de russos, porque os deixou dispersos por fronteiras nacionais recém-formadas. O desastre foi provocado, segundo a narrativa de Putin, pela fraqueza de um líder disposto demais a se curvar às demandas de um Ocidente traiçoeiro e desonesto — um erro, agora recordado com frequência pela propaganda televisionada do Kremlin, que Putin está determinado a não repetir.

Na Ucrânia, Putin luta sob a sombra do império cujo fim Gorbachev presidiu, iniciando uma guerra que mata milhares em nome da restauração do domínio da Rússia sobre o que Moscou alega ser território russo. Mas a batalha de Putin para reverter o legado de Gorbachev resvala para além do controle territorial, tolhendo as liberdades pessoais e políticas que o último presidente soviético preconizou — e que o Kremlin agora trata de desfazer rapidamente.

“Todas as reformas de Gorbachev agora estão aniquiladas, só restou cinza e fumaça”, disse em entrevista um amigo de Gorbachev, o jornalista de rádio Alexei Venediktov, em julho. “Eram a obra de sua vida.”

Herança apagada
Gorbachev, que morreu aos 91 anos, ainda estava no poder quando a independente e progressista estação de rádio de Venediktov, Eco de Moscou, entrou no ar pela primeira vez em 1990, passando a simbolizar liberdades recém-descobertas na Rússia. Depois de Putin ordenar a invasão à Ucrânia, em fevereiro, o Kremlin obrigou a rádio a fechar.

E a Novaya Gazeta, jornal em que Gorbachev investiu no início dos anos 90 o que ganhou ao ser laureado com o Prêmio Nobel da Paz, foi obrigada a suspender sua atividade em março, ameaçada por uma nova lei de censura para tempos de guerra.

Gorbachev, com a saúde debilitada, não disse nada publicamente a respeito da guerra na Ucrânia. Mas sua Fundação Gorbachev, instituto de pesquisa que “busca promover valores democráticos”, emitiu um comunicado pedindo um “fim expedito das hostilidades” e “o início imediato de negociações de paz”.

Gorbachev, porém, filho de mãe ucraniana e pai russo, apoiou a visão de Putin sobre a Ucrânia como uma “nação-irmã” que deveria integrar legitimamente a órbita da Rússia. Gorbachev apoiou a anexação da Península da Crimeia praticada por Putin em 2014, descrevendo a manobra como representação da vontade de uma região densamente povoada por pessoas que se identificam como russas. E Gorbachev criticou o Ocidente por “tentar atrair a Ucrânia para a Otan”, alertando que tais tentativas “não ocasionam nada além de discórdia entre Ucrânia e Rússia”.

Mas Gorbachev também pareceu confiante de que o pior seria evitado. Questionado sobre as tensões entre Ucrânia e Rússia em 2014, ele afirmou a um meio de comunicação da Sibéria: “Uma guerra entre Rússia e Ucrânia é algo absurdo”.

“Gorbachev era um homem que se opunha a violência e derramamento de sangue enquanto princípio”, afirmou Dmitri Muratov, editor da Novaya Gazeta e ganhador do Nobel da Paz no ano passado, em entrevista pelo telefone.

Ainda assim, as opiniões precisas de Gorbachev a respeito da invasão iniciada seis meses antes de sua morte permanecem um mistério. Muratov afirmou que visitou Gorbachev no hospital com frequência ao longo dos dois últimos anos e acredita que Gorbachev “não estava em condição de comentar os atuais acontecimentos políticos”.

Conciliação
Putin emitiu uma declaração na quarta-feira que soou como uma mensagem conciliatória — mesmo enquanto seus aliados no Parlamento e nos meios de comunicação estatais tinham chegado ao ponto de relegar Gorbachev ao seu lugar no inferno.

Putin, dirigindo-se aos “parentes e amigos” de Gorbachev, afirmou: “Mikhail Gorbachev foi um político e estadista que surtiu enorme impacto no curso da história mundial”. “Ele entendeu profundamente que reformas eram necessárias e se empenhou para oferecer suas próprias soluções para problemas urgentes”, acrescentou Putin.

A breve declaração permitiu a Putin se colocar como um estadista acima do embate político, mas prontamente ficou claro que Gorbachev não seria venerado pelo Kremlin. Seu porta-voz afirmou que o formato do funeral de Gorbachev — e se a cerimônia preverá honras de Estado — ainda não foi determinado.

Uma das mensagens fundamentais da propaganda de Putin é que Putin é o responsável por estabilizar a Rússia — reconstruindo a economia do país e seus status de grande potência — depois do caos e da humilhação nos anos 90 engendrados por Gorbachev.

Como resultado, em sua morte, Gorbachev tornou-se imediatamente um símbolo para aliados do Kremlin argumentarem que tentar liberalizar a sociedade e ser bonzinho com o Ocidente pode resultar em desastre. Putin deixou transparecer sua visão de que Gorbachev era um negociador fraco no ano passado, quando afirmou à NBC que o Ocidente havia ludibriado o último líder soviético no fim da Guerra Fria sugerindo que a Otan não teria se expandido para o leste se essa promessa tivesse sido firmada por um tratado. (Autoridades americanas afirmam que não assumiram nenhum compromisso nesse sentido).

“Vocês enganaram o bobo na casca do ovo”, afirmou Putin na entrevista, citando o provérbio infantil.

Esse ressentimento histórico fundamenta a alegação de Putin de que não se pode confiar no Ocidente e de que a Rússia precisa de um líder mais forte e mais assertivo, uma visão que os meios de comunicação estatais do país reafirmaram na quarta-feira em críticas sonoras contra Gorbachev.

“Mikhail Gorbachev pode servir como exemplo de que boas intenções de um líder nacional têm capacidade de criar inferno na terra para um país inteiro”, afirmou uma coluna publicada na manhã da quarta-feira pela agência de notícias estatal RIA Novosti. O texto descreveu Gorbachev como o responsável “por um país destruído, pelo pesadelo dos anos 90 e por milhões de vidas perdidas em guerras civis, limpezas étnicas, ataques terroristas e guerras entre gangues”.

Igor Korotchenko, analista militar que aparece com frequência em talk-shows na TV estatal russa, foi ainda mais rude. “Queime no inferno!”, tuitou ele a respeito de Gorbachev.

Para os russos que anseiam por relações melhores com o Ocidente e mais liberdades dentro de seu país, Gorbachev permanece uma figura visionária. Para Muratov, o editor da Novaya Gazeta, o maior legado do ex-líder soviético talvez decorra das negociações para controle de armas atômicas com o ex-presidente americano Ronald Reagan, que reduziram as chances da aniquilação nuclear. Putin, em contraste, não se absteve de ameaçar o Ocidente com seu arsenal atômico e seus temíveis mísseis novos.

“Eles nos deram um presente: ao menos 30 anos de vida sem a ameaça de uma guerra nuclear global”, afirmou Muratov a respeito de Gorbachev e Reagan. “Nós jogamos fora esse presente. Esse presente deixou de existir.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

https://www.estadao.com.br/internacional/putin-enterrou-legado-de-gorbachev-com-guerra-na-ucrania-leia-a-analise/

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado - José Celso Cardoso Jr. (Afipea)

 Lançamento e debate sobre assédio institucional no setor público brasileiro, na Livraria Tapera Taperá, a propósito deste livro: 



José Celso Cardoso Jr., Frederico A. Barbosa da Silva, Monique Florencio de Aguiar, Tatiana Lemos Sandim (orgs.):

Assédio Institucional no Brasil: Avanço do Autoritarismo e Desconstrução do Estado 

Brasília: Afipea; João Pessoa: Editora da Universidade Estadual da Paraíba, 2022; ISBN: 978-65-994701-7-2.


Colaborei nesse livro, com este capítulo: 

Assédio institucional no Itamaraty: breve abordagem e depoimento pessoal”, capítulo 9, p. 389-427.

O livro está disponível neste link: https://afipeasindical.org.br/content/uploads/2022/05/Assedio-Institucional-no-Brasil-Afipea-Edupb.pdf

Aqui o lançamento virtual:

https://www.youtube.com/watch?v=8upTy5CcFMc  

Tribunal Permanente dos Povos condena Bolsonaro por crimes contra a humanidade - Rodrigo Rodrigues (G1, TV Globo)

 Júri simbólico do Tribunal Permanente dos Povos condena Bolsonaro por crimes contra a humanidade durante a pandemia


Atuação do TPP não tem atribuição para aplicar penas, mas alerta comunidade internacional e pode informar comissões jurídicas e cortes internacionais sobre a postura do presidente brasileiro frente às mortes por Covid-19 no Brasil.

Por Rodrigo Rodrigues, g1 SP e TV Globo — São Paulo
01/09/2022 11h21  Atualizado há 29 minutos

O júri simbólico do Tribunal Permanente dos Povos (TPP) leu nesta quinta-feira (01) a sentença que condenou o presidente Jair Bolsonaro (PL) por crimes contra a humanidade no Brasil e violação dos direitos humanos durante a pandemia da Covid-19.

Segundo o órgão, Bolsonaro teve contribuição direta para a morte dos 680 mil brasileiros que faleceram até o momento em virtude da doença no país.

"Não há dúvida que milhares de vida foram extintas [no Brasil] por efeitos das decisões do governo presidido por Jair Bolsonaro. (...) não se pode considerar que esse dolo foi eventual, uma vez que houve o resultado das mortes em massa com a intenção de privilegiar a economia em detrimento da vida humana", disse o jurista argentino Eugénio Raúl Zaffaroni, que leu a sentença contra o presidente brasileiro.

"Bolsonaro cometeu dois atos ilegais: grave violação de direitos humanos e crime contra a humanidade ao gerir a política de saúde brasileira sem ouvir as orientações dos cientistas e da Organização Mundial da Saúde", completou Zaffaroni, que é ex-ministro da Suprema Corte da Argentina e atual juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Na sentença, foi recomendado que o caso seja levado ao Tribunal Internacional de Haia para que Bolsonaro seja investigado por "constante crime de genocídio contra povos nativos do Brasil" (leia a sentença completa aqui).

O TPP é um tribunal de opinião simbólico, que não tem efeito condenatório do ponto de vista jurídico, mas cujas decisões podem ser encaminhadas para organismos internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Tribunal Internacional de Haia, na Holanda, onde são julgados os crimes contra a humanidade e os genocídios internacionalmente.

O julgamento de Bolsonaro começou em maio e ocorreu simultaneamente em São Paulo, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) – onde a sentença final foi lida nesta quinta (1º), e em Roma, na Itália, e foi transmitido pelas redes sociais ao vivo em várias sessões.

Na acusação, esses grupos afirmaram que o presidente propagou intencionalmente a pandemia de Covid-19 no país ao adotar postura anti-isolamento e contra as vacinas.

"A acusação denuncia o presidente Bolsonaro por ter, no uso de suas atribuições, propagado intencionalmente a pandemia de Covid-19 no Brasil, gerando a morte e o adoecimento evitáveis de milhares de pessoas, em uma escalada autoritária que busca suprimir direitos e erodir a democracia, principalmente da população indígena, negra e dos profissionais de saúde, acentuando vulnerabilidades e desigualdades no acesso a serviços públicos e na garantia de direitos humanos", afirma a Comissão Arns.

A acusação contra o presidente brasileiro foi sustentada nas sessões de 24 e 25 de maio por Eloísa Machado, advogada, professora de Direito Constitucional da FGV Direito-São Paulo e membro apoiadora da Comissão Arns; Maurício Terena, advogado e assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e Sheila de Carvalho, advogada e articuladora da Coalizão Negra por Direitos.

O júri que condenou Bolsonaro foi presidido pelo ex-juiz italiano Luigi Ferrajoli, professor catedrático da Universidade de Roma, e outros juristas internacionais como Alejandro Macchia e Eugenio Raúl Zaffaroni (Argentina), Joziléia Kaingang, Rubens Ricupero, Vercilene Kalunga e Kenarik Boujakian (Brasil), Boaventura de Sousa Santos e Luís Moita (Portugal), Clare Roberts (Antigua e Barbuda), Jean Ziegler (Suíça), Nicoletta Dentico (Itália) e Vivien Stern (Grã-Bretanha).

O que é o TPP?
Criado em Roma em 1979, o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) é considerado um sucessor do Tribunal Russell, que foi estabelecido em 1967 para investigar crimes de guerra no Vietnã.

O júri é composto por especialistas da área do direito, das ciências sociais e de saúde pública e conta com 13 pessoas de diferentes nacionalidades.

Além dos jurados, participaram das sessões que julgou Bolsonaro também testemunhas convocadas pela acusação, que deram depoimentos sobre a atuação do governo federal na pandemia.

"Verificamos uma estratégia federal na disseminação da Covid-19", disse a professora da Faculdade de Saúde Pública da USP Deisy Ventura, uma das testemunhas que se pronunciou em maio.

Questionada sobre o julgamento do presidente Jair Bolsonaro, a Advocacia Geral da União (AGU) havia declarado no início do julgamento que "não existe Tribunal Permanente dos Povos no sentido jurídico do tema, muito menos ao qual o Brasil tenha aderido por meio de tratado internacional" e que, "sendo assim, não há atuação da AGU".

Também em nota, o Itamaraty disse à época que "o Tribunal Permanente dos Povos (TPP) constitui iniciativa criada pela sociedade civil. Seu exercício não se confunde com atuação de tribunais internacionais, constituídos pelos Estados, perante os quais o Itamaraty tem competência para representar a União".

"Por esse motivo, não seria atribuição deste Ministério enviar representante a evento dessa natureza, particularmente quando realizado em território nacional", completou o Ministério em maio.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/09/01/juri-simbolico-do-tribunal-permanente-dos-povos-condena-bolsonaro-por-crimes-contra-a-humanidade-durante-a-pandemia.ghtml

Militares continuam a fazer confusão em torno das eleições, e o Itamaraty segue atrás...

 Sem TSE, Itamaraty discute ‘aperfeiçoamento eleitoral’ com militares


Chanceler Carlos França se reuniu no Ministério da Defesa com o general-ministro Paulo Sergio e com o chefe da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação.

por Hugo Souza
31 de agosto de 2022

No início da tarde da última quinta-feira, 25, Dia do Soldado, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, foi ao Ministério da Defesa acompanhado de dois funcionários do Itamaraty para tratar de “aperfeiçoamento da segurança e da transparência do processo eleitoral”.

Nenhum representante do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) participou da reunião, na qual as Forças Armadas informaram “mais detalhadamente” a Carlos França suas “propostas” de mudanças no sistema eletrônico brasileiro de votação. Pela defesa, quem participou da reunião, além do general-ministro Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, foi o coronel do Exército Marcelo Nogueira de Souza, chefe da Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação (EFASEV).

Em meados de julho, o coronel Marcelo Sousa disse no Senado da República que “é possível que um código malicioso tenha sido inserido na urna e fique lá latente esperando algum tipo de acionamento”.

O chanceler Calos França, por seu turno, disse em maio na Câmara dos Deputados que “os reclamos do governo brasileiro por um voto auditável e transparente vai na direção da busca de transparência”.

A principal das “propostas” que o general Paulo Sergio e o coronel Marcelo Sousa discutiram na última quinta-feira com o chanceler Carlos França é que, no dia das eleições, o teste de integridade das urnas eletrônicas seja feito nas seções eleitorais e com eleitores reais liberando a urna com biometria, em vez de nas sedes dos TREs e com as urnas liberadas por servidores da Justiça Eleitoral.

A proposta é tida pela Defesa como “inegociável”. No entendimento “colaborativo” do ministro-general Paulo Sergio, só esta mudança “reduziria a possibilidade de um código malicioso furtar-se ao teste”. Técnicos do TSE, porém, já informaram ao presidente do tribunal, Alexandre de Moraes, que a possibilidade de testar as urnas eletrônicas com biometria de eleitores reais no dia da eleição é “inviável”, “impossível em várias frentes”.

Entre o “inegociável” e o “inviável”, portanto, criou-se um impasse. Ou melhor: o impasse foi deliberadamente criado, construído, premeditado pelos militares, que, com seus pós-graduados em informática há tempos debruçados sobre as urnas, decerto já sabiam há tempos sobre a inviabilidade da requisição.

‘Faz parte do meu putsch’
Este Come Ananás mostrou na semana passada que o objetivo da sinuca é ter na manga da farda, para todo caso, um pretexto – “a possibilidade de um código malicioso furtar-se ao teste”, como disse o general Paulo Sérgio no Senado – para tentar adiar indefinidamente o primeiro ou o segundo turnos ou, havendo eleições, apontar possibilidade de fraude, bagunçando o coreto, quando e se Lula for declarado presidente eleito.

Neste sentido, as tratativas da Defesa com o Itamaraty sobre “aperfeiçoamento da segurança e da transparência do processo eleitoral”, feitas à revelia do TSE, em clara extrapolação de papeis institucionais, mostram que o movimento de preparação dos espíritos da “comunidade internacional” para a eventualidade de, digamos, um problema técnico com as eleições não se esgotou com a famigerada reunião de Bolsonaro com embaixadores no Palácio do Planalto, na qual os ministros Paulo Sergio e Carlos França estiverem presentes e sentaram-se lado a lado na primeira fila da plateia.

Neste sentido, nesta quarta-feira, 31, a praticamente um mês do primeiro turno e com um parecer técnico de inviabilidade da proposta na praça, Paulo Sergio vai ao TSE para dar um “alô” ao inimigo; para reforçar a proposta, apesar de tudo, junto a Alexandre de Moraes.

No melhor estilo codinome beija-flor: “invento desculpas/provoco um briga”.

No melhor estilo “faz parte do meu putsch”.

https://comeananas.news/sem-tse-itamaraty-discute-aperfeicoamento-eleitoral-com-militares/

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

A Arte da Guerra: Sun Tzu - Paulo Roberto de Almeida, in: Jorge Tavares da Silva (coord.) Olhar a China pelos livros

 Um trabalho recentemente publicado, tendo recebido o livro neste 31 de agosto de 2022. A contribuição deveria ser em torno de um livro chinês ou sobre a China, vista, relida, comentada pelos colaboradores em toda liberdade.

Eu escolhi um dos mais antigos livros representativos da cultura chinesa, o manual de Sun Tzu, relido na versão de um moderno Sun Tzu, temática que eu já havia abordado num trabalho de 2010, como informo ao final desta postagem.

Paulo Roberto de Almeida

“A Arte da Guerra: Sun Tzu”, in: Jorge Tavares da Silva (org.), Olhar a China Pelos Livros (Lisboa: Centro Cultural e Científico de Macau; Macau: Universidade de Macau, 2022, 155 p., p. 114-125; ISBN: 978-972-8586-57-7)


A Arte da Guerra: Sun Tzu

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Contribuição publicada como “A Arte da Guerra: Sun Tzu” in: Jorge Tavares da Silva (coord.), Olhar a China Pelos Livros (Lisboa: Centro Cultural e Científico de Macau; Macau: Universidade de Macau, 2022, 155 p., p. 114-125; ISBN: 978-972-8586-57-7).

 

 

 

1. O itinerário de Sun Tzu, um perfeito paralelo ao da China contemporânea

Sun Tzu, o contemporâneo, não o clássico – de 25 séculos atrás, nos tempos turbulentos dos Estados Guerreiros – nasceu em Chongqing no dia 1º de outubro de 1949, quando Mao Tsé-tung proclamava o nascimento da República Popular. Sua vida acompanhou, passo a passo, os percalços, turbulências e realizações da administração do Partido Comunista da China, até as comemorações do primeiro centenário do partido, em 2021, quando ele comemorou, com grande satisfação, o anúncio sobre a eliminação da pobreza extrema no país, tudo o que ele tinha aspirado em sua vida de mais de setenta anos de estudos e de atividades como professor. 

Seu pai, Sun Pin, por uma dessas coincidências históricas, tinha nascido em Shanghai, na mesma data da fundação do Partido, na zona francesa da mais internacional cidade da República da China, dez anos depois da derrocada da última dinastia do milenar Império do Meio. Estas foram apenas duas das coincidências entre o itinerário da família Sun e a história da China, envolvendo três gerações. O avô de Sun Tzu, Sun Wu, tinha nascido em 1883, em Pinkiang, uma pequena cidade da província de Heilongjiang (Manchúria), nas imediações onde foi fundada por oficiais russos do czarismo a cidade de Harbin, a mais industrial da China, ao final do Império e no início da República. Sun Wu foi um dos últimos aprovados nos concursos para mandarins imperiais, antes que a imperatriz Cixi terminasse o sistema em 1905, num esforço para modernizar o velho império do Meio. Suas funções também vieram a termo com a revolução de 1911.

Dispensado de suas ocupações, Wu decide viajar para a província de Kwangtung, então em rápido desenvolvimento, nas proximidades da possessão inglesa de Hong Kong e da colônia portuguesa de Macau. Foi admitido como professor numa escola da cidade, ao mesmo tempo que dava aulas particulares de filosofia e letras clássicas, para uma clientela de jovens estudantes recrutados na burguesia comerciante local. Dominando o inglês, começa também a estudar francês, sozinho, lendo romances de Balzac e de Émile Zola. Ao casar-se, no final de 1917, ouviu as primeiras reverberações da revolução bolchevique, provocando agitação entre os operários. 

Armado de seu conhecimento de línguas, Sun Wu decide mudar-se para a internacional Shanghai, , por sinal administrada por um consórcio de cônsules estrangeiros. Foi em Shanghai que conheceu um jovem estudante chinês, recém-retornado de Paris, Chu Enlai, que o ajuda a conseguir um emprego no consulado francês da cidade. Foi também nessa cidade que nasceu seu filho Sun Pin, no mesmo dia em que Chu Enlai e outros convertidos ao bolchevismo fundavam o Partido Comunista, em 1921. 

Foi Chu Enlai que fez com que Sun Wu retornasse a Cantão, onde estava a base da III Internacional Comunista, para servir de como intérprete de Borodin, enviado de Moscovo pelo Komintern, ao lado do indiano Roy, ambos buscando provocar uma revolução comunista na confusa República da China, já disputada por senhores da guerra e por dirigentes do Kuomintang, o partido nacionalista fundado por Sun Yat-Sen. Conhecendo russo, inglês, francês, cantonês e mandarim clássico, Wu acompanhou todas as manobras políticas, bastante contraditórias, que uniam e separavam comunistas chineses e nacionalistas do Kuomintang, os enviados do Komintern e os senhores da guerra.

A tentativa de tomada do poder nas cidades provinciais da China pelo PCC, sob ordens do Komintern, no final de 1927, foi um completo fracasso, objeto da repressão brutal do general Chiang Kai-shek, que já controlava o Kuomintang. Sun Wu, com sua mulher e o pequeno Sun Pin, foge novamente para Shanghai e obtém um posto de auxiliar no Consulado americano, então em expansão. Shanghai, ao início dos anos 1930, era uma cidade fascinante, com todo os tipos de homens de negócios e aventureiros, espiões e mulheres fatais, hotéis de luxo e cortiços sórdidos, além obviamente de todos os tipos de tráficos, de drogas, de ativos financeiros, até de pessoas. O pequeno Sun Pin passa a frequentar a escola inglesa, mas também toma aulas de francês e de russo com o pai, completadas ainda pelas letras clássicas chinesas. A vida transcorria mais ou menos tranquilamente para a família Sun, mas os japoneses, depois de conquistarem várias cidades na sua Manchúria natal, tomam o controle de toda a província em setembro de 1931, estabelecendo o Estado fantoche do Manchukuo, com o último imperador colocado a seu serviço até praticamente 1945; eles também se tornam cada vez mais agressivos em Shanghai, estendendo o seu enclave muito além dos limites fixados consensualmente pelos cônsules estrangeiros. 

Sun Wu, para escapar do assédio de agentes do Japão, que tentavam transformá-lo em um espião a seu serviço, resolve se mudar para Nanquim, onde estava instalada a capital da República da China controlada pelo Kuomintang de Chiang Kai-Shek. Não durou muito sua nova residência: dois anos depois, no final de 1937, a partir de novas provocações, tropas japonesas desencadeiam uma ofensiva geral contra a China, em todas as frentes, tomando Pequim, Shanghai e iniciando a ofensiva contra Nanquim no final desse ano. O [bombardeio] bombardeamento? contra a capital do Kuomintang foi brutal, seguida da ofensiva terrestre. 

O jovem Sun Pin estava estudando os clássicos chineses na biblioteca Jiangnan, no momento dos bombardeamentos. Ao sair, tocado pelos alarmes, não sabia para onde ir, tamanha era a confusão em todos os lados. Engolfado pela destruição e pelos incêndios, Pin não conseguiu mais voltar para casa: levado pela multidão desesperada, acabou sendo arrastado para um quartel do Exército. Desconhecia o paradeiro da família e só muito tempo depois veio a saber que Sun Wu e sua mãe tinham morrido nos terríveis ataques japoneses.

Transportado em comboio militar, acabou deslocado para Chongqing, a nova capital da China do Kuomintang. Começou ali uma carreira militar involuntária, nunca como soldado de combate, sempre como auxiliar técnico, nas traduções para o russo e o inglês. A chegada dos britânicos e dos americanos foi providencial no itinerário futuro de Sun Pin; integrado ao Exército nacionalista como tradutor em várias línguas, ele chegou inclusive a ajudar no quartel dos militares americanos em Chongqing, comandados a partir de 1943 pelo general Joseph Stilwell. Ao final da guerra, continuou nas mesmas funções, já servindo ao Exército nacional. A guerra civil, a inflação galopante e a corrupção do regime de Chiang Kai-shek foram os traços dominantes dos quatro anos seguintes. 

Ao final, o regime se desfez, e a vida de Sun Pin passou por tantas turbulências quanto as que haviam marcado o itinerário de Sun Wu. Seu primeiro e único filho, Sun Tzu, nasceu no hospital militar de Chongqing, no dia 1º de outubro de 1949, quando as tropas do Exército Popular de Libertação já tinham controlado a cidade; as forças do generalíssimo Chiang Kai-shek tinham buscado refúgio em Taiwan, a partir de Nanquim. 

Sun Pin foi levado a Pequim e contratado para dar aulas na Academia Militar então em reconstrução. Chu Enlai, amigo de seu pai, era, então, o primeiro-ministro do governo comunista. Como Sun Wu, passa a servir de intérprete, mas desta vez de prisioneiros de guerra americanos capturados na ofensiva chinesa na segunda fase da guerra da Coreia. Ficou longe da família durante quase dois anos, até ao armistício de julho de 1953. Voltou a Pequim, para reencontrar sua mulher e o pequeno Sun Tzu, com quatro anos de idade, instalados numa pequena residência militar nos arredores de Pequim. 

Nos dez anos seguintes, Sun Pin leva uma pacata vida de professor de línguas e de cultura clássica na Academia Militar. Mas, alguém como ele, conhecedor de línguas e oficiais estrangeiros em Shanghai e em Chongqing, não conseguiria escapar do clima de xenofobia provocado pela Grande Revolução Cultural, a partir de 1965. Todos os letrados e críticos de Mao se tornaram suspeitos: Deng Xiaoping perdeu o seu cargo de Secretário-Geral do partido em 1966. O próprio Exército Popular passou por um expurgo geral, sob o comando de Lin Piao, que se tornou o preferido de Mao. Não só as aulas foram interrompidas em todas as universidades e escolas médias, como professores passaram a ser enviados para aldeias distantes da capital, nas províncias recuadas do interior, onde deveriam ser submetidos à campanha de “educação socialista”. Sun Pin foi um desses enviados para trabalhar sob as ordens de camponeses numa das aldeias mais pobres.

Em 1967, Sun Tzu, tinha os mesmos 18 anos do seu pai quando este escapou da morte que vitimou seu avô em Nanquim, em 1937; sem poder ingressar numa universidade, ficou recolhido com sua mãe na mesma residência militar, estudando por sua própria conta, durante as turbulências causadas pela Revolução Cultural. Quando tanques soviéticos invadiram a Tchecoslováquia no ano seguinte, Sun Pin estava recolhendo estrume natural para adubar as culturas agrícolas numa das fazendas coletivas. 

Sun Tzu nunca mais tornou a ver o seu pai; muito tempo depois, soube que tinha falecido de “causas naturais”, em torno de 1971, o mesmo ano em que o comandante do Exército de Liberação, Lin Piao, morreu misteriosamente num acidente aéreo, tentando fugir da China, depois de também conspirar contra Mao. Deng Xiaoping voltou ao poder, ajudado por Chu Enlai, amigo do avô de Tzu. Recém-promovido a vice-presidente da China em 1973, Chu procurou saber onde estava Sun Pin, filho do seu amigo Sun Wu. Ficou consternado ao saber do desaparecimento precoce de Pin, que não teria mais do que 50 anos, como tinha sido o caso de seu antigo protegido em Shanghai, vítima da barbárie japonesa em Nanquim. Chu conseguiu localizar a esposa, nos registos da Academia Militar, e então chegou ao neto de Wu, cujo nome representou uma feliz surpresa. Poucos meses antes de morrer, em 1976, quando a Revolução Cultural também se aproximava do fim, Chu recomendou a Deng que Sun Tzu fosse aproveitado na própria Academia Militar. 

Foi apenas em 1979, quando Deng Xiaoping finalmente conseguiu assentar o seu poder, que Sun Tzu foi recebido por ele. Sabedor da história do avô, simpático ao partido, e do pai, nascido junto com o partido, depois professor na Academia Militar, lamentou sua morte na sua província de origem, no Sichuan. Um filho de Deng tinha ficado paralítico por causa da violência da Revolução Cultural, por isso ele se interessou pela vida de Sun Tzu, também fascinado pelo nome. Deng, que tinha sido comandante de um dos destacamentos do Exército Vermelho, sabia o valor das lições do grande estrategista chinês da arte da guerra. Assim foi que, aos 30 anos, sem nunca ter pertencido ao partido, o jovem Sun Tzu foi admitido na mesma cadeira do pai, sob promessa de terminar os estudos superiores e ingressar futuramente no partido, se conseguisse ser admitido. Sua vida começava de novo.

 

2. Sun Tzu e a nova Arte da Guerra, desta vez contra a pobreza

Ao ganhar a cadeira que tinha sido a de seu pai na Academia Militar, quase vinte anos antes, Sun Tzu foi recebido, pelo corpo docente da instituição, com certa condescendência, mas também com alguma ironia, previsivelmente em função do seu nome. Afinal, ter o mesmo nome do mais famoso estrategista militar de toda a história da China, quiçá do mundo, trazia uma carga de responsabilidade intelectual que o jovem professor não estava certo de possuir. Com efeito, ele deveria, em princípio se limitar ao ensino de línguas estrangeiras e das letras clássicas chinesas, colaborando nas demais atividades de formação de oficiais para o EPL. Ao mesmo tempo, como planejado, ele retomava, ou iniciava, estudos de graduação em Letras e História na Universidade de Pequim, ainda em fase de reconstrução curricular depois da devastação conduzida pelos seguidores de Mao, nos quinze anos anteriores. 

O ambiente político começou a se clarificar a partir dos anos 1980. Deng Xiaoping tinha retomado com força a direção do país, depois de sua terceira reabilitação, após o afastamento definitivo da viúva de Mao e da “quadrilha de Shanghai”. O povo chinês estava cansado da luta de classes e das batalhas ideológicas e parecia se conformar com o slogan de que não importava a cor do gato, preto ou branco, bastando que soubesse caçar ratos. 

Com todas as leituras em várias línguas que tinha feito, Sun Tzu conhecia mais do mundo, sem nunca ter saído da China, do que a maioria dos quadros do partido e a quase totalidade dos militares, eles mesmos confusos sobre se o inimigo principal era o império capitalista dos Estados Unidos ou o social imperialismo da União Soviética. Decide então estudar a fundo economia e história, perfeitamente consciente de que os problemas da China não estavam exatamente nos dois imperialismos rivais e sim na imensa pobreza do país. A China estava saindo de décadas de equívocos políticos e de erros de gestão, desde a campanha das Cem Flores e do Grande Salto Para a Frente, do final dos anos 1950. Ela tinha agora de se concentrar no problema do seu atraso relativo e absoluto em relação às grandes potências da época.

Sun Tzu era cobrado, pelos colegas de Academia, sobre quando retomaria a obra do seu ilustre antecessor: perguntavam-lhe se seria capaz de oferecer um novo conceito estratégico sobre a natureza da guerra na era das armas nucleares. Decidiu, então, estudar seriamente a obra de Sun Tzu, o estrategista clássico, mas não apenas seu manual, e sim tudo o que tinha sido escrito em torno dele. Pediu à biblioteca da Academia que adquirisse, na China, em Hong Kong, em Macau, diversas versões, em várias línguas, do pequeno guia, assim como obras adaptando as estratégias e táticas de Sun Tzu ao mundo dos negócios e da economia. Armou-se com toda aquela parafernália e durante meses refletiu sobre o que tinha lido e, também, sobre como adaptar o que aprendera aos tempos e necessidades da China que ressurgia sob os novos lemas de Deng Xiaoping. E o que fez o Sun Tzu do final do século XX? 

A primeira orientação foi a de que, como professor de humanidades, não deveria se ocupar de qualquer elemento militar a partir do manual de estratégia de seu famoso homônimo: a Academia estava repleta deles e não teria nada de muito inteligente a propor no tocante à defesa da China. A nova Arte da Guerra que ele pretendia propor seria um combate contra o inimigo principal da China e dos chineses: a miséria extrema, a pobreza generalizada do seu povo. No início dos anos 1980, americanos, europeus e japoneses eram dezenas de vezes mais ricos do que os chineses, e suas indústrias e laboratórios eram muito mais avançados, sua infraestrutura mais moderna. O grande objetivo da nova China deveria ser o de tirar centenas de milhões de chineses de uma miséria abjeta, levá-los primeiro a uma situação de pobreza aceitável, para depois, bem depois, construir uma condição de bem-estar moderado na sociedade. Esta foi a sua missão de trabalho, este foi o seu projeto de país, esta era a sua Arte da Guerra.

De facto, a única ofensiva que a China precisaria de empreender seria a guerra contra o mais antigo problema do mundo: a penúria extrema, a escassez generalizada, a privação dos bens mais elementares: a comida, a água potável, saúde preventiva, educação de massa de boa qualidade. Por acaso, as políticas preconizadas por Deng Xiaoping diziam mais ou menos a mesma coisa, sob o slogan das quatro modernizações: na agricultura, a base da economia chinesa, pois 82% da população ainda era rural; na indústria, monopolizada pelo Estado, em grandes empresas ineficientes e tecnologicamente atrasadas; na ciência e na tecnologia, bases de qualquer transformação produtiva e aumento de produtividade; e na defesa, pois a China ainda vivia num ambiente hostil, com problemas de fronteiras em todas as partes. 

Partindo dessas premissas, Sun Tzu se pôs a compor uma nova Arte da Guerra, desta vez contra a pobreza. Para isso, subiu nos ombros de um gigante, ou seja, o Sun Tzu de 2.500 anos atrás, na época dos Estados Guerreiros, quando seus soberanos estavam constantemente em guerra entre si. Tomando como base as exatas treze lições de seu ilustre ancestral, o que o Sun Tzu contemporâneo fez foi dar uma nova interpretação àquelas antigas lições. A nova versão da Arte da Guerra coincidiu e espelhou a ascensão irresistível da nova China. Eis suas novas lições.

 

2.1. O fator crucial na vida do Estado

A sobrevivência de um governo, a estabilidade de um Estado não depende de sua capacidade de sobreviver a ataques internos ou externos apenas pela força das armas. Indo à raiz do problema, a força das armas não pode ser exercida por um povo fraco, desnutrido, sem as condições mais elementares de uma vida produtiva, sem um mínimo de dignidade no seu bem-estar; isto significa, precisamente, dispor de certa consciência na defesa de sua situação de vida, sem o que o povo não poderá defender o seu soberano. Não se fazem bons soldados com escravos, com servos de gleba ou camponeses miseráveis. Bons soldados, oficiais competentes, líderes habilidosos no manejo das armas são, antes de tudo, súditos que se aproximam do status de cidadãos, conscientes de seus deveres e obrigações, mas também de seus direitos, como ensinava Confúcio. Este grande sábio, contemporâneo do antigo Sun Tzu, também discorreu sobre as obrigações dos dirigentes para com a situação do povo. Foi por isso que o antigo Sun Tzu colocou a Lei Moral à frente de todas as outras condições na vida de um grande Estado. O novo Sun Tzu refletiu sobre essas lições e as acolheu.

 

2.2. Da responsabilidade dos dirigentes no comando do Estado

A base de todo empreendimento do Estado, seja a arte da guerra, seja a edificação de grandes obras públicas, seja ainda o provimento de segurança e justiça ao povo, é constituída pela disponibilidade de recursos suficientes e bem distribuídos por todo o território da nação. Não se pode ir para a guerra, sem as ferramentas da ofensiva e sem a intendência e a logística da retaguarda. Da mesma forma, não se garante justiça para o povo, infraestrutura e cuidados de saúde e educação sem uma economia minimamente próspera. Cabe, portanto, aos donos do poder competência no provimento de todos esses bens públicos, antes de sequer pensar em qualquer empreendimento guerreiro. Esta foi a segunda grande lição do novo Sun Tzu, que de certa forma refletia exatamente o que Deng Xiaoping estava fazendo na direção do país.

 

2.3. Como vencer a pobreza sem diminuir a riqueza

O velho Sun Tzu ensinava, na terceira lição – “Da arte de vencer sem desembainhar a espada” –, que não é preciso destruir tudo. Cabe controlar a impaciência, o açodamento e a irritação. Pois esta é também a lição para eliminar a pobreza entre o povo: não se consegue elevar a condição dos mais pobres tirando dos mais ricos o que aqueles não têm. Não se tira do estoque para distribuir, pois a fonte dessa riqueza vai secar e não vai ser capaz de repor o que foi tirado. O que há a fazer é enriquecer os mais pobres, não empobrecer os mais ricos. Esta é a lição elementar de todo soberano consciente de que é preciso atuar sobre os fluxos, não sobre os estoques. Os pobres, que são muitos, não podem esperar melhorar sua vida tirando dos ricos, que são poucos, e muito mais propensos a esconder sua riqueza do que os pobres em construir novas e contínuas fontes e para novas riquezas. Sun Tzu aconselhava o soberano a bem conhecer o seu povo, não com base em teorias abstratas, mas sim a partir de um conhecimento prático. Esta foi a terceira grande lição do mestre ao seu discípulo.

 

2.4. Como organizar os agentes públicos para combater a pobreza

O antigo Sun Tzu recomendava – no capítulo sobre a arte de manobrar as tropas – que, na determinação das táticas corretas, o bom estrategista levasse em consideração, nesta ordem, os seguintes fatores: a sondagem, ou seja, o conhecimento perfeito do terreno e dos agentes com os quais se vai interagir, os próprios e aqueles sobre os quais não se tem controle; em segundo lugar, a estimativa da quantidade, ou seja, o maior número de dados e informações possíveis, com vistas a passar à fase seguinte; esta é o cálculo, ou seja, como combinar todos os fatores de que se dispõe, recursos humanos e materiais, para melhor ordenar suas forças para o combate principal, que é a luta contra a miséria e a pobreza do seu próprio povo; em quarto lugar, o novo Sun Tzu colocava o equilíbrio das probabilidades, que na moderna análise econômica significa o custo-oportunidade, isto é, onde melhor empregar seus recursos para o máximo de retorno possível; finalmente, cabe colher os frutos de todas as ações anteriores e, novamente, fazer uma nova avaliação do que se aprendeu e do que poderá ser feito da melhor forma da próxima vez. Dessa forma, o novo Sun Tzu seguia o antigo mestre.

 

2.5. Das muitas formas de combater a pobreza

A quinta lição do velho Sun Tzu é a de que o método direto pode até ser usado para entrar em batalha, mas para assegurar a vitória na guerra são necessários métodos indiretos. O mesmo conceito é necessário na luta contra a pobreza: não se pode atacá-la de frente, pois ela é apenas o resultado de uma condição subjacente, que deve ser enfrentada; o provimento direto de bens, o subsídio ao consumo são apenas medidas paliativas que se esgotam em si mesmas, sem produzir os resultados esperados, que são a criação de capacidade própria para prover os seus bens a partir do trabalho produtivo, não a satisfação do consumo imediato, o que pode ser requerido em situações extremas. Uma combinação adequada de métodos diretos e indiretos de combate à pobreza oferece as melhores possibilidades de uma atuação efetiva. A luta pela eliminação da miséria e pela redução da pobreza tem muito a aprender com o grande mestre da antiguidade.

 

2.6. Distinguir as diversas formas de pobreza no contexto do ambiente

Todas as nações possuem seus pontos fracos e fortes, como ensinou o velho mestre na sua lição sobre “o cheio e o vazio”. Até mesmo a pobreza pode ser um fator positivo na luta contra a pobreza, pois significa que, ao definir a política e a ação, pode-se contar com muitos trabalhadores a um custo relativamente baixo, o que indica a escolha de formas intensivas de trabalho, relativamente ao capital. Mas, existem partes da sociedade que já possuem certa intensidade de capital, e não faz sentido obrigar tais empresas a trabalhar com o fator abundante, quando elas possuem capacidade de avançar ainda mais na trilha do capital e do conhecimento. Do ponto de vista do país como um todo, isso significa que a agricultura, a que mais ocupava trabalhadores e famílias até os anos 1980, não podia ser imediatamente capitalizada, tanto por problemas de emprego e produção, como de êxodo rural, dada a baixa capacidade das cidades em habitação e equipamentos urbanos. Mas, a indústria, sim, poderia se tornar o principal fator de crescimento econômico, não importando se sua administração estivesse a cargo de empresas estatais, empreendedores privados, grandes e pequenos, ou pelos investimentos estrangeiros, que também deveriam ser admitidos: o importante era a criação de empregos. O novo Sun Tzu captou exatamente o que o velho mestre queria ensinar aos antigos donos do poder.

 

2.7. A formulação da estratégia de combate à pobreza

A formulação de uma estratégia não pode começar na capital, entre funcionários de Estado, antes, sim, depois de um perfeito conhecimento do terreno em que se vai atuar, e em pleno contato com a população local. Ela não pode obviamente ser única e uniforme, mas adaptada aos ambientes locais e tipos de especialização produtiva pré-existentes. Não se pode achar que, ao descarregar capitais, equipamentos e projetos importados numa determinada região, o crescimento brotará automaticamente do chão, como arroz em terreno irrigado; os assessores e conselheiros devem ser aqueles já residentes na região, que saberão dizer onde estão exatamente os problemas e as dificuldades ressentidas pelo povo. Os novos mandarins do Estado devem ser de preferência da mesma província e da região contemplada no projeto parcial, que deve ser o mais flexível possível, apto a acomodar-se a novas situações em contato com a população local. Não existe uma única estratégia nacional de crescimento, sequer de combate à miséria e à pobreza. Diversos estratagemas são mobilizados nesse duro e duplo combate.

 

2.8. Mudar as condições dos pobres, atuando sobre a infraestrutura

Os pobres conhecem muito bem quais são as dificuldades locais, que geralmente estão nas coisas mais elementares: água potável, esgotos, saneamento básico, meios de defesa contra epidemias frequentes, vias de circulação, atendimento preventivo ou hospitalar em saúde, escolas ao alcance das crianças, mercados conectados aos locais de produção, serviços de pagamentos e de comunicação e outras melhorias nos vilarejos. Materiais e mão-de-obra podem ser obtidos localmente, com a importação de engenheiros e canalizações e cabos buscados na província. A iniciativa, no campo das infraestruturas deve sempre partir das condições locais, não de planos grandiosos desenhados na capital; numa etapa posterior, com boa infraestrutura local, ela se conectará mais facilmente às redes provinciais e nacionais. 

 

2.9. Da importância da geografia para as manobras corretas

O conhecimento de cada um dos ambientes nos quais se pretende atuar é condição essencial para a elaboração de qualquer projeto de combate à pobreza; os mais pobres são os que mais conhecem, justamente, a geografia local e já exploram, por vezes de maneira não sustentável, os recursos existentes no seu entorno. Não convém transformar a natureza de forma radical, pois não se tem um conhecimento preciso do impacto que isso terá sobre a variedade de formas de vida animal ou vegetal; a ocupação desordenada do solo e o esgotamento dos mananciais produzirá danos futuros imprevisíveis no momento do estabelecimento humano. A maior parte dos acidentes naturais não é geralmente natural, mas derivada da ação humana. A 9ª lição do antigo mestre foi compreendida e adaptada por seu discípulo contemporâneo.

 

2.10. Da educação: o valor do capital humano na topografia do crescimento

Das várias calamidades que podem afetar a eficiência e a moral de um exército, o velho Sun Tzu colocava entre as mais relevantes a insubordinação e a desorganização; elas são o efeito da ignorância, que nem sempre está restrita à população mais pobre, objeto dos esforços do Estado para a melhoria de suas condições, mas podem igualmente atingir os “planejadores” da capital, teoricamente preparados, mas atuando no desconhecimento das condições locais. Daí resulta que a formação de capital humano é um processo contínuo e permanente, em todos os níveis de educação e em todos os estratos da população. A eliminação da miséria depende, em primeiro lugar, de estender às mais humildes aldeias do interior o mesmo tipo de educação básica de que dispõem as populações citadinas; escolas técnico-profissionais devem funcionar em estreito vínculo com o ciclo médio nas aglomerações locais e provinciais; e, independentemente do desempenho relativo dos estudantes à escala nacional, os melhores alunos de cada escola local devem receber bolsas para dar continuidade a seus estudos de nível superior. Mérito e competência são os critérios básicos de seleção, assim como deve ocorrer nas forças armadas, nos tempos do antigo Sun Tzu, e nos do seu moderno sucessor. 

 

2.11. Das diferentes frentes e terrenos de combate à pobreza

No seu 11º capítulo, o antigo Sun Tzu listou não menos de nove variedades de regiões, em função das quais o comandante do exército vai determinar o tipo de manobra aplicável a cada uma delas. Não é muito diferente num programa nacional de combate à miséria e à pobreza, que justamente não pode ser nacional, a não ser em intenção e em resolução. Cada região ou cada situação local constituirá uma frente específica de combate à pobreza, que vai exigir soluções adequadas, ou seja, definidas em função de uma matriz própria de suas fortalezas e fraquezas, vantagens e desvantagens segundo uma avaliação própria a cada uma delas. Certas propostas, como infraestruturas básicas, serviços elementares do Estado poderão ser uniformes, ainda que calibrados segundo a demografia e a cultura local. A definição das vantagens comparativas relativas, para fins de especialização produtiva, só deve ser feita após um exame pormenorizado daquela matriz específica. O próprio ritmo pode variar, mas não o objetivo final.

 

2.12. Do uso de recursos externos no combate à pobreza, mas sem pirotecnia

Não existe importação de soluções para o combate à miséria e à pobreza, a não ser no nível da infraestrutura mais elementar e nos meios de elevar a qualidade do capital humano. O próprio pessoal dedicado à tarefa de qualificar educacionalmente a população visada deve ser selecionado e treinado localmente. Não pode haver xenofobia ou nacionalismo na captação de recursos externos, isto é, o capital estrangeiro, mas não exatamente o financiamento em si, e sim preferencialmente sob a forma de investimentos diretos. Enclaves com facilidades fiscais podem ser usados para fins limitados e temporariamente, abrindo-se depois todo o país ao investimento e, sobretudo, à competição estrangeira, que é a melhor forma de elevar a produtividade do sistema produtivo local. O capital estrangeiro não precisa de facilidades temporárias e sim de estabilidade de regras e garantias de tratamento equitativo. A intensa e estratégica participação no comércio internacional é a melhor pirotecnia que pode ser concebida.

 

2.13. Como identificar as diferentes etapas de combate à pobreza

O combate à miséria e à pobreza, a eliminação de suas fontes primárias e a construção de estruturas sustentáveis e sustentadas de crescimento, com transformação produtiva, são como as diferentes fases de uma guerra de longa duração, compreendendo períodos de atrito, de enfrentamento direto e o estabelecimento das condições permanentes de vida normal, sem mais dependência de ajuda externa. Assim como no plano nacional, a superação da pobreza, em âmbito regional ou provincial, requer o mesmo quadro formal de requisitos de desenvolvimento sustentado, que são as políticas macroeconômicas ou setoriais. Mesmo que algumas das primeiras políticas – fiscal, monetária e cambial, inclusive de investimentos – sejam de competência nacional, e não regional, a adaptação dos requerimentos às condições locais pode ser feita. As diferentes etapas de combate à pobreza exigem, portanto, certa estabilidade de regras para o exercício da atividade produtiva, a existência de um ambiente de negócios competitivo e aberto a todos os tipos de empreendimentos (locais, nacionais e estrangeiros), uma boa governança no plano administrativo e da justiça, uma alta qualidade do capital humano e grande abertura aos capitais e investimentos estrangeiros. O novo Sun Tzu não concebe tais requerimentos como tendo de ser implementados sucessivamente, e sim como as diferentes partes de um mesmo conjunto de políticas que se aplicam simultaneamente. O antigo Sun Tzu aprovaria inteiramente esse tipo de estratégia integrada.

 

O que Sun Tzu aprendeu no combate à pobreza, o que a China realizou

Tendo formulado, a partir das lições do antigo mestre, suas treze recomendações de políticas a partir de um longo processo de estudos, pesquisas, reflexões e diversos exercícios de redação continuamente refeitos, o moderno Sun Tzu, sem fazer parte de qualquer comissão de planejamento ou estrutura burocrática do Estado, teve a satisfação de constatar que suas ideias coincidiam, em grande medida, com as políticas que estavam sendo efetivamente aplicadas nos níveis nacional, regionais e locais, ao longo de três planos quinquenais e de diversos programas de capacitação tecnológica, especialmente a partir dos anos 1990, estendendo-se nas duas primeiras décadas do novo século e novo milênio. Ao reler as lições que formulou numa nova versão da Arte da Guerra, o moderno Sun Tzu teve orgulho ao constatar que o velho e homônimo mestre ainda tinha o que ensinar aos chineses do século XXI.

Nos setenta anos do estabelecimento da República Popular, que correspondiam aos seus próprios 70 anos de idade, e nos cem anos de comemoração da fundação do Partido Comunista, que corresponderiam aos 100 anos que seu pai poderia ter alcançado, se não tivesse desaparecido aos 50 anos, Sun Tzu constatou, com satisfação, que o Estado chinês anunciou, com legítimo orgulho, que o país estava eliminando a miséria extrema e a pobreza evitável exatamente no meio dessas duas datas, em 2020. As políticas implementadas para tal efeito refletiam, em grande medida, aquelas mesmas que ele se empenhou em propor, a partir de uma leitura reflexiva da obra do homônimo estrategista de há mais de 2.500 anos. 

Sun Tzu pensou igualmente em seu avô, Sun Wu, que não tinha chegado a conhecer, mas de quem tinha herdado o gosto pelas línguas estrangeiras, renovado por seu pai, Sun Pin, que se empenhou em lhe transmitir esse legado intelectual. Sun Tzu experimentou grande satisfação e prazer intelectual ao ver confirmadas as melhores expectativas que ambos, pai e avô, mantiveram nas grandes realizações do povo chinês, novamente guindado à vanguarda científica, cultural e tecnológica da humanidade. 

Sun Tzu, legítimo herdeiro das melhores tradições da mais antiga civilização da história, segundo os próprios chineses, sentia-se um perfeito cidadão do mundo, inclusive e sobretudo porque transportava o nome do mais universal dos seus compatriotas. Com ele, a China tinha vencido a verdadeira guerra de todos os povos, contra a miséria e a pobreza. 

 

2251. “Formação de uma estratégia diplomática: relendo Sun Tzu para fins menos belicosos”, Brasília, 5 março 2011, 8 p. Sun Tzu revisitado com o objetivo de traçar uma estratégia diplomática. Publicado na Espaço Acadêmico (ano 10, n. 118, março 2011, p. 155-161; ISSN: 1519-6186; link: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696 ; pdf: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/12696/6714). Republicado em Mundorama (7/03/2011). Postado no blog Diplomatizzando (09/08/2016; link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/sun-tzu-tem-algo-ensinar-aos-diplomatas.html), disseminado no Facebook (https://www.facebook.com/paulobooks/posts/1213684358695012). Relação de Publicados n. 1023.

A horrível política externa de Bolsonaro: já brigou com meio mundo - José Casado (Veja)

 Bolsonaro já atacou governos de 26% da população do planeta


Em 44 meses no Palácio do Planalto, ele provocou confusão com governantes de 15 países

Por José Casado Atualizado em 31 ago 2022, 07h44 - Publicado em 31 ago 2022, 06h00 

No mundo de Jair Bolsonaro política externa se faz à base de caneladas. Na contabilidade da diplomacia, em 44 meses no Palácio do Planalto ele já atacou governos de 15 países.

A mais recente ofensiva foi contra o governo do Chile, no debate eleitoral do início da semana. Em protesto, Gabriel Boric, presidente chileno, retirou seu embaixador de Brasília.

Diplomatas brasileiros listaram por região alguns episódios de agressões, quase todas gratuitas: na América do Sul, foram Chile, Argentina, Uruguai, Colômbia, Bolívia e Venezuela; na América do Norte, os Estados Unidos sob Joe Biden; na Europa, Espanha, Portugal, França, Reino Unido, Noruega, Holanda e Alemanha; e, na Ásia, China.

Nessa conta não entrou o Vaticano. Foi esquecimento, dizem no Itamaraty. Em 2019, Bolsonaro criticou a hierarquia da Igreja Católica e o governo tentou infiltrar espiões no Sínodo da Amazônia, que mobilizou o clero de nove países da região.

Os países listados somam 2,1 bilhões de habitantes. Significa que nos atritos provocados por Bolsonaro já envolveram governos de 26% da população do planeta. Um recorde na história da diplomacia verde-amarela.

https://veja.abril.com.br/coluna/jose-casado/bolsonaro-ja-criou-confusao-com-governos-de-26-da-populacao-do-planeta/

A nova-velha política externa do PT: reatar relações com Venezuela (CNN)

 Campanha petista pretende reatar relações com Venezuela


Ideia é reverter a tentativa de isolamento que o governo Jair Bolsonaro tentou impor a Nicolás Maduro

CNN, 30/08/2022 às 21:34 | Atualizado 30/08/2022 às 23:03

Os planos da campanha petista com a América do Sul envolvem a retomada de relações com a Venezuela. A ideia é reverter a tentativa de isolamento que o governo Jair Bolsonaro tentou impor ao ditador Nicolás Maduro ao determinar a retirada do embaixador brasileiro do país em 2020 e o reconhecimento do opositor Juan Guaidó como presidente da Venezuela.

Embora formalmente as relações não tenham sido rompidas, na prática elas não existem porque sequer há um serviço consular no país vizinho.

Nesse sentido, o debate na campanha é retomar na prática as relações com a Venezuela enviando nas primeiras semanas um corpo diplomático e deixando de reconhecer Guaidó como presidente do país.

A avaliação é de que a tentativa de isolamento da Venezuela se mostrou frustrada porque abriu espaço para que países asiáticos, em especial a China e a Rússia, se aproximassem da Venezuela.

O QG petista inclusive avalia que estados que fazem fronteira com o país, Amazonas e Roraima, querem reatar relações tanto por questões humanitárias –conter os refugiados — quanto por questões comerciais.

Os petistas também avaliam a criação de um novo colegiado na região para debater a relação. Seria um modelo parecido ao da Unasul, criada em 2008 no governo Lula, mas que em 2017, já no governo Michel Temer, acatou uma cláusula democrática que obrigava os países da região a terem regimes democráticos, o que acabou por levar à saída da Venezuela do grupo.

Sobre clima, há um plano por exemplo para que a América do Sul, principalmente os oito países da região amazônica (Brasil, Guiana, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Suriname e Venezuela) possam liderar em conjunto na região temas climáticos perante fóruns mundiais, aproveitando-se para tanto do contexto atual de uma maioria de países com dirigentes à esquerda na região. Fala-se até mesmo em resgatar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), um documento de 1978.

Os petistas também pretendem abordar assuntos comuns com o vizinho com o continente africano. A vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, já mandou sinais ao QG petista de que há interesse em aproximação com a África e que se Lula vencer pretende que seja uma agenda comum com o Brasil.

“A política Sul-Sul voltaria forte, mas isso não se faria em detrimento de relações com a Europa, Estados Unidos e China”, disse o diplomata Audo Faleiros, que assessorou Marco Aurelio Garcia, consultor de assuntos internacionais nos governos Lula e Dilma Rousseff, e tem acompanhado parte dos debates no PT.

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/campanha-petista-pretende-reatar-relacoes-com-venezuela/

A nova-velha política externa do PT: priorizar União Europeia e desacelerar OCDE - Caio Junqueira (CNN)

 Campanha de Lula quer priorizar União Europeia e desacelerar OCDE


América do Sul e África também são prioridades

Caio Junqueira, da CNN
30/08/2022 às 21:33 | Atualizado 30/08/2022 às 23:03

Os formuladores da política externa de um eventual novo governo Lula preveem, se o petista vencer, rever os termos do acordo entre União Europeia e o Mercosul e também o ingresso do Brasil na OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

“A relação com a União Europeia é estratégica para o Brasil. Somos a favor do acordo, mas ele foi feito às pressas para beneficiar o [ex-presidente argentino) Maurício Macri. Então precisa de algumas revisões e ajustes. E a informação que tenho é de que os europeus também querem mudanças e ajustes. Vamos pensar então num acordo de cooperação que obviamente terá uma direção comercial para não acabar de desindustrializar o Brasil”, afirmou à CNN Celso Amorim, chanceler brasileiro na era Lula e que está à frente dos debates na campanha sobre o que seria uma eventual política externa em um novo governo petista.

O foco no acordo reflete uma percepção comum nas conversas internas no PT sobre esta área: a União Europeia como grande parceira do Brasil se o petista vencer. Isso porque há receio de que o trumpismo ou algo semelhante a ele possa retornar nos Estados Unidos e que a relação com a China, embora seja positiva comercialmente, há muitos problemas de valores como democracia, direitos humanos e inclusão social.

Nesse sentido, há uma aposta crescente nos bastidores da campanha em ampliar vínculos com a Europa e especialmente com quatro grandes forças do grupo: Alemanha, Espanha, França e Portugal. A avaliação é de que o continente poderá ajudar o Brasil a transitar em um mundo diferente do que de 2003, quando o PT assumiu o Itamaraty pela primeira vez.

Hoje, ele é mais multipolar e o Brasil precisa se posicionar em equilíbrio aos diferentes players, em especial aos Estados Unidos, China e Rússia. Além disso, a agenda que o petismo pretende encampar é mais bem identificada com a agenda da União Europeia do que das outras forças mundiais, principalmente sobre clima, direitos humanos e imigração.

Sobre a OCDE, umas das prioridades da política externa do governo Jair Bolsonaro, a ideia é desacelerar o processo de ingresso.

“Antigamente se dizia que a OCDE era um selo de qualidade, mas vejo países que entraram e não se beneficiaram. Brasil já recebeu muito mais investimentos do que países que ingressaram na OCDE. Não tenho preconceito com a OCDE, mas não vejo como grande prioridade”, disse Amorim.

A leitura dentro do PT é que muitos pontos que a OCDE exige para que um país seja seu integrante são desfavoráveis ao Brasil. Por exemplo, que países em geral possam realizar compras governamentais. O petismo acredita que isso prejudica a indústria nacional. Outro ponto é sobre a rigidez com regras de propriedade intelectual, algo que prejudica países pobres e em desenvolvimento. “OCDE é para países ricos. O Brasil não precisa disso”, completou Amorim.

O PT tem considerado nos debates internos o contexto nacional para elaborar a sua política externa. A expectativa de que o bolsonarismo permanecerá e mais forte ainda mesmo em caso de derrota faz os formuladores da política externa preverem muita disputa em torno desta área e consequentemente o partido a já eleger como um dos temas para esta disputa. Por isso, a questão dos valores –democráticos, ambientais e de direitos humanos– deverão estar presentes, assim como temas ligados a pandemia — justamente um dos pontos fracos da gestão Bolsonaro.

https://www.cnnbrasil.com.br/politica/campanha-de-lula-quer-priorizar-uniao-europeia-e-desacelerar-ocde/