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terça-feira, 13 de novembro de 2018

Rubens Ricupero: "Estamos voltando ao mundo de 1914" (OESP)

Entrevista embaixador Rubens Ricu

‘Estamos voltando ao mundo de 1914’

Para embaixador, Primeira Guerra Mundial marcou entrada da diplomacia brasileira no século 20 como protagonista

O Estado de S. Paulo, 13/11/2018

O fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), cujo centenário se celebra neste mês, marcou a entrada da diplomacia brasileira como protagonista no século 20. A avaliação é do diplomata Rubens Ricupero, diretor da Faculdade Armando Alvares Penteado (Faap). Para Ricupero, a relação custo benefício da participação brasileira no conflito foi excelente em termos diplomáticos e de prestígio no cenário mundial em virtude do pequeno capital militar empregado no conflito. Ele alerta para os riscos do ressurgimento do nacionalismo no mundo.  
Qual a importância para a diplomacia brasileira da atuação do País durante a Primeira Guerra?
O que vale a pena realçar é que é uma grande relação custo-benefício. O custo foi pequeno em termos militares e estratégicos. Perdemos seis navios, mas eram perdas inevitáveis. O Brasil em relação à Segunda Guerra Mundial até participou menos. Mas o que recebeu em troca em termos diplomáticos e políticos foi muito grande. Participamos da Conferência de Paris com três delegados, algo destinado apenas às grandes potências da época, graças ao apoio americano e ao argumento de que o Brasil de certa maneira representava todo o continente latino-americano. Então, a participação foi destacada e resolveu as duas questões pendentes de seu interesse: o pagamento do café apreendido pelos alemães em depósitos na Europa e a posse dos 46 navios alemães apreendidos pelo País. De certa maneira, a primeira vez que o Brasil aparece de fato entre as grandes potências mundiais é na Conferência de Paris (em 1919).  Quando a Primeira Guerra acabou, França, Inglaterra e Itália elevaram o nível da delegação que tinham no Brasil para embaixada, que, na época, apenas Estados Unidos e Argentina mantinham aqui.  
Por que o Brasil não enviou um representante de primeiro escalão a Paris para as celebrações do centenário do armistício?
Não entendi a razão e achei penoso. Sendo o único país latino-americano que participou do conflito, achei estranho. Não houve uma explicação do lado brasileiro. Aparentemente foram convidados e não foram. Mandar o embaixador em Paris é pouco. Um evento desses merecia uma delegação especial.  
Como a opinião pública da época viu a entrada do Brasil no conflito?
Era muito favorável. Desde o início, tinha uma posição favorável, sobretudo, à França, que era o país das elites brasileiras. Além disso, as colônias de imigrantes eram muito grandes, sobretudo os italianos, imigrantes e descendentes. De 1,5 milhão de italianos no Brasil, cerca de 12 mil foram lutar na guerra. Em São Paulo a colônia italiana era muito favorável à guerra. O jornal Fanfulla, o segundo maior da época, voltado para a colônia italiana, era partidário de entrar no conflito. . A exceção era a colônia alemã. Em Porto Alegre, por exemplo foram atacadas casas e lojas da colônia.  
A ida do Epitácio Pessoa para a conferência de Paris em 1919 acabou impactando de alguma forma em sua vitória na eleição daquele ano?
Foi muito curioso. Enquanto Epitácio estava em Paris, morreu o Rodrigues Alves, vítima de gripe espanhola, já eleito. E aí tiveram que escolher um novo presidente, naquela coisa típica da República Velha. E como não tinha um candidato de consenso para enfrentar o Ruy Barbosa, candidato dos paulistas, acabaram escolhendo o Epitácio, que nem voltou da França para fazer campanha. E ele acabou eleito. Voltou de Paris já eleito. Isso mostra bem como era o Brasil da República do Café com Leite. 
O senhor vê algum paralelo entre o mundo pós primeira guerra, com ascensão dos nacionalismos, e o século 21 pós crise de 2008? Que lição tiramos deste centenário?
Eu acho que o paralelo é total. Tanto o Macron quanto a Merkel deram ênfase à denúncia da volta do nacionalismo como ameaça à paz mundial. A política que vemos hoje nos EUA, Rússia e China, corrói o sistema internacional criado depois da Segunda Guerra Mundial. Há 73 anos, esse sistema previne um novo conflito mundial. Agora, corremos o risco de voltar à era das rivalidades dos nacionalismos, que justamente deu origem às duas grandes guerras. O perigo é muito grande, desta vez com atores novos, como China e Estados Unidos. E a Rússia sempre lá. Apenas a Europa ainda joga a carta do multilateralismo, ainda que enfraquecida com o Brexit e as divisões internas na Itália, Hungria e Polônia. O nacionalismo destruiu a civilização europeia em 1914. O (Henry) Kissinger, que é um realista, tem advertido contra os riscos dessa tendência atual. O caso do Trump é o mais evidente. Mas o Putin e os chineses, com mais prudência, também. Estamos voltando a 1914. 
No começo dos século 20, o Brasil era muito alinhado aos EUA. E o presidente eleito Jair Bolsonaro hoje quer retomar esse alinhamento. Como o senhor vê essa aproximação?
O mundo mudou, né? O Brasil se escudava e se protegia atrás dos Estados Unidos. Era um país frágil e usava essa aliança para se projetar. Hoje em dia, o Brasil tem um relacionamento muito diversificado e não faz mais sentido tomar partido. Se a rivalidade entre Estados Unidos e a China se agravar, tomar partido para o Brasil não teria sentido. A China é nosso maior mercado e os Estados Unidos não a substituem porque os Estados Unidos não importam o que vendemos. Eles são nossos concorrentes. Vai vender para quem se perder a China? E aí você afeta o agronegócio, que é um apoiador do presidente eleito. O Brasil tem que manter um bom relacionamento com EUA, China, Rússia, e União Europeia. 

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