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segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Sergio Florencio, diplomata e professor no IRBr, escreve sobre a divisão do Brasil

Meu grande amigo, o embaixador Sergio Florencio, escreveu, ainda antes do segundo turno das eleições presidenciais, a um amigo comum, que provavelmente manifestou-lhe a intenção de votar por um dos dois candidatos.
Como suas considerações possuem um valor intrínseco que supera largamente o pleito eleitoral, e nossas escolhas individuais, solicitei autorização para postar sua carta neste espaço público, apenas omitindo o nome do destinatário original.
Admiro o espírito arguto, aberto, e bem informado de Sergio Florêncio, meu dileto amigo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de novembro de 2018


Estimado amigo Axxxxxxx Axxxx,
De: Sergio Florêncio
Brasília, 27/10/2018

A mensagem ao amigo vai na contramão do Brasil de hoje. Uma nação dividida onde os polos não conversam, os adversários viram inimigos e os argumentos não visam à razão, mas sim à polêmica. A mensagem busca o ausente – o diálogo franco e plural.
Você tem razão ao apontar os riscos para o país em eleger um candidato- Bolsonaro -  com afirmações contrárias aos direitos humanos, à liberdade de imprensa, ao pluralismo e à  democracia. 
Tem razão igualmente ao deixar claro que o candidato Haddad representa uma linha mais esclarecida e moderada  do Partido dos Trabalhadores, não só por sua formação mas também por seu desempenho como Ministro da Educação.
Assim,  minhas divergências com sua mensagem não são personalizadas nos dois representantes do PT e do PSL.  As diferenças com o amigo residem em algo mais profundo - o papel das instituições. Embora os indivíduos sejam o sujeito da História, eles passam e as instituições ficam.
A Revolução de 30 construiu o arcabouço do Estado brasileiro moderno. Apesar da absurda  repressão do Estado Novo, foram lá lançadas as âncoras de um Estado moderno. Âncoras  que respondiam ao imperativo  da transição de um país agroexportador para uma economia em processo de incipiente mas acelerada urbanização e industrialização.
As instituições edificadas na Era Vargas - DASP,  trabalhismo, sindicatos, previdência social  - foram modernizadoras. Além disso, sobreviveram durante décadas às intempéries das sístoles e diástoles da política e às crises de uma economia ciclotímica pautada por inflação crônica, milagres econômicos ilusórios, recessão e estagnação.
A partir de meados dos anos 90 e até o final da primeira década de 2000, esse cenário de crise mudou. O país teve a fortunade contar com um presidente (FHC) promotor do reformismo econômico – estabilidade do Plano Real, Lei de Responsabilidade Fiscal e Tripé Macroeconômico – e de ter tido como seu sucessor  um mandatário que soube por um tempo  preservar a política econômica de FHC,  bem como  ampliar e aprofundar políticas sociais – lastreadas nas reformas anteriores e numa economia mundial em expansão.
Além dessa fortuna, o país demonstrou contar com instituições sólidas, profissionais e voltadas para políticas de Estado -  era a nossa virtú.  Entretanto, com o aparelhamento e a politização das instituições, promovidos pelo PT,  essas virtudes foram perdendo vigor.  
Minha discordância com o amigo de tantos anos reside nesse último ponto. Sua mensagem identifica condenáveis declarações de um candidato que ameaçam no plano retórico nossas instituições. Mas seu texto não reconhece – no outro candidato -  as devastadoras políticas do Partido dos Trabalhadores dedicadas apenas à sobrevivência e contrárias à alternância no poder. 
Que políticas foram essas?  Aquelas implementadas – com irresponsabilidade e enorme dano para o país -  a partir da segunda metade do último mandato de Lula e durante todo o governo Dilma.  Consistiram em instrumentalizar o Estado para fins político-eleitorais, promover políticas apenas de corte populista e em adiar reformas essenciais ao desenvolvimento sólido e sustentável do país. 
Essas políticas produziram um  ilusório quadro de crescimento e estabilidade em uma economia que já estava marcada naquela época por desequilíbrios gravíssimos e que ficaram  manifestos no estelionato eleitoral promovido por Dilma. 
Os danos mais profundos são conhecidos: transformação da Petrobrás na empresa petrolífera mais endividada do mundo, vítima de corrupção e níveis inéditos; adiamento injustificável das licitações do pré-sal, com prejuízos gigantescos;  medidas populistas na área energética e monetária ( redução artificial de tarifas e da taxa básica de juros); aumentos exagerados do salário mínimo muito acima da inflação, com danos à produtividade e alimentadores da inflação; déficit gigantesco nas contas públicas;  desastrosa política de comércio exterior isolacionista -  ignorava os mais de 400 acordos de livre comércio firmados no mundo e a generalização das cadeias globais de valor; e um descontrole irresponsável das contas públicas.
Esse conjunto de vícios protagonizado pelo Partido dos Trabalhadores comprometeu de forma devastadora aquele binômio de fortuna e virtú  -  a marca da transição civilizada de FHC para Lula  .
Foram esses vícios  que transformaram a transição civilizada de 2002 na eleição polarizada de  2018. Foram deformações profundas e duradoras. Além de comprometer a política, a economia e a ética, causaram um dano mais irreparável ao país – fragilizaram e comprometeram de forma marcante  nossas instituições. 
A administração direta foi vítima do aparelhamento das instituições. Isso se  refletiu em políticas econômicas de corte populista implementadas, no plano macroeconômico,  pelo Ministério da Fazenda, na área de comércio exterior pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio -  MDIC, na infraestrutura pelo Ministério de Minas e Energia, e na educação  ( o absurdamente caro e sem resultados programa Ciência sem Fronteiras), implementado pelo Ministério da Educação. Nas estatais a devastação foi ainda maior. Nas agências reguladoras o desvirtuamento anulou o propósito inicial de sua criação. 
A instituição a que nós dois  pertencemos – Itamaraty -  foi também objeto dessa fragilização. O país assumiu -   a partir do segundo mandato de Lula e durante o governo Dilma – posições comprometedoras de nossa tradicional consistência em política externa: obsessão por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU ( aspiração legítima, mas obsessão irresponsável);  decisão oportunista de lançar uma iniciativa turco-brasileira sobre o programa nuclear iraniano, responsável por desastrosa derrota do brasileira em votação no Conselho de Segurança da ONU; identificação exagerada e irrefletida na América do Sul, com países da órbita da ALBA; estagnação do Mercosul; e isolamento da política comercial em uma dinâmica mundial de acordos de livre comércio e de cadeias globais de valor. 
Sua mensagem tem a virtude de apontar os riscos de apoiar um candidato com declarações contrárias aos princípios que sempre defendemos – direitos humanos, liberdade de imprensa e pluralismo político. Mas tem o vício de omitir os devastadores danos provocados pelo Partido dos Trabalhadores. 
Parece remota a possibilidade de que um candidato – mesmo com as virtudes pessoais de Haddad – possa colocar-se contra o Partido e o líder que o elegeu, ambos  responsáveis pelo grave quadro atual de recessão econômica, divisão social  e polarização política.   
Se a retórica  de um candidato representa  risco à democracia, a prática  do outro – representante do PT – constitui  ameaça à economia e às instituições. O país ficou sem opção.

Um grande abraço do amigo  
Sergio Florencio

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