Seria o homem mais inteligente do Brasil, se não fosse austríaco, mas na verdade se naturalizou brasileiro, e pouco menos de dois anos depois de chegar ao Brasil, já estava escrevendo em Português.
É preciso recuperar todas as obras de Carpeaux, sua imensa contribuição intelectual em nossa mísera paisagem cultural.
Eis uma entrevista feita em 1949, retraçando um pouco sua formação.
Paulo Roberto de Almeida
Bula Revista: 09/03/2012
Em comemoração aos 112 anos de nascimento de Otto Maria Carpeaux, republicamos uma rara entrevista sua, a primeira no Brasil, concedida ao jornalista e escritor Homero Senna, em maio de 1949
O aparecimento de Otto Maria Carpeaux no jornalismo carioca despertou viva curiosidade. Apresentado em grande estilo, por Álvaro Lins, num rodapé do “Correio da Manhã”, como um scholar que muita coisa nos poderia ensinar e que, apesar de sua recente mudança para o Brasil, já estava quase em condições de escrever seus artigos diretamente em português, todo mundo quis ler e conhecer o ensaísta austríaco que escolhera o Brasil para exilar-se, depois dos tristes acontecimentos que se desenrolam em sua pátria.
E — como quase sempre acontece — não demorou que, a propósito do novo crítico, que a anexação da Áustria à Alemanha fez emigrar para o Brasil, se formassem correntes distintas. Seus artigos passaram a ser lidos então com maior interesse ainda, tanto pelos fãs como pelos que estavam ansiosos de jogar alguma água naquela fervura de citações, de ideias e nomes novos. Depois vieram os livros, veio o processo de naturalização, e Carpeaux — que conhece hoje, melhor do que muitos, a literatura brasileira — passou a ser um elemento dessa literatura, encontradiço nas rodas literárias do Rio e — com impressionante assiduidade — nas páginas dos suplementos.
Seus artigos, escritos de início em francês, logo passaram a ser redigidos diretamente em português, língua conforme nos confessou — já consegue pensar. E é inegável que, do ponto de vista da correção da linguagem, escreve melhor do que muita gente nossa. Nisso teve grande importância seu amigo Aurélio Buarque de Holanda, que o tirou de várias entaladelas e aos poucos lhe foi apontando os escolhos que era preciso evitar, nas águas nem sempre límpidas desta chamada "última flor do Lácio".
Do fundo, da substância de seus artigos, às vezes excessivamente densos, uns continuam gostando, outros não, o que, aliás, é natural. Mas como o seu nome, graças à imprensa, se foi divulgando por todo o Brasil, há uma enorme curiosidade, principalmente na província, em tomo do "homem" Carpeaux, cujo nome muitos supõem pseudônimo e cuja figura conhecem apenas através de uma hirsuta caricatura de Augusto Rodrigues. Por isso concordei logo com Maurício Rosenblatt quando este lembrou que Carpeaux não deveria estar ausente desta série de reportagens. De fato, o autor de "Origens e Fins" — que em oito anos de residência no Brasil não concedeu jamais uma única entrevista — poderia, por certo, trazer a estes depoimentos uma nota original e preciosa — as reações de um europeu diante do meio social e literário brasileiro, a experiência de vida em terras deste hemisfério, a luta áspera e obstinada com o idioma.
Além disso, a entrevista iria ao encontro do interesse de inúmeros leitores, curiosos de saber como é, no trato de todo-o-dia, o cidadão de cultura tudesca que assina nos jornais aqueles compactos rodapés. Carpeaux, entretanto, não sabe improvisar. Por isso tive de organizar-lhe um questionário, a que ele respondeu por escrito. Se a entrevista perde, com isto, algo de espontaneidade, ganha muito em precisão e autenticidade.
— Onde e de que modo se processou sua formação intelectual?
Estudei em Viena e em outras universidades europeias. Poucos sabem que, antes de estudar Letras, estudei (até o fim) Matemática, Física e Química. Nunca me aproveitei praticamente desses estudos. Mas aí aprendi algo de método e precisão de pensar, o que é vantajoso no mundo sempre um pouco vago das letras.
— Quais as principais influências recebidas na mocidade?
Sou vienense, mas "Viena" não significa "valsas e psicanálise". Sou produto de um ambiente multinacional, cosmopolita. As influências mais poderosas para a vida inteira: a Antiguidade clássica (oito horas semanais de latim durante oito anos de estudo secundário); o espírito do catolicismo barroco que enche a atmosfera austríaca, e sobretudo o sistema de ensino universitário alemão (como foi antigamente), com as liberdades conjuntas de ensinar e estudar; daí também a relação dos estudos literários com os de Filosofia, História, Sociologia; depois, Guerra, Inflação e profundas transformações sociais ensinaram-me algo do sentido da História: lições de Hegel, Marx e Croce transformando-se em experiências vividas.
— Como era a vida na Áustria e nos outros países por onde andou?
O cosmopolitismo meio germânico, meio latino, meio eslavo da Áustria antiga transformou-se em imposição depois de 1918: a Áustria ficou como país pequeno; os austríacos, cosmopolitas por necessidade. Conheço a Europa inteira, sobretudo a Alemanha, França e Itália; considero-me como "bom europeu". Minha profissão foi sempre a Literatura: vários e inúmeros artigos de revista publicados. Houve episódios diferentes: por exemplo, dois anos de trabalho no cinema mudo, em Berlim, entre 1927 e 1929, redigindo scripts. O jornalismo, de que vivi durante aqueles anos todos, só foi meio de vida, embora às vezes sobrepondo-se às outras atividades. Segundo toda a probabilidade, eu seria hoje o articulista de fundo da “Neue Freie Presse”, em Viena, então o maior jornal da Europa Central. As negociações a respeito estavam concluídas em março de 1938, quando... Quando aconteceu "aquilo".
— É verdade que o chanceler Dollfuss tinha grande apreço pelo seu livro “A Missão Europeia da Áustria”?
“A Missão Europeia da Áustria” é um pequeno livro em que a tese política daqueles dias — a necessidade europeia da independência austríaca, força de equilíbrio da Europa — se defendeu, não como slogan, mas com argumentos históricos, sociológicos, culturais. A necessidade da independência austríaca, então desprezada pelos "realistas" que não deram importância a país tão pequeno, revelou-se logo depois: a anexação da Áustria pela Alemanha, em março de 1938, fechou o círculo em torno da Tchecoslováquia, o que produziu Munique, o que separou do Ocidente a Polônia, o que isolou no continente a França etc., etc. A luta pela independência austríaca, de 1934 a 1938, retardou durante quatro anos a agressão geral à Europa. Os outros não souberam aproveitar esse tempo. Mas nós, cumprindo nosso dever, lutávamos. Lutávamos sob as ordens de Dollfuss, que era bem mais do que "meio fascista". Mas nem todos teriam falado tão alto como eu, lá na Áustria e aqui no Brasil. Quando Álvaro Lins me apresentou ao público brasileiro, disse uma verdade ao assinalar: "Sobre esta base da independência da Áustria é que o chanceler Dollfuss e o escritor Otto Maria Carpeaux sempre se entenderam; quanto aos problemas sociais, ao contrário, nunca puderam se entender". E sabe você o que significava então inspirar esta frase e as alusões anti-alemãs do artigo? Isto em 1941, quando eu estava aqui como exilado, sem papéis, o DIP vigilante e o embaixador da Alemanha todo poderoso? Falei assim na Áustria, até minha fuga precipitada e perigosa, no dia 15 de março de 1938, depois de ter estado escondido durante quatro dias. Falei assim na Bélgica, como redator de um jornal de Antuérpia, em 1938/1939, enquanto os agentes da Gestapo me perseguiam e a Europa muniquizada nada queria ouvir daqueles "problemas sociais". Falei assim aqui no Rio, desde 1941, escrevendo contra o fascismo alemão, o italiano e o espanhol (e meu primeiro artigo na “Revista do Brasil” foi contra Vichy).
Faz uma pausa, para logo prosseguir:
A oportunidade é boa para fazer profissão de fé política. Apesar de ter exercido aquela atividade antifascista durante tantos anos, acho que antifascismo é uma atitude, não uma profissão. Os acontecimentos de outubro de 1945 criaram aqui o desemprego de vários antifascistas profissionais; são estes que, conforme a moda do dia, "simpatizam" com o comunismo, para renegá-lo no dia seguinte, fazendo profissão de fé "democrática". Eu não sou comunista, nem anticomunista, nem sou "democrata" à maneira daqueles. Acredito na inevitabilidade do advento do socialismo; mas é preciso lutar para que sob o domínio desse socialismo não desapareçam os valores culturais tradicionais e os valores da liberdade individual. Afigura-se-me necessária essa luta porque não acredito bestamente no "Progresso" com maiúscula, quer dizer, no progresso sempre para o melhor. Segundo os princípios do Progresso, já não devia existir há muito essa coisa chamada destino; e, no entanto... Destino foi que escapei, daquela maneira, de Viena. Destino foi que desembarquei certo dia no Brasil, ficando primeiro um ano e meio em São Paulo.
— Como foram seus começos de vida no Brasil?
Quando perguntaram a Sieyes, em 1795, o que teria feito durante os anos do terror, ele respondeu: "Sobrevivi." Em São Paulo vendi meus últimos livros.
— Então trouxe consigo sua biblioteca?
Fugi de Viena com uma pequena mala de mão e sem um tostão. Perdi pátria, casa, móveis e vários milhares de livros. Ao contrário do que se supõe, os nazistas não queimaram as bibliotecas (só houve queimas simbólicas); distribuíram os livros apreendidos entre pessoas interessadas. Esteve em Viena, nesse tempo, um professor universitário americano, amigo meu; este foi à Gestapo, declarando que me havia emprestado vários livros; e tão grande era ainda o prestígio de "cidadão americano" que lhe permitiram, sem provas, escolher uns duzentos volumes que ele me mandou para a Bélgica, e que eu vendi depois em São Paulo, por necessidade. Hoje tenho mais ou menos uns dois mil e quinhentos volumes, pequena biblioteca de trabalho, penosamente reconstruída; não é nada, mas é questão de to make the best of it.
— É verdade que dispõe de um excelente fichário?
É lenda. Não possuo fichário algum.
E virando-se para mim e mostrando o seu escritório:
Onde está ele? Algumas notas que chegaram incluídas naqueles volumes revelaram-se pouco utilizáveis. De nada me adiantaria um fichário velho. Não é erudito o escritor que tem muitas fichas, assim como não é bom general quem tem muitos soldados e nada mais. Acredita na "lenda do fichário" quem ignora como é (ou foi) firme a formação universitária europeia. "Cultura é aquilo que fica quando uma pessoa já esqueceu tudo o que aprendera."
— Quando regressou ao Rio?
Em princípios de 1941. E minha verdadeira vida no Brasil teve início em março desse ano, graças à intervenção de meu amigo Álvaro Lins.
— E que tem feito desde então?
Está tudo assinado...
— Por que motivo escreve sob pseudônimo?
"Carpeaux" não é pseudônimo. É o meu nome de família, traduzido para o francês para ficar mais pronunciável. De pseudônimo só se pode falar quando o público desconhece a identidade do autor. Mas no meu caso nunca houve dúvidas a respeito, assim como ninguém até hoje duvidou da identidade do sr. Dias da Cruz com o meu querido amigo Marques Rebelo...
— Foi apresentado por Álvaro Lins ao público brasileiro como escritor católico. Ainda o é?
Pertenço à Igreja Católica; tudo o mais é questão de foro íntimo. Estou estranhando o "ainda", embora compreenda os motivos da pergunta. Mas por mais que se abuse da Igreja para fins diversos, ela é que fica, fundamento e vaso das tradições cristãs, cuja indispensabilidade no mundo presente e futuro se me afigura tão certa como a citada inevitabilidade do socialismo... Mas não me compete defini-la. Não escrevo sobre teologia. Sou leigo, e os leigos gozam de liberdade maior do que pensa a gente extramuros. Não se conhece bastante, aqui, a liberdade dos católicos da França e da Alemanha ocidental. No resto, você me permita citar Chamfort: "Prefiro a companhia dos ateus à dos crentes. Na presença de um ateu ocorrem-me todos os argumentos filosóficos em favor da existência de Deus; na presença de crentes ocorrem-me os contra-argumentos”.
— Quantos artigos escreve por semana?
Dois, para os jornais em que colaboro; e mais um ou outro por mês para revistas. Como são artigos longos, que exigem documentação, consultas e leituras prévias, dão muito trabalho, trabalho noturno porque preciso exercer outra atividade, a de bibliotecário.
— Gosta de escrever ou preferiria outra profissão?
Não gosto; é um pesadelo. Mas, ainda mesmo que escolhesse outra atividade, reincidiria. Há tanta coisa que me interessa e entusiasma: História, Filosofia, Poesia, Artes, Música, e de que preciso dar conta a mim mesmo. Ora, minha vida tem sido tormento e desespero, mas são aquelas coisas que me reconciliam com a vida e "desejo, enfim, devolver a Deus uma alma encantada e grata". São palavras de Gide, palavras de poeta; e poesia, os amigos vão dizer, não é realidade; sim, mas tampouco é ficção.
— Que assuntos lê de preferência?
Há muito não chego mais a ler aquilo que queria; só o que preciso ler para documentar-me.
— Em que língua prefere fazer suas leituras?
Leio todas as línguas europeias, quase sem sentir diferença.
— De que modo divide o seu dia?
Não divido o meu dia; ele é que me divide... Levanto-me em geral às oito da manhã, deito-me à uma, duas, três da madrugada, conforme, sem fazer pausas. Um amigo meu, morto há muito, costumava dizer (e as palavras vêm a propósito do meu caso): "Estou trabalhando dia e noite; de noite, pergunto ao quadro na parede se meu trabalho lhe agrada, e ao relógio se está cansado; de madrugada, pergunto à noite se dormiu bem”.
— É apreciador de cinema?
Fui; do cinema mudo que estava para virar arte quando a técnica estragou tudo. O cinema sonoro é um dos símbolos do american way of life: aperfeiçoado, estúpido e barulhento. A técnica, em geral, lembra criada que arruma nas dependências com tanto barulho que na sala não se pode fazer música. Porque observe que a lei profunda do cinema é o movimento. E o diálogo falado retarda o movimento. O quadro deve ficar fixo até que o sujeito diga uma frase inteira. Além disso, o diálogo deve ser acessível às multidões, enquanto o assunto visível pode ser interpretado de modo diverso pelo culto e pelo inculto, pelo letrado e pelo analfabeto.
— Considera-se, em música, diletante ou entendido?
Nasci e vivi com música. Mas considero-me diletante, embora tenha adquirido, de entendido, o hábito de apreciar, na música, menos o efeito sentimental do que a estrutura temática e harmônica. Preferências: música eclesiástica dos séculos XVII e XVIII; as sonatas e as músicas de câmara de Beethoven; as óperas de Mozart; os lieder de Schubert; enfim, de Bach tudo.
— De que modo aprendeu o português?
Nunca estudei propriamente a língua; nunca tive aulas de português. Aprendi a língua exclusivamente lendo, lendo muito, em São Paulo; no Rio, depois de poucos meses comecei a escrever diretamente em português, língua em que hoje já consigo pensar. Devo isso em grande parte à minha forte base de latim e aos conselhos de Aurélio Buarque de Holanda. Considero o fato de haver aprendido, mais ou menos, a língua portuguesa como o ordálio mais tremendo a que a vida me submeteu.
— Qual o primeiro livro brasileiro que leu?
“As Páginas Recolhidas”, de Machado de Assis; o capítulo "O Velho Senado" ainda me parece a maior página que li em prosa portuguesa.
— Quais os vultos da nossa literatura que mais o impressionam?
Você se refere à literatura do passado? Machado de Assis; e, apesar dos defeitos evidentes, Lima Barreto e Augusto dos Anjos, porque são os mais brasileiros, os que me dizem coisas que ignorava na Europa.
— E os que mais lhe desagradam?
Tendo conhecido a literatura brasileira já aos quarenta anos de idade, fiquei livre de impressões e preconceitos de escola e ambiente. Faço para mim, e só para mim, a "revisão de valores" que em literaturas velhas se faz periodicamente, sem irritar suscetibilidades. A pintura francesa do século XIX, para dar um exemplo, é tão rica que suportou a eliminação posterior da "pintura histórica", de péssimo gosto, mas cujos imitadores ainda são considerados "glórias nacionais", tabus, em países de menos idade artística. Será aqui considerado iconoclasta quem detestar a poesia pseudoromântica e pseudoparnasiana. Não nego o valor histórico; e Gonçalves Dias foi homem admirável. Mas os chamados gênios que morreram com vinte anos teriam acabado como Luís Delfino, contemporâneo deles, acabou aos setenta. A verdadeira poesia nacional começou com Cruz e Souza e Alphonsus, para continuar com Bandeira, Drummond, Murilo, Schmidt. Não sinto simpatias passadistas. Mas também ao pseudomodernismo, imitação pseudonacional do futurismo italiano, dedico os sentimentos da minha mais íntima antipatia e da mais elevada desconsideração.
— Por que quase nunca escreve sobre autores brasileiros?
Já falei dos poetas. Escrevi sobre Graciliano e José Lins. Admiro Otávio de Faria, Gilberto Freire. Augusto Meyer, vários outros. Mas não sou crítico profissional, antes livre atirador, sem obrigação alguma de escrever sobre tudo. Em geral, não escrevo sobre o que admiro, mas sempre sobre o que me parece exigir análise e interpretação. Quanto ao Brasil, sou estudioso apaixonado das coisas nacionais: Literatura, História, Sociologia, estudando-as para meu proveito. Considero essa atitude como dever de intelectual que se estabeleceu em país novo para ele.
— Há algum livro essencial da nossa literatura que ainda desconheça?
Desejaria desconhecer alguns que já li...
— Pode a nossa literatura aspirar a uma importância universal?
Que vem a ser isso? Camões e Fernando Pessoa têm importância universal; mas a literatura portuguesa toda não tem. Strindberg tem; mas a literatura sueca não tem. A literatura norte-americana de 1850 era tão provinciana como a brasileira de então; e hoje é a mais viva do mundo.
— Que projetos têm para o futuro?
Quando o danado trabalho cotidiano me deixar uma folga, vou redigir o livro sobre a literatura russa que prometi a José Olympio; a documentação está pronta. Gostaria também de escrever o “Livro da Vida”, que eminente estadista brasileiro declarou há pouco ser sua única leitura.
— Dos livros de sua autoria, qual o que prefere?
O que escrevi e não publiquei: a “História da Literatura Ocidental”, trabalho tremendo de umas quatro mil páginas datilografadas, concluído em novembro de 1945. Sim. 1945. E até hoje...
— Espera voltar à Europa, ou já se sente definitivamente enraizado no Brasil?
Voltar para passear, sim, para rever... Mas só para isso. Não considero o ato de minha naturalização simples formalidade jurídica. Conheço e respeito os limites do "enraizamento". No resto, considero-me brasileiro. J'y suis, j'y reste.
— Já se pode viver entre nós da profissão de escritor?
A não ser uns felizardos autores de best sellers, ninguém vive, em parte alguma do mundo, da profissão de escritor. É um erro pensar que isso é comum, por exemplo, na Europa. Não fossem Gide e Roger Martin du Gard homens de grande fortuna pessoal, e nem Les Faux- Monnayeurs nem Les Thibault dariam para eles viverem. Outro que teria morrido de fome se fosse depender dos direitos autorais foi Valéry, por mais de vinte e cinco anos diretor da Agência Havas. E ainda são de ontem e muito desconhecidas as aperturas financeiras do grande Bernanos, que, no entanto era um escritor universalmente conhecido, com livros traduzidos para vários idiomas. É verdade que um escritor como Somerset Maugham consegue, ao que parece, viver — e viver à larga — com o produto dos seus livros. É preciso não nos esquecermos, porém, de que é também autor de teatro, e o teatro, sim, sempre foi muito mais lucrativo do que qualquer outro gênero literário. O que importa é uma relativa independência, de modo que o rendimento do trabalho literário vire parte cada vez maior do rendimento total. Nos últimos cinco anos, a situação melhorou muito no Brasil. No meu caso particular, aquela parte subiu de 20% para 60%. No entanto, esse negócio de duas ocupações é o diabo...
— Pode dar-me, ainda, alguns dados pessoais?
Nasci em Viena, em 1900. Casado, não tenho filhos — conforme dizia Brás Cubas: "Não tive filhos; não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria..."
Entrevista publicada no livro “Republica das Letras”, de Homero Senna, editora Civilização Brasileira.
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