O Brasil: da neutralidade à guerra
Rubens Ricupero
Seminário “O Brasil e a Grande Guerra”
FUNAG FAAP SÃO PAULO, 5 de novembro de 2018
O Brasil provavelmente não teria participado da Grande Guerra se não fosse a decisão alemã de desencadear guerra submarina irrestrita a partir dos inícios de 1917. Foi essa também a causa principal da declaração de guerra dos Estados Unidos da América, alguns meses antes da brasileira, de consequências obviamente muito mais importantes.
Afirma-se que na ocasião da tomada da decisão em favor da guerra submarina pelo Kaiser, o Chanceler alemão Bethmann-Holweg, opositor da medida, teria declarado: “A Alemanha está liquidada”. Hoje, sabemos, de fato, que se tratou de um dos mais fatídicos erros estratégicos do conflito.
As implicações dessa virada decisiva foram resumidas de modo incisivo por Dominic Lieven, autor de Towards the Flame - Empire, War and the End of Tsarist Russia, um dos mais notáveis da recente safra de estudos das origens da Primeira Guerra Mundial. Vale a pena transcrever o parágrafo inteiro porque nos dá uma ideia clara do contexto global em que se inseriu o episódio:
“ Os eventos que se desenrolaram no inverno de 1916 para 1917, com drama e velocidade comparáveis aos que haviam precipitado a Europa na guerra no verão de 1914,determinaram muito da história subsequente da Rússia e da Europa. No outono de 1916, os alemães, [...]estavam convencidos de que perderiam a guerra se não conseguissem romper rapidamente o anel de ferro de inimigos que os cercavam. A Grã-Bretanha, para eles o núcleo da coalizão inimiga, nunca poderia ser derrotada em terra. Por isso desfecharam a guerra submarina irrestrita com a esperança de destruírem a economia britânica. Os pessimistas [...] julgavam que isso levaria seis meses [...] os otimistas calculavam a metade do tempo. As previsões provaram-se falsas. A ofensiva submarina irrestrita empurrou à guerra os americanos em abril de 1917, no exato momento em que a Revolução Russa começava a solapar o esforço bélico da Rússia e a abrir caminho a uma paz separada na frente leste”.
No ano anterior, a batalha de Verdun custara a franceses e alemães trezentos mil mortos e quatrocentos mil feridos. Na ofensiva do Somme, os ingleses tinham sofrido 400.000 baixas, 60.000 em apenas um dia, sem lograr alterar sua posição tática no terreno. Em 1917, após o fracasso da ofensiva de Nivelle, estouraram motins que atingiram 54 divisões, quase a metade das unidades do Exército francês. A disciplina só foi restaurada depois de quase 3.500 cortes marciais e 554 condenações à morte, das quais apenas 49 executadas.
Nesse mesmo ano, a mortífera ofensiva de Passchandaele (ou 3ª batalha de Ypres) deixaria 70.000 mortos e 170.000 feridos, sobretudo entre os britânicos. O débâcle de Caporetto, a duplaRevolução Russa de março e outubro, somados aos revezes e ao esgotamento dos recursos da Alemanha e da Áustria-Hungria, tudo isso demonstrava que o desfecho da guerra continuava tão incerto como antes.
Em meio a tamanha incerteza, a passagem, nos Estados Unidos e no Brasil, de posição inicial de neutralidade à entrada na guerra, apresenta algum paralelismo, mais em função das circunstâncias externas que de entendimento ou alinhamento combinado entre os dois governos, que não houve. A decretação da neutralidade se fez no mesmo dia para os dois países, 4 de agosto de 1914, data da declaração de guerra pelo Reino Unido.
Ambos tiveram o tempo todo dificuldades com os beligerantes, em especial com os intratáveis ingleses, a respeito da “lista negra” ou “statutory list”, relação de empresas com as quais era proibido negociar, além dos antigos problemas sobre os direitos dos neutros, similares aos que haviam provocado, cem anos antes, a Guerra de 1812 entre americanos e britânicos.
Aparentemente os ingleses não se deixavam abrandar pela mal disfarçada benevolência que ostentavam os neutros em relação aos aliados ocidentais por um sem-número de razões, entre as quais a afinidade política e cultural com as democracias parlamentares. No caso brasileiro,pesava fortemente a paixão pela França dos setores dirigentes e do público em geral. Quatro dias após a declaração de neutralidade, a Câmara dos Deputados do Brasil, sem mencionar países, aprovava moção condenando a violação da neutralidade da Bélgica pelas tropas alemãs.
Nos Estados Unidos, além da simpatia pela causa anglo-francesa, o desvio da neutralidade se manifestava no terreno muito mais concreto e decisivo do maciço financiamento dos aliados por parte de banqueiros americanos, o que tornava o país praticamente refém de uma vitória aliada. Quando o Secretário de Estado aproveitou uma ausência do Presidente Woodrow Wilson para fechar essa brecha, acabou desautorizado pelo presidente. O Secretário era na época William Jennings Bryan, líder do Partido Democrata, o legendário candidato populista derrotado na eleição de 1896.
Bryan defendia a estrita aplicação da neutralidade, assemelhando-se nisso ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, o catarinense Lauro Müller. Nos primeiros incidentes de torpedeamento de navios mercantes, nos anos iniciais da guerra, tentaram ambos exercer influência moderadora. Ponderavam, por exemplo, que melhor seria desaconselhar cidadãos ou navios de seus países a se arriscarem em águas patrulhadas ao redor das Ilhas Britânicas.
O trauma anunciador das dificuldades que estavam por vir sucedeu em 7 de maio de 1915, quando um submarino alemão afundou na costa irlandesa o transatlântico de luxo inglês Lusitania, causando a morte de 1.200 civis, dos quais 94 crianças, incluindo 35 bebês. Pereceram nas águas geladas 128 cidadãos americanos. Denunciado como “assassinato nos altos mares”, o torpedeamento provocou ondas de choque que se propagaram por todo o mundo, em particular nos EUA, onde o ex-presidente Theodore Roosevelt exigiu a guerra contra a “pirataria” alemã.
Wilson hesitou alguns dias antes de enviar nota a Berlim que condenava a guerra submarina “em nome dos sagrados princípios da justiça e da humanidade” e advertia que novostorpedeamentos seriam considerados atos“deliberadamente hostis”. A nota abriu crise com o Secretário de Estado, empenhado em manter equidistância entre os protestos contra os submarinos e a denúncia das violações inglesas dos direitos dos neutros. Rejeitada a equidistância, Bryan renunciou ao cargo, situação que se repetiria mais tarde com Lauro Müller no Brasil.
Por alguns meses, os alemães adotaram linha contemporizadora e passaram a impor restrições à liberdade de ação dos submarinos. Em fins de março, contudo, agravou-se a crise com arepetição de incidente parecido contra o navio Sussex, resultando em vítimas norte-americanas. O novo Secretário de Estado, Robert Lansing,intimou então a Alemanha a suspender os ataques submarinos sob ameaça de ruptura das relações.
A essa altura, os vínculos econômico-financeiros amarravam cada vez mais os interesses americanos ao destino dos aliados. O volume de financiamento dos bancos dos EUAaos britânicos atingia a soma de 10 milhões de dólares diários e o Reino Unido importava cerca de 83 milhões de dólares de mercadorias por semana dos ianques. Não obstante, tanto Wilson quanto a opinião pública resistiam ainda a aceitar a guerra como inevitável. Nas eleições de 1916, o presidente enfrentou grande dificuldade de se reeleger, apesar do lema da campanha: “He kept us out of war”.
No Brasil, à medida que outros beligerantes se somavam ao conflito, o governo estendia a neutralidade a cada um deles, começando pela Itália em 1915, em seguida Portugal e outros países. Também em nosso caso, o ponto de ruptura coincidiu com os primeiros meses de 1917.
Depois dos torpedeamentos do Lusitania e do Sussex, os submarinos alemães voltaram a sofrer restrições que se prolongaram até o memorando do Almirante Henning von Holtzendorff ao Imperador Guilherme II em dezembro de 1916. O memorando propunha guerra submarina irrestrita para destruir as linhas de suprimentos inglesas e forçar a rendição da Grã-Bretanha. Afirmava que o afundamento de 600.000 toneladas de navios mercantes por mês permitiria atingir o objetivo no máximo dentro de seis meses.
Dispondo de pouco mais de uma centena de submarinos, o Almirante estava seguro da vitória, antes que os “desorganizados e indisciplinados” norte-americanos tivessem tempo de intervir. Mesmo nessa hipótese, prosseguia, “dou a Vossa Majestade minha palavra de oficial de que nenhum americano desembarcará no continente europeu”. Aprovada a proposta pelo Imperador, o governo alemão anunciou em 31 de janeiro de 1917 que passaria a praticar uma guerra submarina sem restrições e avisos prévios.
Foi imediata a reação do governo Wilson: os Estados Unidos romperam, em 3 de fevereiro de 1917, as relações com o Império Alemão e exortaram as demais nações neutras a fazerem o mesmo. Em vez de atender ao apelo, o Brasil preferiu, a princípio, limitar-se a protestar contrao bloqueio ilimitado e a responsabilizar o governo da Alemanha pelas consequências.
Em Washington, a escalada seguiu ritmo acelerado. Em fins desse mesmo mês de fevereiro, os ingleses decifravam e revelavam o famigerado “telegrama Zimmermann” (do nome de Arthur Zimmermann, Secretário de Negócios Estrangeiros de Berlim). O telegrama comprovava as intrigas alemãs para convencer o México a aderir a uma aliança militar contra os Estados Unidos que lhe possibilitaria recuperar seusantigos territórios do Texas, Novo México e Arizona.
Em meados de março, três navios mercantes americanos eram postos a pique por submarinos alemães. Em 2 de abril, Wilson comparecia a uma sessão conjunta do Congresso para solicitar a declaração de guerra contra a Alemanha, efetivada em 6 de abril. No caso dos EUA, dois meses separaram o rompimento de relações da declaração de guerra.
Mais uma vez, a reação do Rio de Janeiro foi num primeiro momento moderada, limitando-se a ampliar ao novo beligerante a aplicação da neutralidade brasileira. Entretanto, quase no mesmo instante, com intervalo apenas de dias, o torpedeamento nas costas francesas do navio Paraná provocaria a ruptura pelo Brasil dasrelações diplomáticas com a Alemanha no dia 11 de abril, menos de uma semana depois da entrada americana na guerra.
Em 20 de maio, o vapor Tijuca e, dois dias depois, o Lapa, eram afundados em águas europeias. Em 1º de junho, a pedido do presidente Venceslau Brás, o Congresso tornava sem efeito a neutralidade em relação aos Estados Unidos. Decidia-se arrestar como “posse fiscal” 46 navios alemães em portos brasileiros. No final de junho, revogava-se a neutralidade em relação aos aliados na guerra contra os impérios centrais.
A essa altura, a guerra submarina parecia destinada ao triunfo. Em fevereiro e março de 1917, os submarinos alemães afundaram mais de 500.000 toneladas em cada mês; em abril, a cifra ultrapassou 800.000 toneladas. O estoque de trigo da Inglaterra se reduzira então a seis semanas apenas. Em maio, os germânicos puseram a pique 600.000 toneladas e em junho foram 700.000.
Após erros iniciais de avaliação do Almirantado britânico, aos poucos os aliados lograram organizar uma resposta eficaz, baseada, sobretudo, no emprego de comboios de navios mercantes, complementados por barreiras de minas, patrulhas aéreas e navais antissubmarinos e uso de escoltas. A partir de julho, as perdas nunca ultrapassaram 500.000 toneladas mensais, mantendo-se em torno de 300.000 toneladas. Somente caem abaixo dessa tonelagem mensal no segundo trimestre de 1918. Em pouco mais de um ano, destruíram-se quatro milhões de toneladas de marinha mercante de um total mundial de trinta milhões, dos quais nada menos de 20 milhões com pavilhão inglês.
Ao longo do período de quase quatro meses,entre julho e final de outubro, o Brasil tentou equilibrar-se numa curiosa espécie de limbo: umpaís que deixava de ser neutro sem se animar a ficar beligerante. Esperou-se até o torpedeamento do quarto navio, o Macau, para declarar guerra a 26 de outubro de 1917. Entre a ruptura de relações e a declaração de guerra decorreram perto de sete meses.
Muito antes de chegar a tal ponto, Lauro Müller havia deixado o governo (2 de maio), não tanto, como se diz, pela origem e alegadassimpatias pró-germânicas, mas pela sua adesão a uma estrita neutralidade. Chanceler de pensamento independente, Müller distinguiu-sepor favorecer uma atuação internacional coordenada entre o Brasil, a Argentina e o Chile, com os quais assinou em Buenos Aires o “Tratado para facilitar a solução pacífica de controvérsiasinternacionais” ou Pacto do ABC (25 maio 1915). Com a chegada ao poder na Argentina em 1916 do presidente Hipólito Yrigoyen, abandonou-se o Pacto. Desperdiçou-se assim a oportunidade de que os três maiores países da América do Sul pudessem tentar definir uma posição comum em relação ao conflito mundial.
Voltava-se com isso no Brasil à tradição de política externa que provinha dos primórdios da República e recebera desenvolvimento e consistência conceitual do barão do Rio Branco e de Joaquim Nabuco. Denominada com certo exagero de “aliança não escrita” com os Estados Unidos, consistia em reconhecer a conveniência para o Brasil de manter com Washington um estreito relacionamento, sobretudo em questões relativas ao sistema interamericano ou aos principais temas da política internacional.
O sucessor de Lauro Müller, o ex-presidente Nilo Peçanha, alinhou-se com essa orientação na mensagem pela qual se pedia ao Congresso anular a neutralidade relativa aos Estados Unidos por “considerar que um dos beligerantes é parte integrante do continente americano e que a esse beligerante estamos ligados por tradicional amizade, e pelo mesmo pensamento político na defesa dos interesses vitais da América e dos princípios aceitos do Direito Internacional”.
O estudo cuidadoso, passo a passo, da cronologia comparada da evolução da neutralidade à guerra em Washington e no Rio de Janeiro, demonstra claramente que a passagem de uma à outra deu-se de maneira muito mais rápida e determinada no primeiro que no segundo caso, o que é natural dada a diferença de poder e de interesses em jogo entre os Estados Unidos e o Brasil. Existiu indiscutivelmente paralelismo inicial e convergência final das duas linhas, sempre, contudo, com considerável atraso na tomada de decisão do lado brasileiro.
Apesar da pressão da opinião pública, o governo do presidente Venceslau Brás, quer na fase de Lauro Müller como ministro do Exterior, quer sob seu sucessor Nilo Peçanha, esforçou-se em manter o país fora da guerra enquanto possível. Somente se resignou ao passo último da declaração de guerra quando o torpedeamento em série de quatro navios tornava o custo político da defesa da neutralidade muito superior aos riscosde segurança de uma participação limitada no conflito. Durante esses meses, o processo decisório brasileiro teve caráter reativo, respondendo às mudanças de situação impostaspelas iniciativas da Alemanha e não a um imaginário desejo de acompanhar a política exterior norte-americana, como às vezes se diz.
Enquanto o governo brasileiro hesitava diante do rápido aumento da ameaça da guerra submarina, dois importantes desenvolvimentos começavam a demonstrar o erro estratégico cometido pela Alemanha. A vitória bolchevista em novembro de 1917 e o tratado de Brest-Litovsk, assinado pelos comunistas com os alemães em 3 de março de 1918, retiravam a Rússia da guerra e liberavam um milhão de soldados germânicos para serem transferidos à frente ocidental.
Conforme escreveu Lieven, se o tratado tivesse sobrevivido, a Alemanha teria vencido a Primeira Guerra Mundial porque, para isso, ela não necessitava de uma vitória completa contra a França e a Inglaterra. “Um empate no oeste combinado com o eclipse do Império russo e o domínio alemão da Europa central e oriental teriam sido suficientes para assegurar a hegemonia de Berlim sobre o continente”.
O que evitou tal desfecho consistiu na entrada dos EUA na guerra, provocada, por sua vez, pela ofensiva submarina irrestrita. Assim como Hitler voltaria a fazer na Segunda Guerra, os alemães subestimaram a capacidade de mobilização e determinação dos norte-americanos. Da mesma forma que Holtzendorff, o Almirante Capelle, Secretário de Estado da Marinha, havia garantido ao Parlamento em Berlim a respeito dos americanos: “Eles nem mesmo virão porque nossos submarinos os enviarão ao fundo do mar. Por conseguinte, do ponto de vista militar, a América não significa nada, novamente nada e pela terceira vez, nada! ”
Com efeito, no início de 1917, tinha-se a impressão de que os EUA possuíam pouca expressão em termos militares efetivos. Oexército americano contava então com apenas107.000 homens, situando-se no 17º lugar na classificação mundial, em contraste com sua marinha de guerra, moderna e poderosa já naquela época. No entanto, em março de 1918, o mês da saída russa da guerra, 318.000 soldados dos EUA tinham chegado à França, vanguarda de 1.300.000 a postos em agosto, nenhum dos quais interceptado pelos submarinos alemães.
No verão de 1918, o ritmo de incorporação de combatentes americanos às frentes de batalha chegava à impressionante cifra de 10.000 soldados por dia! No devido tempo, os EUA mobilizariam quase quatro milhões de homens, fator decisivo na derrota da Alemanha e seus aliados.
O Brasil naturalmente estava longe, muito longe, de poder imitar tal capacidade de mobilização militar e econômica, o que se refletiuna diferença entre a linha seguida pelo nosso país, em cotejo à dos Estados Unidos. A transição da neutralidade à guerra foi, no exemplo brasileiro, muito mais demorada, gradual e cautelosa, espelhando a consciência da fraqueza militar e econômica do país e da natureza limitada de seus interesses no conflito. O governo do Rio de Janeiro somente se resignou à eventualidade e aos perigos da guerra depois das repetidas agressões germânicas.
Mesmo após os torpedeamentos em série e apesar da forte pressão intelectual e da opinião pública, o país poderia ter permanecido neutro como fizeram praticamente todas as maioresnações da América Latina, do México, sacudido pelas sequelas da sua grande revolução, até a Argentina de Hipolito Yrigoyen. Em nosso caso, o fator determinante que fez pender a balança para a decisão de entrar na guerra foi a tendência inaugurada pela República e fortalecida por Rio Branco: a de não se omitir nos acontecimentos plasmadores da história mundial como condição para adquirir voz ativa nas soluções.
O próprio barão do Rio Branco havia descrito essa atitude no artigo “O Brasil, os Estados Unidos e o monroismo”, que, sob o pseudônimo de J. Penn publicou no Jornal do Commercio. Escrevia o Barão: “Há muito nossa intervenção no Prata está terminada. O Brasil nada mais tem que fazer na vida interna das nações vizinhas [...]. O seu interesse político está em outra parte. Desinteressando-se das rivalidades estéreis dos países sul-americanos [...], o Brasil entrou resolutamente na esfera das grandes amizades internacionais a que tem direito pela aspiração de sua cultura, pelo prestígio de sua grandeza territorial e pela força de sua população”.
Note-se que Rio Branco não argumenta comum poder militar ou pujança que não tínhamos. As razões que invoca para justificar o direito às “grandes amizades internacionais” se resumem aos fatores quantitativos – território, população – e a um elemento curioso, vago, não definido: “a aspiração de sua cultura”, que bem poderia ser traduzido como a aspiração de um papel ativo e expressivo na política internacional.
Os acontecimentos deram razão aos que decidiram em favor da declaração de guerra. A contribuição brasileira não passou do suprimento aos aliados de mercadorias, sobretudo alimentos, do envio de alguns aviadores, de missão médica à França e de uma frota de navios de guerra que não chegou a entrar em combate. Ainda assim e graças em especial ao empenho protetor da delegação dos EUA, o Brasil seria admitido à Conferência da Paz em Paris com três delegados. Obteria igualmente satisfação nas duas questões de seu interesse direto: o do pagamento não como dívida de guerra do valor do café depositado pelo Estado de São Paulo (artigo 263 do Tratado de Versalhes) e o da propriedade dos navios alemães apreendidos (artigo 297).
Também em função do esforço norte-americano, o país seria eleito como membro não permanente já no primeiro mandato do Conselho da recém-criada Sociedade das Nações. Conforme opinou Eugênio Vargas Garcia no estudo dedicado à política externa brasileira na década de 1920: “o Brasil saía da Conferência de Paz com uma posição de prestígio elevado na Europa, especialmente se comparada com sua limitada contribuição durante a guerra e sua capacidade real de influenciar eventos na arena internacional” .
Toda a história da participação do Brasil na Grande Guerra pode assim ser resumida como um engajamento estratégico de baixo custo político e militar, com apreciáveis ganhos diplomáticos e de prestígio. Tal como voltaria a suceder na Segunda Guerra Mundial, o país se demarcou nitidamente da neutralidade em que permaneceram os demais países maiores da América Latina. Num caso como no outro, a vocação de participação do Brasil nos acontecimentos definidores da História mundial falou mais alto que as limitações de poder. A consequência em ambos os exemplos é que o país saiu engrandecido do desafio.
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