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terça-feira, 21 de julho de 2009

1228) Desregulamentar TODAS as profissoes, Alexandre de Barros

O artigo transcrito abaixo deve ser lido em conexão com este meu post:
Sexta-feira, 17 de Julho de 2009
1224) Diploma de jornalista: um debate sobre uma excrescencia

Desregulamentar profissões. Todas!
Alexandre Barros
O Estado de São Paulo, terça-feira, 21 de julho de 2009, p. A-2

O governo anunciará em breve a proibição de carros pequenos com motores de menos de 2.0 e serão obrigatórios transmissão automática, computadores de bordo e airbags sêxtuplos. Que tal lhe pareceria essa notícia? Fords Ka, Fiats Palio, Fords Fiesta sumiriam do mercado. Todos os carros custariam muito mais caro. Adeus ao sonho do carro 1.0, sem imposto. Seria uma crise nacional.
Mas não causa crise sermos obrigados a pagar a um médico formado numa faculdade, que estudou seis anos, para girar lentes na frente do nosso rosto e nos dizer que temos 2,5 graus de miopia. Ou pagar a um médico a taxa de carta de motorista, para nos mandar ler algumas letras na parede. Nem causa espanto que precisemos pagar a advogados, formados por cinco anos, para nos tirarem da cadeia, coisa que um estudante de Direito do primeiro ano sabe fazer, ou até mesmo quem nunca estudou Direito.
Escrevi, nos anos 70, um artigo chamado Em defesa dos advogados, publicado no Jornal da Tarde. Dias depois chegou pelo correio (a vida era assim antes daquele menino maluquinho e irresponsável, William Gates III, que abandonou a faculdade) cópia de carta do presidente da OAB de São Paulo protestando e explicando detalhadamente por que a regulamentação exercida pela OAB era fundamental para a defesa dos interesses dos possíveis clientes. Mas a carta não falava nada sobre a obrigação de pagar mais caro por advogados que estudaram cinco anos para prestar serviços corriqueiros sem complexidades ou consequências jurídicas maiores. A resposta: custa muito caro porque, quando pagamos a um advogado, temos de ressarci-lo pelos anos de estudos de Direito e pagar um naco das mensalidades da OAB, que é um sindicato que defende mais os interesses dos advogados que o dos clientes.
Desregulamentar a medicina? Certamente. Faço palestras em que proponho a desregulamentação da medicina. A reação das plateias é de horror. Mas como? É a nossa saúde que está em jogo!
Imediatamente depois da reação, mas ainda durante o pânico, peço que levantem a mão todas as pessoas que utilizaram (ou seus parentes próximos) tratamentos alternativos, como cromoterapia, florais de Bach, aromaterapia, cinesiologia, hidroterapia, iridologia, quiropracticia, etc. Sempre mais de metade das audiências levantou as mãos. Ou seja, as pessoas acreditam em terapias alternativas, usam-nas em substituição à medicina e muitas depositam a continuidade de sua vida nelas (como quem se trata de câncer com extratos de sementes de pêssegos). Mas, quando perguntadas, a maioria diz-se a favor da regulamentação da medicina.
Bem-vindos ao mundo das profissões regulamentadas. O Cialis, o maior concorrente do Viagra para disfunção erétil, custou ao laboratório que o inventou, desenvolveu e comercializa entre US$ 600 milhões e US$ 800 milhões antes da venda do primeiro comprimido. Foram centenas de cientistas, pesquisadores, bioquímicos e milhares de testes exigidos pela FDA (a Anvisa americana). Cada vez que compra uma caixa de Cialis, você paga por todos esses custos. Mas há um, inútil, que você paga e não se dá conta: o salário da farmacêutica responsável da filial da empresa que produz o Cialis no Brasil. Ela entra na produção do Cialis como Pilatos no Credo, sem ter nada que ver com os benefícios do remédio. Ela só está lá porque os farmacêuticos (como todos os outros profissionais regulamentados) conseguiram que o Congresso Nacional votasse uma lei obrigando todos os laboratórios a terem um(a) farmacêutico(a) responsável, e também cada farmácia a ter um(a) farmacêutico(a) para lhe vender a caixinha dos comprimidos mágicos (ou de qualquer outro remédio que você queira comprar).
José Zanine Caldas, famosíssimo arquiteto autodidata, desenhou e construiu algumas das mais caras e belas casas do Joá e da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Quem as comprava pagava por sua competência e seu bom gosto, mas um naco era para o engenheiro formado, cuja única função era assinar a planta. Zanine foi professor na Universidade de Brasília. Hoje não poderia, porque não tinha diploma.
Em resumo, não ganhamos nada com profissões regulamentadas. Só ganham os profissionais que fazem parte delas.
Sou contra as faculdades? Não (vivo, em parte, de ser professor). Mas acho que todos devem poder contratar, para qualquer serviço, o profissional em quem confiam, independentemente de ter ou não um diploma e/ou um registro profissional.
Quando regulamentam profissões, parlamentares caem na esparrela de acreditar que estão defendendo o público. Potoca. Estão apenas defendendo um mercado cativo para grupos politicamente organizados que buzinaram nos seus ouvidos que eles deviam regulamentar alguma profissão.
O problema não é só brasileiro. Todos os prédios que você vê ao vivo em Las Vegas, ou no seriado CSI, foram construídos por pessoas de bom caráter. Pedreiros, no Estado de Nevada, precisam apresentar um atestado de bom caráter, além de saber empilhar tijolos.
Uma lei de 1952 proibia comunistas de serem farmacêuticos no Texas e, no Estado de Washington, veterinários eram proibidos de tratar de vacas enfermas se não assinassem um juramento anticomunista.
Há no Congresso brasileiro 169 projetos de regulamentação de profissões. A cada um que for aprovado você pagará mais caro por aquele serviço, em troca de proteção zero. Regulamentações profissionais só protegem os prestadores de serviços e excluem concorrentes que poderiam prestar os mesmos serviços, só que mais barato.
Acabou de ler o artigo? Não tem nada que fazer? Entre no YouTube (http://www.youtube.com/watch?v=B6vOChhue20). E ouça o hino do farmacêutico.
Parabéns! A conta é toda sua, inclusive a do hino.

*Alexandre Barros, cientista político (Ph.D. pela University of Chicago), é diretor-gerente da Early Warning: Análise de Oportunidade e Risco Político.

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Addendum PRA: Creio que não preciso sublinhar que também sou a favor da desregulamentação de todas as profissões, inclusive a minha própria, que seria não estável e aberta a todos os capacitados por conta própria, bastando fazer exames de entrada, sem qualquer certificado de estudos ou diploma profissional, sem sequer exigência de alfabetização.

6 comentários:

Vinícius Portella disse...

Paulo,

Concordo que temos de acabar com essas guildas ou, ao menos, diminuir seu poder, mas quanto às profissões em que erros podem ser fatais, como desregulamentá-las? Não estou me opondo a isso, mas de ter uma idéia objetiva de como isso poderia ser possível.

Abraços.

Paulo Roberto de Almeida disse...

De fato, eu tinha comentado esse aspecto, apenas no sentido de se exigir de profissionais que conseguem "matar" pessoas, alguma prova de qualificação, mas jamais concordaria em lhes dar uma reserva de mercado...
Creio que particulares possa exigir provas de que tal médico é competente, mas não acredito que devamos ter reservas de mercado para médicos aferirem pressão sanguinea das pessoas, por exemplo.
Não sei se você sabe, mas as farmácias estão impedidas de medir pressão das pessoas, tarefa nobre reservada apenas aos hospitais.
Nunca vi tamanha imbecilidade agregada a tamanha desfaçatez corporativa.
Da mesma forma, achar que um advogado deva atestar que um casal precise de um para consumar seu divórcio consensual, é achar que dois adultos são imbecis completos.
São apenas dois exemplos da regulamentação idiota que temos de suportar...

Rafael disse...

PRA, sou crítico da estabilidade para certos cargos públicos, principalmente os de street level, cujas atividades têm menor probabilidade de sofrer influência política (sei lá, atendente do INSS, por exemplo), mas não deixa de me chamar a atenção sua opinião de que a carreira diplomática não deveria ser estável. Não parece ao senhor que isso inibiria a expressão individual dos funcionários do Itamaraty e reforçaria uma cultura organizacional orientada pela disciplina e pela obediência aos governantes da vez? E não é exatamente isso que uma instituição como o Itamaraty, que se arvora de ser um órgão centrado em políticas de Estado (e não de governos), deve evitar?

O senhor mesmo postou, há poucas semanas, notícias sobre as exonerações arbitrárias e absurdas de alguns diplomatas durante a ditadura militar, entre eles o Vinícius. Foram escorraçados ou tiveram o progresso de suas carreiras estorvado pelo regime de exceção por causa de comportamentos "escandalosos". Imagino que o Itamaraty de hoje já não seja o de há 40 anos, mas, ainda assim, não consinto: a prestação do serviço público será melhorada se transformarmos em regra hoje uma exceção que há quase meio século produziu resultados tão desastrosos?

De resto, estou inteiramente de acordo com a inadequação da exigência de qualquer diploma para prestar o CACD. Se um sujeito que nunca frequentou a escola conseguir vencer os rigores do concurso, sua admissão, no meu juízo, está mais do que justificada.

Abraços

Paulo Roberto de Almeida disse...

Rafael,
Por princípio, sou contra estabilidade de funcionários públicos, todos eles, o que inclui obviamente os professores de qualquer nível. Isso não quer dizer que um funcionário público, como o diplomata, trabalhando sob contrato de trabalho (num regime diferente do estatutário), com regras, regulamentos e tudo o mais, possa ser demitido ao arbítrio de qualquer chefe temporário.
Sou a favor de alguma estabilidade ligada a funções, não a carreiras.
Digamos que um juiz precisa ter segurança para julgar poderosos, mas isso pode ser obtido por garantias de emprego durante 5 anos, por exemplo, renováveis mediante análise de algum Conselho Profissional, um pouco como certos cargos para Conselho Monetário, agências estatais, etc.
Diplomatas podem ser independentes e críticos, mesmo sem estabilidade, desde que as regras sejam claras, o que vale, aliás, para qualquer funcionário público.
Vinicius de Moraes tinha um "case" destoante do perfil diplomático, ainda assim teria direito a uma comissão de inquérito, que verificaria se ele era, efetivamente, o ausentista beberrão que diziam que era.
De toda forma, eram tempos de arbítrio e de AI-5, muito diferentes de situações "normais" como as que supostamente devemos viver num regime democrático consolidado.
Vou elaborar minha posição sobre isso, mas creio que vou chocar um bocado de gente, pois o que pretendo seria toda uma revolução em nosso sistema público.

Bola Oito disse...

PRA, anteriormente você defendeu a regulamentação das profissões que matam. Fico feliz que tenha mudado sua opinião.

Quanto à garantia da qualidade, o mercado trataria de criar as certificações nas profissões específicas, até porque seria um bom negócio: se você quer ser cirurgião, num livre mercado provavelmente teria que conseguir o certificado que passou no teste de uma agência privada que vende este serviço de testar a qualificação. E a agência poderia ser corrupta, mas perderia credibilidade e estaria concorrendo com outras.

Não é diferente hoje, só que a agência que certifica tem monopólio, já perdeu a credibilidade faz tempo mas não tem concorrência. O vento saneador da competição não é um controle perfeito, mas é melhor do que qualquer burocrata

Pra não falar que na livre concorrência os médicos iam ter que deixar de ser tão ignorantes, como essa casta protegida é hoje.

E por fim, na ausência de certificações, se eu quiser me tratar com um witch doctor numa tenda ou fazer cirurgia espiritual, tenho todo o direito.

Sobre o que fazer com a diplomacia, a solução vai na mesma linha: se cada indivíduo se tornar autônomo, num regime autêntico de propriedade privada, livres trocas e contratos voluntários, ele mesmo teria o direito de atuar em suas "relações internacionais". Precisa aparecer o movimento rebelde separatista da república de um homem só. Nesse caso, exemplo de relações internacionais seria escrever esse comentário.

Claro que os grupos poderiam se organizar e voluntariamente contratar entes privados para representação pública/internacional. Ninguém estaria impedido de contratar o nosso amigo PRA para representação individual ou voluntariamente coletiva.

Ausência de coerção é o único requisito para relações livres e garantia de competição e qualidade dos serviços. Quando o estado regulamenta qualquer coisa, coloca seu monopólio da força em proteção a um grupo. A coerção passa a ser o lastro daquela posição privilegiada, mesmo que essa coerção esteja presente indiretamente.

Enfim, PRA, sabendo que você é um dos caras aqui em Brasília que ainda tem algum respeito pelo livre mercado, gostaria que desse também seu palpite sobre uma solução anarco-capitalista para a diplomacia.

Fernando Miano Fernandes disse...

Bom, como farmacêutico me senti ultrajado e ofendido por palavras tão sem sentido proferidas por este senhor. De fato, a ciência política não tem nenhuma relação com a ciência farmacêutica e sua história. A inutilidade descrita é completamente sem sentido e sem nexo, os profissionais farmacêuticos possuem em sua formação e ação profissional atribuições de muitíssima relevância prática, e o cidadão não arca com custo algum, pois somos os profissionais da saúde mais mal pagos de todos. Um abraço e boa reflexão