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sábado, 19 de junho de 2010
Sobre as "identidades" culturais brasileiras
Tenho insistido em demonstrar que as explicações culturalistas de Freyre -- certamente importantes no plano histórico, etnológico e antropológico -- têm uma importância limitada ao NORDESTE do Brasil e ao PERIODO COLONIAL, não sendo válidas para o Brasil contemporâneo.
Abaixo o que escrevi a meu comentarista ainda recentemente:
Eu não costumo fazer concessões ao politicamente correto e muito menos ao relativismo cultural.
Se voce quiser uma quantificação impressionista da contribuição das grandes vertentes culturais presentes na formação do Brasil contemporâneo, eu poderia arriscar um palpite.
1) Indios: 0,5%
2) Africanos negros: 5%
3) Levantinos: 10%
4) Asiáticos: 10%
5) Europeus: 74,5%
Repare que escrevi africanos negros, o que seria o equivalente de escravos, mas se trata de um termo inexato. NENHUM AFRICANO escravo veio ao Brasil. Foram trazidos indivíduos negros separados, de dezenas de etnias diferentes, falando diferentes línguas e pertencentes a tradições culturais diversas, como os europeus aliás.
Ocorreu apenas que os europeus vieram voluntariamente, se agruparam e preservaram suas tradições, como aconteceu também com japoneses e com sírios e libaneses. O mesmo não ocorreu com os "africanos" (salvo exceções muito pequenas) por razões muito claras: eles vinham totalmente separados, foram retirados violentamente de suas raizes e portanto puderam transmitir muito pouco de suas tradições.
Se trata de uma tragédia mas essa é a história, que certamente não é isenta de grandes tragédias.
Se você consegue citar apenas a rede de dormir como tradição, reconheça que é muito pouco e muito pobre. Aliás, pobres usam redes, gente remediada compra cama assim que pode. Não me venha com invenções de que se trata de um grande aporte que NÃO É.
Se você dorme numa rede, faça uma pesquisa em seu meio para saber quantos dormem como você: se chegar a 1% será muito.
Os negros influenciaram a música? Talvez, mas apenas quando já aculturados e integrados a tradições musicais europeias, e JAMAIS como música "africana", algo que evidentemente NÃO EXISTE, como não existem povos africanos, apenas povos retirados individualmente e separadamente da Africa. Não sei porque as pessoas tem dificuldades em reconhecer esse tipo de realidade.
4 comentários:
Sobre o "NENHUM AFRICANO escravo veio ao Brasil": Até onde sei a maioria dos escravos trazidos ao Brasil já era escravo na Africa.
Também me parece exagero esse usar aspas para "africano" e não para "europeu". Óbvio que nenhum dos dois era um grupo homogeneo, longe disso, no entanto isso não invalida o uso desses termos, assim como dizemos "asiáticos", "americanos, "brasileiros", etc.
Não fomos influenciados por música "africana", mas com certeza por música com influencias africanas, o mesmo para música europeia, americana, etc...
De resto concordo, ótimos artigos sobre esse tema.
Paulo,
Grato pelos comentários e correções pertinentes.
Mas eu gostaria de insistir em certas diferenças. Apenas uma pequena parte dos negros africanos "exportados" como escravos já eram escravos tradicionalmente. Os que eram, permaneciam como escravos de seus senhores africanos, outras tribos mais poderosas.
Os "novos" escravos eram capturados em regiões próximas a de certos reinos ou domínios controlados por algum chefe tribal africano suficientemente poderoso para se engajar nesse lucrativo comérico, e depois vendidos aos traficantes europeus nos portos de embarque. Os europeus raramente, e talvez JAMAIS, capturavam eles mesmos sua "mercadoria"; eles compravam o que lhes era trazido pelos traficantes africanos, por vezes de regioes distantes. Os traficantes muçulmanos eram os grandes fornecedores de mão-de-obra escrava e surpreende que isso JAMAIS é mencionado na nossa literatura vulgar sobre o assunto.
No processo, os escravos eram misturados, separados, desde o porto de origem até os pontos de venda no Novo Mundo, falando línguas diferentes e tendo origens diferentes, ainda que pudessem ter "blocos" temporariamente homogeneos de escravos, que depois eram separados pelos compradores, que eram diretamente os fazendeiros ou outros intermediários e comerciantes.
Ou seja, não havia "africanos" escravos, havia individuos vindos da Africa, o que é muito diferente.
Os europeus, ao contrário, preservaram suas identidades, alguns deles até uma data muito recente (certos enclaves no Sul, que falavam suas línguas de origem na Europa), tinham um nível similar de capacitação técnica (agricultores em grande medida), partilhavam as mesmas referências cristãs e pertenciam a um arco civilizatório típico da Europa moderna, ainda que rural.
Nada disso ocorria com os "africanos", que só podem ser chamados de africanos como uma vaga referência geográfica.
A desestruturação foi muito grande no caso dos negros escravos.
Eles se tornaram negros brasileiros e não são, NEM DE LONGE, afro-brasileiros, como pretende essa ideologia racista e profundamente equivocada dos partidários do novo Apartheid.
Se você quiser, na música, algumas referências genéricas -- o batuque, por exemplo -- foram incorporadas, mas isso não tem nada a ver com uma cultura africana em particular, e sim com instrumentos mais comumente usado naquele continente. Certamente não tinham a cultura do piano, do órgão e do violino, que são tipicamente europeus, e que evoluiram para o violão, a guitarra, o bandolim, mas podem ter tido alguma coisa com tambores, chocalhos e pandeiro. Não havia, contudo, nenhum sentido de elaboração formal da música, com bsae em partituras, e portanto, volto a repetir: há certo exagero em falar de influências africanas.
Não: negros brasileiros, educados musicamente no mainstream musical fizeram aportes à música brasileira e tiveram enorme influência no samba, mas isso NÃO TEM NADA A VER com a Africa, pois o samba não é africano e sim brasileiro.
Grato, uma vez mais. Cordialmente,
Paulo Roberto de Almeida
Prezados,
O estudo do papel da Santa Sé (Sumo Pontífex), por meio de emissões de breves e bulas, é fundamental para entendermos a formação do império ultramaranino português e, consequentemente do comércio de escravos em África; o qual não fora obra exclusiva de reinos africanos islamizados, tampouco é invenção portuguesa o institutuo da servidão em Àfrica, quando ali chegaram os portugueses já encontrão as rivalidades tribais enraizadas, não obstante, tomarem vantagem desta situação ou até mesmo fomentá-las.
No espaço de 133 anos (1418-1551) foram produzidos 58 documentos papais que, nos provam a determinante intervenção da Igreja e sua quase "cumplicidade" na formação do império ultramarino português.
A literatiura sobre o assunto também é escassa entre nós, e as melhores obras que existem são de autores estrangeiros.
Isto posto, nos permitimos reproduzir o seguinte excerto:
"A predominância do poder espiritual sobre o temporal, ao tempo das descobertas quinhentistas, sujeitava os reis e suas empresas à aprovação do papa e a toda política externa da Igreja que a Santa Sé encarnava(não esqueçamos o poder em mãos do papa de conceder o domínio sobre terras descobertas, ou anatemizar prícipes refratários, poder este assentado na Teocracia Pontificial: "dominus orbis",grifo nosso).Foi o que sucedeu com as descobertas empreendidas pelo Infante (D. Henrique)sob a tutela dos reis de Portugal.A sua ação não se explica nem compreende sem a constante e contínua intervenção papal.Com efeito, nunca,como naquele tempo,foi tão importante e numeroso o núcleo de bulas que os papas endereçaram aos reis de Portugal. É uma enorme teoria de documentos, um bulário monumental,que é preciso conhecer para ajuizar corretamente da liceidade jurídica e da validade moral das descobertas, conquistas e evangelização dos portugueses.Aliás,desde a primeira hora, que as autoridades portuguesas procuravam informar a Santa Sé dos resultados da sua ação e obter dela o seu apoio e aprovação.(...)Dificelmente se fará a hermenêutica da linguagem papal de muitas destas bulas sem incluir nelas o recurso à força das armas,o que, sem rebuço nem escândalo para a mentalidade da época, fazia parte do ideal da cruzada("arrancar as terras das mãos dos infiéis","extermímio dos inimigos","submeter","subjugar", etc...)."
(In:" A EVANGELIZAÇÃO:PORTUGAL E A POLÍTICA EXTERNA DA IGREJA NO SEC.XV";Cap.IV;Geraldo J.A. Coelho dias OSB/FLUP).
Citaremos, à guisa de exemplo, as
seguintes bulas:
-Bula "Sane Charissimus"(Papa Martinho V,1418)-Concedia ao rei D.João I(Portugal) o caráter de cruzada à empresa marroquina(tomada de Ceuta); com todas as suas consequências;
-Bula "Dum Diversas"(Papa Nicolau V,1452)-Autorizava Afonso V(Portugal) para escravizar os infiéis da África Ocidental;
-Bula "Romanus Pontifex"(Papa Nicolau V,1455)-No mesmo diapasão da "Dum Diversas", autorizava a conquista e escravidão de todas as populações ao sul do Cabo Bojador.
Vale!
Prezado professor Paulo Roberto,
Ao término da leitura do post e do seu comentário, confesso que fiquei confuso em algumas passagens, principalmente no que diz respeito ao uso de algumas palavras.
I) “...não existem povos africanos, apenas povos retirados individualmente e separadamente da Africa.”
“Africano” é um adjetivo que significa “relativo à África”. Literalmente, “povos africanos” são “povos da África”. Em que sentido a expressão "povos africanos" não equivaleria a "povos da África" ?
II) “NENHUM AFRICANO escravo veio ao Brasil.”
III) “Ou seja, não havia "africanos" escravos, havia individuos vindos da Africa, o que é muito diferente.”
O dicionário registra que a palavra “escravo” significa “aquele que, privado da liberdade, está submetido à vontade de um senhor”. Esses indivíduos vindos da África estavam privados da liberdade e submetidos à vontade de um senhor. Nesse sentido, entendo que são escravos. Assim, “indivíduos vindo da África privados da liberdade e submetidos à vontade de outra pessoa” deveriam ser chamados de “escravos africanos”. O senhor escreve, no entanto, que isto é muito diferente. Em que sentido?
IV) “...música “africana”, algo que evidentemente não existe...”
Eis aí outra palavra – música – que o senhor deve estar usando num contexto particular. Música é o nome com o qual se designa a “arte de se exprimir por meio de sons”. Essa arte é encontrada em todos os povos, em todas as épocas. Evidentemente que suas regras variam segundo a civilização e o contexto histórico. Valendo-me dessa definição de música, deduzo que o uso de instrumentos de percussão pelos povos da África é uma forma de expressão musical.
Pelo que posso deduzir, o senhor está empregando diversas palavras em um contexto diferente do usual.
Cordialmente,
José Marcos.
PS. O senhor afirmou que “pobres usam rede, gente remediada compra cama assim que pode”. O uso de rede, a meu ver, independe da situação financeira da pessoa. Há pobres que só possuem cama e não usam rede. Há ricos que adoram dormir de rede e não usam cama. Em minha opinião, é mais uma questão de gosto do que de finanças.
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