Os psiquiatras, como já escrevi antes, diriam que se trata do conhecido transtorno bipolar, essa mania de querer ser uma coisa e outra ao mesmo tempo.
Um leitor, Anônimo, mas que sempre termina pela saudação "Vale!" (o que o identifica, talvez, como um colega de profissão), escreveu-me isto a propósito de um post meu:
Anônimo deixou um novo comentário sobre a sua postagem "Brasil: querendo ser grande, mas desejando ficar pequeno":
Talvez seja útil baixarmos o tom ufanista do discurso de "global player" nas tratativas comerciais e nos valermos do velho e sagaz "complexo de vira-latas"!
Vale!
Comento (PRA):
De fato é assim. Queremos ser grandes, mas não queremos assumir responsabilidade por este fato singelo da vida: um dia ficar grande, belo e forte. Não tenho certeza quanto ao belo e forte (e nem menos sobre ser rico, de verdade), mas ser grande é uma fatalidade que acontece ou pelo crescimento, ou pelo tamanho natural, o que o Brasil tem, dos dois lados.
Então, queremos entrar no CSNU, mas não queremos assumir responsabilidade por ter, de vez em quando, de baixar o cacete em algum desses nasty dictators que se alegram em massacrar o seu próprio povo. Sempre preferimos o diálogo, dizendo mais ou menos o seguinte:
" -- Olha, minha gente, não vamos baixar o cacete pois pode atingir alguns inocentes, civis incautos, simples passantes. Seria horrível contemplar esses corpos atingidos por 'bombas humanitárias'. Vamos sentar com esse ditador e tentar solucionar a questão pacificamente. Através do diálogo, da invocação dos princípios do direito humanitário, vamos convencer esse líder a não continuar massacrando o seu povo..."
Posso estar exagerando, mas é mais ou menos assim, tirando o bullshit diplomático, que nos comportamos nas instâncias internacionais.
Algo semelhante ocorre nas instâncias econômicas. Queremos mais poder decisório, queremos mais abertura de mercados (preferencialmente dos outros, não os nossos), queremos ser respeitados, por sermos grandes, ricos (êpa!), belos e fortes, mas estamos sempre pedindo tratamento especial e mais favorável, mais ou menos assim:
-- Olha, minha gente, vamos liberalizar, vamos abrir mercados, mas como somos ainda pobrezinhos, com empresas fracas e operários ganhando pouco, não podemos abrir muito nossos mercados, temos nossos industriais (protecionistas) coitadinhos, que não conseguem sobreviver sem alguma ajuda estatal e, sobretudo, somos menos competitivos que vocês, assim que precisamos ainda desse SGP, dessas tarifas preferenciais, sem as quais vamos perder mercados..."
Não temos nada a dizer sobre nossa carga de impostos, sobre nossas mazelas burocráticas, sobre nossas ineficiências de infra-estrutura, nada. Tudo é culpa do protecionismo europeu e americano.
Isso se chama, como disse meu anônimo correspondente, complexo de vira-latas.
Mas também deve ser transtorno bipolar...
Paulo Roberto de Almeida
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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Um comentário:
Perdi as contas dos epítetos criativos que já fui chamado quando lembrava a fragilidade da suposta grandeza brasileira e que isso teria repercussões.
Serei eu uma pessoa ruim ao sentir que fui vingado pela realidade? Um padre, um terapeuta, um filósofo ainda hão de me dizer...
Engraçado é que se era óbvio para mim, imagina para quem leu muito mais, possui mais títulos e conta com a 'sabedoria' coletiva de centenas de diplomatas analisando a questão e emitindo suas visões..
Abs,
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