Concordo integralmente com o autor -- ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC -- em que o governo abandonou, na prática (isto é, sem dizer), as metas inflacionárias e a flutuação cambial (e também vem fazendo manipulações contábeis para não dizer que já não luta tanto quanto antes pelo superávit primário), em troca de "puxadinhos", ou seja, uma série de improvisações de políticas macro e setoriais, para tentar manter ao máximo a ilusão do crescimento, mas partindo de falsas premissas keynesianas (a tal de manutenção da demanda agregada, pelo estimulo ao consumo e a provisão de crédito, sem atuar nos fatores de oferta).
As reduções seletivas de tributos também são equivocados, pois que setoriais e parciais e, a despeito de indutoras de emprego, no curto prazo, são potencialmente provocadoras de atraso tecnologico no médio e no longo prazo, pois que incidindo sobre o faturamento das empresas e, portanto, atingindo mais duramente as empresas de maior capitalização.
Esses improvisos governamentais são arranjos ad hoc, contraditórios entre si, e inconsistentes no médio prazo, apenas sinal de que algo precisa ser feito. Se trata do estilo atual de governar: " manda fazer, depois a gente vê..."
Paulo Roberto de Almeida
QUARTA-FEIRA, SETEMBRO 19, 2012 ALEX
Eu bem que queria escrever sobre a ata do Copom, mas, mesmo sob a nova frequência semanal, outros temas me forçaram a adiar o assunto. Não acho, porém, que tenha perdido a atualidade, pois me parece claro que, se restava ainda dúvida acerca da sobrevivência do regime de metas no Brasil, a ata foi a metafórica pá de cal. Em particular o parágrafo 19 é o epitáfio do regime: ali o Copom reconhece que sua projeção para a inflação em 2012 está acima da meta, assim permanecendo até meados de 2014.
É verdade que sinalizar a inflação acima da meta por um período de quase dois anos não chega a ser inédito. Mais de uma vez o BC teve que reconhecer situações como essa; a novidade agora é que, mesmo sob um cenário inflacionário desfavorável, e com tempo de sobra para reagir a ele, o Comitê preferiu seguir reduzindo as taxas de juros e contar com um milagre (também conhecido com “convergência não linear da inflação à trajetória de metas”), a cumprir a tarefa que lhe foi designada pelo Decreto 3.088/99, qual seja, tomar as decisões de política que tragam a inflação de volta à meta.
Segundo o Copom, “embora (...) o curto prazo tenha sido negativamente impactado porchoques de oferta associados a eventos climáticos, domésticos e externos, [o cenário inflacionário] manteve sinais favoráveis em prazos mais longos”. Como desculpa para inação esta afirmação peca em mais de um aspecto.
A começar porque a persistência da inflação acima da meta por dois anos (repita-se) não é um evento de curto prazo. E nós, leitores da ata, bem que gostaríamos de saber quais são os “sinais favoráveis” a que o BC se refere, visto que em momento algum se mencionam projeções indicando a reversão do processo inflacionário.
Afora isso, há a questão do tratamento do chamado “choque de oferta”. Este é dito “negativo” quando reduz as quantidades disponíveis e, por conta disso, eleva os preços; e é “positivo” quando, ao contrário, eleva a quantidade e faz cair os preços.
O BC, há tempos, afirma que não combate os efeitos diretos de choques de oferta, ou seja, não eleva a taxa de juros quando o choque é negativo, partindo do pressuposto que estes em geral se dissipam em alguns meses, sem necessariamente contaminar a inflação por períodos mais longos. Obviamente, por simetria, o BC não deveria também reduzir os juros quando ocorrem choques favoráveis de oferta, que, da mesma forma, tendem a desaparecer passado algum tempo.
No entanto, não é o que se observa. Enquanto o aumento dos preços internacionais decommodities é invocado como razão para não subir a taxa de juros, eventos favoráveis como o corte temporário de impostos sobre veículos, e, não duvidem, a recente redução de encargos sobre energia elétrica são alegremente considerados como motivos para redução da Selic.
E, cá entre nós, tomar o aumento internacional de preços de commodities como um choque de oferta equivale a esticar o conceito bem mais do que seria recomendável. Para agricultores americanos a seca reduziu as quantidades e elevou preços, configurando um choque clássico de oferta. O agricultor brasileiro, por outro lado, só percebe os preços em alta, sem prejuízo da quantidade. E, se é verdade que os preços mais altos prejudicam o consumidor, é bom lembrar que o país produz bem mais do que consome, gerando um benefício líquido para o Brasil. Trata-se, em outras palavras, de um choque sim, mas um choque positivo, e de demanda!
Note-se, por fim, que a contaminação dos preços domésticos só é possível porque o BC não permite que o dólar se barateie como deveria ocorrer face ao aumento dos preços decommodities. Na prática, ao fixar uma meta para a taxa de câmbio o BC admite que aumentos de preços fora do país acabem por se materializar domesticamente.
Em outras palavras, o BC tem várias metas: para o câmbio, para o crescimento, para a taxa de juros. Só acabou a meta para a inflação.
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