Análise
Econômica do Discurso na Assembleia Geral da ONU (25/09/2012)
Paulo Roberto de Almeida
Destaco, unicamente, os parágrafos econômicos, iniciais, do discurso
inaugural da presidente do Brasil na abertura dos debates da Assembleia Geral
da ONU, em 25/09/2012. Os parágrafos, numerados sequencialmente de 1 a 14, são
todos os que correspondem aos elementos de economia. Agrego, no imediato
seguimento de cada um deles, meus comentários, com observações de caráter geral
ao final.
1) A grave crise econômica, iniciada em 2008,
ganhou novos e inquietantes contornos. A opção por políticas fiscais ortodoxas
vem agravando a recessão nas economias desenvolvidas com reflexos nos países
emergentes, inclusive o Brasil.
PRA: Certamente: depois de breve retomada, os
EUA continuam a enfrentar o que alguns economistas já chamam de “grande
recessão”. Não é a depressão dos anos 1930, mas se apresenta como uma lenta
retomada, com alto desemprego e taxas extremamente moderadas de crescimento e
um alto endividamento público, sem ameaça, no momento, de impulso inflacionário
em função, justamente, do marasmo nos negócios e no emprego. Por outro lado, a
Europa, atingida no lado financeiro pela crise americana de 2009, enfrenta, no
momento, a crise das dívidas soberanas e dos déficits fiscais elevados, que
assume aspectos dramáticos em alguns países mediterrâneos.
O discurso da presidente, entretanto, faz
crer que foram políticas ortodoxas que agravaram a recessão, quando todos os
países aprofundaram os dispêndios – com exceção dos já altamente endividados e
deficitários – e promoveram medidas keynesianas, não ortodoxas, portanto, de
recuperação. Os países emergentes podem ser impactados, de modo mais acentuado,
pelo canal comercial, o que não é exatamente o caso do Brasil, que possui baixo
coeficiente de abertura externa, é bem menos dependente dos mercados externos e
vem, de todo modo, aprofundando seu isolamento do comércio mundial.
2) As principais lideranças do mundo desenvolvido
ainda não encontraram o caminho que articula ajustes fiscais apropriados e
estímulos ao investimento e à demanda indispensáveis para interromper a
recessão e garantir o crescimento econômico.
PRA: Um tom professoral que permanece em
constatações extremamente vagas, sem qualquer especificação detalhada quanto ao
“caminho” correto da articulação. Pode parecer que o Brasil, ou a presidente,
detém a chave das receitas milagrosas para combinar ajuste e estímulo, nas
proporções exatas para inverter o ciclo.
3) A política monetária não pode ser a única
resposta para resolver o crescente desemprego, o aumento da pobreza e o
desalento que afeta, no mundo inteiro, as camadas mais vulneráveis da
população.
PRA: Provavelmente não, mas suspeita-se que
os dirigentes econômicos nacionais e os responsáveis do BCE, como do próprio
FMI, tenham aprendido algo mais do que política monetária, e podem igualmente
usar instrumentos fiscais e outros.
4) Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos
persistem em uma política monetária expansionista que desequilibra as taxas de
câmbio. Com isso, os países emergentes perdem mercado devido à valorização
artificial de suas moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo global.
PRA: Mas todos, absolutamente todos os
interlocutores, com exceção de alguns poucos economistas austríacos,
recomendaram justamente isso. Paul Krugman não diz outra coisa a cada artigo,
Joseph Stiglitz também, sob aplausos dos mesmos setores que recomendam
políticas de estímulo. Seria possível fazer isso sem expandir o meio
circulante? E não é o que estava justamente pedindo a presidente?: estímulos?
Resta provar que esse expansionismo
monetário, que se destina basicamente à atividade econômica interna, é
responsável pela valorização do câmbio nos países emergentes. Que tal olhar o
diferencial de taxas de juros? Nem americanos, nem europeus, japoneses ou
chineses têm qualquer responsabilidade nos juros elevados praticados no Brasil,
quatro a cinco vezes mais elevados do que nos países centrais. Em todo caso,
mesmo que isso ocorresse, não existe nenhuma possibilidade de que isso provoque
o agravamento do quadro recessivo mundial, uma vez que moedas artificialmente
valorizadas ou desvalorizadas sempre estimulam importações ou exportações, não
é verdade?
5) Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de
defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente
classificadas como protecionismo. Devemos lembrar que a legítima defesa
comercial está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio.
PRA: Vejamos: defesa comercial é um conceito
que se aplica a salvaguardas (por definição temporárias e objeto de comunicação
ao Gatt), a dumping, a subsídios ilegais ou a outros expedientes desleais de
comércio. Aumento linear de tarifas – que podem ser de natureza mais do que
temporária – não é defesa comercial, e sim protecionismo. Não há injustiça em
classificar protecionismo de protecionismo. Licenciamento preventivo, como
feito pela Argentina, por exemplo, também é protecionismo, não defesa
comercial.
6) O protecionismo e todas as formas de manipulação
do comércio devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade de
maneira espúria e fraudulenta.
PRA: Absolutamente correto. Todas as formas
devem ser combatidas. O MDIC sabe...
7) Não haverá resposta eficaz à crise enquanto não
se intensificarem os esforços de coordenação entre os países e os organismos
multilaterais como o G-20, o FMI e o Banco Mundial. Esta coordenação deve
buscar reconfigurar a relação entre política fiscal e monetária para impedir o
aprofundamento da recessão, controlar a guerra cambial e reestimular a demanda
global.
PRA: Os ingleses, ou americanos, chamam isso
de wishful thinking, os franceses de voeux pieux, ou seja: aspirações ingênuas.
Nunca, em nenhum foro, nem mesmo no G7, se conseguiu coordenar todas essas
políticas. No máximo foram alcançados objetivos parciais, como desvalorizações
administradas, que funcionaram durante certo tempo, e apenas para evitar quedas
brutais de alguma paridade mais relevante, como o dólar, por exemplo. Com
exceção dos líderes brasileiros, nenhum outro falou ou pratica algo chamado
“guerra cambial”, pelo menos não no sentido de desvalorizações maciças ou
agressivas. Quanto a desvalorizações administradas, parece que é exatamente
isso que o Brasil vem praticando nos últimos meses, mantendo o dólar num
patamar praticamente fixo; seria isso guerra cambial, contra vizinhos e outros
parceiros?
8) Sabemos, por experiência própria, que a dívida
soberana dos Estados e a dívida bancária e financeira não serão equacionadas
num quadro recessivo, ao contrário, a recessão só agudiza esses problemas. É
urgente a construção de um amplo pacto pela retomada coordenada do crescimento
econômico global, impedindo a desesperança provocada pelo desemprego e pela
falta de oportunidades.
PRA: More of the same: wishful thinking,
voeux pieux, e coordenação impossível.
9) Meu país tem feito a sua parte. Nos últimos anos
mantivemos uma política econômica prudente, acumulamos reservas cambiais
expressivas, reduzimos fortemente o endividamento público e com políticas
sociais inovadoras, retiramos 40 milhões de brasileiros e brasileiras da
pobreza, consolidando um amplo mercado de consumo de massa.
PRA: De fato: as reservas são mais do que
suficientes, aliás excessivas. Economistas recomendam em geral 3 ou 4 meses de
importações, e o Brasil parece dispor agora de mais de 2 anos de importações
garantidas por suas enormes reservas, que por sinal possuem um custo fiscal
equivalente a 10% de seu montante global. Já se mencionou esse aspecto menos
brilhante da política atual? Por outro lado, gastar sempre mais do que o
crescimento do PIB ou a taxa de inflação não parece uma política prudente.
Quanto a retirar pessoas da pobreza, apenas uma observação: subsídio ao consumo
é diferente de retirar da pobreza. Se o subsídio terminar as pessoas retornam à
pobreza; apenas emprego e capacidade gerar sua própria renda retiram as pessoas
da pobreza.
10) Fomos impactados pela crise, como todos os
países. Mas, apesar da redução conjuntural de nosso crescimento, estamos mantendo
o nível de emprego em patamares extremamente elevados. Continuamos reduzindo a
desigualdade social e aumentando significativamente a renda dos trabalhadores.
Superamos a visão incorreta que contrapõe, de um lado as medidas de incentivo
ao crescimento, e de outro, os planos de austeridade. Esse é um falso dilema. A
responsabilidade fiscal é tão necessária quanto são imprescindíveis medidas de
estímulo ao crescimento, pois a consolidação fiscal só é sustentável em um
contexto de recuperação da atividade econômica.
PRA: Muito bem. O mundo não espera menos do
Brasil. Aliás, o Brasil não faz mais do que sua obrigação ao manter a
estabilidade de sua economia. Este é um dever e uma “bondade” que o Brasil faz
a si mesmo, não ao mundo.
11) A história revela que a austeridade, quando
exagerada e isolada do crescimento, derrota a si mesma. A opção do Brasil tem
sido a de enfrentar, simultaneamente, esses desafios.
PRA: Bom conselho, sem dúvida. Os dirigentes
dos demais países fariam bem em aproveitar essas boas lições de puro bom senso.
12) Ao mesmo tempo em que observamos um estrito
controle das contas públicas, aumentamos nossos investimentos em infraestrutura
e educação.
PRA: Os três argumentos mereceriam ser
apoiados em dados fiáveis quanto aos indicadores conjunturais e de tendência. As
contas públicas têm apresentado superávits primários decrescentes, o que
significa que teremos de aumentar os impostos, aumentar a dívida pública ou
elevar a inflação. Talvez acabemos fazendo todas essas coisas, não muito
recomendáveis no plano macroeconômico. Quanto à infraestrutura, se isso fosse
verdade, o governo não precisaria privatizar ou oferecer em regime de concessão
a exploração de estradas, portos, aeroportos, ferrovias e outros setores. No
que se refere à educação, os problemas mais graves não são exatamente
vinculados a verbas públicas.
13) Ao mesmo tempo em que controlamos a inflação,
atuamos vigorosamente nas políticas de inclusão social e combate à pobreza. E,
ao mesmo tempo em que fazemos reformas estruturais na área financeira e previdenciária,
reduzimos a carga tributária, o custo da energia e investimos em
infraestrutura, em conhecimento para produzir ciência, tecnologia e inovação.
PRA: A inflação jamais voltou ao centro da
meta desde muitos anos, e não parece ser intenção do governo forçar esse
retorno rapidamente. De toda forma, o centro da meta representa três vezes a
média mais recomendável. De fato, inclusão social e combate à pobreza têm sido
as marcas deste governo, mas isso tem sido feito mais sobre os estoques (ou
seja, com aumento da arrecadação e redistribuição entre-classes) do que sobre
os fluxos, ou seja, novos patamares de riqueza.
14) Há momentos em que não podemos escolher entre
uma coisa ou outra. Não há este tipo de alternativa. Há que desenvolvê-las de
forma simultânea e articulada.
PRA: Novamente, sábios conselhos, que muitos
deveriam aproveitar. Ainda bem que nós, brasileiros, podemos ficar tranquilos
quanto a isso.
Brasília, 26/09/2012
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