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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Análise Econômica do Discurso na Assembleia Geral da ONU - P. R. Almeida


Análise Econômica do Discurso na Assembleia Geral da ONU (25/09/2012)
Paulo Roberto de Almeida
Destaco, unicamente, os parágrafos econômicos, iniciais, do discurso inaugural da presidente do Brasil na abertura dos debates da Assembleia Geral da ONU, em 25/09/2012. Os parágrafos, numerados sequencialmente de 1 a 14, são todos os que correspondem aos elementos de economia. Agrego, no imediato seguimento de cada um deles, meus comentários, com observações de caráter geral ao final.

1) A grave crise econômica, iniciada em 2008, ganhou novos e inquietantes contornos. A opção por políticas fiscais ortodoxas vem agravando a recessão nas economias desenvolvidas com reflexos nos países emergentes, inclusive o Brasil.
PRA: Certamente: depois de breve retomada, os EUA continuam a enfrentar o que alguns economistas já chamam de “grande recessão”. Não é a depressão dos anos 1930, mas se apresenta como uma lenta retomada, com alto desemprego e taxas extremamente moderadas de crescimento e um alto endividamento público, sem ameaça, no momento, de impulso inflacionário em função, justamente, do marasmo nos negócios e no emprego. Por outro lado, a Europa, atingida no lado financeiro pela crise americana de 2009, enfrenta, no momento, a crise das dívidas soberanas e dos déficits fiscais elevados, que assume aspectos dramáticos em alguns países mediterrâneos.
O discurso da presidente, entretanto, faz crer que foram políticas ortodoxas que agravaram a recessão, quando todos os países aprofundaram os dispêndios – com exceção dos já altamente endividados e deficitários – e promoveram medidas keynesianas, não ortodoxas, portanto, de recuperação. Os países emergentes podem ser impactados, de modo mais acentuado, pelo canal comercial, o que não é exatamente o caso do Brasil, que possui baixo coeficiente de abertura externa, é bem menos dependente dos mercados externos e vem, de todo modo, aprofundando seu isolamento do comércio mundial.
2) As principais lideranças do mundo desenvolvido ainda não encontraram o caminho que articula ajustes fiscais apropriados e estímulos ao investimento e à demanda indispensáveis para interromper a recessão e garantir o crescimento econômico.
PRA: Um tom professoral que permanece em constatações extremamente vagas, sem qualquer especificação detalhada quanto ao “caminho” correto da articulação. Pode parecer que o Brasil, ou a presidente, detém a chave das receitas milagrosas para combinar ajuste e estímulo, nas proporções exatas para inverter o ciclo.
3) A política monetária não pode ser a única resposta para resolver o crescente desemprego, o aumento da pobreza e o desalento que afeta, no mundo inteiro, as camadas mais vulneráveis da população.
PRA: Provavelmente não, mas suspeita-se que os dirigentes econômicos nacionais e os responsáveis do BCE, como do próprio FMI, tenham aprendido algo mais do que política monetária, e podem igualmente usar instrumentos fiscais e outros.
4) Os Bancos Centrais dos países desenvolvidos persistem em uma política monetária expansionista que desequilibra as taxas de câmbio. Com isso, os países emergentes perdem mercado devido à valorização artificial de suas moedas, o que agrava ainda mais o quadro recessivo global.
PRA: Mas todos, absolutamente todos os interlocutores, com exceção de alguns poucos economistas austríacos, recomendaram justamente isso. Paul Krugman não diz outra coisa a cada artigo, Joseph Stiglitz também, sob aplausos dos mesmos setores que recomendam políticas de estímulo. Seria possível fazer isso sem expandir o meio circulante? E não é o que estava justamente pedindo a presidente?: estímulos?
Resta provar que esse expansionismo monetário, que se destina basicamente à atividade econômica interna, é responsável pela valorização do câmbio nos países emergentes. Que tal olhar o diferencial de taxas de juros? Nem americanos, nem europeus, japoneses ou chineses têm qualquer responsabilidade nos juros elevados praticados no Brasil, quatro a cinco vezes mais elevados do que nos países centrais. Em todo caso, mesmo que isso ocorresse, não existe nenhuma possibilidade de que isso provoque o agravamento do quadro recessivo mundial, uma vez que moedas artificialmente valorizadas ou desvalorizadas sempre estimulam importações ou exportações, não é verdade?
5) Não podemos aceitar que iniciativas legítimas de defesa comercial por parte dos países em desenvolvimento sejam injustamente classificadas como protecionismo. Devemos lembrar que a legítima defesa comercial está amparada pelas normas da Organização Mundial do Comércio.
PRA: Vejamos: defesa comercial é um conceito que se aplica a salvaguardas (por definição temporárias e objeto de comunicação ao Gatt), a dumping, a subsídios ilegais ou a outros expedientes desleais de comércio. Aumento linear de tarifas – que podem ser de natureza mais do que temporária – não é defesa comercial, e sim protecionismo. Não há injustiça em classificar protecionismo de protecionismo. Licenciamento preventivo, como feito pela Argentina, por exemplo, também é protecionismo, não defesa comercial.
6) O protecionismo e todas as formas de manipulação do comércio devem ser combatidos, pois conferem maior competitividade de maneira espúria e fraudulenta.
PRA: Absolutamente correto. Todas as formas devem ser combatidas. O MDIC sabe...
7) Não haverá resposta eficaz à crise enquanto não se intensificarem os esforços de coordenação entre os países e os organismos multilaterais como o G-20, o FMI e o Banco Mundial. Esta coordenação deve buscar reconfigurar a relação entre política fiscal e monetária para impedir o aprofundamento da recessão, controlar a guerra cambial e reestimular a demanda global.
PRA: Os ingleses, ou americanos, chamam isso de wishful thinking, os franceses de voeux pieux, ou seja: aspirações ingênuas. Nunca, em nenhum foro, nem mesmo no G7, se conseguiu coordenar todas essas políticas. No máximo foram alcançados objetivos parciais, como desvalorizações administradas, que funcionaram durante certo tempo, e apenas para evitar quedas brutais de alguma paridade mais relevante, como o dólar, por exemplo. Com exceção dos líderes brasileiros, nenhum outro falou ou pratica algo chamado “guerra cambial”, pelo menos não no sentido de desvalorizações maciças ou agressivas. Quanto a desvalorizações administradas, parece que é exatamente isso que o Brasil vem praticando nos últimos meses, mantendo o dólar num patamar praticamente fixo; seria isso guerra cambial, contra vizinhos e outros parceiros?
8) Sabemos, por experiência própria, que a dívida soberana dos Estados e a dívida bancária e financeira não serão equacionadas num quadro recessivo, ao contrário, a recessão só agudiza esses problemas. É urgente a construção de um amplo pacto pela retomada coordenada do crescimento econômico global, impedindo a desesperança provocada pelo desemprego e pela falta de oportunidades.
PRA: More of the same: wishful thinking, voeux pieux, e coordenação impossível.
9) Meu país tem feito a sua parte. Nos últimos anos mantivemos uma política econômica prudente, acumulamos reservas cambiais expressivas, reduzimos fortemente o endividamento público e com políticas sociais inovadoras, retiramos 40 milhões de brasileiros e brasileiras da pobreza, consolidando um amplo mercado de consumo de massa.
PRA: De fato: as reservas são mais do que suficientes, aliás excessivas. Economistas recomendam em geral 3 ou 4 meses de importações, e o Brasil parece dispor agora de mais de 2 anos de importações garantidas por suas enormes reservas, que por sinal possuem um custo fiscal equivalente a 10% de seu montante global. Já se mencionou esse aspecto menos brilhante da política atual? Por outro lado, gastar sempre mais do que o crescimento do PIB ou a taxa de inflação não parece uma política prudente. Quanto a retirar pessoas da pobreza, apenas uma observação: subsídio ao consumo é diferente de retirar da pobreza. Se o subsídio terminar as pessoas retornam à pobreza; apenas emprego e capacidade gerar sua própria renda retiram as pessoas da pobreza.
10) Fomos impactados pela crise, como todos os países. Mas, apesar da redução conjuntural de nosso crescimento, estamos mantendo o nível de emprego em patamares extremamente elevados. Continuamos reduzindo a desigualdade social e aumentando significativamente a renda dos trabalhadores. Superamos a visão incorreta que contrapõe, de um lado as medidas de incentivo ao crescimento, e de outro, os planos de austeridade. Esse é um falso dilema. A responsabilidade fiscal é tão necessária quanto são imprescindíveis medidas de estímulo ao crescimento, pois a consolidação fiscal só é sustentável em um contexto de recuperação da atividade econômica.
PRA: Muito bem. O mundo não espera menos do Brasil. Aliás, o Brasil não faz mais do que sua obrigação ao manter a estabilidade de sua economia. Este é um dever e uma “bondade” que o Brasil faz a si mesmo, não ao mundo.
11) A história revela que a austeridade, quando exagerada e isolada do crescimento, derrota a si mesma. A opção do Brasil tem sido a de enfrentar, simultaneamente, esses desafios.
PRA: Bom conselho, sem dúvida. Os dirigentes dos demais países fariam bem em aproveitar essas boas lições de puro bom senso.
12) Ao mesmo tempo em que observamos um estrito controle das contas públicas, aumentamos nossos investimentos em infraestrutura e educação.
PRA: Os três argumentos mereceriam ser apoiados em dados fiáveis quanto aos indicadores conjunturais e de tendência. As contas públicas têm apresentado superávits primários decrescentes, o que significa que teremos de aumentar os impostos, aumentar a dívida pública ou elevar a inflação. Talvez acabemos fazendo todas essas coisas, não muito recomendáveis no plano macroeconômico. Quanto à infraestrutura, se isso fosse verdade, o governo não precisaria privatizar ou oferecer em regime de concessão a exploração de estradas, portos, aeroportos, ferrovias e outros setores. No que se refere à educação, os problemas mais graves não são exatamente vinculados a verbas públicas.
13) Ao mesmo tempo em que controlamos a inflação, atuamos vigorosamente nas políticas de inclusão social e combate à pobreza. E, ao mesmo tempo em que fazemos reformas estruturais na área financeira e previdenciária, reduzimos a carga tributária, o custo da energia e investimos em infraestrutura, em conhecimento para produzir ciência, tecnologia e inovação.
PRA: A inflação jamais voltou ao centro da meta desde muitos anos, e não parece ser intenção do governo forçar esse retorno rapidamente. De toda forma, o centro da meta representa três vezes a média mais recomendável. De fato, inclusão social e combate à pobreza têm sido as marcas deste governo, mas isso tem sido feito mais sobre os estoques (ou seja, com aumento da arrecadação e redistribuição entre-classes) do que sobre os fluxos, ou seja, novos patamares de riqueza.
14) Há momentos em que não podemos escolher entre uma coisa ou outra. Não há este tipo de alternativa. Há que desenvolvê-las de forma simultânea e articulada.
PRA: Novamente, sábios conselhos, que muitos deveriam aproveitar. Ainda bem que nós, brasileiros, podemos ficar tranquilos quanto a isso.
Brasília, 26/09/2012

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