Quando assumiu a Presidência da República em janeiro de 2003, Lula recebeu do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a recomendação de não mexer radicalmente em três áreas: o Itamaraty, as Forças Armadas e o tripé econômico baseado na obtenção de superávit fiscal primário, no câmbio flutuante e nas metas de inflação. Mesmo sem admitir publicamente ter seguido a recomendação de FHC, Lula passou oito anos com a faixa presidencial cruzando-lhe o paletó sem bulir fortemente com aquelas instituições. A exceção talvez tenha sido o Itamaraty, que, mesmo mantido intacto na aparência, foi usado como braço externo dos interesses políticos internos do PT e colocado a serviço da idolatria e da vaidade pessoal de Lula. No que diz respeito à economia, Lula resistiu a pressões fortíssimas de seu parado e manteve o que vinha dando certo antes dele. "Inflação baixa é dinheiro no bolso do trabalhador", dizia Lula.
Uma reportagem desta edição de VEJA constata, com consternação, que o governo Dilma fez justamente aquilo que Lula sempre evitou: relaxar no controle da inflação e desmontar os mecanismos complexos e de delicado equilíbrio que regem as relações entre o estado e a economia de mercado. Seja por incapacidade, seja por convencimento ideológico, o fato é que os alicerces da política econômica fincados no fim do governo Itamar Franco, aprofundados por FHC e mantidos por Lula estão agora corroídos e frágeis. A reportagem da revista revela que faliu o modelo que Dilma tentou pôr no lugar do vitorioso tripé econômico.
A conclusão é que o Brasil está tendo um triênio perdido, com as piores taxas de crescimento do PIB desde o governo Collor. Má notícia para a presidente Dilma. Péssima para a candidata à reeleição em 2014. Uma tragédia para o Brasil e os brasileiros, pois, como se sabe, o estado sobrevive, mesmo que dramaticamente modificado, sem uma economia funcional, mas as economias de mercado não sobrevivem muito tempo sem que os governos propiciem e mantenham condições favoráveis à criação de riqueza. Dilma Rousseff tem pouco tempo para retomar a trajetória que atraia investimentos de longo prazo, o principal ingrediente da prosperidade e da paz social. Se fizer isso, ganha a presidente, a candidata, e ganham os brasileiros.
Giuliano Guandalini e Marcelo Sakate (Veja)
Aumentam as evidências do fracasso na chamada "nova matriz econômica", que, até agora, levou apenas pouco investimento, inflação elevada e menos crescimento
O economista americano John Taylor, professor de Stanford, lançou no ano passado o livro First Principies (Princípios Primordiais, sem tradução no Brasil), no qual argumenta que a recuperação americana tem decepcionado porque os Estados Unidos se desviaram das políticas que, historicamente, os levaram ao posto de país mais próspero do mundo. Para Taylor, a interferência equivocada do governo no funcionamento dos mercados e o desequilíbrio nas contas públicas, entre outros fatores, minaram a confiança dos empresários e reduziram a atividade. "Minhas pesquisas em política monetária e fiscal, desde os anos 60, mostram que o desempenho econômico pode ser tremendamente aprimorado se certos princípios bem definidos forem perseguidos", diz Taylor. "Afastar-se desses princípios básicos leva a crises."
Difícil não pensar no Brasil, lendo a análise de Taylor. O país havia recobrado a estabilidade, irradiando o otimismo na população e atraindo investimentos produtivos. A base para o novo período de prosperidade era assentada em três pilares: o respeito às metas de inflação, a flutuação da taxa cambial e o controle das contas públicas. Esse tripé, apenas, não basta para trazer o desenvolvimento. Mas graças a ele a economia ganhara previsibilidade e credibilidade. Porém, a pretexto de acelerar o crescimento, o governo Dilma Rousseff decidiu se afastar desses princípios. O maior desvio de rota ocorreu nas finanças públicas. Houve, por exemplo, o uso crescente do BNDES como um orçamento paralelo. O banco estatal recebeu do Tesouro 370 bilhões de reais desde 2007. A capitalização foi feita na forma de títulos, sem o arbítrio do Congresso. Como disse o economista Rogério Wemeck, em um artigo no jornal O Estado de S. Paulo: "De um lado, a dura realidade do orçamento. De outro, a Ilha da Fantasia do BNDES, nutrida por emissões de dívida, em que parecia haver dinheiro para tudo".
O governo viveu sob a ilusão de ter criado um "moto contínuo tropical", na expressão do gestor de recursos Luis Stuhlberger, diretor da Credit Suisse Hedging-Griffo. Imaginou ser possível engendrar uma máquina de crescimento que se movesse indefinidamente, sem custos. Mas a ilusão parece ter chegado ao fim. Estão por toda parte os sinais de falência da política baseada no crédito farto, na ingerência na vida econômica, na negação das leis de mercado e na farra fiscal. Stuhlberger, um dos mais celebrados gestores financeiros do país, listou, em um relatório recente, dezoito sinais do fracasso no amai modelo. A seguir, uma síntese dos principais pontos:
ESTAGNAÇÃO — A expansão do PIB no triênio 2011-2012-2013 parou na faixa de 2% ao ano, sem perspectiva de melhora no curto prazo. O desempenho nos três primeiros anos de Dilma será o mais baixo desde o governo de Fernando Collor. "Devemos ver nos próximos anos a repetição do baixo crescimento, porque, além de focar apenas as políticas de curto prazo, o governo resolveu atrapalhar as de longo prazo", afirma Sérgio Vale. economista-chefe da consultoria MB Associados. "Temos um governo voluntarista. que muda as regras a toda hora. com um uso intensivo de políticas erradas para o crescimento."
ESTÍMULOS — O governo despejou bilhões de reais em incentivos fiscais e creditícios, mas os efeitos no aumento da capacidade produtiva foram tímidos. Além de não acelerar o crescimento, essa política fez aumentar a desconfiança de investidores e teve como resultado a elevação da dívida pública bruta, que subiu de 64% para 69% do PIB entre 2008 e 2012.
INFLAÇÃO — Descontando-se os artifícios como segurar o preço da gasolina e o aumento das tarifas de ônibus, a inflação brasileira tem se mantido ao redor de 7% e 8% ao ano. É muito. Países com grau de desenvolvimento semelhante convivem com reajustes anuais entre 2% e 4%.
OFERTA REPRIMIDA — Estímulos à demanda sem a contrapartida de aumento na oferta levam à inflação endemicamente alta. O país sente o reflexo. Nos últimos dez anos, as vendas do comércio aumentaram mais de 120%. No mesmo período, a produção da indústria cresceu apenas 30%. Esse descompasso expõe a falta de competitividade das empresas.
CUSTO BRASIL — O país está estruturalmente caro em razão da carga fiscal pesada e da infraestrutura deficiente. As reduções tributárias foram tímidas, diante da carga total de 36% do PIB que pesa sobre o setor privado da economia, um valor sem similares nos países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, as obras de infraestrutura custam a sair do papel. A rodada de licitações de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, anunciada há um ano, ainda não foi executada. Assim, o governo perdeu a oportunidade de atrair investidores quando a conjuntura externa e também a interna eram mais favoráveis. Agora será mais difícil atraí-los.
CONTAS EXTERNAS — O Brasil possui ainda um colchão confortável de reservas internacionais, no valor total de 370 bilhões de dólares. Mas essa blindagem ficará mais delgada se os déficits nas contas externas continuarem em alta. O resultado da conta comercial e de serviços do país com o exterior foi negativo em 40 bilhões de dólares de janeiro a maio. Até o fim do ano, o rombo deve crescer para 75 bilhões, ou 3,2% do PIB. Será o pior resultado desde 2001.
FARRA FISCAL — As despesas públicas permanecem em alta constante, graças ao acúmulo de subsídios e programas de todos os tipos. Houve um acréscimo no primeiro semestre de 7% em termos reais (ou seja, descontada a inflação), superando a barreira de 1 trilhão de reais no período pela primeira vez, segundo cálculo da ONG Contas Abertas. O cálculo inclui o refinanciamento da dívida.
DESINVESTIMENTO — A maior carga fiscal (36% do PIB) e uma das menores taxas de investimento (18% do PIB) entre os emergentes acuam o setor privado, travando o crescimento. Apesar de arrecadar muito, o governo destina menos de 10% de seu orçamento para os investimentos. A maior parte das despesas é consumida com o pagamento de salários, aposentadorias e benefícios de todos os tipos.
Para os economistas Marcos Lisboa, vice-presidente do Insper e Zeina Latif, da Gibraltar Consulting — que acabam de publicar o estudo "Democracia e crescimento no Brasil", em que analisam as políticas de governo que beneficiam grupos específicos —, enquanto a expansão do PIB era robusta, ficava mais fácil acomodar as demandas e sustentar privilégios. "O menor crescimento põe esse modelo em xeque", afirmam. "A população parece decepcionada com o ritmo de melhora e está mais exigente. A impressão deixada pelos protestos é que a sociedade desconfia de que há algo errado na atuação estatal."
Um comentário:
Quem diria. A dita gerentona formada em economia se deixou levar pelos interesses político-partidários. É uma Patricinha de terceira idade que deveria ter o seu cartão de crédito cortado.
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