ROLF KUNTZ
O Estado de S.Paulo, 27/07/2013
Nenhum governante, diz o bom senso, pode ter desempenho melhor que o de seu governo. No caso do Brasil, trata-se de uma administração fracassada, com dois anos e meio de estagnação econômica, inflação alta, contas públicas em mau estado, contas externas em deterioração e resultados gerais muito inferiores aos de outros latino-americanos.
As possibilidades de melhora até o fim do mandato parecem muito escassas. Mas o senso comum dos brasileiros tem algumas peculiaridades notáveis. Parte substancial dos cidadãos considera a presidente Dilma Rousseff melhor que seu pífio governo. Enquanto só 31% avaliam o governo como ótimo ou bom, 45% aprovam o desempenho da presidente. Os dados são da última pesquisa CNI-Ibope e confirmam, de modo geral, as tendências indicadas em sondagens recentes.
Quanto à avaliação da presidente, é importante ressaltar o detalhe: a pergunta é sobre sua maneira de governar. Não se trata de sua pessoa. O entrevistado poderia considerá-la honesta, esforçada, gentilíssima, simpática e movida pelas melhores intenções, mas frustrada em seu empenho por divindades invejosas. O Olimpo é um ninho de maldades. Mas a história é outra, e aí está o dado intrigante. O modo de agir da chefe de governo é avaliado mais favoravelmente que a ação do próprio governo, embora ela seja responsável pela escolha dos ministros e, como todos sabem, centralizadora, mandona e habituada a distribuir broncas e a maltratar seus subordinados.
Essa notável dicotomia entre o presidente e a administração federal pode parecer misteriosa, mas é um velho componente da política nacional. Para milhões de brasileiros, houve sempre uma distância imensa entre a figura de Getúlio e as práticas de seus subordinados. O presidente João Figueiredo sempre foi mais popular que seu governo, embora seu período tenha sido marcado por uma recessão pavorosa, com muito desemprego, empobrecimento e fome. Nessa fase, muitas famílias só conseguiram consumir alguma proteína de origem animal, de vez em quando, porque supermercados passaram a vender separadamente asas de frango. Mas o presidente nunca foi tão mal avaliado quanto qualquer de seus ministros.
Apesar da estranha separação entre o Palácio do Planalto e os ministérios, ainda mais estranha no caso de uma presidente centralizadora, os brasileiros parecem ter noções claras de alguns dos principais defeitos da administração. A avaliação dos impostos e do uso do dinheiro público é inequívoca. Os entrevistados deveriam dizer se, em sua opinião, “o governo já arrecada muito e não precisa aumentar mais os impostos para melhorar os serviços públicos”. Essa dupla afirmação foi classificada como total ou parcialmente verdadeira por 87% dos consultados. Para 82%, “a baixa qualidade dos serviços públicos deve-se mais à má utilização dos recursos públicos do que à falta deles”. Para 91%, os impostos são elevados ou muito elevados.
A presidente discorda. Na quinta-feira, quando a CNI divulgou a nova pesquisa realizada pelo Ibope, o Diário Oficial registrou o veto ao projeto de extinção da multa adicional de 10% do FGTS nos casos de demissão sem justa causa. Segundo a mensagem presidencial, os parlamentares deixaram de indicar fontes para compensar a perda de cerca de R$ 3 bilhões e, além disso, a falta desse dinheiro forçaria o governo a reduzir investimentos em infraestrutura e no programa habitacional.
As duas alegações são furadas. A multa adicional, paga diretamente ao governo, foi criada para compensar o custo de esqueletos fiscais deixados pelos Planos Verão e Collor 1. Essa função, segundo informou há um ano e meio a Caixa Econômica, gestora do fundo, estaria concluída em julho do ano passado. Não tem sentido, portanto, cobrar dos congressistas a indicação de como compensar a “perda”. Em segundo lugar, o governo jamais deveria ter tratado essa receita como recurso permanente.
Esse erro, uma velha tendência da administração brasileira, torna-se mais forte num governo propenso à confusão na área fiscal. A maior parte dos cidadãos acompanha muito de longe as aventuras da administração. Acaba sentindo, depois de algum tempo, os efeitos dos erros acumulados, como os problemas de saúde, segurança e educação. Nenhuma das grandes questões apontadas pelos entrevistados é nova na imprensa independente.
A comparação entre o governo atual e o do presidente Lula é outra aparente esquisitice revelada pela pesquisa. Para 46% dos entrevistados, o governo da presidente Dilma Rousseff é pior que o do antecessor. Em junho, 25% dos consultados haviam expressado essa opinião. Essa avaliação seria mantida, se as pessoas se dispusessem a pensar alguns minutos?
Afinal, o presidente Lula quase se limitou a aproveitar, durante a maior parte de seus oito anos, da herança de reformas deixada pela administração anterior e de um quadro internacional muito favorável até o fim de 2008. Elevou o salário mínimo, transferiu renda com recursos públicos e ampliou o mercado interno, sem nada ter feito para fortalecer a capacidade produtiva do país.
Sua melhor realização foi também a mais fácil. Ele jamais enfrentou para valer as tarefas mais complicadas. Além disso, rejeitou a proposta do ministro Antônio Palocci de iniciar um programa sério de equilíbrio das contas públicas. A presidente Dilma Rousseff apenas manteve o estilo de seu antecessor. Ao insistir nesse caminho, acelerou a desorganização das contas federais, alimentou a inflação e deixou a economia estagnar-se, porque as fontes internas e externas de dinamismo estavam esgotadas. “Dilma não é mais do que uma extensão da gente”, disse Lula a companheiros, na terça-feira, num aparente impulso de veracidade. Não faz sentido, neste caso, avaliar a extensão sem levar em conta sua fidelidade à origem.
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