O governo está enrolado financeiramente em mais uma operação mal planejada, mal executada e concebida para objetivos errados - subsidiar a conta de luz para maquiar os custos e a inflação. Como falta dinheiro em fundos setoriais para pagar as indenizações devidas a empresas de eletricidade, o Tesouro tem de entrar em cena para pagar R$ 6,7 bilhões em quatro anos, segundo estimativa divulgada ontem pelo Estado. Com apenas uma iniciativa, anunciada em setembro do ano passado pela presidente Dilma Rousseff, o Executivo federal cometeu três erros: distorceu custos, disfarçou a inflação, empurrando para a frente um problema de enorme importância econômica, e sobrecarregou mais uma vez as finanças do setor público.
O governo decidiu no ano passado antecipar a renovação das concessões às companhias do setor elétrico. Uma das condições seria a redução média de 20% do valor das tarifas. A Cemig, a Cesp e a Copel, no entanto, recusaram a proposta. Por isso, o governo teve de assumir encargos maiores para garantir o benefício prometido a todos os consumidores. A situação ainda se complicou quando a seca, no fim de 2012, tornou necessário o uso da energia mais cara produzida por usinas térmicas. Seria preciso neutralizar também esse aumento de custo, para cumprir a promessa de reduzir a conta de eletricidade.
A maior parte do dinheiro para cobrir o subsídio deveria sair da Reserva Global de Reversão, criada para indenizar concessionárias no caso de suspensão do contrato. Com o novo plano, o dinheiro seria usado principalmente para financiar a nova e confusa iniciativa do governo. Havia R$ 15,2 bilhões disponíveis em janeiro. Em maio o saldo estava reduzido a R$ 6,4 bilhões. O valor atualizado, segundo estimativa extraoficial, é de R$ 2,4 bilhões.
Entre janeiro e maio, a Conta de Desenvolvimento Energético, destinada a financiar, entre outros, o programa Luz para Todos, foi reduzida de R$ 2,5 bilhões para R$ 223,3 milhões. Como essa conta era alimentada pelos consumidores, via conta de luz, a redução das tarifas praticamente extinguiu essa fonte. Em maio, R$ 2,5 bilhões saíram da Reserva Global de Reversão para esse fundo, em operação mantida em sigilo e recém-descoberta pelo Estado. Todos esses detalhes foram mostrados na reportagem.
Dos R$ 20 bilhões devidos às empresas participantes do plano de renovação antecipada, o governo pagou R$ 7,69 bilhões em janeiro e provavelmente - faltam informações atualizadas - mais R$ 3 bilhões até junho. O dinheiro disponível nos fundos setoriais é obviamente insuficiente para a liquidação do restante, com desembolso médio estimado em R$ 500 milhões por mês. A esse valor é preciso acrescentar uma remuneração de capital de 5,59% ao ano.
A aventura anunciada em setembro pela presidente Dilma Rousseff converteu-se em problema orçamentário, com graves implicações para os resultados fiscais. Isso explica a decisão do governo de antecipar o recebimento de recursos da Itaipu Binacional. Seria mais um truque para maquiar o resultado das contas públicas. Diante das críticas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já anunciou o abandono dessa ideia.
O balanço é inequívoco. Mais uma vez o governo se meteu em dificuldades ao cuidar de maneira errada de dois problemas importantes. Um deles é o alto custo da eletricidade para todos os consumidores. Esse é um componente importante do custo Brasil e um encargo muito pesado para a maioria dos consumidores. Além disso, o subsídio à conta de luz disfarçaria, a curto prazo, a inflação acelerada.
Em vez de atacar as causas dos problemas - o alto custo da energia, uma questão estrutural, e a aceleração dos preços ao consumidor, um desafio imediato -, o governo preferiu disfarçar a realidade. Como sempre, agravou os problemas ao tentar contorná-los. Nada se resolverá sem a execução eficiente de projetos para a produção de energia, sem a revisão dos componentes de custos (a começar pelos tributos) e, a curto prazo, sem um ataque mais firme às causas da inflação.
===================
Se eu quero, eu posso
30 de julho de 2013 | 2h 13
Os críticos da atual política econômica vêm apontando como principais causas dos desacertos tanto problemas de gerenciamento quanto barreiras de ordem ideológica.
Com algumas exceções, talvez não se possa falar propriamente de barreiras ideológicas, mas de posturas equivocadas de governo.
As resistências desta administração em chamar o setor privado a participar mais agressivamente de projetos de infraestrutura e de outros serviços públicos são provavelmente um dos poucos entraves de ordem ideológica propriamente dita. Mesmo depois de ter trombado tantas vezes com as limitações de recursos públicos, o governo Dilma ainda não superou antigos preconceitos contra quaisquer formas de privatização, inclusive as Participações Público-Privadas (PPPs) que muitos ainda insistem em chamar de "privataria".
Entre as posturas equivocadas do governo está a concepção de que mais importante do que a solidez dos fundamentos da economia é a vontade política, na base do "se eu quero, eu posso", em que a decisão transformadora supera qualquer obstáculo. Daí a enorme dose de voluntarismo que perpassa a administração Dilma.
Faz parte desse jogo a ideia de que basta garantir o avanço do consumo e aumentar a escala da economia para que o resto venha junto. Logo se viu que a criação de mercado interno por meio de políticas de transferência de renda não foi suficiente para puxar pela produção e pelos investimentos, porque os produtores nacionais estão atolados na baixa competitividade.
Outro equívoco dessa natureza foi a política de derrubada sistemática dos juros, prevalecente de agosto de 2011 a abril de 2013, independentemente das exigências da política de metas de inflação. O pressuposto foi de que ganhariam as contas públicas, pela queda do serviço (juros) da dívida pública, e ganharia a inflação, pela redução dos custos financeiros. Mas a política fiscal ficou defeituosa e a inflação disparou.
A postura voluntarista seguinte foi a de que, ao contrário do que aponta a maioria dos estudos sobre a matéria, valeria a pena sacrificar a inflação em benefício de mais crescimento econômico. O resultado, como advertiu no Estadão de ontem o ex-diretor do Banco Central Alberto Furuguem, foi apenas mais inflação.
Para tentar consertar distorções desse tipo, o governo Dilma apelou para expedientes de política de preços. Segurou e subsidiou os reajustes dos combustíveis, forçou a redução das tarifas de energia elétrica (que agora terão de ser cobertas com recursos do Tesouro), postergou e, agora, removeu a correção das tarifas dos transportes públicos e até mesmo usou certas reduções de impostos (como a dos veículos e dos aparelhos domésticos) para conter a inflação. Em seguida, vieram as distorções já conhecidas.
Não dá para deixar de enumerar entre as práticas voluntaristas do governo certos procedimentos de política industrial. O abuso das exigências de conteúdo local (instalações, bens de capital, peças e componentes a serem obrigatoriamente produzidos no País); a criação de reservas de mercado; e a escolha de campeões do futuro para receber subsídios, financiamentos a juros favorecidos e encomendas generosas também fazem parte dessa política.
Essas coisas produzem consequências. E entre elas estão as enormes distorções que travam o sistema produtivo e tiram eficácia da economia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário