CONDENADOS E LEGISLADORES
Milton Simon
Pires
Tenho seguido com interesse a
reação da grande imprensa à condenação do deputado Natan Donadon. Livrado da
cassação de mandato pelos seus colegas, ele chegou e saiu algemado da sessão de
hoje da Câmara dos Deputados. Retornou, depois da sua atividade parlamentar, ao
Presídio da Papuda. Ainda não estou entendo, de fato, por que essa sensação
toda de estranhamento..o porquê de tanta perplexidade..Me ajudem a compreender.
Imaginem vocês um lugar onde
simplesmente não existe qualquer espaço para a mais simples noção de bem comum.
Onde algumas poucas pessoas são inocentes e a grande maioria é de
bandidos. Um lugar onde se combina a
noite tudo que será feito durante o dia. Um espaço onde não tem valor nenhuma
lei escrita, onde impera o mundo dos interesses escusos, dos conchavos, das
ameças e das delações..Imaginem um lugar de onde se pode, uma vez combinados
alguns interesses, parar todo país e quem sabe até mudar a sua história. Uma
instituição onde o que manda é o dinheiro e o narcotráfico..onde se pode
contratar a morte de pessoas e onde, garantidas algumas condições, se pode
desfrutar de regalias inimagináveis...Imaginaram? Pois bem, agora eu pegunto a
vocês – Vocês conseguiram definir com certeza se eu estou falando de uma
penitenciária de segurança máxima ou do Congresso Nacional? Se conseguiram; me
mostrem como o fizeram pois eu mesmo me atrapalhei com o que escrevi!
Meus amigos, o que torna um homem
perigoso não é sua força...não é seu dinheiro, nem suas armas
mas sim o seu caráter. Não vou
perder tempo aqui tentando demonstrar isso. Faço o caminho inverso afirmando
que isso é tão verdadeiro, tão simples e tão evidente, que – como todas as
coisas que guardam essas três qualidades – foi esquecido. Sendo esquecido, uma
vez demonstrado de forma cabal provoca o falso deslumbramento. É dessa sensação
que se vale quem quer vender jornal e fazer notícia afirmando “escandalizado”
que agora o Brasil tem deputados presidiários. Guardasse o nosso povo a certeza
de que não há diferença entre os valores que imperam num presídio e aqueles que
regem nosso Congresso e não teria a restrição da liberdade de ir e vir de um
marginal de terno provocado tamanha polêmica.
Há muito, mas muito tempo mesmo a
democracia no Brasil acabou. Governa o país uma ditadura dos medíocres onde a
noção de justiça cedeu a de “participação popular” e onde a mera noção de
verdade foi trocada pela de consenso. Já escrevi antes sobre o tema.
Deputados bandidos sendo
algemados e mesmo assim mantendo seu cargo não são causa disso. São a
consequência. Afirmo ser pré-requisito essencial para vida politica no nosso
país um caráter em absolutamente tudo idêntico ao dos sociopatas assassinos,
estupradores e traficantes que lotam as prisões mais vigiadas. Sustento que a
semelhança entre esses dois mundos é tamanha que não há dinheiro nem luxo capaz de dissimular as
coincidências. Essa afinidade funciona como um tapa na cara para quem acredita
nas instituições acima dos homens, para quem coloca o mundo da economia acima
da cultura e para quem crê que o “hábito faz o monge”. Ela desafia a máxima das
faculdades de Direito ao proclamarem que não existem criminosos; mas sim crimes
e atira perante toda sociedade brasileira a vulgaridade do seu cidadão mediano
– aqueles entre os quais nos incluímos todos nós, que não somos presidiários
nem deputados, mas que nosso silêncio covarde permitimos o surgimento de
condições em que não se pode mais fazer a distinção moral deles. Quando um
deputado brasileiro, bandido ou não, permanece indo e vindo algemado às sessões
do Congresso, somos todos nós que estamos ali junto com eles. Somos 190 milhões
de “depenados” - termo que define a mistura de deputados e apenados, que
reflete o brasileiro médio e escandaliza o cidadão mínimo em qualquer
republiqueta africana. Triste maneira de fazer um país gigantesco perceber que
o que tem de mais importante não são as suas instituições, mas sim o seu povo,
que esse povo, crente numa religião civil de adoração ao poderes colocou neles
os piores dentre seus homens e que já não há mais diferença alguma entre
condenados e legisladores.
PORTO ALEGRE, 30 DE AGOSTO DE
2013.
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