Ué? A gente não era autônomo do FMI? Não éramos credores do organismo? Por que reter um relatório sobre nossa excelente situação econômica e nossa mais excelente ainda política econômica?
O que temos a esconder?
Paulo Roberto de Almeida
FMI sugere ao Brasil reduzir empréstimos a bancos públicos
Sergio Lamucci
Valor Econômico, 29/08/2013
Washington - O Fundo Monetário Internacional (FMI) recomenda ao Brasil uma redução gradual da política de empréstimos aos bancos públicos, ressaltando a importância da adesão a uma meta de superávit primário que coloque a dívida pública numa trajetória de queda, segundo documento divulgado ontem, que elogia o ciclo de alta de juros promovido pelo Banco Central (BC) para conter a inflação.
Para o FMI, a economia brasileira está se recuperando da desaceleração que começou em meados de 2011, observando que os "ventos contrários" provocados pelas condições externas, "restrições domésticas de oferta e incertezas sobre políticas" parecem segurar o crescimento no curto prazo.
As informações fazem parte de nota de três páginas, que trata da conclusão das consultas ao artigo IV, o capítulo do estatuto do FMI que prevê raio-X anual da situação da economia dos países-membros. Não é contudo, o relatório completo, cuja publicação depende de autorização do Ministério da Fazenda, ainda pendente. (ver ao lado)
O FMI faz algumas críticas à política fiscal, na linha das realizadas por parte dos especialistas em contas públicas no Brasil, mas em tom mais brando. O aumento expressivo dos empréstimos do Tesouro para bancos públicos, especialmente ao BNDES, é malvisto pelos analistas por elevar a dívida bruta.
Segundo a nota do FMI, alguns diretores-executivos consideraram que "uma avaliação mais detalhada do que compreendem os conceitos da dívida pública bruta e líquida permitiria uma interpretação melhor da evolução e das perspectivas fiscais do país". A dívida líquida desconta ativos do governo, como reservas internacionais e créditos do Tesouro junto aos bancos públicos.
Em julho, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mandou carta para a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, pedindo uma mudança nos critérios de cálculo da instituição da dívida bruta brasileira. Nas conta do FMI, o endividamento bruto do país fica mais alto por incluir todos os títulos que estão na carteira do BC.
Os diretores-executivos da instituição, diz o documento, estimulam esforços do país para "manter a disciplina fiscal de Estados e municípios, o relaxamento da rigidez orçamentária para aumentar a poupança pública", além de encorajar o "reconhecimento mais completo de riscos fiscais associados a ativos de bancos públicos e acordos de concessão de infraestrutura." Eles ressaltaram a necessidade de ajuste fiscal firme e comedido, "ancorado à meta de longo prazo de superávit primário".
"Alguns diretores" acreditam, segundo a nota, que o estímulo fiscal pode ter papel de instrumento contracíclico. O FMI se mostrou satisfeito com o começo do ciclo de aperto monetário, destacando que a política monetária deve se voltar para conter pressões inflacionárias e ancorar expectativas de inflação. Para o FMI, a política monetária deve ter o papel principal na administração da demanda.
Ao falar da atividade econômica, o FMI aponta uma retomada gradual. "O consumo continuou resistente no ano passado, apoiado pelo baixo desemprego e amplos ganhos nos salários reais, embora tenha havido uma desaceleração mais recentemente", afirma. "Depois de período prolongado de fraqueza, o investimento começou a se recuperar nos últimos trimestres, enquanto a confiança dos empresários se firmou. Com a economia operando perto do potencial, restrições de oferta afetaram o crescimento de curto prazo e exacerbaram pressões inflacionárias."
Para o FMI, o baixo desemprego contribuiu para pressionar a inflação, impulsionando a demanda e elevando custos. O documento nota que o índice de preços ao consumidor tem rodado no limite superior da banda de tolerância da meta, de 6,5%, enquanto as expectativas de médio prazo acima do ponto central, de 4,5%. Nota que o déficit em conta corrente aumentou, refletindo demanda externa mais fraca, consumo forte e também aumento do investimento e interrupções temporárias na produção de petróleo. "A taxa de câmbio se depreciou ao longo do último ano, mais recentemente como parte de um amplo realinhamento nos vários mercados emergentes."
A nota destaca que fluxos de capitais, especialmente de carteira (para ações e renda fixa), diminuíram em 2012, devido à perspectiva de crescimento mais fraco, juros mais baixos no Brasil e ao uso de medidas de controle de capitais. "Mais recentemente, a volatilidade financeira global e o aumento da aversão global ao risco reduziram ainda mais os fluxos de carteira para ao Brasil." Os fluxos de investimento estrangeiro direto, porém, continuaram robustos, nota o FMI.
O fundo diz apoiar a decisão das autoridades brasileiras de limitar as intervenções no câmbio para moderar a excessiva volatilidade, destacando que o câmbio flutuante deve permanecer como o principal amortecedor de choques num cenário de turbulência. O documento, contudo, foi concluído antes de o real sofrer pressão mais forte, que levou o BC a decidir por uma atuação mais firme no mercado de moeda estrangeira.
Fazenda 'proíbe' FMI de divulgar relatório
Adriana Fernandes, Laís Alegretti, Renata Veríssimo
O Estado de S. Paulo, 29/08/2013
Brasília - Fundo publicou apenas sumário de documento com dados da análise anual sobre a economia brasileira; governo cobra ajustes técnicos
Em mais um episódio envolvendo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo brasileiro não autorizou o organismo a publicar o relatório completo com os dados da análise anual feita sobre a economia brasileira.A entidade limitou-se a divulgar ontem apenas o sumário da publicação.
O Brasil cobra do FMI modificações e ajustes técnicos no documento antes de autorizar a publicação da íntegra do relatório. O Ministério da Fazenda não informou quais são as mudanças pleiteadas pelo Brasil. A assessoria do ministro Guido Mantega disse que se trata de discussões técnicas. O Brasil alega que precisa de mais tempo para autorizar a divulgação.
"A decisão sobre a publicação do artigo 4.º será tomada depois que esse diálogo (com o FMI) for concluído", comunicou a assessoria de Mantega.
Conhecido como "artigo 4.º", o relatório é feito depois de uma avaliação e troca de informações com a área econômica do governo sobre a estratégia de política econômica. Economistas do FMI visitam o País e, após o retorno, a equipe apresenta o documento para a discussão na diretoria do Fundo.
O relatório foi concluído pela diretoria executiva do FMI no dia 26 de julho, mas apenas o sumário foi divulgado ontem, nos Estados Unidos, com recomendações ao País como: a redução gradual na concessão de crédito por bancos públicos, disciplina fiscal e adoção de uma meta de superávit primário que coloque o déficit público em trajetória de queda. No sumário, o FMI também avalia que uma política monetária mais apertada vai ajudar o País a lidar com pressão de preços. Ou seja, sugere juros mais altos para combater a inflação.
Pressão. Nos últimos meses, o Brasil vem pressionado o FMI para revisar a metodologia de cálculo da dívida bruta do governo federal. Mantega chegou até mesmo a enviar uma carta à diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde. A mudança passou a ser questão de honra para o Brasil porque, pelos critérios do FMI, a dívida pública brasileira fica quase 10 pontos porcentuais mais elevada em comparação aos cálculos feitos pelo Banco Central brasileiro. A preocupação do governo é que o cálculo mais elevado prejudique a imagem do Brasil, justamente no momento de maior crítica à política fiscal.
Na carta, o governo critica a metodologia, considera que os dados do FMI estão "substancialmente superestimados" e que isso prejudica a percepção sobre a situação fiscal brasileira. Pelos dados do FMI, a dívida bruta do País fechou 2012 em 68% do Produto Interno Bruto (PIB). Já pelos dados divulgados pelo BC, o endividamento ficou em 58,7% ao final de dezembro do ano passado.
Grécia. Em outro episódio mais recente, o representante do Brasil no FMI, Paulo Nogueira Batista, se absteve na votação de liberação de mais uma tranche de ajuda à Grécia. O procedimento foi desautorizado pelo ministro Mantega, que telefonou para a diretora do FMI para explicar que essa não era a posição do governo. Em seguida, Batista foi chamado a Brasília, mas não perdeu o cargo.
O FMI e a escuridão do Brasil
Editorial O Estado de S. Paulo, 29/08/2013
Mistério insondável ou segredo? Não há cenário prospectivo da economia brasileira, nem para este ano nem para o próximo, no informe divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), na quarta-feira passada, sobre a recém-concluída coleta de informações sobre a situação e a evolução provável do País. Quem quiser conhecer as mais amplas e recentes projeções econômicas para Estados Unidos, Alemanha, China, Japão, Geórgia e República Eslovaca - para citar só uns poucos exemplos - poderá consultar os últimos relatórios do Fundo Monetário Internacional sobre as consultas realizadas periodicamente, quase sempre de ano em ano, com fontes oficiais, empresariais e acadêmicas desses países.
Os documentos e mesmo os comunicados breves à imprensa contêm, no mínimo, os números estimados para este ano e para o próximo. As estimativas alcançam, em alguns casos, os próximos cinco anos. No caso do Brasil, a série dos números termina, estranhamente, no ano passado. A nota publicada em julho de 2012 continha, pelo menos, as projeções para o ano. Naquele momento ainda se esperavam, por exemplo, um crescimento econômico de 2,5% e uma inflação de 4,8% - números fornecidos pelo governo, incorporados no relatório e errados.
Neste ano, nem as projeções para 2013 aparecem na tabela divulgada. Não foram citadas sequer as últimas estimativas do FMI: 2,5% de expansão do PIB neste ano e 3,2% no próximo. O governo terá, por insegurança diante dos maus resultados obtidos até agora, interferido para limitar os detalhes numéricos?
Mesmo com poucos números e com uma tabela encerrada em 2012, a nota evidencia uma avaliação pouco favorável da economia brasileira. Documentos desse tipo são em geral redigidos em linguagem diplomática, mas sem grandes contorções. A produção do texto recém-divulgado foi obviamente mais complicada, com muita interferência brasileira. A análise relevante, em geral crítica, aparece quase sempre depois de alguma referência positiva.
Exemplo de contorção: a economia melhora gradualmente, o investimento começou a recuperar-se e a confiança dos empresários se firmou. Mas - e aqui entra a parte substantiva - a economia deve estar operando perto do potencial, restrições do lado da oferta limitaram o crescimento no curto prazo e exacerbaram as pressões inflacionárias, com o baixo desemprego também contribuindo para pressões inflacionárias de custo e de demanda.
Qual o potencial de crescimento? Deve estar na faixa de 3% a 3,5%, pelas estimativas do Fundo, porque a projeção para o próximo ano indica 3,2%. No Brasil, há quem calcule margem ainda menor para uma expansão segura, isto é, sem pressão importante sobre os preços e sem desajustes perigosos nas contas externas. Sem entrar nesses detalhes, pelo menos no informe inicial para a imprensa, o pessoal do FMI é, no entanto, bastante claro quanto a esse ponto: o Brasil precisa de muito mais investimentos para crescer mais rapidamente.
A piora das contas externas também é mencionada. O câmbio desvalorizou-se, mas o custo da mão de obra em dólares se manteve. O rápido aumento do salário real e a estagnação dos ganhos de produtividade limitaram o efeito benéfico da depreciação do real sobre a competitividade. A mensagem é nítida: a deterioração do balanço de pagamentos, especialmente da conta de comércio, é atribuível apenas em parte à fraqueza da demanda externa. Neste, como em outros pontos importantes, o diagnóstico dos técnicos do Fundo diverge das explicações, ou justificativas, do governo.
Na avaliação da junta de diretores executivos, o crescimento deve estar sendo contido, no curto prazo, pelas limitações internas da oferta (dificuldades de produção) e pelas incertezas quanto à política econômica. O aperto monetário, segundo essa análise, é bem-vindo e seria conveniente mantê-lo para conter a inflação e ancorar as expectativas. Cuidar das contas públicas também seria, segundo essa análise, uma boa ideia.
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