Extrato da introdução do livro de
Anne
Applebaum
Gulag: a History
New
York: Doubleday, 2003
Contrary to popular assumption, the Gulag did not cease growing in the 1930s, but rather continued to expand throughout the Second World War and the 1940s, reaching its apex in the early 1950s. By that time the camps had come to play a central role in the Soviet economy. They produced a third of the country’s gold, much of its coal and timber, and a great deal of almost everything else. In the course of the Soviet Union’s existence, at least 476 distinct camp complexes came into being, comprising thousands of individual camps, each of which contained anywhere from a few hundred to many thousands of people. The prisoners worked in almost every industry imaginable–logging, mining, construction, factory work, farming, the designing of airplanes and artillery–and lived, in effect, in a country within a country, almost a separate civilization.
Efetuei uma resenha da edição brasileira, como transcrito abaixo:
Gulag: anatomia da tragédia
Resenha de:
Anne Applebaum:
Gulag: uma história
dos campos de prisioneiros soviéticos
(Rio de Janeiro:
Ediouro, 2004, 744 p.; tradução de Mário Vilela e Ibraíma Dafonte; ISBN:
8500015403)
O terror moderno, isto
é, o recurso à intimidação aberta e indiscriminada para alcançar fins
especificamente políticos, não está ligado apenas aos exemplos cruéis do
fundamentalismo de base islâmica. Ele nasceu na Revolução francesa e seu mais
conhecido "teórico", Robespierre, o defendeu sem hesitação: "O
atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror,
virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O
terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível...".
Lênin, o inventor do
terror moderno, apreciava Robespierre e sua "justiça expedita": desde
os primeiros dias da revolução de 1917 ele ordenou à Cheka, a polícia política
imediatamente criada para esmagar a ameaça "contra-revolucionária",
que fuzilasse sem hesitação não só os opositores declarados do novo regime, mas
também representantes da classe proprietária em geral, capitalistas, grandes
comerciantes e latifundiários, religiosos, enfim, os potenciais "inimigos
de classe".
"A Cheka não é uma
comissão de investigação nem um tribunal. É um órgão de luta atuando na frente
de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o... Nós não estamos
lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. A
nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais são suas
origens, criação, educação ou profissão? Estas perguntas definem o destino do
acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em
Tempos Modernos).
Stalin se encarregou de
aplicar sistematicamente as recomendações de Lênin, e o fez de uma forma
completa, terminando por incorporar como "clientes" da máquina de
terror administrada por ele os seus próprios colegas de partido. A amplitude do
Gulag, ampliado e desenvolvido no seu mais alto grau por Stalin, justifica que
apliquemos a ele a categoria de genocídio, noção que costuma estar associada
apenas aos terríveis experimentos raciais nazistas, antes e durante a Segunda
Guerra Mundial.
O livro de Anne
Applebaum não é, apenas, como seu subtítulo indica, "uma história"
dos campos soviéticos, mas a mais completa e sinistra história de um fenômeno
único na história da humanidade: uma instituição oficial (ainda que em muitos
aspectos "clandestina"), montada e sustentada pelo poder central do Estado,
para administrar pelo terror, por um tempo indefinido, uma população inteira de
um dos países mais importantes do planeta. A historiadora americana,
editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street
Journal, realizou uma pesquisa monumental, indo muito além dos primeiros
levantamentos de Alexander Solzenitsyn em torno dos depoimentos dos
sobreviventes do nefando sistema de escravização em massa criado pelo
totalitarismo soviético.
Organizado em três
partes, o livro documenta amplamente o que até aqui tinha sido divulgado de
maneira dispersa em trabalhos de pesquisa histórica que não tinham ainda tido
acesso aos principais arquivos soviéticos liberados no período recente. A
primeira parte, "As origens do Gulag, 1917-1939", faz a
reconstituição histórica dessa instituição singular, que unia a mais
transparente crueldade no trato dos prisioneiros ao burocratismo metódico de
uma moderna administração voltada para a exploração sistemática do trabalho
escravo. Sim, não devemos esquecer que, independentemente de suas funções
"didáticas", de intimidação direta e aberta contra a própria
população da União Soviética, o Gulag teve um importante papel econômico na
história do socialismo naquele país, chegando a representar, a produção de um
terço do seu ouro, muito do carvão e da madeira e grandes quantidades de outras
matérias-primas. Os prisioneiros passaram a trabalhar em todo e qualquer tipo
de indústria, vivendo num país dentro de um outro país.
A segunda parte,
"Vida e trabalho nos campos", mostra também como o sistema do Gulag,
que chegou a reunir 476 campos no mais diferentes cantos da URSS, constituía um
Estado dentro do Estado, regulando os mais diferentes aspectos de um universo
concentracionário que não teve precedentes, teve poucos imitadores efetivos (a
despeito da terrível eficácia mortífera dos campos de concentração nazistas) e
um número ainda mais reduzido de seguidores (sendo os mais efetivos os sistemas
"correcionais" da Coréia do Norte e de Cuba, já que o exemplo do
Camboja foi o de uma simples máquina de matar, como de certo modo tinha sido o
caso dos experimentos nazistas).
A terceira parte,
"Ascensão e queda do complexo industrial dos campos, 1940-1986",
segue o sistema no seu ápice, durante e imediatamente após a Segunda Guerra
Mundial, até o seu desmantelamento gradual após a morte de Stalin (1953) e a
disseminação do fenômeno dos "dissidentes": ele foi sendo erodido
progressivamente em seu papel político (ainda que não o econômico), mas só teve
seu final decretado depois do próprio fim do socialismo.
Um apêndice tenta
quantificar a extensão do terror: de acordo com os próprios dados do sistema
(estatísticas da NKVD, sucessora da Cheka e antecessora do KGB), o número de
prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões
no momento da morte de Stalin. O "turnover", obviamente, foi muito
maior: muitos prisioneiros morreram, alguns escaparam (poucos), vários eram
incorporados ao Exército Vermelho ou à própria administração dos campos (cruel
ironia). As "taxas de desaparecimentos" refletiram também as
terríveis condições de vida na URSS: passou-se de 4,8% de mortos em 1932 para
15,3% no ano seguinte, o que indica o impacto da epidemia de fome induzida pela
coletivização stalinista da agricultura, que matou 6 ou 7 milhões de cidadãos
"livres" igualmente. A "taxa" de mortos sobe para seu
máximo de 25% em 1942, para declinar para menos de 1% nos anos 1950, quando o
sistema "industrial" já tinha sido instalado em sua plenitude. No
total, 2,7 milhões de cidadãos soviéticos podem ter morrido no sistema do
Gulag, o que de todo modo representa apenas uma pequena parte dos desaparecidos
durante todo o regime stalinista e uma
parte ainda menor dos sacrificados pelo sistema soviético. Os autores franceses
do Livre Noir du Communisme, por exemplo, estimam em 20 milhões as
vítimas do regime soviético, o que pode ser uma indicação plausível (outros
colocam entre 12 e 15 milhões de mortos). Vários historiadores se aproximam da
cifra de 28 milhões de cidadãos soviéticos para o número total de “clientes” de
todo o sistema concentracionário soviético em sua história de “terror
vermelho”.
O Gulag foi a face mais
visível da tragédia soviética, mas certamente não a única ou exclusiva. Este
livro conta a história desse terrível legado do socialismo do século XX:
esperemos que a história não se repita, sequer como farsa.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2004
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