Às vezes, na vida, os princípios e a retidão de caráter herdados do convívio familiar são postos em situação de choque frontal com o abuso, o erro ou o oportunismo das estruturas do poder.
Não há como não reconhecer que era imoral e insustentável a situação do senador boliviano Roger Pinto Molina – a quem o governo brasileiro concedeu asilo político em junho do ano passado, com base nas normas e na prática do Direito Internacional Latino-Americano e com base no Artigo 4, inciso 10, da Constituição Federal.
Posteriormente à concessão do asilo, o governo boliviano brandiu uma série de acusações contra o asilado, aparentemente para tentar fazer o Brasil modificar sua decisão.
Em conversa que mantive na semana passada com o advogado brasileiro de Pinto Molina, Fernando Tibúrcio, referiu-se ele à delicada situação física e psicologia do político boliviano, mantido em situação equivalente a de uma prisão domiciliar – na Embaixada do Brasil, em La Paz – há mais de 14 meses, em plena violação das regras mais comezinhas do direito internacional público latino-americano.
Na Convenção sobre asilo diplomático de 1954 (Caracas), da qual o Brasil é signatário, prevê o artigo VII, que em caso de urgência, “será concedido o asilo diplomático (…) pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com garantias”. Mencionado artigo justifica-se, haja vista que o asilo diplomático tem a finalidade na concessão do asilo político, configurado quando o asilado encontra-se em território do Estado concedente.
O senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, e que participou da etapa final, em território brasileiro, do traslado do Senador Roger Pinto Molina, quer saber das autoridades competentes (possivelmente o Senhor Marco Aurélio Garcia, tido como o responsável pelas principais decisões de política externa com os países de nossa vizinhança) sobre quais providências que tomou o Governo brasileiro para, conforme a Convenção de Caracas, agilizar a retirada do asilado.
Tem informação o Senador que o Governo brasileiro não fez lá grande coisa em favor do traslado formal do asilado para o território nacional, onde automaticamente o asilo diplomático seria convertido em asilo político.
O tema do direito do asilo, embora praticado desde o século XIX na América Latina, é sempre questionado pelos governos que vêm seus adversários políticos fugir da jurisdição local.
A questão toda tem sido cercado pela opacidade. O asilo e a saída informal de Pinto Molina da Bolívia representam apenas um pequeno detalhe. Os senadores da República querem saber muito mais.
Por isso, o Senado Federal está inclinado a convocar audiência especial para examinar o relacionamento entre o Brasil e a Bolívia desde 2006, ano em que Evo Morales assumiu a Presidência do país. Lembramo-nos de que poucos meses depois de sua assunção ao poder, Morales declarou a nacionalização de todo o setor de petróleo e gás no país, tendo mandato tropas do exército para ocupar instalações da Petrobras, num ato de clara hostilidade. De lá para cá, uma série de gestos inamistosos foram feitos pelo governo boliviano, sem o esboço de qualquer reação por parte do Brasil.
Diplomacia, sabemos todos, é a arte de negociar pelo interesse nacional. Calar, às vezes, pode ser uma tática, mas nunca funcionará como uma estratégia de longo prazo.
Nos anos 1940, o Embaixador Manuel Pinto de Souza Dantas concedeu milhares de vistos a judeus refugiados do nazismo que buscavam sair da Europa. Se tivesse seguido à risca as instruções do governo Vargas, muitos poucos vistos teriam sido concedidos.
A História resgatou-o por sua coragem e incapacidade de apenas seguiras regras autoritárias e desumanas emanadas diretamente do Palácio do Catete.
2 comentários:
...e olha que não faltam na Casa "especialistas" no assunto!
Vale!
Ultimamente parece que as "regras" "leis" e "regulamentos" são coisas do passado. Coisas para quem inventou? Não seria perigoso adentrar tal seara?
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