Para Ricupero, veto é 'constrangimento' para o Brasil
Denise Chrispim Marin
O Estado de S. Paulo, 7/12/2013
Segundo especialista, posição dos bolivarianos expõe a afinidade "parcial e limitada" desses países com o Brasil
Ao vetar o primeiro acordo efetivo da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 18 anos, os países bolivarianos sabotaram interesses do Brasil e constrangeram o governo de Dilma Rousseff. Nas últimas horas da reunião ministerial da OMC em Bali, ontem, Cuba, Venezuela, Bolívia e Nicarágua colocaram sobre a mesa de negociações
uma condição considerada descabida para aderirem ao acordo de facilitação do comércio - o fim do embargo dos Estados Unidos a Havana. A iniciativa abortou o consenso necessário em torno de um acerto que, apesar de modesto, fora apontado como primeiro passo para a retomada da Rodada Doha, suspensa desde 2007.
Segundo o embaixador Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o veto expôs a "afinidade parcial e limitada" entre os membros da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba) e o interesse do Brasil no campo internacional.
Nas searas da distribuição de renda e da justiça social, essa aproximação mostra-se mais visível. Mas, no plano da economia e do comércio internacional, embaraços similares foram registrados nas negociações sobre clima e meio ambiente em Copenhagen, em 2009, e na própria OMC, um ano antes.
"Os bolivarianos impuseram um novo constrangimento ideológico à nossa capacidade de ação. Nós andamos em más companhias", afirmou. "Fomos sabotados por nossos pretensos aliados, que já demonstraram querer apenas tumultuar nos encontros internacionais", completou Ricupero.
Uma última tentativa de romper o bloqueio e salvar o acordo de Bali foi iniciada ainda ontem - de noite, no Brasil. Desta vez, com maior pressão do Brasil e dos demais 154 membros da OMC sobre os quatro países bolivarianos.
Ricupero lembrou ter havido apenas dois episódios parecidos de veto na história das negociações multilaterais do comércio. O primeiro se deu em 1988 e o outro, em 1990, durante as discussões da Rodada Uruguai. Ambos foram capitaneados pelo Brasil e envolveram os demais países latino-americanos exportadores agrícolas.
Chantagem. Assim como Ricupero, o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia surpreendeu-se especialmente com o argumento inusitado dos bolivarianos para bloquear o consenso sobre um acordo que, nas contas do Comitê de Comércio Internacional, traria benefícios da ordem de U$ 1 trilhão nas trocas de bens.
"Foi uma verdadeira chantagem. O tema do bloqueio comercial dos EUA a Cuba nunca foi suscitado na OMC e não tem nada a ver com o sistema multilateral de comércio", avaliou Lampreia.
O veto dos quatro países da Alba, em parte, foi atribuído por analistas à negligência do próprio governo brasileiro. Apesar de seu empenho para eleger o embaixador Roberto Azevêdo como diretor-geral da OMC, o Brasil demorou para se mobilizar em favor do acordo sobre facilitação do comércio e não atuou, como nas reuniões anteriores da OMC, como um dos protagonistas em Bali.
Segundo Sandra Polônia Rios, diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), não houve nem mesmo uma prévia mobilização interna, com consultas do governo com o setor privado, como se observa nas negociações de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
"O encontro de Bali passou batido no Brasil. Independentemente do seu valor econômico, esse acordo seria caro ao País por provar que a OMC ainda tem capacidade negociadora e que o sistema multilatéral do comércio continua a ser relevante", afirmou Sandra.
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