A grave crise da governança no Brasil
Duas ou três coisas que eu sei dela e algumas maneiras de
superá-la
Paulo
Roberto de Almeida
A despeito do que se crê e
do que se afirma freqüentemente, o Brasil não enfrenta nenhuma crise econômica,
ou mesmo política. Ele tem, sim, uma séria e grave crise de governança, que:
(a) paralisa a máquina pública; (b) aumenta a volatilidade do ciclo econômico;
(c) diminui a confiabilidade do e no sistema de solução de controvérsias
(judiciário) e (d) influencia de modo negativo o quadro político-institucional.
Esse quadro termina por: (e) acirrar artificialmente alguns conflitos menores e
(f) diminuir, de modo dramático, as perspectivas de melhoria da mesma
governança. Desejo, desde já, sublinhar o adjetivo “grave”, pois o quadro
compromete a possibilidade de quaisquer políticas.
Não
há crise econômica no País. Esta afirmação pode soar irônica ou irrealista, em
vista do crescimento negativo do PIB, do aumento do desemprego, da fragilidade
continuada das contas públicas e da incapacidade de enfrentar novas demandas
por recursos públicos por parte dos agentes públicos e da própria sociedade.
Tudo isso pode ser verdade e, no entanto, o País não está e nem corre o risco
de enfrentar uma crise econômica. Os indicadores negativos atualmente exibidos
decorrem de um pequeno ciclo de falta de confiança despertado pela conjuntura política, que veio agregar-se aos problemas gerados anteriormente em
escala regional... O Brasil tem problemas de fragilidade interna e externa desde muitos
anos, praticamente desde a fase da redemocratização – que jamais produziu anos
de crescimento sólido e sustentável – e vinha penosamente, ao longo dos anos
1990, tentando colocar em ordem esses desequilíbrios, com base em políticas
consistentes e adeptas do rigor fiscal, com maior ênfase a partir da mudança no
regime cambial em 1999. O comando econômico precisaria continuar virtuoso, sem
hesitações.
A
retomada de um processo de crescimento sustentado, compatível com as taxas
historicamente registradas no passado (com exceção do interregno 1962-1965),
depende, ao meu ver, da manutenção daquelas políticas, o que entretanto foi
colocado em dúvida na conjuntura política atual. Pagamos o preço por uma
transição política extremamente saudável do ponto de vista democrático e bem
vinda do ponto de vista político e social. Devemos reconhecer que a democracia
tem um certo preço em termos de aumento da cacofonia no processo decisório, mas
ela é, em qualquer hipótese, infinitamente mais saudável, inclusive no plano
econômico, do que qualquer sistema autoritário de debates (restritos) e de
tomada (arbitrária) de decisões.
O
aparelho político precisaria estar “aparelhado” para acomodar esse aumento na
dispersão de opiniões, mas qualquer melhoria na institucionalidade do Estado
depende dramaticamente da qualidade dos homens públicos, fator notoriamente
carente na nossa tradição social e cultural. Não se pode sempre dispor de
condições ideais para o processo de desenvolvimento, mas as improvisações podem
por vezes custar caro. Ora, temos hoje, no comando da máquina econômica, uma
equipe realista, preparada e inimiga declarada de qualquer improvisação ou
magia econômica. Esta equipe é um poderoso fator para a superação das
dificuldades econômicas conjunturais, mas ela não pode, obviamente, ocupar as
demais vertentes da governabilidade, que dependem do governo como um todo e não
apenas dos limitados poderes da equipe econômica.
Não
há, tampouco, o menor sinal de crise política no País. Oposição e situação vêm
cumprindo, com graus razoáveis de ativismo e de engajamento, suas funções
respectivas: criticar e apontar caminhos alternativos a primeira, processar e
votar leis a segunda. Ruídos e “golpes baixos” correspondem ao que se poderia
esperar de um sistema político baseado em “jogo de soma zero”, como o
brasileiro, e a um certo estilo de fazer política, marcado mais pelo apelo a
uma retórica de teatro do que apoiado em argumentos racionais de governança
responsável. A grande imprensa parece moderada, e não tem insuflado os ânimos
ou paixões políticas, nem acuado o governo com demandas excessivas de
explicações para os impasses atuais da governança.
O
sistema político-partidário e, reconhecidamente, mesmo o regime
democrático-representativo apresentam, no Brasil, baixa qualidade intrínseca e
baixíssimos níveis de eficiência e não há qualquer expectativa de progresso no
futuro previsível. Não obstante, o funcionamento do Legislativo não se
deteriorou nos últimos quinze meses, mas tampouco experimentou melhora
sensível, como corresponderia à “nova era” da política. Mas não se pode
esperar, no curto prazo, correção de fatores estruturais como estes.
Não
hesito portanto em dizer que o atual quadro brasileiro não se caracteriza por
qualquer crise econômica ou política, ainda que possam existir indicadores
preocupantes na primeira vertente e “ruídos” agora mais “ruidosos” na segunda,
aliás derivados quase que inteiramente do dramático quadro de governança que
passo agora a registrar.
É
um dos truismos da vida prática, e até da teoria política, o fato de que o
poder especificamente político não se divide, nem deve ser dispersado, devendo
existir de forma concentrada numa única fonte de autoridade. Esta tem de deter,
legítima e incontestavelmente, por delegação dos eleitores, o comando do
processo decisório, que deve então funcionar de maneira eficiente a partir
dessa fonte unitária de decisões.
Não
é uma revelação inédita o fato de que, no Brasil atual, as fontes de poder
estavam e estão relativamente dispersas, ainda que de maneira informal,
passando a estar um pouco mais diluídas a partir de conhecido episódio no
comando central do governo, que fragilizou uma dessas fontes legítimas e
reconhecidas de poder. Sem qualquer avaliação sobre o caráter mais ou menos
ético, ou eficiente, da “solução” que se deu ao episódio em questão, deve-se
reconhecer que ambos, o evento e seu “encaminhamento”, impactaram tremendamente
a natureza e o exercício da governança no Brasil. (Não me manifesto aqui sobre
o impacto público, e suas conseqüências em termos de imagem, desses elementos
ligados à simbologia e ao próprio exercício do poder, mas refiro-me, tão
simplesmente, aos seus efeitos sobre a qualidade e a “quantidade” da
governança. Mas pode-se também notar que esse processo, assim como o episódio
ainda em aberto da compra do novo avião presidencial representam um enorme
custo político e moral para a autoridade do poder central, difíceis de serem
revertidos no curto ou no médio prazo.)
A
recomposição de uma única autoridade central e a existência de um comando
político reconhecido constituem, ao meu ver, condições indispensáveis para a
superação da atual crise de governança no Brasil. Sem isso, todo o mais, em
termos de políticas públicas e setoriais, está e ficará comprometido pelo resto
do período de governo. Não é preciso dizer que autoridade não se proclama, mas
sim se exerce, de modo claro e direto, com conseqüências imediatas – demissão
ou afastamento – para os mais recalcitrantes e eventuais candidatos a rebeldes.
Tergiversações e hesitações costumam ser mortais.
Mas
o quadro é ainda mais grave quando se passa da autoridade “para dentro” para a
autoridade “para fora”, isto é, em direção de fontes concorrentes de poder ou
no âmbito do exercício real da autoridade legítima, delegada pela sociedade e
pelo sistema constitucional, para o cumprimento das leis. Ora, não é preciso
muito esforço visual, ou apelo a registros impressos, para se constatar que
diminuiu enormemente o respeito à lei e aos contratos nos últimos quinze meses.
Sem considerar questões partidárias ou mesmo de cunho ideológico (e persiste
uma certa confusão aqui), deve-se reconhecer que essa situação faz aumentar, tremendamente,
a volatilidade do cenário econômico, além de agregar custos reais ao
funcionamento do sistema como um todo e de contribuir para agravar o quadro de
anomia social e de desrespeito generalizado ao quadro legal no País.
A
justiça, em si, já constitui um ônus terrível, direto e indireto, para o
sistema econômico, diminuindo o PIB potencial. Mas o desrespeito à lei,
endossado inclusive por ministros de Estado, constitui um imenso desincentivo
aos investimentos (estrangeiros e nacionais) e à iniciativa privada, únicos
capazes de criar empregos e disseminar renda no País. É dramático saber, por
exemplo, que juízes de província podem criar obrigações para o Executivo sem
qualquer amparo na legislação em vigor, que governadores podem promulgar leis
anti-constitucionais ou que os mandatários, em geral, se eximem de fazer
cumprir a lei em casos claríssimos de violação de direitos dos cidadãos (como
as muitas invasões de propriedades). O desrespeito à legalidade chegou a níveis
preocupantes no Brasil, mas isso não parece preocupar nem o sistema judiciário
nem o próprio Executivo.
A
desgovernança existente aparece em primeiro lugar na própria máquina pública,
hoje ineficiente e descoordenada ao ponto da paralisia. Algo pode ser debitado
aos custos da transição, na qual uma parte da tecnocracia foi substituída pela
militância, dedicada e entusiasmada com a causa da mudança, mas nem sempre
habilitada a lidar com as reais complexidades da administração pública. Se o
ministro da área não possui competências executivas, ou não dispõe de prévia
experiência anterior no seu setor, o quadro pode ficar ainda mais dramático,
dando a impressão de que os ministérios atuam em ordem dispersa, cada um com
suas próprias prioridades políticas e um escasso comprometimento com as
diretrizes gerais do governo (quando elas existem naquele setor).
Não
há uma solução simples a esse problema, pois qualquer estrutura ministerial,
grande, média ou pequena – e a atual é desmesurada –, só pode funcionar bem se
a qualidade da gestão, em suas diferentes vertentes, for razoavelmente
satisfatória, com metas claras e cobranças regulares. A continuidade da atual
lógica político-partidária na montagem ministerial significa a continuidade da
inoperância administrativa na mesma proporção. Ainda que eu recomende uma
completa reestruturação ministerial, reconheço que isso traria problemas na
frente congressual. Cabe ao supremo mandatário julgar o que seria possível
fazer para aumentar a eficiência da “sua” máquina executiva.
A
ausência de prioridades claras de governo e sobretudo a dispersão do comando
central, com a persistência de dúvidas relativamente ao apoio às orientações
econômicas até aqui seguidas (...), tem atuado para aumentar a volatilidade
do ciclo econômico, pois os agentes são levados a adotar um compasso de espera
(seja para precaver-se contra uma possível mudança de regras, seja no aguardo
de medidas que possam representar uma melhoria relativa das condições da
atividade econômica). O problema aqui é tanto a falta de uma clara manifestação
em favor da política econômica atual, com o engajamento do conjunto do governo,
quanto o próprio fato de que agentes do Estado ainda determinam, por vezes de
modo arbitrário, o comportamento de vários setores da economia, o que
obviamente dá margem à manutenção do já referido quadro de incertezas.
Um
exemplo, entre outros, da contradição entre as orientações gerais do governo e
a implementação concreta de medidas setoriais revelou-se no caso da
discriminação entre companhias nacionais e de capital estrangeiro nos
financiamentos concedidos pelo mais importante órgão do setor.
Independentemente da legalidade ou da oportunidade de tal tipo de medida
discriminatória, o fato a ser destacado é, justamente, a possibilidade de que
órgãos subordinados possam atuar contraditoriamente às orientações do governo.
Isto se chama ausência de autoridade e repercute na crise geral da governança
pública.
A
situação da justiça e do ordenamento legal é provavelmente um dos fatores mais
negativos que afetam a governabilidade do e no País, aumentando dramaticamente
os custos da atividade econômica. Não me refiro apenas à possível e provável
existência de disfuncionalidades no aparato judicial, com manifestações de
corrupção e nepotismos que podem e devem ser coibidos por alguma forma de
controle externo (como aliás deve ser o caso com qualquer poder: não é
possível, por exemplo, que o Legislativo e o Judiciário possam criar fontes de
despesas sem qualquer tipo de disciplina orçamentária). O que desejo destacar é
a própria anomia dos processos jurídicos, nas três esferas da federação e em
vários setores de atividade (nas relações de trabalho, por exemplo). Mais:
controles internos e externos devem ser implementados para coibir a
extraordinária profusão de medidas liminares, várias dotadas de escasso ou
nenhum embasamento legal.
Um
exemplo pode ser citado na determinação ilegal de fichamento de turistas
americanos ingressando no Brasil, ainda mais dramatizada pelo endosso oficial
(isto é, do Executivo) a essa medida que claramente carece de amparo na
legislação existente. Outro é o fato de estados federados introduzirem, também
ilegalmente, restrições à circulação de mercadorias em seus territórios (soja
supostamente transgênica), sem que qualquer autoridade federal coibisse
imediatamente tal usurpação inconstitucional de autoridade. A falta de
iniciativa do Executivo ou do Judiciário redunda em imensos custos econômicos
para os agentes privados: produtores, transportadores, compradores ou simples
cidadãos.
Podem
ser multiplicados várias vezes os casos de ausência de controle – o que não é,
senão, uma manifestação a mais de falta de autoridade – de medidas “legais” que
afetam gravemente a confiabilidade do sistema judicial em nosso País e
aumentam, de modo exponencial, a volatilidade com que tem de se haver o sistema
econômico. Uma possível recomendação seria a constituição de um grupo de
trabalho para examinar esse tipo de controle, que não está sendo cogitado no
atual processo de reforma do Judiciário.
Um
governo, qualquer governo, não é feito para provar teses acadêmicas ou testar
programas partidários. Ele tampouco atua com base em “grandes teorias” (aliás
mais proclamadas do que reais). Ele é eleito, e constituído, para produzir o
máximo de bem estar para os cidadãos, pelos meios os mais pragmáticos e
racionais possíveis. Parece estar havendo hoje, no Brasil, uma luta contra o
passado e uma dispersão de esforços no presente. A luta contra o passado se
exerce tanto contra antigos “adversários” (o que é revelado pela tese da
“herança maldita”), como em relação às teses anteriores, que não podem (e não
devem) ser o centro do debate das alternativas de políticas econômicas.
Essa
obsessão com um passado mítico, seja para condenar (o dos outros), seja para se
justificar (o seu próprio), tem ocupado uma parte substancial da atividade
retórica do governo, o que constitui obviamente um grande perda de energia e um
desvio do foco próprio da governança atual. Mas também existe, hoje, uma grave
dispersão de esforços em diferentes áreas de atividade, mesmo quando elas não
são prioritárias para o aumento do bem estar do povo, em setores concretos sob
responsabilidade governamental.
O
exemplo mais conspícuo é, obviamente, o da chamada política industrial, não
porque ela esteja absolutamente errada, mas porque ela é claramente não
prioritária no rol imenso de problemas graves que deve enfrentar o governo para
melhorar a qualidade de vida da maioria da população. Corretamente apresentada
como sendo “tecnológica” e de “comércio exterior”, essa política não vai
conseguir, concretamente: (a) aumentar a oferta de empregos, (b) distribuir
renda e (c) capacitar profissionalmente a mão-de-obra, três objetivos que
estariam, supostamente, no coração da política social do governo (cujo foco não
é, ou pelo menos não poderia ser, a assistência a necessitados, assim
preservados).
Infelizmente,
pode-se antecipar que essa política industrial vai: (a) criar poucos empregos,
(b) pode concentrar ainda mais ou, no máximo, ser neutra em relação à iníqua
distribuição de renda e (c) vai formar poucos trabalhadores nas habilidades
mínimas que se espera de um país voltado para o incremento das oportunidades
sociais via aumento da produtividade dos recursos humanos (num sentido amplo, e
não apenas como foco setorial). A criação de mais uma agência pública pode
representar, por outro lado, mais um cartório de espera para alguns
esperançosos em dádivas públicas, o que continuará influenciando negativamente
o quadro de expectativas microeconômicas em nosso País (em lugar do livre
empreendedorismo, o possível leilão de favores governamentais).
Ainda
que a política industrial possa oferecer, um dia, todas as virtudes que se
esperam dela, não me parece que ela venha a alterar, dramaticamente, as
condições sob as quais o Brasil já participa da economia internacional, ou
sequer arranhar as condições sob as quais labuta a maioria dos trabalhadores,
em grande medida à margem do mercado formal de relações contratuais. Esse tipo
de dispersão e de perda de foco me parece grave, num governo que foi eleito
para cuidar dos trabalhadores e não dos patrões, que deveriam ser deixados à
sua própria sorte, e sobretudo com menos interferência estatal.
A
tentativa de mudar um pouco de tudo, no Brasil e no mundo, e que parece estar
no centro do ativismo governamental, aliás mais pelo lado das intenções do que
pelo das realizações, pode constituir um entrave concreto ao exercício de uma
boa governança em favor dos mais pobres e dos absolutamente carentes. Como as
expectativas eram, de modo legítimo, muito grandes, o governo tem se esforçado
para corresponder a todas elas, dando a impressão de que vai conseguir mudar
tudo no curto espaço de quatro anos.
Entretanto,
mais de um quarto do tempo alocado a este governo já se passou e um balanço
(talvez impressionista) do quadro da governança poderia ser assim apresentado:
1)
Um notável desempenho macroeconômico,
que conseguiu reverter um quadro dramático de deterioração dos indicadores
internos e externos com base no bom senso e também na certeza de que o único
caminho disponível é o que foi efetivamente seguido. A construção da confiança
só não foi total porque, no interior do próprio governo e nas bases “naturais”
de sustentação, a demanda por magia continua alta e não coibida. Minha única
recomendação concreta, aqui, seria a persistência na via adotada e um
enquadramento de todo o governo com a política determinada pela autoridade
máxima, que neste caso é também a política de maior racionalidade intrínseca.
2)
Um pífio desempenho administrativo,
em talvez na metade dos ministérios, o que é amplamente reconhecido até dentro
das hostes governamentais. O inchaço da máquina e a seleção dos titulares por
critérios alheios a preocupações com o desempenho são os responsáveis por esse
quadro lamentável. A recomendação geral seria por um total remanejamento da
máquina e dos titulares, mas não é possível oferecer neste espaço sugestões
concretas sobre quais áreas devem e precisam mudar. Já ofereci a hipótese de
que o governo tem muito Antonio Gramsci e carência de Peter Drucker. Talvez uma
boa consultoria externa, dessas voltadas para organização e métodos para
resultados, pudesse ajudar um pouco na reorganização da máquina do governo. Recomendo,
sem pudores.
3)
Um desempenho externo extremamente ativo
e variado do Brasil-Estado, com impacto notável nos meios de comunicação,
internos e externos, mas com resultados até aqui pelo menos duvidosos do ponto
de vista da solução dos problemas concretos, e graves, do outro Brasil, o Brasil-Nação. Pode-se certamente
assegurar, por essa via, uma maior presença do Brasil no cenário internacional,
mas ela pode ser igualmente alcançada por uma melhoria da nossa situação
econômica e social, pela maior solidez dos grandes equilíbrios macroeconômicos,
pela confiança gerada nos investidores internos e externos ou ainda por um
diálogo aberto com todo tipo de parceiro, sobretudo os mais relevantes. A
segunda via é certamente mais lenta, mas não se deve descurar o fato de que um
precoce engajamento em novas responsabilidades internacionais gerará uma
demanda por recursos escassos, em meios militares e/ou cooperação técnica e
financeira, que ainda fazem dramaticamente falta no plano interno. Minha
recomendação, até por um questão de respeito aos eleitores deste governo, seria
a de que uma atenção prioritária fosse agora dedicada ao plano interno, em
especial em direção dos setores carentes.
4)
Uma deterioração dramática do quadro
político-institucional, sobretudo no que se refere ao cumprimento da lei,
ao respeito da legalidade e à administração de conflitos sociais. O Estado, aos
olhos de muitos, não faz cumprir a lei, ou por falta de vontade ou por falta de
capacidade, ou por ambas, o que é, reconheçamos, extremamente grave. Uma
caracterização desse tipo, se suficientemente embasada em fatos claramente
delimitados, pode prestar-se a uma acusação de crime de responsabilidade,
contra qualquer um dos agentes públicos, inclusive o mais alto. Minha singela
recomendação seria em favor de uma revisão séria e ponderada da situação do
quadro jurídico-legal no País e sobretudo no sentido de uma decisão superior em
prol do seu estrito cumprimento pelo Estado. A experiência histórica nos ensina
que o mais rápido e seguro caminho para a desgovernança prática começa pelo
desrespeito à lei.
Não tenho a pretensão de
oferecer soluções adequadas a todos os problemas de que padece atualmente (e
estruturalmente) o País, em especial na vertente governamental. Tenho
consciência, porém, de que um dos requisitos para encontrar respostas
apropriadas está na correta formulação das perguntas pertinentes e no
oferecimento de um diagnóstico ajustado aos problemas. Creio ter indicado os
problemas que me parecem mais graves no Brasil atual, a começar pela crise de
governança, que resulta ser uma crise da autoridade legal. Espero ter assim
contribuído, com total ânimo cooperativo, para diminuir o quadro nebuloso que
dificulta até mesmo visualizar a falta de governança no Brasil atual.
Paulo Roberto de Almeida
Vocês não vão acreditar, mas esse texto foi escrito em:
Brasília (1241), 9 de abril de 2004.
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