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segunda-feira, 6 de março de 2017

Dez desafios da politica externa brasileira: livro do Cebri-Konrad Adenauer

Já postado anteriormente aqui, posto novamente com pequenas correções de digitação.


Dez desafios da politica externa brasileira - CEBRI

Resumo de livro por:
Paulo Roberto de Almeida

Spektor, Matias (editor executivo):
10 Desafios da Política Externa Brasileira
(Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Relações Internacionais; Fundação Konrad Adenauer, 2016, 144p.; ISBN: 978-85-89534-11-6)

O Cebri possui diferentes grupos de trabalho para pesquisar e debater assuntos relevantes da política internacional e das relações internacionais do Brasil. Um deles é especificamente voltado para a política externa e a diplomacia brasileira, coordenado pelo historiador Matias Spektor. Ele foi o editor executivo desta publicação, que reuniu colaborações de diferentes grupos de trabalho, reunidos sob o conceito que empresta seu título à publicação: desafios à política externa brasileira, que eles limitaram a dez (mas num sentido amplo).
Em sua “carta de Editor Executivo”, Spektor acredita que a política externa assume um papel central na recuperação econômica brasileira: “Se há uma tese central a unir os capítulos que seguem é esta: a política externa é um instrumento essencial para a recuperação do crescimento econômico com justiça social, pois o sistema internacional afeta em cheio a capacidade que as autoridades nacionais tem para conduzir políticas efetivas.”
A seguir uma apresentação sumária de seu conteúdo.

1. Por uma nova doutrina de política externa brasileira, Matias Spektor
            Spektor abre o volume com uma análise sobre as ideias e conceitos que guiam a política externa brasileira. Ele argumenta que a doutrina herdada dos 20 anos de condomínio entre PT e PSDB caducou, e tenta conceber uma nova doutrina. FHC teria aderido às teses da globalização, ao passo que Lula teria tentado aproveitar as brechas do sistema para projetar o Brasil. A nova doutrina precisaria emergir de um consenso suprapartidário, sem estar concentrada num ministério ou grupo particular. Para tal se necessitam estudos empiricamente embasados e debates em todos os setores da opinião pública, levando-se em conta os impactos redistributivos da política externa, dadas as enormes carências da sociedade brasileira.

2. Uma política externa para a atração de investimentos estrangeiros, Carlos Góes
            Analisa as reformas necessárias para que o Brasil possa atrair mais investimentos, sendo que o fator crucial é o aumento da produtividade do trabalhador brasileiro. A governança global dos investimentos é indissociável da regulação sobre o comércio internacional, e os fluxos globais de IED para países em desenvolvimento aumentam muito com sua participação em tratados de livre comércio, assim como com a qualidade de suas instituições. “Nesse aspecto, a política exterior brasileira parece estar defasada” (p. 33). O Brasil nunca aderiu, por exemplo, à Convenção 87, da OIT, e jamais considerou ingressar no ICSID.

3. O problema do comércio exterior, Diego Bonomo
            O Brasil é a economia mais fechada do G20, e os seus dirigentes impuseram ao país um fechamento incompatível com as necessidades de sua inserção global. O “custo Brasil” é um entrave a um maior crescimento econômico no país. A política comercial, por sua vez, padece de conflitos de competência entre diferentes órgãos nacionais. A recente onda de corrupção, evidenciada pela Operação Lava Jato também refreou a expansão dos interesses econômicos brasileiros no exterior. O Brasil precisar desonerar completamente suas exportações e melhorar as condições de logística e de infraestrutura. A burocracia e a legislação laboral também constituem grandes entraves a progressos nessa área. A prevalência do multilateralismo na diplomacia comercial também tornou mais lenta a negociação de acordos bilaterais de comércio.

4. Diplomacia anticorrupção, Marcos Tourinho
Por ter importantes componentes transnacionais, o combate à corrupção, ao desvio de recursos e à evasão fiscal é âmbito onde a política externa tem o potencial de oferecer contribuição concreta para o desenvolvimento e a democracia no país. Recomenda-se: 1) atuação concertada do Itamaraty com Ministérios da Fazenda, da Justiça, Polícia Federal, Judiciário e Ministério Público; 2) elaboração de guia de conduta de autoridades na promoção e proteção de interesses de empresas brasileiras no exterior; 3) recuperação da imagem de empresas brasileiras envolvidas em corrupção por meio de adesão a mecanismos como o Pacto Global da ONU; 4) adesão a mecanismos internacionais existentes e liderança na criação de novos regimes; 5) celebração de acordos bilaterais de combate à corrupção.

5. Segurança e defesa, Érico Esteves Duarte
            Depois de dez anos de ter elaborado uma estratégia nacional de defesa, é preciso revisar a estrutura atual do setor, com base em crédito público à indústria nacional, mas também com base nas novas ameaças emergentes. O mais grave problema é o tráfico internacional de cocaína. A articulação entre o MD e o MRE é insuficiente. “Recomenda-se que a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) ganhe um corpo mais efetivo e estruturado no âmbito da Casa Civil” (p. 83). Ela deveria amparar e subsidiar um Conselho de Planejamento Nacional, incluindo um setor de inovação, incorporando quadros do Itamaraty e das FFAA.

6. Política externa brasileira e a nova geopolítica da energia, João Augusto de Castro Neves
            A diplomacia energética mudou bastante na era Lula, passando da tentativa de transformar o etanol e commodity global até a reversão para os combustíveis fósseis no pré-sal e novas incursões na energia nuclear, ambas iniciativas tingidas por forte corrupção. Está em curso uma reestruturação do setor elétrico que pode aumentar a participação do capital estrangeiro na provisão de energia. A decisão de alterar o marco regulatório no petróleo causou uma virtual paralisia no setor, a que se soma o protecionismo exacerbado, que diminuiu o fluxo de investimentos. A diplomacia brasileira pode atuar de forma relevante na captação de recursos para investimentos em energia no país.

7. Bens públicos, grupos de interesse e política externa, Eduardo Mello
            De que forma as opções de diplomacia acarretam ganhos e perdas para diferentes grupos sociais no Brasil? O autor sugere mensurar os efeitos domésticos das opções externas adotadas pelos diferentes governos.

8. Diplomacia da saúde global, Umberto Mignozzetti
            As epidemias do subdesenvolvimento colocaram novamente o Brasil no centro do debate internacional sobre doenças globais. As práticas nacionais podem dificultar a aplicação de normas internacionais de combate a essas epidemias. Seria preciso aumentar a cooperação regional para melhor combater epidemias.

9. Promoção da democracia e dos direitos humanos, Oliver Stuenkel
            Novas dúvidas surgiram sobre a resiliência da democracia na região, a partir de um aparente esgotamento do ciclo da esquerda nas políticas da região. A proteção dos direitos humanos apresenta implicações para as questões da não-intervenção e da soberania nacional. Mas o silêncio brasileiro em relação às crescentes violações à democracia e aos direitos humanos na Venezuela “criou uma fissura na imagem do Brasil como líder regional” (p. 125). Empréstimos do BNDES deveriam levar em conta esses aspectos na concessão de créditos subsidiados.

10. Análise estratégica para as relações internacionais do Brasil, Matias Spektor
            Qual seria o papel da análise estratégica em política externa? “Não existe hoje uma instância com poderes delegados da presidência da República para coordenar o trabalho de reflexão prospectiva dos numerosos órgãos governamentais que conduzem algum tipo de atividade internacional. Ou seja, não há uma estrutura análoga ao National Security Council (Estados Unidos), ao Prime Minister’s Strategy Unit (Reino Unido) ou aos conselhos mais ou menos informais que alimentam com análises estratégicas o processo decisório dos chefes de governo em países como Rússia, Índia e China” (p. 135). Ou seja, o trabalho de análise estratégica é pulverizado em diversas agências.
            “A cultura diplomática é rica e fonte de enorme vantagem comparativa para o Brasil no sistema internacional. No entanto, cinco de suas principais características distintivas dificultam o nascimento de uma cultura arraigada em análise estratégica” (p. 136). 1) valoriza a ação prática em detrimento do trabalho analítico; 2) existe um culto das gerações mais antigas e pouca interação com instituições de fora do país; 3) existe aversão ao dissenso e adesão ao pensamento grupal; 4) existe mais burocracia administrativa do que reflexão estratégica no dia a dia do diplomata; 5) a hierarquia estrita traz coerência mas também enormes custos: “Existem barreiras tácitas e explícitas à cultura de questionamento e criatividade que é essencial a qualquer trabalho sério de análise estratégica” (p. 137).
  
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 de fevereiro de 2017

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