Dez grandes desafios da política externa brasileira
Uma visão alternativa dos problemas diplomáticos atuais, e
constantes
Paulo
Roberto de Almeida
Existem muitos desafios,
claro, mas os meus são mais prosaicos, e nem são, na verdade, atuais, e sim
permanentes, recorrentes, até invisíveis, ao que parece. Para ser mais exato,
eles são característicos dessa coisa chamada psique nacional, mas que também
podem impactar a sua política externa, das formas mais imprevistas. Ressalvo,
entretanto: eles têm pouco a ver com o Itamaraty, enquanto burocracia
relativamente impenetrável (et pour cause),
e tem mais a ver com a sociedade como um todo, ou se quisermos, com o governo e
o Estado, em especial. Somos um país construído pela superestrutura
patrimonialista de velha extração lusitana, mas os portugueses não têm nenhuma
culpa pelo que construímos nos últimos duzentos anos. Esses desafios são, como
diria Nelson Rodrigues, coisas nossas…
Aqui vão os meus desafios
(ou seriam obsessões?):
1) Protecionismo: esse é
tradicional, velho, anacrônico, mas, por mais que isto seja contraditório ou
paradoxal, ele está sempre jovem e saudável, pronto para se exercer a cada
viragem da política nacional;
2) Preferência pela indústria,
em detrimento de todos os demais setores, o que é uma inversão dos séculos
anteriores, quando a agricultura era gloriosa e a salvação da nação; depois ele
virou a danação, uma vergonha nacional, até ser novamente restabelecida para
salvar a lavoura, mas continua mal amada;
3) Substituição de importações:
uma decorrência dos anteriores, mas bastante alimentada pela ideologia
cepaliana, de muito sucesso no Itamaraty, desde sempre;
4) Desenvolvimentismo
superficial, uma obsessão histórica, geralmente apenas um slogan, que esconde
políticas frequentemente anti-desenvolvimentistas; se essa ideologia
funcionasse, depois de mais de meio século de aplicação, o Brasil deveria já
ter se convertido numa grande potência;
5) Isolacionismo: os
brasileiros, em geral, amam o capital estrangeiro, mas detestam o capitalista
estrangeiro; eles querem o capital, mas não os seus donos; eles acham que vão
proteger as nossas riquezas proibindo os estrangeiros de comprarem terras e
explorá-las honestamente; eles são contra a exportação de 100% da soja…;
6) Forte teologia estatal, quase
fundamentalista: os brasileiros amam o Estado, querem mais Estado, para tudo e
qualquer coisa eles pedem mais Estado (coitados); assim é, se me parece: 95%
dos meus alunos querem fazer concurso público;
7) Inflacionismo burocrático,
ou seja, aquele que alimenta a si próprio e se transforma num sanguessuga
impérvio a todos os remédios: até para combater a corrupção, em lugar de subtrair
responsabilidades a cargo do Estado, os brasileiros criam mais uma burocracia
para combater os golpes contra a burocracia; isso atinge a política externa
também, pois os diplomatas estão sempre querendo reforçar o dinossauro
onusiano;
8) Nacionalismo rastaquera,
aquele do último refúgio dos canalhas (que na verdade é mais o patriotismo, mas
que é muito parecido), que tem orgulho de preservar os fabulosos recursos
nacionais contra a sanha da exploração estrangeira; o pessoal fica orgulhoso ao
impedir estrangeiros de explorar os brasileiros;
9) Solidariedade com os pobres,
o que acaba se traduzindo num mínimo denominador comum com base nas políticas
mais intervencionistas supostamente em favor da soberania nacional e de outros
mitos desenvolvimentistas, ou seja, elas conseguem preservar os pobres na
pobreza (como aquele papa peronista);
10)
Conservadorismo imobilista, o que significa preservação de
todas as opções, escolhas e iniciativas anteriores, inclusive aquelas mais
irracionais e deformadas, legadas pelos companheiros, com todas as
consequências nefastas derivadas dessas escolhas mal concebidas, mal
implementadas e apenas suportadas; ou seja, falta coragem para ficar sozinho no
mundo.
Sei que vou ser criticado
pelas minhas alternativas de desafios, mas é porque as pessoas consideram que
eu estou falando sério, quando eu estou apenas me divertindo.
Ou tudo isso não seria
engraçado, quando adotamos o ponto de vista de princípio de que temos sempre, em
qualquer circunstância, a melhor política externa possível no melhor dos mundos
que nos é oferecido? Pangloss concordaria…
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
14 de março de 2017.
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